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Document 62021CJ0393

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de fevereiro de 2023.
    Processo intentado por Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH.
    Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.° 805/2004 – Título executivo europeu para créditos não contestados – Artigo 23.°, alínea c) – Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu – Circunstâncias excecionais – Conceito.
    Processo C-393/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:104

    Processo C-393/21

    Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas)

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de fevereiro de 2023

    «Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.o 805/2004 – Título executivo europeu para créditos não contestados – Artigo 23.o, alínea c) – Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu – Circunstâncias excecionais – Conceito»

    1. Cooperação judiciária em matéria civil – Criação de um título executivo europeu para créditos não contestados – Regulamento n.o 805/2004 – Contestação, pelo devedor, no Estado-Membro de origem, da decisão certificada como título executivo europeu, ou pedido de retificação ou revogação da certidão – Processo de execução dessa decisão – Suspensão ou limitação da execução – Conceito de circunstâncias excecionais – Risco real de prejuízo particularmente grave para o devedor – Reparação desse prejuízo impossível ou extremamente difícil – Inclusão – Circunstâncias relacionadas com o processo judicial instaurado no Estado-Membro de origem contra a referida decisão ou contra a certidão – Exclusão

      (Regulamento n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 23.o)

      (cf. n.os 31, 33-38, 42-46, disp. 1)

    2. Cooperação judiciária em matéria civil – Criação do título executivo europeu para créditos não contestados – Regulamento n.o 805/2004 – Suspensão ou limitação da execução – Aplicação simultânea, pelo tribunal ou pela autoridade competente no Estado-Membro de execução, das medidas de limitação e de constituição de uma garantia – Admissibilidade – Aplicação simultânea, pelo mesmo tribunal ou pela mesma autoridade, de uma destas duas medidas com a de suspensão do processo de execução – Inadmissibilidade

      (Regulamento n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 23.o)

      (cf. n.os 49, 50, 52, 53, disp. 2)

    3. Cooperação judiciária em matéria civil – Criação de um título executivo europeu para créditos não contestados – Regulamento n.o 805/2004 – Requisitos de certificação como Título Executivo Europeu – Suspensão, no Estado-Membro de origem, da força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu – Apresentação da certidão prevista no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004 ao tribunal do Estado-Membro de execução – Tribunal em causa é obrigado a suspender, com base nessa decisão, o processo de execução instaurado no Estado-Membro de execução

      (Regulamento n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 6.o, n.os 1 e 2, e artigo 11.o)

      (cf. n.os 56, 58-64, disp. 3)

    Resumo

    O Tribunal de Justiça precisa o conceito de «circunstâncias excecionais» que permitem à autoridade judiciária competente suspender a execução de uma decisão certificada como título executivo europeu

    O juiz nacional do Estado-Membro de execução deve assegurar-se da suspensão do processo quando a força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado-Membro de origem

    Em 14 de junho de 2019, o Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld, Alemanha) notificou à Arik Air Limited uma injunção de pagamento com vista à cobrança de um crédito de 2292993,32 euros a favor da Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH (a seguir «Lufthansa») e em seguida emitiu, em 24 de outubro de 2019, um título executivo europeu e, em 2 de dezembro de 2019, uma certidão de título executivo europeu.

    Um agente de execução que exercia a sua atividade na Lituânia (a seguir «agente de execução») recebeu um pedido da Lufthansa para que executasse esse título executivo contra a Arik Air.

    Esta última sociedade apresentou no Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha) um pedido ( 1 ) de revogação da certidão de título executivo europeu e de cessação da cobrança coerciva do crédito. Considera que o Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld lhe notificou irregularmente os atos processuais, o que implicou o incumprimento do prazo que lhe permitia deduzir oposição à injunção de pagamento em causa.

    Na Lituânia, a Arik Air pediu igualmente ao agente de execução que suspendesse o processo de execução até à decisão definitiva do Tribunal Regional de Frankfurt am Main, pedido esse que o agente de execução indeferiu, considerando que a regulamentação nacional não permitia uma suspensão nessas circunstâncias.

    Por Despacho de abril de 2020, o Tribunal Regional de Frankfurt am Main, considerando nomeadamente que a Arik Air não tinha demonstrado que o referido título tinha sido ilegalmente emitido, subordinou a suspensão da execução coerciva do título executivo europeu em causa ao depósito de uma garantia de 2000000 euros.

    Por Despacho adotado em junho de 2020, o Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas, Lituânia) negou provimento ao recurso interposto pela Arik Air da decisão do agente de execução que indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução.

    Em sede de recurso, o Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia) anulou esse despacho, suspendendo o processo de execução em causa até à decisão definitiva do órgão jurisdicional alemão sobre os pedidos da Arik Air. Este órgão jurisdicional considerou que, tendo em conta o risco de prejuízo desproporcionado suscetível de resultar do processo de execução instaurado contra a Arik Air, a interposição de um recurso da certidão de título executivo europeu no tribunal do Estado-Membro de origem era suficiente para fundamentar a suspensão desse processo. Considerou também que não existia nenhum motivo que permitisse considerar que cabia ao Tribunal Regional de Frankfurt am Main pronunciar-se sobre o mérito do pedido de suspensão dos atos de execução.

    A Lufthansa interpôs então recurso de cassação desta decisão no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia).

