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Document 62022CJ0549
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de fevereiro de 2024.
X contra Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank.
Reenvio prejudicial — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes argelinos e dos membros sobrevivos da sua família — Transferência de prestações para a Argélia às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor — Prestação de sobrevivência — Legislação nacional que aplica o princípio do país de residência — Cláusula de residência que reduz o montante da prestação de sobrevivência para os beneficiários residentes na Argélia.
Processo C-549/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de fevereiro de 2024.
X contra Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank.
Reenvio prejudicial — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes argelinos e dos membros sobrevivos da sua família — Transferência de prestações para a Argélia às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor — Prestação de sobrevivência — Legislação nacional que aplica o princípio do país de residência — Cláusula de residência que reduz o montante da prestação de sobrevivência para os beneficiários residentes na Argélia.
Processo C-549/22.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:184
Processo C‑549/22
X
contra
Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Centrale Raad van Beroep)
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de fevereiro de 2024
«Reenvio prejudicial — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes argelinos e dos membros sobrevivos da sua família — Transferência de prestações para a Argélia às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor — Prestação de sobrevivência — Legislação nacional que aplica o princípio do país de residência — Cláusula de residência que reduz o montante da prestação de sobrevivência para os beneficiários residentes na Argélia»
Acordos internacionais — Acordo de Associação CE‑Argélia — Artigo 68.o, n.o 4 — Efeito direto — Inexistência de Decisão do Conselho de Associação — Falta de pertinência
(Acordo de Associação CE‑Argélia, artigo 68.o, n.o 4)
(cf. n.os 30‑36, disp. 1)
Acordos internacionais — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Transferência sem restrições das pensões e rendas da segurança social — Âmbito de aplicação pessoal — Prestações de sobrevivência — Familiares sobrevivos de trabalhadores — Inclusão — Obrigação de residir no Estado‑Membro devedor — Inexistência
(Acordo de Associação CE‑Argélia, artigo 68.o, n.o 4)
(cf. n.os 38, 40‑42, disp. 2)
Acordos internacionais — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Transferência sem restrições das prestações da segurança social — Prestações de sobrevivência — Cônjuge sobrevivo que reside na Argélia — Transferência de prestações às taxas aplicadas pela legislação do Estado‑Membro devedor — Redução do montante de uma prestação de sobrevivência tendo em conta o custo de vida no país de residência do beneficiário — Admissibilidade — Requisitos
(Acordo de Associação CE‑Argélia, artigo 68.o, n.o 4)
(cf. n.os 46‑49, 51, disp. 3)
Resumo
O Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial pelo Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública, Países Baixos; a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»), declara que o artigo 68.o, n.o 4 ( 1 ), do Acordo de Associação CE‑Argélia ( 2 ), relativo ao direito à transferência sem restrições das prestações da segurança social, tem efeito direto e não se opõe à redução do montante das prestações de sobrevivência pelo facto de os seus beneficiários residirem na Argélia, quando as mesmas visem garantir um rendimento de base calculado em função do custo de vida no Estado‑Membro devedor e essa redução respeite a substância do referido direito.
X reside na Argélia. Na qualidade de familiar sobrevivo do seu cônjuge que trabalhou nos Países Baixos e que estava segurado ao abrigo da Algemene nabestaandenwet (Lei Geral relativa aos Familiares Sobrevivos, a seguir «ANW») no momento da sua morte, tem direito a receber uma prestação de sobrevivência desde 1 de janeiro de 1999. Após ter restabelecido em 2018, com efeitos retroativos, a prestação de sobrevivência de X, à qual tinha posto termo em 2012, o Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank (Conselho de Administração do Instituto da Segurança Social, Países Baixos) informou X de que a partir de 1 de janeiro de 2013 esta prestação seria reduzida com o fundamento de que o pagamento deveria ser efetuado em conformidade com o princípio do país de residência, ou seja, neste caso, em função de uma percentagem que reflita o custo de vida na Argélia em relação ao custo de vida nos Países Baixos ( 3 ).
Após ter sido vencida em várias ações contra esta decisão, X interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, que decidiu submeter ao Tribunal de Justiça diferentes questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, a fim de saber se este acordo se opõe à redução do montante da prestação de sobrevivência de X, com base no princípio do país de residência.
Apreciação do Tribunal de Justiça
Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça responde à questão de saber se, tendo em conta os termos, o objeto e a natureza do Acordo de Associação CE‑Argélia, o seu artigo 68.o, n.o 4, tem efeito direto.
A este respeito, o Tribunal Judicial observa que esta disposição estabelece, em termos evidentes, precisos e incondicionais, o direito à transferência sem restrições para a Argélia das pensões e rendas mencionadas na referida disposição, às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor. Assim, a mesma disposição comporta, para os Estados‑Membros, uma obrigação de resultado evidente e precisa que consiste em permitir que os interessados beneficiem da referida transferência sem restrições, obrigação que, enquanto tal, não está subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de nenhum ato posterior.
