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Document 62021TJ0163

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 25 de janeiro de 2023.
    Emilio De Capitani contra Conselho da União Europeia.
    Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Documentos relativos a um processo legislativo em curso — Grupos de trabalho do Conselho — Documentos relativos a uma proposta legislativa que tem por objeto a alteração da Diretiva 2013/34/UE, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas — Recusa parcial de acesso — Recurso de anulação — Interesse em agir — Admissibilidade — Artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 — Exceção relativa à proteção do processo decisório.
    Processo T-163/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2023:15

    Processo T‑163/21

    Emilio De Capitani

    contra

    Conselho da União Europeia

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 25 de janeiro de 2023

    «Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Documentos relativos a um processo legislativo em curso — Grupos de trabalho do Conselho — Documentos relativos a uma proposta legislativa que tem por objeto a alteração da Diretiva 2013/34/UE, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas — Recusa parcial de acesso — Recurso de anulação — Interesse em agir — Admissibilidade — Artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 — Exceção relativa à proteção do processo decisório»

    1. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Conceito — Alcance — Especificidade do processo legislativo — Princípios da publicidade e da transparência

      (Artigo 15.o, n.o 2, TFUE; Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo)

      (cf. n.os 36‑38)

    2. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Conceito — Alcance — Documentos legislativos — Inclusão

      (Artigo 15.o, n.o 3, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 42.° e 52.°, n.o 2; Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3)

      (cf. n.os 40‑47, 49‑58, 61)

    3. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Requisitos — Prejuízo concreto, efetivo e grave para esse processo — Conceito de prejuízo grave — Impacto substancial no processo decisório — Critérios de apreciação — Tomada em consideração das circunstâncias da causa — Documentos legislativos sobre um assunto de grande importância para os cidadãos europeus — Exercício efetivo pelos cidadãos dos seus direitos democráticos — Requisitos — Acesso à totalidade das informações em que se baseia a ação legislativa — Caráter particularmente sensível dos documentos controvertidos — Inexistência

      (Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo)

      (cf. n.os 70, 75, 76, 84)

    4. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Alcance — Documentos de um grupo de trabalho do Conselho relativos a um processo legislativo em curso — Critérios de apreciação — Caráter preliminar das conversações — Exclusão — Caráter provisório das informações — Exclusão — Caráter difícil das negociações e diminuição das hipóteses de chegar a um acordo — Inadmissibilidade — Proteção da cooperação leal entre os Estados‑Membros — Exclusão — Comunicação de certos documentos relativos ao mesmo processo legislativo que não os que estão em causa — Exclusão — Caráter técnico dos documentos — Exclusão

      (Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo)

      (cf. n.os 78, 79, 81, 83, 87, 91, 95)

    5. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Alcance — Documentos de um grupo de trabalho do Conselho, relativos a um processo legislativo em curso — Proteção do processo contra pressões externas — Requisitos — Demonstração da certeza da realidade das pressões e do caráter razoavelmente previsível do risco de afetação substancial da decisão a tomar

      (Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo)

      (cf. n.o 85)

    6. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.o 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Alcance — Documentos de um grupo de trabalho do Conselho, relativos a um processo legislativo em curso — Interesse público superior que justifica a divulgação de documentos — Critério de apreciação

      (Regulamento n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo)

      (cf. n.o 89)

    Resumo

    O Conselho da União Europeia deve conceder o acesso aos documentos elaborados nos grupos de trabalho no âmbito do processo legislativo que tem por objeto a alteração da diretiva relativa às demonstrações financeiras anuais

    O Tribunal Geral declara que nenhum dos fundamentos tidos em consideração pelo Conselho na decisão recorrida permite considerar que a divulgação dos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente, de forma concreta, efetiva e não hipotética, o processo legislativo em causa.

    O recorrente, Emilio De Capitani, tinha apresentado um pedido de acesso ( 1 ) a certos documentos trocados no grupo de trabalho «Direito das sociedades» do Conselho da União Europeia, respeitantes ao processo legislativo que tem por objeto a alteração da Diretiva 2013/34, relativa às demonstrações financeiras anuais ( 2 ). O Conselho tinha recusado o acesso a determinados documentos com o fundamento de que a sua divulgação poderia prejudicar gravemente o processo decisório do Conselho, na aceção do Regulamento n.o 1049/2001 ( 3 ). Na sequência de um pedido confirmativo do recorrente, relativo ao acesso aos documentos não divulgados, o Conselho adotou a decisão recorrida, ( 4 ) através da qual confirmou a sua recusa em conceder esse acesso.

