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Document 62022CJ0551
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de junho de 2024.
Comissão Europeia contra Conselho Único de Resolução.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — União Bancária — Regulamento (UE) n.º 806/2014 — Mecanismo Único de Resolução — Procedimento de resolução aplicável no caso de uma entidade se encontrar em situação ou em risco de insolvência — Artigo 18.°, n.º 7 — Adoção pelo Conselho Único de Resolução de um programa de resolução — Aprovação deste programa pela Comissão Europeia — Artigo 86.°, n.º 2 — Ato suscetível de ser objeto de um recurso — Recurso de anulação — Admissibilidade.
Processo C-551/22 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de junho de 2024.
Comissão Europeia contra Conselho Único de Resolução.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — União Bancária — Regulamento (UE) n.º 806/2014 — Mecanismo Único de Resolução — Procedimento de resolução aplicável no caso de uma entidade se encontrar em situação ou em risco de insolvência — Artigo 18.°, n.º 7 — Adoção pelo Conselho Único de Resolução de um programa de resolução — Aprovação deste programa pela Comissão Europeia — Artigo 86.°, n.º 2 — Ato suscetível de ser objeto de um recurso — Recurso de anulação — Admissibilidade.
Processo C-551/22 P.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:520
Processo C‑551/22 P
Comissão Europeia
contra
Conselho Único de Resolução
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de junho de 2024
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — União Bancária — Regulamento (UE) n.o 806/2014 — Mecanismo Único de Resolução — Procedimento de resolução aplicável no caso de uma entidade se encontrar em situação ou em risco de insolvência — Artigo 18.o, n.o 7 — Adoção pelo Conselho Único de Resolução de um programa de resolução — Aprovação deste programa pela Comissão Europeia — Artigo 86.o, n.o 2 — Ato suscetível de ser objeto de um recurso — Recurso de anulação — Admissibilidade»
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Admissibilidade — Fundamento invocado contra a apreciação da admissibilidade do recurso no Tribunal Geral — Recurso interposto por um interveniente no processo no Tribunal Geral — Admissibilidade
(Artigo 256.o, n.o 1, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 56.o)
(cf. n.o 50)
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Admissibilidade — Decisões suscetíveis de ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça — Acórdão do Tribunal Geral que afasta a inadmissibilidade de um recurso e depois lhe nega provimento — Admissibilidade
(Artigo 256.o, n.o 1, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 56.o)
(cf. n.o 51)
Instituições da União Europeia — Exercício das competências — Delegações — Requisitos — Delegação de poderes decisórios nas agências — Tipos de delegações e efeitos — Delegação de poderes decisórios claramente delimitados — Inexistência de alteração significativa dos poderes implicados — Delegação de um poder discricionário que implica uma ampla margem de apreciação sobre as questões fundamentais do domínio político em causa — Potencial transferência de responsabilidade
(Artigo 290.o TFUE)
(cf. n.os 69‑73)
Instituições da União Europeia — Exercício das competências — Delegações — Requisitos — Delegação de poderes decisórios no Conselho Único de Resolução (CUR) — Adoção pelo CUR de um programa de resolução — Amplo poder de apreciação — Disposições normativas que evitam uma transferência de responsabilidade da Comissão para o CUR
(Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 18.o, n.os 1 a 7)
(cf. n.os 75‑81)
Recurso de anulação — Atos suscetíveis de recurso — Conceito — Atos que produzem efeitos jurídicos vinculativos — Atos preparatórios — Decisão de adoção de um programa de resolução pelo Conselho Único de Resolução (CUR) — Entrada em vigor — Inexistência de produção de efeitos jurídicos vinculativos — Exclusão — Decisão de aprovação pela Comissão, ou mesmo do Conselho da União Europeia, que fixa definitivamente o conteúdo desse programa — Inclusão
(Artigo 263.o TFUE; Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 18.°, n.os 1 a 8, e 30.°, n.os 1 e 2)
(cf. n.os 77‑81, 83‑86, 88, 89, 93, 94)
Resumo
Chamado a conhecer de um recurso interposto pela Comissão Europeia do Acórdão do Tribunal Geral de 1 de junho de 2022, no processo Fundación Tatiana Pérez de Guzmán el Bueno e SFL/CUR ( 1 ), a Grande Secção do Tribunal de Justiça dá provimento a esse recurso e, decidindo definitivamente quanto ao mérito, julga inadmissível o recurso interposto no Tribunal Geral pela Fundación e pela Stiftung für Forschung und Lehre da decisão do Conselho Único de Resolução (CUR), de 7 de junho de 2017, relativa à adoção de um programa de resolução para o Banco Popular Español SA ( 2 ) (a seguir «programa de resolução controvertido»), adotada com base no Regulamento (UE) n.o 806/2014 ( 3 ).
