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Document 62022CJ0123

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de junho de 2024.
    Comissão Europeia contra Hungria.
    Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretivas 2008/115/CE, 2013/32/UE e 2013/33/UE — Procedimento de concessão de proteção internacional — Acesso efetivo — Procedimento na fronteira — Garantias processuais — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Recursos interpostos das decisões administrativas de indeferimento de pedidos de proteção internacional — Direito de permanecer no território — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento — Inexecução — Artigo 260.º, n.º 2, TFUE — Sanções pecuniárias — Caráter proporcionado e dissuasivo — Quantia fixa — Sanção pecuniária compulsória.
    Processo C-123/22.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:493

    Processo C‑123/22

    Comissão Europeia

    contra

    Hungria

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de junho de 2024

    «Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretivas 2008/115/CE, 2013/32/UE e 2013/33/UE — Procedimento de concessão de proteção internacional — Acesso efetivo — Procedimento na fronteira — Garantias processuais — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Recursos interpostos das decisões administrativas de indeferimento de pedidos de proteção internacional — Direito de permanecer no território — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento — Inexecução — Artigo 260.o, n.o 2, TFUE — Sanções pecuniárias — Caráter proporcionado e dissuasivo — Quantia fixa — Sanção pecuniária compulsória»

    1. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Prazo de execução — Data de referência para apreciar a existência do incumprimento — Data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.o 56)

    2. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Efeitos — Obrigações do Estado‑Membro em falta — Cumprimento integral do acórdão — Obrigações das autoridades que participam no exercício do poder legislativo — Alteração das disposições legislativas nacionais para que se tornem conformes com as exigências da União

      (Artigo 260.o, n.o 1, TFUE)

      (cf. n.o 57)

    3. Estados‑Membros — Obrigações — Incumprimento — Justificação baseada na ordem interna — Justificação baseada em dificuldades práticas, administrativas ou financeiras — Inadmissibilidade

      (Artigo 4.o, n.o 3, TUE; artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 74, 121, 122)

    4. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Efeitos — Obrigações do Estado‑Membro inadimplente — Cumprimento integral do acórdão — Obrigação de alterar as disposições legislativas nacionais para que se tornem conformes com as exigências da União — Simples alteração da prática administrativa — Incumprimento

      (Artigo 260.o, n.o 1, TFUE)

      (cf. n.os 80, 81)

    5. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Finalidade — Prevenção da repetição de infrações análogas

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 96, 97)

    6. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Imposição do pagamento de uma quantia fixa — Poder de apreciação do Tribunal de Justiça — Critérios de apreciação — Prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 98‑101)

    7. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Quantia fixa — Determinação do montante — Critérios — Gravidade da infração — Inexecução prolongada do acórdão do Tribunal de Justiça — Caráter fundamental das disposições objeto do incumprimento declarado — Aplicação de uma política comum no seu todo evitada sistematica e deliberadamente — Incumprimento resultante de uma prática geral e persistente, que afeta o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros — Reiteração da conduta ilícita do Estado‑Membro em causa

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 102, 104‑118, 120)

    8. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Quantia fixa — Determinação do montante — Critérios — Duração da infração — Apreciação na data do exame dos factos pelo Tribunal de Justiça

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 126, 127)

    9. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Prazo de execução — Execução que deve ser iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo possível

      (Artigo 260.o, n.o 1, TFUE)

      (cf. n.o 130)

    10. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Quantia fixa — Determinação do montante — Critérios — Capacidade de pagamento — Produto interno bruto do Estado‑Membro em causa — Data de apreciação

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.o 131)

    11. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Sanção pecuniária compulsória» — Quantia fixa — Cúmulo das duas sanções — Admissibilidade

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.o 134)

    12. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Sanção pecuniária compulsória — Condenação no pagamento — Requisito — Persistência do incumprimento até ao exame dos factos pelo Tribunal de Justiça

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.o 135)

    13. Ação por incumprimento — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Incumprimento da obrigação de dar execução ao acórdão — Sanções pecuniárias — Sanção pecuniária compulsória — Determinação da forma e do montante — Poder de apreciação do Tribunal de Justiça — Critérios

      (Artigo 260.o, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 138‑141)

    Resumo

    O Tribunal de Justiça condena a Hungria no pagamento de uma quantia fixa no montante de 200000000 euros e de uma sanção pecuniária compulsória no montante total de 1000000 euros por dia pela não execução, por este Estado‑Membro, do Acórdão Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) ( 1 ).