    Os grupos de trabalho do Conselho são instâncias internas desta instituição que preparam os trabalhos do Comité dos Representantes Permanentes (Coreper) e, posteriormente, da formação ministerial do Conselho competente.

    No âmbito do recurso de anulação em que é chamado a pronunciar‑se, o Tribunal Geral debruça‑se sobre a questão do acesso aos documentos relativos aos processos legislativos sob o ângulo inédito da articulação entre, por um lado, os princípios da publicidade e da transparência do processo legislativo, decorrentes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 5 ) e, por outro, da exceção à divulgação dos documentos decorrente da proteção do processo decisório de uma instituição, formulada no direito secundário ( 6 ). Além disso, o Tribunal Geral analisa pela primeira vez os requisitos de acesso aos documentos elaborados pelos grupos de trabalho do Conselho no âmbito de um processo legislativo.

    Apreciação do Tribunal Geral

    Num primeiro momento, o Tribunal Geral rejeita a argumentação do recorrente segundo a qual a exceção relativa à proteção do processo decisório prevista no Regulamento n.o 1049/2001, interpretada à luz do Tratado FUE e da Carta, não é aplicável aos documentos legislativos.

    O Tribunal recorda que, sendo o princípio da abertura de importância fundamental para a ordem jurídica da União Europeia, os princípios da publicidade e da transparência são inerentes aos processos legislativos da União ( 7 ). O acesso aos documentos legislativos deve, portanto, ser o mais amplo possível. No entanto, isso não significa que o direito primário da União preveja um direito incondicional de acesso aos documentos legislativos. Com efeito, em conformidade com o Tratado FUE ( 8 ), o direito de acesso aos documentos das instituições da União é exercido de acordo com os princípios gerais, os limites e as condições fixadas por via de regulamentos. Ora, as disposições do Tratado FUE que regulam o direito de acesso aos documentos das instituições não excluem os documentos legislativos do seu âmbito de aplicação.

    O Tribunal observa que esta conclusão é corroborada pelo contexto normativo em que se insere o direito de acesso aos documentos. Com efeito, resulta do direito primário que o princípio da abertura não é absoluto ( 9 ). Além disso, o Tribunal recorda que, em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1049/2001, as instituições da União podem recusar o acesso a certos documentos de natureza legislativa, em casos devidamente justificados.

    Contrariamente ao que defendia o recorrente, antes de mais, o Tribunal constata a continuidade do direito de acesso aos documentos entre o Tratado que institui a Comunidade Europeia e o Tratado FUE e conclui que a exceção à obrigação de divulgação de um documento solicitado relativa à proteção do processo decisório da instituição em causa, prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, se manteve aplicável na sequência da entrada em vigor do Tratado FUE e da Carta. Em seguida, considera que nada permite concluir que as disposições do Tratado FUE e da Carta excluem, por princípio, que o acesso a documentos elaborados pelos grupos de trabalho do Conselho no âmbito de um processo legislativo possa ser recusado com o fundamento de que a sua divulgação poderia prejudicar gravemente o processo decisório do Conselho. Por último, observa que, embora as disposições do Tratado FUE, segundo as quais são públicas as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo ( 10 ), consagrem o princípio da publicidade dos debates legislativos nas sessões do Conselho, não dizem respeito ao direito de acesso aos documentos nem aos limites e às condições para o exercício desse direito.

    Num segundo momento, o Tribunal declara que nenhum dos fundamentos tidos em consideração pelo Conselho na decisão recorrida permite considerar que a divulgação dos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente, de forma concreta, efetiva e não hipotética, o processo legislativo em causa.

    Antes de mais, no que respeita ao fundamento relativo ao conteúdo alegadamente sensível dos documentos controvertidos, o Tribunal verifica que os mesmos contêm, de facto, comentários e alterações textuais concretas que se inserem no funcionamento normal do processo legislativo. Embora esses documentos digam respeito a aspetos de uma certa importância, caracterizados, possivelmente, pela sua complexidade tanto política como jurídica, e possam conter elementos resultantes de «negociações difíceis» e suscetíveis de evidenciar as dificuldades ainda a resolver antes de chegar a um acordo, o Conselho não identifica nenhum aspeto concreto e específico desses documentos que revista um caráter particularmente sensível no sentido de que um interesse fundamental da União ou dos Estados‑Membros seria posto em causa em caso de divulgação. Também não explica em que medida o acesso aos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente, de forma concreta, efetiva e não hipotética, as possibilidades de chegar a um acordo sobre a proposta legislativa em causa.