No termo da sua análise, o Tribunal de Justiça declara que o programa de resolução controvertido não constitui um ato recorrível, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e, consequentemente, anula o acórdão recorrido na parte em que declara admissível o recurso de anulação desse programa. O Tribunal de Justiça baseia esta análise, nomeadamente, nos princípios de delegação dos poderes nas agências estabelecidos no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade ( 4 ), e recordados no Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho ( 5 ).
Apreciação do Tribunal de Justiça
O Tribunal de Justiça recorda que podem ser objeto de um recurso de anulação, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, lido em conjugação com o primeiro parágrafo, quaisquer disposições ou medidas adotadas pelas instituições, pelos órgãos ou pelos organismos da União, independentemente da sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de uma pessoa singular ou coletiva, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica. Para determinar se um ato produz esses efeitos e é, por conseguinte, suscetível de ser objeto desse recurso, há que atender à substância desse ato e apreciar esses efeitos à luz de critérios objetivos, como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, sendo caso disso, o contexto da sua adoção e os poderes da instituição, do órgão ou do organismo que dele é autor.
No que respeita, em primeiro lugar, ao conteúdo do programa de resolução controvertido, o Tribunal de Justiça constata que esse programa ainda não tinha sido aprovado no momento da sua adoção na sessão executiva do CUR de 7 de junho de 2017, uma vez que foi em seguida notificado à Comissão para efeitos da sua aprovação, da qual dependia a sua entrada em vigor e, deste modo, a produção pelo mesmo de efeitos jurídicos vinculativos.
Em segundo lugar, quanto ao contexto da adoção do programa de resolução controvertido, o Tribunal de Justiça salienta que, conforme indica o seu preâmbulo, este tem por base jurídica o Regulamento MUR ( 6 ). O regime instituído por este regulamento baseia‑se na constatação ( 7 ) de que o exercício de poderes de resolução nele previstos se insere na política da União em matéria de resolução das instituições bancárias, que apenas as instituições da União podem definir, e que existe uma margem de apreciação na adoção de cada programa de resolução, nomeadamente, dado o impacto considerável das decisões de resolução sobre a estabilidade financeira dos Estados‑Membros e sobre a União propriamente dita, bem como sobre a soberania orçamental dos Estados‑Membros. Por estes motivos, o legislador da União considerou necessário prever a participação adequada do Conselho e da Comissão, a saber, uma participação que reforce a necessária independência operacional do CUR, respeitando simultaneamente os princípios de delegação de poderes nas agências.
Quanto a este último aspeto, o Tribunal de Justiça recorda que, nos Acórdãos Meroni/Alta Autoridade e Reino Unido/Parlamento e Conselho, declarou, em substância, que as consequências de uma delegação de poderes são muito diferentes, consoante esta vise, por um lado, poderes executivos claramente delimitados e cuja utilização seja suscetível de um controlo rigoroso à luz de critérios objetivos fixados pela autoridade delegante, ou, por outro, um «poder discricionário, que implica uma ampla liberdade de apreciação suscetível de traduzir, pela respetiva utilização, uma verdadeira política económica». Uma delegação do primeiro tipo não é suscetível de alterar significativamente as consequências decorrentes do exercício dos poderes que afeta, ao passo que uma delegação do segundo tipo, ao substituir as escolhas da autoridade delegante pelas da autoridade delegatária, opera uma «verdadeira transferência de responsabilidade». O Tribunal de Justiça observa que, no processo que deu origem ao Acórdão Meroni/Alta Autoridade, declarou que a delegação de poderes em causa nesse processo, uma vez que consentia aos organismos em causa uma «liberdade de apreciação que implicava um amplo poder discricionário», não podia ser considerada compatível com os «requisitos do Tratado», precisando que, ao reservar‑se apenas a faculdade de recusar a sua aprovação às decisões desses organismos, a Alta Autoridade não tinha mantido poderes suficientes para evitar essa transferência da responsabilidade.
