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Document 62020TJ0643

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 19 de maio de 2021.
    Ryanair DAC contra Comissão Europeia.
    Auxílios de Estado — Países Baixos — Garantia de Estado para os empréstimos e o empréstimo subordinado do Estado a favor da KLM no âmbito da pandemia de COVID‑19 — Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal — Decisão de não levantar objeções — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Auxílio concedido anteriormente a outra sociedade do mesmo grupo de empresas — Dever de fundamentação — Manutenção dos efeitos da decisão.
    Processo T-643/20.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2021:286

    Processo T‑643/20

    Ryanair DAC

    contra

    Comissão Europeia

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 19 de maio de 2021

    «Auxílios de Estado — Países Baixos — Garantia de Estado para os empréstimos e o empréstimo subordinado do Estado a favor da KLM no âmbito da pandemia de COVID‑19 — Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal — Decisão de não levantar objeções — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Auxílio concedido anteriormente a outra sociedade do mesmo grupo de empresas — Dever de fundamentação — Manutenção dos efeitos da decisão»

    1. Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno sem abertura do procedimento formal de exame — Recurso dos interessados na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE — Admissibilidade — Requisitos

      [Artigos 108.°, n.os 2 e 3, e 263.°, 4.° parágrafo, TFUE; Regulamento n.o 2015/1589 do Conselho, artigo 1.o, alínea h)]

      (cf. n.os 23‑29)

    2. Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Decisão da Comissão que, declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno sem abertura do procedimento formal de exame — Recurso dos interessados na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE — Identificação do objeto do recurso — Recurso destinado a salvaguardar os direitos processuais dos interessados — Fundamentos suscetíveis de ser invocados

      [Artigos 108.°, n.o 2, e 263.°, 4.° parágrafo, TFUE; Regulamento 2015/1589 do Conselho, artigo 1.o, alínea h)]

      (cf. n.os 30, 31)

    3. Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado — Decisão de não dar início ao procedimento formal de exame — Breve exposição das razões que levaram a Comissão a concluir pela inexistência de dificuldades sérias na apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno — Não consideração do impacto de um auxílio concedido anteriormente a outra sociedade do mesmo grupo de empresas que o beneficiário do auxílio — Fundamentação insuficiente

      (Artigos 107.°, n.o 1, 108.°, n.o 2, e 296.° TFUE)

      (cf. n.os 36, 38‑43, 71, 72)

    4. Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios suscetíveis de ser considerados compatíveis com o mercado interno — Poder de apreciação da Comissão — Identificação do beneficiário de dois auxílios concedidos a duas sociedades que fazem parte do mesmo grupo de empresas — Conceito de unidade económica

      (Artigos 107.°, n.o 1, e 108, n.o 2, TFUE; Comunicação 2016/C 262/01 da Comissão, ponto 11)

      (cf. n.os 43‑67)

    5. Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado — Regularização de uma falta de fundamentação na fase contenciosa do processo — Inadmissibilidade

      (Artigos 107.°, n.o 1, 108.°, n.o 2, e 296.° TFUE)

      (cf. n.o 66)

    6. Recurso de anulação — Acórdão de anulação — Efeitos — Limitação pelo juiz da União — Manutenção dos efeitos do ato impugnado até à sua substituição — Justificação baseada em motivos de segurança jurídica

      (Artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE)

      (cf. n.os 79‑84)

    Resumo

    O Tribunal Geral anula a decisão da Comissão Europeia que aprova o auxílio financeiro dos Países Baixos a favor da companhia aérea KLM no contexto da pandemia de COVID‑19, por insuficiência de fundamentação. No entanto, tendo em conta os efeitos particularmente prejudiciais da pandemia para a economia neerlandesa, o Tribunal Geral suspende os efeitos da anulação até à adoção de uma nova decisão pela Comissão

    Em junho de 2020, o Reino dos Países Baixos notificou à Comissão Europeia um auxílio de Estado a favor da companhia aérea KLM, filial da sociedade holding Air France‑KLM. O auxílio notificado, cujo orçamento total ascendia a 3,4 mil milhões de euros, consistia, por um lado, numa garantia de Estado para um empréstimo a conceder por um consórcio de bancos, e, por outro, num empréstimo de Estado. Através desta intervenção, o Reino dos Países Baixos pretendia fornecer temporariamente a liquidez de que a KLM necessitava para fazer face às repercussões negativas da pandemia de COVID‑19. Com efeito, tendo em conta a importância da KLM para a sua economia e para o seu serviço aéreo, o Reino dos Países Baixos considerava que a sua insolvência teria exacerbado ainda mais a perturbação grave da sua economia causada por esta pandemia.