Embora o Tribunal de Justiça saliente que este direito à transferência sem restrições não é absoluto, uma vez que os seus efeitos concretos em cada caso dependem das «taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores», isso não pode ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros restringir de maneira discricionária o referido direito de transferência sem restrições e esvaziá‑lo de conteúdo. Também refere que a execução ou os efeitos do direito previsto na referida disposição não estão subordinados à intervenção de outro ato, nomeadamente, à adoção, pelo Conselho de Associação, das disposições referidas no artigo 70.o, n.o 1, do Acordo de Associação CE‑Argélia, o que não pode, por conseguinte, ser considerado como condicionando a aplicação imediata deste direito. A este respeito, o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia tem efeito direto, de modo que as pessoas às quais esta disposição se aplica têm o direito de a invocar diretamente nos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros para excluir a aplicação das regras de direito nacional que lhe sejam contrárias.
Em seguida, o Tribunal de Justiça responde à questão relativa ao âmbito de aplicação pessoal do artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia.
Observando que o artigo 68.o, n.o 4, se refere expressamente apenas a «[e]sses trabalhadores», o que remete para os «trabalhadores de nacionalidade argelina» mencionados no n.o 1 do mesmo artigo, o Tribunal de Justiça declara que as pensões de velhice e de sobrevivência constam das prestações que podem ser livremente transferidas para a Argélia, cujos beneficiários só podem ser, por definição, os familiares sobrevivo dos referidos trabalhadores. O artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia ficaria privado do seu efeito útil se os referidos familiares sobrevivos fossem excluídos do seu âmbito de aplicação pessoal. Também observa que exigir que o beneficiário seja obrigado a residir no Estado‑Membro devedor, neste caso nos Países Baixos, seria contrário à lógica subjacente ao próprio princípio da transferência sem restrições de prestações para a Argélia. A este respeito, o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia é aplicável aos familiares sobrevivos de um trabalhador que, desejando transferir a sua prestação de sobrevivência para a Argélia, não sejam eles próprios trabalhadores e residam na Argélia.
Por último, quanto à compatibilidade da redução do montante de uma prestação de sobrevivência pelo facto de o beneficiário desta prestação residir na Argélia com o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, o Tribunal de Justiça recorda que esta disposição estabelece o direito à transferência sem restrições das prestações em causa para a Argélia «às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores». Assim, o Estado‑Membro devedor dispõe de uma margem de apreciação para estabelecer regras relativas ao cálculo do montante das prestações previstas na referida disposição, e este Estado‑Membro pode, por conseguinte, prever regras de adaptação do montante das referidas prestações no momento dessa transferência, como a regra baseada no princípio do país de residência.
Contudo, Tribunal de Justiça salienta que essas regras devem respeitar a essência do direito à transferência sem restrições das prestações, sem privar este direito do seu efeito útil, e examina, para este efeito, os elementos que caracterizam a prestação de sobrevivência em causa no processo principal. Observa que o montante desta é fixado em função do custo de vida nos Países Baixos e que, por conseguinte, a mesma visa garantir que os familiares sobrevivos disponham de um rendimento de base calculado em função do custo de vida neste Estado‑Membro. Por conseguinte, o facto de adaptar o montante da prestação transferida para ter em conta o custo de vida na Argélia não se afigura, na opinião do Tribunal de Justiça, suscetível de privar da sua substância o direito à transferência sem restrições, desde que a determinação da taxa utilizada para efeitos desta adaptação seja baseada em elementos objetivos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
( 1 ) O artigo 68.o deste acordo tem a seguinte redação:
«1. Sem prejuízo das disposições dos números seguintes, os trabalhadores de nacionalidade argelina, e os membros das suas famílias que com eles residam, beneficiarão, no domínio da segurança social, de um regime caracterizado pela ausência de qualquer forma de discriminação baseada na nacionalidade em relação aos nacionais dos Estados‑Membros em cujo território trabalham. O conceito de segurança social abrange os ramos de segurança social relativos às prestações por doença e maternidade, às prestações de invalidez, velhice, de sobrevivência, de acidente de trabalho e de doença profissional, aos subsídios por morte, aos subsídios de desemprego e aos abonos de família.
Contudo, esta disposição não pode ter como efeito tornar aplicáveis as outras regras de coordenação previstas pela regulamentação comunitária baseada no artigo [48.o] do Tratado [FUE], exceto nas condições previstas no artigo 70.o do presente acordo.
[…]
4. Esses trabalhadores beneficiarão da transferência sem restrições para a Argélia, às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores, das pensões e rendas de velhice, de sobrevivência, de acidente de trabalho ou de doença profissional, ou de invalidez com exceção das prestações especiais não contributivas. […]»
( 2 ) Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro, aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/690/CE do Conselho, de 18 de julho de 2005 (JO 2005, L 265, p. 1; a seguir «Acordo de Associação CE‑Argélia»).
( 3 ) Esta percentagem é fixada nos termos das disposições do Regeling woonlandbeginsel in de sociale zekerheid 2012 (Regulamento de 2012 relativo ao Princípio do País de Residência em Matéria de Segurança Social), adotado com base no artigo 17.o, n.o 3, da ANW, conforme alterada pela Wet woonlandbeginsel in de sociale zekerheid (Lei relativa ao Princípio do País de Residência em Matéria de Segurança Social). Para a Argélia, esta percentagem é de 60 % do montante máximo da prestação de sobrevivência a partir de 1 de janeiro de 2013, e de 40 % deste montante máximo a partir de 1 de janeiro de 2016.