Segundo o Tribunal de Justiça, a jurisprudência decorrente desse acórdão assenta na premissa de que o equilíbrio dos poderes, característico da estrutura institucional da União, constitui uma garantia fundamental conferida pelos Tratados e que a delegação de um amplo poder discricionário viola esta garantia, uma vez que confia esse poder a autoridades diferentes das estabelecidas pelos Tratados para assegurar e controlar o seu exercício no âmbito das respetivas competências. O amplo poder discricionário a que se refere esta jurisprudência incide, nomeadamente, sobre as questões fundamentais do domínio político em causa, que implicam uma ampla margem de apreciação para conciliar diversos objetivos por vezes contraditórios.
O Tribunal de Justiça acrescenta que resulta mais especificamente da referida jurisprudência que a aplicabilidade dos princípios de delegação dos poderes às agências estabelecidos por esta não depende do caráter individual ou geral dos atos que as agências estão habilitadas a adotar, mas apenas da questão de saber se a delegação incide sobre um amplo poder discricionário ou, pelo contrário, sobre poderes executivos enquadrados de forma precisa.
Ora, o regime instituído pelo Regulamento MUR ( 8 ) visa concretizar os princípios enunciados no Acórdão Meroni/Alta Autoridade e recordados no Acórdão Reino Unido/Parlamento e Conselho.
Com efeito, é certo que o CUR é responsável por adotar todas as decisões relacionadas com a resolução, nomeadamente, para as instituições financeiras e para os grupos considerados significativos para a estabilidade financeira na União, bem como para outros grupos transfronteiriços ( 9 ). A esse título, o CUR só adota um programa de resolução em relação a essas entidades e grupos se, após receção da comunicação da avaliação do BCE quanto à situação ou risco de insolvência da entidade em causa ou por sua própria iniciativa ( 10 ), considerar que se verificam as condições de resolução ( 11 ), que dizem respeito à situação ou risco de insolvência da entidade, à inexistência de medidas alternativas em relação à resolução, bem como à necessidade desta no interesse público. Nesse caso, o CUR adota ( 12 ) um programa de resolução que coloca a entidade em causa sob resolução e determina a aplicação à entidade dos instrumentos de resolução ( 13 ), bem como a utilização do Fundo Único de Resolução.
Todavia, não obstante o amplo poder de apreciação assim conferido ao CUR quanto à questão de saber se e por que meios a entidade em causa deve ser objeto de um procedimento de resolução, esse poder está enquadrado por critérios e condições objetivos que delimitam o âmbito de ação do CUR e que dizem respeito tanto às condições como aos instrumentos de resolução ( 14 ). Além disso, o Regulamento MUR prevê a participação da Comissão e do Conselho no processo conducente à adoção de um programa de resolução, que deve, para entrar em vigor, receber o aval da Comissão e, se for caso disso, do Conselho.
Assim, o CUR é obrigado a informar a Comissão de qualquer ação por si adotada em preparação de um processo de resolução e procede ao intercâmbio, com a Comissão e o Conselho, de todas as informações necessárias para o exercício das suas funções ( 15 ). Por outro lado, a Comissão designa um representante habilitado a participar nas reuniões das sessões plenárias e das sessões executivas do CUR, na qualidade de observador permanente, e este representante tem o direito de participar nos debates e tem acesso a todos os documentos ( 16 ). Além disso, o CUR deve transmitir o programa de resolução, imediatamente após a sua adoção, à Comissão, a qual, no prazo de 24 horas a contar dessa transmissão, aprova o referido programa ou apresenta objeções sobre os aspetos discricionários do mesmo, com exceção dos relacionados com o cumprimento do critério do interesse público e com o montante previsto para a utilização do Fundo Único de Resolução ( 17 ). Quanto a estes últimos aspetos discricionários, a Comissão pode, no prazo de 12 horas a contar da referida transmissão, propor ao Conselho que formule objeções ( 18 ). Por último, o programa de resolução só pode entrar em vigor se não tiverem sido formuladas objeções pelo Conselho ou pela Comissão no prazo de 24 horas após a sua transmissão pelo CUR ( 19 ). Após a aprovação desse programa, a Comissão deve então assumir plenamente as responsabilidades que lhe foram confiadas pelos Tratados.
