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Document 62021CJ0556

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 30 de março de 2023.
Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid contra E.N. e o.
Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.° 604/2013 — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Artigo 27.° — Recurso de uma decisão de transferência relativa a um requerente de asilo — Artigo 29.° — Prazo de transferência — Suspensão desse prazo em sede de recurso — Medida provisória requerida pela administração.
Processo C-556/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:272

Processo C556/21

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

E.N.
e
S.S.
e
J.Y.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos)]

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 30 de março de 2023

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.° 604/2013 — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Artigo 27.° — Recurso de uma decisão de transferência relativa a um requerente de asilo — Artigo 29.° — Prazo de transferência — Suspensão desse prazo em sede de recurso — Medida provisória requerida pela administração»

1.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento n.° 604/2013 — Procedimentos de tomada e retomada a cargo — Prazo previsto para efetuar a transferência do requerente de proteção internacional — Adoção, pelo tribunal que conhece do recurso de uma sentença que anula uma decisão de transferência, de uma medida provisória que tem por objeto ou efeito suspender o prazo de transferência — Admissibilidade — Requisito — Suspensão prévia da execução da decisão de transferência durante o exame do recurso de primeira instância

(Regulamento n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 27.°, n.° 3, e 29.°, n.os 1 e 2)

(cf. n.os 23‑29, 32‑40 e disp.)

2.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento n.° 604/2013 — Procedimentos de tomada e retomada a cargo — Direito a um recurso jurisdicional efetivo — Regulamentação nacional que prevê um recurso de uma sentença que anula uma decisão de transferência — Admissibilidade — Limites — Respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade — Inexistência de derrogação do artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento n.° 604/2013

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 18.° e 47.°; Regulamento n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)

(cf. n.os 30, 31)

Resumo

Durante os anos de 2019 e 2020, E.N., S.S. e J.Y. apresentaram pedidos de proteção internacional nos Países Baixos. Entre outubro de 2019 e janeiro de 2021, as autoridades de outros Estados‑Membros aceitaram tomar ou retomar a cargo os requerentes. Nestas circunstâncias, a autoridade neerlandesa competente decidiu indeferir liminarmente os pedidos de proteção internacional e ordenar a transferência dos requerentes para esses Estados‑Membros, com base no Regulamento Dublim III (1). Os órgãos jurisdicionais de primeira instância que conheceram dos recursos interpostos pelos requerentes das decisões de transferência anularam estas últimas e ordenaram à autoridade neerlandesa competente que adotasse novas decisões sobre os pedidos de proteção internacional. Esta última interpôs recurso dessas sentenças para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos). Fez acompanhar esses recursos de pedidos de medidas provisórias destinadas, por um lado, a não ter de adotar uma nova decisão até que os recursos fossem decididos e, por outro, a que o prazo de transferência fosse suspenso.

Por três decisões proferidas em 2020 e em 2021, o juiz das medidas provisórias do órgão jurisdicional de reenvio deferiu os pedidos de medidas provisórias. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições do Regulamento Dublim III relativas às vias de recurso das decisões de transferência (2) e aos prazos de transferência (3) se opõem a que seja deferido um pedido de medida provisória apresentado pela autoridade nacional competente, acessoriamente ao recurso que a mesma interpõe de uma decisão judicial que anula uma decisão de transferência, destinado a suspender o prazo de transferência. Se for esse o caso, cabe a esse órgão jurisdicional declarar que esse prazo expirou e que, por conseguinte, o Reino dos Países Baixos se tornou responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados pelos recorridos no processo principal (4).

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declara que uma medida provisória que permite à autoridade competente, até ao resultado do recurso que a mesma interpôs de uma sentença que anula uma decisão de transferência, não adotar uma nova decisão e que tem por objeto ou efeito suspender o prazo de transferência só pode ser adotada quando a execução da decisão de transferência tiver sido suspensa durante o exame do recurso de primeira instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça

A título preliminar, o Tribunal de Justiça recorda que, em conformidade com o artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, a transferência da pessoa em causa para o Estado‑Membro responsável efetua‑se, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo dessa pessoa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento Dublim III.

Daqui resulta que o legislador da União previu que, nos casos em que a execução da decisão de transferência tiver sido suspensa, o prazo de transferência só comece a correr a partir do momento em que a decisão do recurso de uma decisão de transferência se torna definitiva. No entanto, não especificou as modalidades processuais de aplicação desta regra em caso de interposição de um recurso de segunda instância e, em especial, se a aplicação da referida regra pode implicar a adoção de medidas provisórias pelo tribunal que conhece desse recurso.