    Neste acórdão, proferido em 17 de dezembro de 2020, o Tribunal de Justiça declarou que a Hungria não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força das Diretivas «Procedimentos» ( 2 ), «Acolhimento» ( 3 ) e «Regresso» ( 4 ). Mais especificamente, a Hungria não tinha cumprido as suas obrigações relativas, primeiro, ao acesso ao procedimento de proteção internacional, segundo, à detenção dos requerentes de proteção internacional nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, terceiro, ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular, e, quarto, ao direito de os requerentes de proteção internacional permanecerem no território húngaro até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo e, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

    Em 9 de junho de 2021, a Comissão Europeia enviou à Hungria uma notificação para cumprir, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 260.o, n.o 2, TFUE ( 5 ), na qual considerava que a Hungria não tinha tomado as medidas necessárias para a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020. Convidou então este Estado‑Membro a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

    Insatisfeita com as respostas da Hungria, a Comissão intentou no Tribunal de Justiça uma ação por incumprimento com base no artigo 260.o, n.o 2, TFUE, destinada a obter a declaração de que este Estado‑Membro, apesar do encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, não deu cumprimento a esse acórdão e a condenar o mesmo Estado‑Membro no pagamento de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória diária até à execução completa do referido acórdão.

    O Tribunal julga procedente a ação intentada pela Comissão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    No seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça declara que, no termo do prazo fixado na notificação para cumprir, a saber, 9 de agosto de 2021, a Hungria não tinha tomado as medidas necessárias para a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020. Com efeito, essas medidas devem necessariamente ser compatíveis com as disposições do direito da União cuja violação foi declarada nesse acórdão e permitir a correta aplicação dessas disposições. Ora, na data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, além do encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, a legislação nacional objeto do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 não tinha sido alterada para se tornar conforme com essas exigências. Em especial, a alteração da legislação nacional objeto do Acórdão Comissão/Hungria (Declaração de intenções prévia ao pedido de asilo) ( 6 ) não pode ser considerada uma medida necessária para a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, uma vez que não é compatível com as obrigações decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, cuja violação foi declarada neste último acórdão.

    Além disso, a inexecução pela Hungria desse acórdão afeta de forma extraordinariamente grave tanto o interesse público como determinados interesses privados, nomeadamente os dos nacionais de países terceiros e dos apátridas que pretendam pedir proteção internacional.

    Com efeito, antes de mais, a importância das disposições objeto do incumprimento declarado deve ser sublinhada. A este respeito, primeiro, a violação da disposição fundamental que é o artigo 6.o da Diretiva «Procedimentos» impede sistematicamente qualquer acesso ao procedimento de proteção internacional, tornando impossível, no que respeita à Hungria, a aplicação da política comum em matéria de asilo na íntegra. O facto de um Estado‑Membro contornar sistematica e deliberadamente a aplicação de uma política comum no seu conjunto constitui uma violação inédita e excecionalmente grave do direito da União, que representa uma ameaça importante para a unidade deste direito e para o princípio da igualdade dos Estados‑Membros, recordado no artigo 4.o, n.o 2, TUE. Segundo, o respeito do artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva «Procedimentos» é indispensável para assegurar, no que respeita aos requerentes de proteção internacional, a efetividade do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, que é um princípio geral do direito da União decorrente das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros. Terceiro, as garantias fundamentais estabelecidas pelos artigos 5.°, 6.°, 12.° e 13.° da Diretiva «Regresso» constituem o essencial das exigências aplicáveis ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular, questão que corresponde a uma componente primordial da política comum de imigração.