À luz de todas estas considerações, o Tribunal de Justiça conclui que as disposições do artigo 18.o do Regulamento MUR, com base nas quais o programa de resolução controvertido foi adotado, são suscetíveis de evitar uma «transferência da responsabilidade», na aceção da jurisprudência decorrente do Acórdão Meroni/Alta Autoridade. Com efeito, ao mesmo tempo que confiam ao CUR o poder de apreciar se as condições de adoção de um programa de resolução estão reunidas no caso vertente e o de determinar os instrumentos necessários para efeitos de um tal programa, essas disposições conferem à Comissão ou, se for caso disso, ao Conselho a responsabilidade pela apreciação final dos aspetos discricionários do mesmo. Estes últimos fazem parte da política da União em matéria de resolução das instituições de crédito e implicam uma ponderação de objetivos e de interesses diversos, relativos à preservação da estabilidade financeira da União e da integridade do mercado interno, à tomada em consideração da soberania orçamental dos Estados‑Membros e à proteção dos interesses dos acionistas e dos credores.
No que respeita, em terceiro lugar, aos poderes do CUR, o Tribunal de Justiça declara que a interpretação feita pelo Tribunal Geral, segundo a qual um programa de resolução pode produzir efeitos jurídicos vinculativos independentemente da decisão de aprovação pela Comissão, viola tanto os poderes conferidos ao CUR pelo Regulamento MUR como a jurisprudência decorrente do Acórdão Meroni/Alta Autoridade.
Com efeito, embora o Regulamento MUR preveja ( 20 ) que o CUR é responsável pela elaboração e adoção de um programa de resolução, não lhe confere por essa razão o poder de adotar um ato que produza efeitos jurídicos autónomos. No âmbito do procedimento de resolução, a aprovação da Comissão constitui um elemento indispensável para a entrada em vigor do programa de resolução.
Esta aprovação é, também, decisiva para o conteúdo do programa de resolução em causa. Com efeito, por um lado, embora o Regulamento MUR permita à Comissão aprovar esse programa sem ter formulado objeções sobre os aspetos discricionários do mesmo nem proposto ao Conselho que as formule, permite igualmente que a Comissão e o Conselho substituam a apreciação do CUR pela sua própria apreciação quanto a esses aspetos discricionários, apresentando objeções a seu respeito ( 21 ), caso em que o CUR é obrigado a alterar, no prazo de oito horas, esse programa de acordo com as razões expostas pela Comissão ou pelo Conselho, e isto para que o referido programa entre em vigor ( 22 ). Por outro lado, uma oposição do Conselho baseada no facto de o critério do interesse público não ser cumprido tem por efeito impedir, em definitivo, a resolução, ao abrigo do referido regulamento, da entidade em causa, devendo essa entidade ser liquidada de forma ordenada em conformidade com o direito nacional aplicável ( 23 ).
No presente processo, como a Comissão salientou expressamente na sua decisão de aprovação do programa de resolução controvertido ( 24 ), esta expressou que «concorda» com o conteúdo deste e com «os motivos, invocados pelo CUR, pelos quais a resolução é necessária para a defesa do interesse público». Ora, os aspetos discricionários de um programa de resolução, que se referem quer à instituição das condições de resolução quer à determinação dos instrumentos de resolução, estão indissociavelmente ligados aos aspetos mais técnicos da resolução. Contrariamente ao que o Tribunal Geral sustentou, não se pode, portanto, distinguir entre esses aspetos discricionários e esses aspetos técnicos, para efeitos de determinar o ato recorrível no contexto de um programa de resolução aprovado no seu conjunto pela Comissão.
Assim, apenas mediante a decisão de aprovação da Comissão é que a medida de resolução adotada pelo CUR no programa de resolução controvertido foi definitivamente fixada e que esta medida produziu efeitos jurídicos vinculativos, pelo que é a Comissão, e não o CUR, que deve responder pela referida medida de resolução perante o juiz da União.
O Tribunal de Justiça conclui, portanto, que resulta do seu conteúdo, do contexto da sua adoção e dos poderes do CUR que o programa de resolução controvertido não produziu efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de uma pessoa coletiva ou singular, pelo que não constitui um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.
O Tribunal de Justiça acrescenta que, em primeiro lugar, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, não se pode deduzir do artigo 86.o, n.os 1 e 2, do Regulamento MUR que o programa de resolução controvertido é um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação no Tribunal Geral, apesar de não ter constituído o resultado final do procedimento de resolução em causa, uma vez que este só se materializou na aprovação desse programa pela Comissão e que não produziu efeitos jurídicos autónomos.
