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Document 62021CJ0329

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 20 de abril de 2023.
    DIGI Communications NV contra Nemzeti Média- és Hírközlési Hatóság Hivatala.
    Reenvio prejudicial — Telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE (Diretiva‑Quadro) — Artigo 4.o, n.o 1 — Diretiva 2002/20/CE (Diretiva Autorização) — Artigo 7.o — Adjudicação de direitos de utilização de frequências — Processo de leilão — Sociedade comercial gestora de participações sociais [holding] não registada como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas no Estado‑Membro em causa — Exclusão de um procedimento de adjudicação — Direito de recurso da decisão de adjudicação.
    Processo C-329/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:303

    Processo C‑329/21

    DIGI Communications NV

    contra

    Nemzeti Média‑ és Hírközlési Hatóság Hivatala

    (pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Fővárosi Törvényszék)

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 20 de abril de 2023

    «Reenvio prejudicial — Telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE (Diretiva‑Quadro) — Artigo 4.o, n.o 1 — Diretiva 2002/20/CE (Diretiva Autorização) — Artigo 7.o — Adjudicação de direitos de utilização de frequências — Processo de leilão — Sociedade comercial gestora de participações sociais [holding] não registada como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas no Estado‑Membro em causa — Exclusão de um procedimento de adjudicação — Direito de recurso da decisão de adjudicação»

    1. Aproximação das legislações — Setor das telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Autorização — Diretiva 2002/20 — Procedimento aplicável à limitação do número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder — Decisão de adjudicação resultante desse procedimento — Objetivo — Promoção e desenvolvimento de uma concorrência efetiva e não distorcida — Respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade — Fase do procedimento que inclui um exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos — Admissibilidade — Requisito

      (Diretiva 2002/20 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o)

      (cf. n.os 25‑32, disp. 1)

    2. Aproximação das legislações — Setor das telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Quadro regulamentar — Diretiva 2002/21 — Direito de recurso — Processo de leilão conduzido por uma autoridade reguladora nacional que conduziu a uma decisão de adjudicação — Exercício de um direito de recurso em benefício de uma empresa que presta serviços de comunicações eletrónicas — Conceito — Empresa que participou nesse processo como candidata — Empresa que não presta ela própria esses serviços no mercado do Estado‑Membro em causa nesse processo — Empresa que foi objeto de uma decisão da referida autoridade que recusou registar a sua candidatura por não preencher os requisitos exigidos — Decisão que se tornou definitiva na sequência de uma decisão judicial que negou provimento ao recurso interposto dessa decisão — Inclusão

      (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Diretiva 2002/21 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 1)

      (cf. n.os 46‑61, disp. 2)

    Resumo

    Em 18 de julho de 2019, a Nemzeti Média‑ és Hírközlési Hatóság Hivatala (Autoridade Nacional das Comunicações e dos Meios de Comunicação, Hungria, a seguir «NMHH») deu início a um processo de leilão que tem por objeto a adjudicação de direitos de utilização de frequências em apoio da implantação da tecnologia 5G e de comunicação adicionais de banda larga sem fios. As modalidades foram detalhadas em documentação publicada no mesmo dia.

    A DIGI Communications, sociedade registada nos Países Baixos e não inscrita na Hungria como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas, apresentou uma candidatura para participar nesse processo de leilão. A NMHH considerou que esta candidatura não era formalmente válida dado que, segundo essa autoridade, a DIGI Communications tinha exercido, de modo abusivo, o seu direito de participar nesse processo e feito prova de um comportamento destinado a contornar o referido processo tentando induzir em erro a referida autoridade. Com efeito, segundo a NMHH, esta sociedade tinha‑se candidatado em vez da sua filial húngara, uma sociedade registada na Hungria e que aí presta serviços de comunicações eletrónicas. Uma eventual candidatura dessa filial foi excluída do processo de leilão por força de uma norma prevista na documentação.

    A NMHH prosseguiu o processo de leilão na sequência da sua decisão de excluir a DIGI Communications. Esta impugnou judicialmente essa decisão de exclusão. O seu recurso foi julgado improcedente em primeira instância e, em segunda instância, pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria). Entretanto, a NMHH adotou uma decisão que encerra o processo de leilão controvertido, através da qual concedeu os direitos de utilização das frequências objeto desse processo aos três prestadores de serviços de comunicações eletrónicas presentes no mercado húngaro.

