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Document 62008CJ0413

Sumário do acórdão

Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1. Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Apreciação errada dos factos – Inadmissibilidade – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova – Exclusão, salvo em caso de desvirtuação – Fundamento relativo à desvirtuação dos elementos de prova

[Artigos 81.°, n.° 1, CE e 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 51.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 112.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c)]

2. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prática concertada – Prova da infracção – Ónus da prova

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

3. Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fundamento apresentado pela primeira vez no âmbito do recurso – Inadmissibilidade

4. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Base jurídica

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

5. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Conceito

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

6. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Conceito – Infracção declarada por uma decisão objecto de fiscalização jurisdicional – Inclusão – Decisão posteriormente anulada – Consequências

(Artigo 233.° CE e 242.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 2)

7. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Violação do princípio da legalidade das penas – Inexistência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

8. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Carácter dissuasivo – Tomada em consideração da dimensão e dos recursos globais da empresa à qual foi aplicada uma sanção – Pertinência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 1 A)

Sumário

1. Quando um recorrente alega, no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, deve, em aplicação dos artigos 225.° CE, 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram por ele desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal de Primeira Instância a essa desvirtuação.

Tal desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada.

Num processo relativo à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, a existência de uma desvirtuação dos elementos de prova deve ser examinada à luz do facto de que, atendendo à proibição de participar em práticas e em acordos anticoncorrenciais bem como às sanções em que os infractores podem incorrer serem notórias, é usual as actividades que essas práticas e esses acordos comportam desenrolarem‑se de forma clandestina, as reuniões realizarem‑se em segredo, o mais das vezes, num país terceiro, e a documentação a elas respeitante ser reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que atestam de forma explícita um contacto ilegítimo entre operadores, como as actas de uma reunião, esses documentos serão normalmente fragmentários e esparsos, pelo que se revela frequentemente necessário reconstituir certos detalhes por dedução. Na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um certo número de coincidências e de indícios que, considerados conjuntamente, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência.

(cf. n. os  16, 17, 22)

2. Incumbe à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência aduzir a respectiva prova e que cabe à empresa ou à associação de empresas que invocam um meio de defesa contra uma declaração de infracção a essas regras aduzir a prova de que se encontram preenchidas as condições de aplicação da regra a partir da qual esse meio de defesa é deduzido, pelo que a referida autoridade deverá, então, recorrer a outros elementos de prova.

Mesmo que o ónus da prova incumba, segundo esses princípios, quer à Comissão quer à empresa ou à associação em causa, os elementos factuais que uma parte invoca podem ser de molde a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sem o que é permitido concluir que foi dado cumprimento às regras em matéria de ónus da prova.

(cf. n. os  29, 30)

3. Permitir a uma parte invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento e argumentos que não invocou perante o Tribunal de Primeira Instância equivaleria a autorizá‑la a chamar o Tribunal de Justiça, cuja competência em matéria de recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância é limitada, a conhecer um litígio mais extenso do que aquele que o Tribunal de Primeira Instância teve de conhecer. No quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, a competência do Tribunal de Justiça está, portanto, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos e aos argumentos debatidos perante os primeiros juízes.

(cf. n.° 52)

4. O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 habilita a Comissão a aplicar coimas contra empresas e associações de empresas por infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Nos termos dessa disposição, para determinar o montante da coima deve tomar‑se em consideração a duração e a gravidade da infracção em causa. A este respeito, uma eventual reincidência figura entre os elementos a tomar em consideração aquando da análise da gravidade da infracção em causa. Resulta daqui que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 constitui a base jurídica pertinente para a tomada em consideração de uma reincidência quando do cálculo da coima.

Ao confirmar a declaração, feita pela Comissão, da existência de uma reincidência por parte de uma empresa e a qualificação dessa reincidência como circunstância agravante, o Tribunal de Primeira Instância não viola o princípio nulla poena sine lege .

(cf. n. os  62‑65)

5. O princípio da segurança jurídica não é violado pelo facto de não existir um prazo predeterminado para a tomada em conta da reincidência. Embora seja verdade que nem o Regulamento n.° 17 nem as orientações estabelecidas pela Comissão para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA prevêem um prazo máximo a partir do qual a reincidência possa ser tomada em conta, a Comissão não pode proceder a uma majoração da coima a título de reivindicação sem limitação no tempo.

A Comissão pode, em cada caso, tomar em consideração os indícios destinados a confirmar a propensão de uma empresa para violar as regras de concorrência, incluindo, por exemplo, o tempo que decorreu entre as infracções em causa. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade exige que o tempo decorrido entre a infracção em causa e uma precedente infracção às regras de concorrência seja tomado em consideração para apreciar a propensão da empresa para violar essas regras.