    Chamado a pronunciar-se por esse órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça clarifica o sentido e o alcance do conceito de «circunstâncias excecionais» que permitem ao tribunal ou à autoridade competente no Estado-Membro de execução, ao abrigo do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 ( 2 ), suspender a execução de uma decisão certificada como título executivo europeu no Estado-Membro de origem.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça enuncia que o conceito de «circunstâncias excecionais», inscrito no artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, visa uma situação em que o prosseguimento do processo de execução de uma decisão certificada como título executivo europeu, quando o devedor tenha apresentado, no Estado-Membro de origem, uma contestação dessa decisão ou um pedido de retificação ou revogação da certidão de título executivo europeu, exporia esse devedor a um risco real de prejuízo particularmente grave. A reparação desse prejuízo seria, em caso de anulação da referida decisão ou de retificação ou revogação da certidão de título executivo, impossível ou extremamente difícil. Este conceito não remete para circunstâncias relacionadas com o processo judicial instaurado no Estado-Membro de origem contra a decisão certificada como título executivo europeu ou contra a certidão de título executivo europeu.

    Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça observa, antes de mais, que o conceito de «circunstâncias excecionais» é um conceito autónomo do direito da União. A este respeito, a utilização, pelo legislador da União, deste conceito demonstra que este não pretendeu limitar o alcance desta disposição apenas às situações de força maior que resultam, regra geral, de acontecimentos imprevisíveis e inelutáveis provenientes de uma causa estranha ao devedor. Por conseguinte, a faculdade de suspender o processo de execução de uma decisão certificada como título executivo europeu deve ser considerada reservada aos casos em que o prosseguimento da execução exporia o devedor a um risco real de prejuízo particularmente grave cuja reparação seria impossível ou extremamente difícil em caso de procedência da contestação ou do pedido que tenha apresentado no Estado-Membro de origem. A instauração desse processo judicial pelo devedor constitui, aliás, um requisito prévio à apreciação, pelo tribunal ou pela autoridade competente do Estado-Membro de execução, da existência de circunstâncias excecionais.

    Além disso, a repartição de competências operada pelo Regulamento n.o 805/2004 entre os tribunais e autoridades do Estado-Membro de origem e os do Estado-Membro de execução implica que estes últimos não são competentes para analisar, no âmbito de um pedido de suspensão do processo de execução, uma decisão relativa a um crédito não contestado proferida no Estado-Membro de origem ou a sua certificação como título executivo europeu. Assim, os tribunais ou as autoridades do Estado-Membro de execução têm uma margem de apreciação limitada no que respeita à apreciação das circunstâncias com base nas quais é possível deferir um pedido de suspensão da execução. Na apreciação desse pedido, esses tribunais ou autoridades devem limitar-se, para determinar a existência de circunstâncias excecionais na aceção desta disposição, a ponderar o interesse do credor, que consiste em proceder a uma execução imediata da decisão relativa ao seu crédito, e o do devedor, que consiste em evitar danos particularmente graves e irreparáveis ou dificilmente reparáveis.

    Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça precisa que o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 permite a aplicação simultânea das medidas de limitação e de constituição de uma garantia que prevê nas suas alíneas a) e b) ( 3 ), mas que não permite a aplicação simultânea de uma destas duas medidas com a de suspensão do processo de execução prevista na alínea c).

    Em terceiro e último lugar, o Tribunal de Justiça declara que, quando a força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado-Membro de origem e a certidão prevista nesse artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004 tiver sido apresentada ao tribunal do Estado-Membro de execução, esse tribunal é obrigado a suspender, com base nessa decisão, o processo de execução instaurado neste último Estado ( 4 ).


    ( 1 ) Este pedido foi apresentado com base no artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15).

    ( 2 ) Nos termos desta disposição, sob a epígrafe «Suspensão ou limitação da execução»:

    «Quando o devedor tiver:

    – contestado uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, incluindo um pedido de revisão na aceção do artigo 19.o, ou

    – requerido a retificação ou revogação da certidão de Título Executivo Europeu em conformidade com o artigo 10.o,

    o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, a pedido do devedor:

    a) Limitar o processo de execução a providências cautelares; ou

    b) Subordinar a execução à constituição de uma garantia, conforme determinar;

    c) Em circunstâncias excecionais, suspender o processo de execução.»

    ( 3 ) Estas medidas destinam‑se, respetivamente, a limitar o processo de execução a providências cautelares (a) e a subordinar a execução à constituição de uma garantia que o tribunal ou a autoridade competente no Estado‑Membro de execução determina (b).

    ( 4 ) Quanto a este ponto, o Tribunal de Justiça pronuncia‑se com base no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, lido em conjugação com o artigo 11.o do mesmo.

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 805/2004, sob a epígrafe «Requisitos de certificação como Título Executivo Europeu», prevê, no seu n.o 2: «Em caso de cessação, suspensão ou limitação da força executória de uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, o tribunal de origem emitirá, a pedido apresentado a qualquer momento, uma certidão que indique a não existência ou a limitação dessa força executiva, utilizando para o efeito o formulário‑tipo constante do [a]nexo IV.»

    O artigo 11.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Efeitos da certidão de Título Executivo Europeu», enuncia: «A certidão de Título Executivo Europeu só produz efeitos dentro dos limites da força executória da decisão.»

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