    Por recurso interposto no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio, a DIGI Communications pediu a anulação da decisão de adjudicação controvertida, baseando‑se a sua legitimidade processual na sua qualidade de «empresa afetada», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro ( 1 ).

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça a título prejudicial sobre a interpretação a dar a esse conceito, constatando a inexistência de definição na Diretiva‑Quadro e invocando, nomeadamente, os Acórdãos Tele2 Telecommunication ( 2 ) e T‑Mobile Austria ( 3 ). Refere‑se, mais especificamente, aos três requisitos analisados pelo Tribunal, nestes dois acórdãos, para demonstrar que uma empresa é afetada, na aceção da Diretiva‑Quadro. Segundo esse órgão jurisdicional, esses requisitos consistem em demonstrar, primeiro, que a empresa em causa oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas e constitui um concorrente de ou dos destinatários da decisão da autoridade reguladora nacional em causa (a seguir «ARN»), segundo, que essa decisão é tomada no âmbito de um procedimento que visa salvaguardar a concorrência e, terceiro, que a referida decisão é suscetível de afetar a posição dessa empresa no mercado.

    No seu acórdão, o Tribunal especifica nomeadamente o âmbito de aplicação ratione personae do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, no que se refere à possibilidade, de uma empresa, que não é ela própria prestadora de serviços de comunicações eletrónicas no mercado em causa, mas que já participou, como candidata, num processo de leilão como o que está em causa no caso em apreço, interpor um recurso da decisão de uma ARN que põe termo a esse processo, mesmo que a referida empresa já tenha sido excluída do processo numa fase anterior e que essa exclusão já tenha sido confirmada por uma decisão judicial que se tornou definitiva.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Numa primeira fase, o Tribunal analisa a questão de saber se, na aceção da Diretiva Autorização ( 4 ), um processo de seleção para efeitos da adjudicação de direitos de utilização de frequências e a decisão de adjudicação a que esse processo conduz visam salvaguardar a concorrência. A este respeito, o Tribunal considera, por um lado, que resulta do quadro regulamentar aplicável no caso em apreço ( 5 ), que um processo como o processo de leilão controvertido e, por conseguinte, a decisão de adjudicação a que esse processo conduz visam promover e desenvolver uma concorrência efetiva e não distorcida, no respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

    O Tribunal salienta, por outro lado, que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se este objetivo é afetado pelo facto de, através de uma decisão distinta, a ARN em causa ter recusado o registo da candidatura da empresa que, por esse facto, já não é destinatária da decisão que põe termo ao processo de leilão em causa. No que respeita aos processos de adjudicação das radiofrequências, o quadro regulamentar aplicável no presente caso permite, em princípio, devido à escassez destas e com vista à sua gestão eficaz, limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a atribuir. Segundo o Tribunal, no que respeita à natureza e às modalidades dos processos de adjudicação de frequências que organizam, os Estados‑Membros beneficiam de uma margem de apreciação e nada permite considerar, em princípio, que tal processo não pode incluir uma fase de exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos definido pela ARN que implica, se for caso disso, a exclusão deste processo de algumas das entidades que apresentaram candidaturas, desde que o referido procedimento, considerado no seu conjunto, possa ser considerado conforme com os requisitos e as condições estabelecidas na Diretiva Autorização ( 6 ).

    Numa segunda fase, o Tribunal debruça‑se sobre a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro. A este respeito, sublinha que esta disposição constitui uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva ( 7 ).

    Em primeiro lugar, o Tribunal recorda que nem a Diretiva‑Quadro, nem a Diretiva Autorização contêm uma definição do conceito de «prestador de serviços de comunicações eletrónicas». Por conseguinte, o Tribunal precisa o alcance deste conceito, fazendo referência ao quadro normativo instituído pela Diretiva Autorização, bem como aos objetivos visados pelo conjunto das disposições pertinentes ( 8 ). Daqui resulta que, num Estado‑Membro como a Hungria, que impõe às empresas interessadas a apresentação de uma notificação, na aceção da Diretiva Autorização ( 9 ), essas empresas só devem apresentar essa notificação antes de iniciar a oferta efetiva de redes ou de serviços de comunicações eletrónicas. Assim, não se pode excluir que uma empresa que pretende iniciar essa atividade possa participar num processo como o processo de leilão controvertido antes de entregar essa notificação à ARN em causa.