Com efeito, as disposições de um regulamento não podem alterar o sistema de recursos previsto pelo Tratado FUE. Além disso, resulta dos próprios termos do artigo 86.o do Regulamento MUR que os recursos que visa devem ser interpostos no Tribunal de Justiça «ao abrigo do artigo 263.o [TFUE]», o que pressupõe que respeitem a condição, que ali figura, relativa ao caráter recorrível do ato impugnado.
O Tribunal de Justiça observa, é certo, que, no Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE ( 25 ), declarou, em substância, que um programa de resolução pode, enquanto resultado final do processo complexo de resolução, ser objeto de fiscalização jurisdicional perante o juiz da União. Todavia, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar a legalidade de uma decisão do Tribunal Geral que declarou inadmissíveis recursos de anulação interpostos, não desse programa, mas dos atos preparatórios do Banco Central Europeu que declararam a existência de uma situação ou de um risco de insolvência de entidades ( 26 ). As considerações expostas nesse acórdão devem, assim, ser lidas à luz da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa aos procedimentos complexos, da qual resulta que, em tais procedimentos complexos, os atos adotados no decurso das etapas preparatórias da adoção do ato definitivo não podem, quando não produzem efeitos jurídicos autónomos, ser objeto de um recurso de anulação.
Segundo, o Tribunal de Justiça declara que o Tribunal Geral considerou erradamente, no acórdão recorrido, que a falta de reconhecimento do caráter recorrível do programa de resolução controvertido conduz a uma violação do direito das recorrentes em primeira instância a uma proteção jurisdicional efetiva.
Com efeito, uma decisão de aprovação da Comissão, como a que está em causa no presente processo, reúne as características de um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Ora, no âmbito de um recurso de anulação de uma tal decisão, as pessoas singulares ou coletivas em causa podem invocar a ilegalidade do programa de resolução que essa instituição aprovou, conferindo‑lhe, assim, efeitos jurídicos vinculativos, o que é suscetível de lhes garantir uma proteção jurisdicional suficiente. De resto, o Tribunal de Justiça recorda que se considera que a Comissão, através dessa aprovação, faz seus os elementos e os fundamentos contidos nesse programa, pelo que deve, se for caso disso, responder perante o juiz da União.
( 1 ) Acórdão de 1 de junho de 2022, Fundación Tatiana Pérez de Guzmán el Bueno e SFL/CUR, T‑481/17, EU:T:2022:311, a seguir «acórdão recorrido»).
( 2 ) Decisão SRB/EES/2017/08 da sessão executiva do Conselho Único de Resolução (CUR), de 7 de junho de 2017, com respeito à adoção de um programa de resolução para o Banco Popular Español SA.
( 3 ) Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1, a seguir «Regulamento MUR»).
( 4 ) Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).
( 5 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18).
( 6 ) Em particular o seu artigo 18.o.
( 7 ) V., em substância, considerandos 24 e 26 do Regulamento MUR.
( 8 ) Como decorre dos considerandos 24 e 26 do Regulamento MUR.
( 9 ) Nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento MUR.
( 10 ) Nos termos do artigo 18.o, n.os 1 e 6, do Regulamento MUR.
( 11 ) Referidas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) a c), do Regulamento MUR.
( 12 ) Com base no artigo 18.o, n.o 6, do Regulamento MUR.
( 13 ) Referidos no artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento MUR.
( 14 ) Nos termos do artigo 18.o, n.os 1 e 4 a 6, do Regulamento MUR.
( 15 ) Nos termos do artigo 30.o, n.os 1 e 2, do Regulamento MUR.
( 16 ) Nos termos do artigo 43.o, n.o 3, do Regulamento MUR.
( 17 ) Artigo 18.o, n.o 7, primeiro a terceiro parágrafos, do Regulamento MUR.
( 18 ) Artigo 18.o, n.o 7, terceiro parágrafo, do Regulamento MUR.
( 19 ) Artigo 18.o, n.o 7, quinto parágrafo, do Regulamento MUR.
( 20 ) Nos termos dos artigos 7.° e 18.° do Regulamento MUR.
( 21 ) Artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento MUR.
( 22 ) Artigo 18.o, n.o 7, sétimo parágrafo, do Regulamento MUR.
( 23 ) Artigo 18.o, n.o 8, do Regulamento MUR.
( 24 ) Decisão (UE) 2017/1246 da Comissão, de 7 de junho de 2017, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular Español S.A. (JO 2017, L 178, p. 15), considerando 4, conforme retificado em 6 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 320, p. 31).
( 25 ) Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.os 56 e 66).
( 26 ) Na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento MUR.