No quadro da fiscalização jurisdicional exercida sobre os actos da Comissão em matéria de direito da concorrência, o Tribunal de Primeira Instância e, sendo caso disso, o Tribunal de Justiça podem, portanto, ser chamados a verificar se a Comissão respeitou o referido princípio quando majorou a coima aplicada a título da reincidência e se, em particular, essa majoração se impunha, nomeadamente, face ao tempo decorrido entre a infracção em causa e a precedente infracção às regras de concorrência.

(cf. n. os  66‑70, 72, 73)

6. As decisões da Comissão gozam da presunção de validade enquanto não forem anuladas ou revogadas. Além disso, como prevê expressamente o artigo 242.° CE, os recursos para o Tribunal de Justiça não têm efeito suspensivo. Decorre daqui que, mesmo que ainda esteja sujeita a fiscalização jurisdicional, uma decisão da Comissão continua a produzir a totalidade dos seus efeitos, a menos que o Tribunal de Primeira Instância ou o Tribunal de Justiça decidam de outra forma.

A tese da recorrente segundo a qual a interposição de um recurso de anulação de uma decisão da Comissão em matéria de concorrência acarreta a suspensão da aplicação dessa decisão durante o processo judicial, pelo menos no que diz respeito às consequências que dela decorrem para efeitos da declaração, numa decisão posterior, de uma eventual reincidência, não assenta, portanto, em nenhuma base jurídica, mas, pelo contrário, colide, nomeadamente, com a redacção do artigo 242.° CE.

Além disso, se esta tese devesse ser acolhida, os autores de infracções seriam incitados a interpor recursos puramente dilatórios, com a única finalidade de evitar as consequências da reincidência enquanto durassem os processos no Tribunal de Primeira Instância e no Tribunal de Justiça.

A conclusão segundo a qual, para que a Comissão possa ter em conta a reincidência, basta que a empresa tenha sido previamente considerada autora de uma infracção do mesmo tipo, mesmo que a decisão em causa ainda esteja sujeita a fiscalização jurisdicional, tem, portanto, fundamento jurídico.

Essa conclusão não é posta em causa na hipótese de a decisão com base na qual a coima relativa a outra infracção foi majorada numa decisão ulterior ser anulada pelo juiz da União Europeia, após a adopção desta última. Com efeito, em tal hipótese, a Comissão está obrigada, em aplicação do artigo 233.° CE, a tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão do Tribunal de Justiça, alterando, sendo caso disso, a decisão posterior na medida em que contenha uma majoração da coima a título da reincidência.

Este sistema é conforme com os princípios gerais da boa administração da justiça e da economia processual, na medida em que, por um lado, obriga a instituição de que emana o acto em causa a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça, mesmo não havendo um pedido para esse efeito da empresa em causa, e, por outro, inviabiliza os recursos puramente dilatórios.

(cf. n. os  81‑89)

7. Se bem que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 deixe à Comissão uma ampla margem de apreciação, limita, todavia, o seu exercício, instituindo critérios objectivos que a Comissão deve respeitar. Assim, por um lado, o montante da coima aplicável tem um limite máximo quantificável e absoluto, de forma que o montante máximo da coima susceptível de ser aplicada a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, o exercício desse poder de apreciação está igualmente limitado pelas regras de conduta que a Comissão se impôs a si mesma na comunicação sobre a cooperação e nas orientações. Além disso, a prática administrativa conhecida e acessível da Comissão está inteiramente sujeita à fiscalização do juiz da União, cuja jurisprudência constante e publicada permitiu precisar os conceitos indeterminados que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 podia conter. Um operador avisado pode, assim, recorrendo, se necessário, aos serviços de um consultor jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre em razão de determinado comportamento, e o facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas.

(cf. n.° 95)

8. O conceito de dissuasão constitui um dos elementos a tomar em conta no cálculo do montante da coima a aplicar em virtude da infracção às regras da concorrência. O nexo entre, por um lado, a dimensão e os recursos globais das empresas e, por outro, a necessidade de assegurar um efeito dissuasivo à coima não pode ser contestado. Assim, quando calcula o montante da coima, a Comissão pode tomar em consideração, nomeadamente, a dimensão e o poder económico da empresa em causa. Assim, por exemplo, em razão do seu volume negócios global «enorme» relativamente ao dos outros membros do cartel, uma empresa mobilizaria mais facilmente os fundos necessários para o pagamento da sua coima, o que justificava a aplicação de um coeficiente multiplicador, tendo em vista um efeito dissuasivo suficiente dessa mesma coima.

O factor de dissuasão que o cálculo da coima aplicada a uma empresa pode implicar é avaliado tendo em conta uma série de elementos, e não somente a situação particular da empresa em causa. Não está, portanto, excluído que a fase do cálculo em que intervém a tomada em consideração de um factor de dissuasão possa ser pertinente à luz dos elementos tidos em conta para avaliar o referido factor, diferentes da dimensão e dos recursos globais da empresa em causa.

(cf. n. os  102‑105, 109)

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