    Segundo o Tribunal, para lhe ser reconhecida a qualidade de empresa que «[oferece] redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, uma empresa não tem necessariamente de apresentar às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa uma notificação formal, nos casos em que tal notificação seja exigida pelo direito desse Estado‑Membro em aplicação da Diretiva Autorização ( 10 ), nem, mais genericamente, estar já presente no mercado desse Estado‑Membro, desde que essa empresa preencha os requisitos objetivos a que está sujeita, no referido Estado‑Membro, a autorização geral prevista nesta última disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Assim, considera‑se que satisfaz os requisitos acima mencionados uma empresa que, embora ainda não tenha integrado o mercado, participou, como candidata, num processo como o processo de leilão controvertido, na condição de preencher esses requisitos objetivos, e isto independentemente da questão de saber se detém uma filial presente no mercado.

    Em segundo lugar, quanto ao requisito previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, nos termos do qual uma empresa deve ser «[afetada pela]» decisão de uma ARN que pretende impugnar, este requisito está preenchido se os direitos da empresa em causa forem potencialmente afetados pela decisão da ARN em causa devido, por um lado, ao seu conteúdo e, por outro, à atividade exercida ou pretendida por essa empresa. Por conseguinte, uma empresa que tenha participado, como candidata, num processo como o processo de leilão controvertido é «afetada», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, conforme interpretada pelo Tribunal nomeadamente no Acórdão T‑Mobile Austria, por uma decisão da ARN no termo desse processo, quando essa decisão tem, pelo seu conteúdo, um impacto na atividade pretendida por essa empresa.

    O Tribunal considera, a este respeito, que, no contexto de um recurso interposto nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro que difere de um recurso interposto nos termos das disposições da Diretiva 89/665 ( 11 ), por uma empresa com vista a impugnar a decisão de adjudicação que põe termo ao processo de leilão no qual essa empresa participou, como candidata, mas da qual foi excluída por uma decisão anterior, que se tornou definitiva, o interesse em agir dessa empresa pode ser retirado, nomeadamente, de que esta última poderia eventualmente participar num novo processo de leilão relativo à adjudicação dos mesmos direitos de utilização de radiofrequências e, sendo caso disso, atribuir‑lhe esses direitos, se, na sequência da anulação da referida decisão, a entidade adjudicante decidir lançar tal processo.

    Em terceiro e último lugar, o Tribunal recorda, todavia, a importância que tem o princípio da autoridade do caso julgado, tanto no ordenamento jurídico da União como nos ordenamentos jurídicos nacionais. Por conseguinte, quando uma empresa que foi excluída de um processo de leilão como o processo de leilão controvertido por uma decisão da ARN que se tornou definitiva na sequência de uma decisão judicial, interpõe um recurso, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, para impugnar a decisão de adjudicação que põe termo a esse processo, esse recurso não deve afetar a autoridade de caso julgado associada a essa decisão judicial.

    A este respeito, o Tribunal sublinha que a autoridade de caso julgado abrange os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente julgados por uma decisão judicial. Assim, a aplicação do princípio da autoridade do caso julgado no caso em apreço depende, em princípio, do alcance do recurso interposto pela DIGI Communications para impugnar a decisão de adjudicação controvertida e, portanto, da eventual sobreposição entre esse alcance e o da decisão judicial pela qual o seu recurso que impugna a decisão de a excluir do processo de leilão controvertido foi definitivamente julgado improcedente.


    ( 1 ) Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «Diretiva‑Quadro»).

    ( 2 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication (C‑426/05, EU:C:2008:103).

    ( 3 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria (C‑282/13, EU:C:2015:24).

    ( 4 ) Na aceção do artigo 7.o da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 108, p. 21), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «Diretiva Autorização»).

    ( 5 ) Artigo 7.o, n.o 1, alínea a), e n.o 3, da Diretiva Autorização, e artigo 8.o da Diretiva‑Quadro.

    ( 6 ) Mais especificamente, pelo artigo 7.o da Diretiva Autorização.

    ( 7 ) Como garantido pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    ( 8 ) Artigo 3.o, n.o 2, e artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Autorização.

    ( 9 ) Na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Autorização.

    ( 10 ) Em aplicação do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Autorização.

    ( 11 ) Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33).

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