    Em seguida, o comportamento da Hungria tem por efeito transferir para os outros Estados‑Membros a responsabilidade que lhe incumbe, inclusive no plano financeiro, de assegurar o acolhimento de requerentes de proteção internacional na União, instruir os pedidos de acordo com os procedimentos de concessão e retirada dessa proteção, bem como garantir modalidades de regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular conformes com o direito da União. Semelhante comportamento afeta de forma extremamente grave o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros em matéria de asilo. A este respeito, o Tribunal recorda que o princípio da solidariedade constitui um dos princípios fundamentais do direito da União e faz parte dos valores, comuns aos Estados‑Membros, nos quais a União se funda, por força do artigo 2.o TUE. O facto de um Estado‑Membro romper unilateralmente o equilíbrio entre as vantagens e os encargos que decorrem da sua pertença à União põe em causa o respeito do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante o direito da União. Este incumprimento dos deveres de solidariedade aceites pelos Estados‑Membros devido à sua adesão à União afeta as próprias bases essenciais da ordem jurídica da União.

    Por outro lado, a repetição do comportamento que constitui uma infração por parte da Hungria, que deu origem a várias outras condenações pelo Tribunal de Justiça em matéria de proteção internacional ( 7 ), constitui uma circunstância agravante. O comportamento da Hungria na sequência do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 demonstra que este Estado‑Membro não agiu em conformidade com o seu dever de cooperação leal para pôr termo ao incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça, o que constitui uma circunstância agravante suplementar.

    Nestas circunstâncias, tendo em conta, nomeadamente, a gravidade excecional das infrações em causa e a falta de cooperação leal da Hungria para lhes pôr termo, a duração do incumprimento e a capacidade de pagamento deste Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça condena o referido Estado‑Membro a pagar à Comissão uma quantia fixa no montante de 200000000 euros e uma sanção pecuniária compulsória no montante total de 1000000 euros por dia a contar do dia da prolação do presente acórdão até à data de execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020.


    ( 1 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, a seguir «Acórdão Comissão/Hungria de 2020»).

    ( 2 ) Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60) (a seguir «Diretiva “Procedimentos”»). O Tribunal de Justiça declarou um incumprimento das obrigações decorrentes do artigo 6.o, do artigo 24.o, n.o 3, do artigo 43.o e do artigo 46.o, n.o 5, desta diretiva.

    ( 3 ) Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96) (a seguir «Diretiva “Acolhimento”»). O Tribunal de Justiça declarou um incumprimento das obrigações decorrentes dos artigos 8.°, 9.° e 11.° desta diretiva.

    ( 4 ) Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98) (a seguir «Diretiva “Regresso”»). O Tribunal de Justiça declarou um incumprimento das obrigações que incumbem à Hungria por força do artigo 5.o, do artigo 6.o, n.o 1, do artigo 12.o, n.o 1, e do artigo 13.o, n.o 1, desta diretiva.

    ( 5 ) Por força do artigo 260.o, n.os 1 e 2, TFUE, um Estado‑Membro em relação ao qual o Tribunal de Justiça tenha declarado que não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça, podendo a Comissão submeter o caso a este último se considerar, após ter dado ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações, que essas medidas não foram tomadas. Se o Tribunal declarar verificado que o Estado‑Membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão, pode condená‑lo ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária.

    ( 6 ) Acórdão de 22 de junho de 2023, Comissão/Hungria (Declaração de intenções prévia ao pedido de asilo) (C‑823/21, EU:C:2023:504).

    ( 7 ) Acórdãos de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257), de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo) (C‑821/19, EU:C:2021:930), e Acórdão de 22 de junho de 2023, Comissão/Hungria (Declaração de intenções prévia ao pedido de asilo) (C‑823/21, EU:C:2023:504).

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