Na falta de regulamentação da União na matéria, quando uma ordem jurídica interna de um Estado‑Membro tenha decidido instaurar esse segundo grau de jurisdição, cabe‑lhe, ao abrigo do princípio da autonomia processual, regular as modalidades processuais do mesmo, incluindo a eventual adoção de medidas provisórias. No entanto, essas modalidades processuais devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade.

Neste contexto, embora uma regulamentação nacional possa prever que o tribunal que conhece desse recurso de segunda instância pode decretar, a pedido das autoridades competentes, medidas provisórias, não pode derrogar o artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III prevendo que tais medidas tenham, fora dos casos previstos nesta disposição, o efeito de adiar a contagem do prazo de transferência e, assim, atrasar o seu termo. Ora, decorre desta disposição que o prazo de transferência só pode começar a correr a partir da decisão final sobre o recurso interposto da decisão de transferência se a execução desta última tiver sido suspensa durante o exame do recurso de primeira instância.

Daqui resulta que uma medida provisória que tem por efeito suspender o prazo de transferência enquanto se aguarda o resultado de um recurso de segunda instância só pode ser adotada quando a execução da decisão de transferência tiver sido suspensa enquanto se aguarda o resultado do recurso de primeira instância, em aplicação do artigo 27.°, n.os 3 ou 4, deste regulamento. Nessa situação, por um lado, a prorrogação do adiamento da contagem do prazo de transferência até ao resultado do recurso de segunda instância permite assegurar a igualdade de armas e a efetividade dos processos de recurso. Com efeito, garante que esse prazo não termina quando a execução da decisão de transferência tenha sido impossibilitada pela interposição de um recurso dessa decisão. Por outro lado, subordinar à adoção de uma medida provisória, no âmbito de um recurso de segunda instância, a prorrogação do efeito suspensivo do recurso de primeira instância relativa à contagem do prazo de transferência permite evitar que a interposição de um recurso de uma sentença que anula uma decisão de transferência implique sistematicamente um adiamento dessa contagem, suscetível de atrasar a análise do pedido de proteção internacional da pessoa em causa.

Essa regra é, por conseguinte, suscetível de contribuir para a realização dos objetivos do Regulamento Dublim III destinados ao estabelecimento de um método claro e operacional, baseado em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa, para determinar rapidamente o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional.

Em contrapartida, quando a execução da decisão de transferência não tenha sido suspensa enquanto se aguardava o resultado do recurso de primeira instância, a adoção, no âmbito de um recurso de segunda instância, de uma medida provisória como as que estão em causa no processo principal permitiria, de facto, às autoridades competentes, que não tinham exercido a faculdade de suspender oficiosamente a execução da decisão de transferência que lhes oferece o Regulamento Dublim III (5), nem executado a decisão de transferência durante o exame desse recurso, adiar a contagem do prazo de transferência, previsto neste regulamento (6), e evitar, assim, que a responsabilidade pelo tratamento dos pedidos dessas pessoas fosse transferida para o Estado‑Membro requerente, em aplicação do referido regulamento (7). Isto atrasaria indevidamente a tramitação do procedimento de proteção internacional e prejudicaria os referidos objetivos do regulamento.


1      Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»).


2      O artigo 27.° do Regulamento Dublim III tem por objeto as vias de recurso das decisões de transferência. O seu n.° 3 exige que os Estados‑Membros ofereçam às pessoas em causa uma via de recurso suscetível de conduzir à suspensão da execução da decisão de transferência tomada a seu respeito.


3      O artigo 29.° do Regulamento Dublim III tem por objeto as modalidades e prazos de transferência das pessoas em causa para o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional.


4      Em conformidade com o artigo 29.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III, se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional fica, em princípio, isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente.


5      O artigo 27.°, n.° 4, do Regulamento Dublim III autoriza os Estados‑Membros a prever que as autoridades competentes possam decidir, a título oficioso, suspender a execução da decisão de transferência, nos casos em que a sua suspensão não resulte nem dos efeitos da lei nem de uma decisão judicial, quando as circunstâncias em torno dessa execução implicam que a pessoa em causa deva, a fim de assegurar a proteção jurisdicional efetiva desta, ser autorizada a permanecer no território do Estado‑Membro que adotou a decisão de transferência até à adoção de uma decisão final sobre o recurso interposto dessa decisão.


6      Artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III.


7      Artigo 29.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III.

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