    Em seguida, quanto ao caráter preliminar das conversações, no âmbito do grupo de trabalho do Conselho, relativas à proposta legislativa em causa, o Tribunal recorda que o mesmo não permite justificar, enquanto tal, a aplicação da exceção baseada na proteção do processo decisório. Com efeito, esta exceção não estabelece nenhuma distinção consoante o estado das conversações, mas refere‑se, de um modo geral, aos documentos relativos a uma questão sobre a qual a instituição em causa «não tenha decidido». Uma vez que uma proposta é, por natureza, feita para ser discutida, o autor de um pedido de acesso a documentos legislativos no âmbito de um processo em curso tem plena consciência de que as informações que neles figuram se destinam a ser alteradas ao longo das conversações no âmbito dos trabalhos preparatórios do grupo de trabalho, até que seja alcançado um acordo sobre o texto na sua globalidade. Era esse o objetivo prosseguido pelo pedido de acesso do recorrente, que procurava conhecer as posições expressas pelos Estados‑Membros no Conselho precisamente para suscitar um debate a este respeito antes de esta instituição definir a sua posição no processo legislativo em causa.

    Por outro lado, o Tribunal verifica que o Conselho não apresentou nenhum elemento tangível suscetível de demonstrar que o acesso aos documentos controvertidos teria prejudicado a cooperação leal entre os Estados‑Membros. Além disso, quando, no âmbito dos grupos de trabalho do Conselho, os Estados‑Membros expressam as suas respetivas posições sobre uma dada proposta legislativa e a evolução que aceitam que esta tome, o facto de esses elementos serem, em seguida, comunicados a pedido não é, em si mesmo, suscetível de obstar à cooperação leal ( 11 ). Num sistema baseado no princípio da legitimidade democrática, os colegisladores devem responder pelos seus atos perante o público e o exercício pelos cidadãos dos seus direitos democráticos pressupõe a possibilidade de seguirem pormenorizadamente o processo decisório das instituições que participam nos processos legislativos e de ter acesso a todas as informações pertinentes. Ora, no caso em apreço, nada sugere que o Conselho pudesse razoavelmente esperar um risco de pressões externas e uma reação que excedesse o que se pode esperar do público por parte de qualquer membro de um órgão legislativo que apresente uma alteração a um projeto de lei.

    Além disso, o Tribunal recorda que só se a instituição em causa considerar que a divulgação de um documento pode prejudicar concreta e efetivamente o processo decisório em causa é que lhe incumbe verificar, se, apesar de tudo, há um interesse público superior que justifica a divulgação do documento. Do mesmo modo, a mera circunstância de ter sido concedido o acesso a determinados documentos relativos ao mesmo processo legislativo não pode justificar a recusa de acesso a outros documentos.

    Por último, o acesso aos documentos elaborados pelos grupos de trabalho do Conselho não pode ser limitado devido ao seu caráter alegadamente «técnico». Com efeito, o caráter «técnico» ou não de um documento não é um critério pertinente para efeitos da aplicação da exceção relativa à proteção do processo decisório. Os membros dos grupos de trabalho do Conselho estão investidos de um mandato dos Estados‑Membros que representam e exprimem, aquando deliberações sobre uma dada proposta legislativa, a posição do seu Estado no Conselho, quando este último age na qualidade de colegislador. O facto de os grupos de trabalho não estarem autorizados a adotar a posição definitiva do Conselho não significa que os seus trabalhos não estejam inseridos no funcionamento normal do processo legislativo, nem que os documentos que elaboram sejam de ordem «técnica».


    ( 1 ) Ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

    ( 2 ) Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho (JO 2013, L 182, p. 19).

    ( 3 ) Artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001

    ( 4 ) Decisão SGS 21/000067 do Conselho da União Europeia, de 14 de janeiro de 2021.

    ( 5 ) Artigos 15.° TFUE e 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»)

    ( 6 ) Na aceção do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001.

    ( 7 ) Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 81).

    ( 8 ) Artigo 15.o, n.o 3, TFUE

    ( 9 ) Artigo 10.o, n.o 3, TUE e artigo 15.o, 1.° parágrafo, TFUE.

    ( 10 ) Artigo 15.o, n.o 2, TFUE

    ( 11 ) Artigo 4.o, n.o 3, TUE

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