    Em 4 de maio de 2020, a Comissão já tinha declarado compatível com o mercado interno um auxílio individual concedido pela República Francesa à Air France, outra filial da sociedade holding Air France‑KLM, sob a forma de uma garantia de Estado e de um empréstimo acionista, no montante total de 7 mil milhões de euros ( 1 ). Esta medida de auxílio destinava‑se a financiar as necessidades imediatas de liquidez da Air France.

    Por considerar que o auxílio notificado a favor da KLM constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão avaliou‑o à luz da sua Comunicação, de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» ( 2 ). Por Decisão de 13 de julho de 2020, a Comissão concluiu que esse auxílio era compatível com o mercado interno, com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ( 3 ). Por força desta disposição, os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro podem, em determinadas condições, ser considerados compatíveis com o mercado interno.

    A companhia aérea Ryanair interpôs um recurso de anulação dessa decisão, que foi julgado procedente pela Décima Secção alargada do Tribunal Geral, na sequência de uma tramitação acelerada, suspendendo ao mesmo tempo os efeitos da anulação até à adoção de uma nova decisão pela Comissão. No seu acórdão, o Tribunal Geral fornece precisões quanto ao alcance do dever de fundamentação da Comissão quando esta declara compatível com o mercado interno um auxílio concedido a uma filial de uma sociedade holding, apesar de outra filial da mesma sociedade holding já ter beneficiado de um auxílio semelhante.

    Apreciação do Tribunal Geral

    No seu recurso de anulação, a Ryanair invocava, nomeadamente, uma violação do dever de fundamentação pela Comissão, na medida em que esta não expôs as razões pelas quais o auxílio anteriormente concedido à Air France não tinha impacto na avaliação da compatibilidade do auxílio adotado a favor da KLM com o mercado interno, quando a Air France e a KLM eram duas filiais da mesma sociedade holding.

    A este respeito, o Tribunal começa por precisar que a decisão anteriormente adotada sobre o auxílio concedido à Air France constitui um elemento contextual que deve ser tomado em consideração para efeitos de examinar se a fundamentação da decisão impugnada preenchia os requisitos do artigo 296.o TFUE. Além disso, quando haja razões para recear os efeitos de um cúmulo de auxílios de Estado dentro do mesmo grupo na concorrência, incumbe à Comissão examinar com especial atenção as relações entre as sociedades pertencentes ao referido grupo, a fim de verificar se se pode considerar que estas últimas formam uma única unidade económica e, portanto, um único beneficiário, para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ( 4 ).

    À luz destas precisões, o Tribunal salienta que a decisão impugnada não contém elementos relativos à composição da estrutura acionista da Air France e da KLM, nem informações quanto às relações funcionais, económicas e orgânicas entre a sociedade holding Air France‑KLM e as suas filiais, embora revele que a sociedade holding está implicada na concessão e administração dos auxílios previstos tanto a favor da KLM como da Air France. A decisão impugnada também não expõe a eventual existência de um qualquer mecanismo que impeça que o auxílio concedido à Air France através da sociedade holding Air France‑KLM beneficie, precisamente por intermédio da sociedade holding, a KLM, e vice‑versa.

    Neste quadro, o Tribunal declara inadmissíveis as explicações apresentadas pela Comissão pela primeira vez na audiência para demonstrar que o auxílio anteriormente concedido à Air France não podia beneficiar a KLM. Além disso, embora a Comissão disponha de um amplo poder de apreciação para determinar se sociedades que fazem parte de um grupo devem ser consideradas como uma unidade económica para efeitos de aplicação do regime dos auxílios de Estado, não expôs, no entanto, de forma suficientemente clara e precisa, na decisão impugnada, todos os elementos de facto e de direito pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa, caracterizada pela concessão paralela de dois auxílios de Estado a duas filiais de uma mesma sociedade holding, a qual está, além disso, implicada na concessão e administração dos referidos auxílios.

    Além disso, tendo em conta a insuficiência de fundamentação de que enferma a decisão impugnada, o Tribunal não estava em condições de verificar nem a necessidade e a proporcionalidade do auxílio, nem a observância das condições de cúmulo e dos limiares estabelecidos no n.o 25, alínea d), e no n.o 27, alínea d), do Quadro Temporário ( 5 ). Pelas mesmas razões, o Tribunal não podia fiscalizar se a Comissão estava perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno.

    Por conseguinte, o Tribunal conclui que, ao limitar‑se a declarar, por um lado, que a KLM era o beneficiário da medida em causa, e, por outro, que as autoridades neerlandesas tinham confirmado que o financiamento concedido à KLM não seria utilizado pela Air France, a Comissão não fundamentou de forma suficiente a decisão impugnada e que essa insuficiência de fundamentação implica a sua anulação.

    No entanto, tendo em conta o facto de que essa anulação resulta da insuficiência de fundamentação da decisão impugnada e que pôr em causa, no imediato, o recebimento dos montantes pecuniários previstos pela medida de auxílio notificada teria consequências particularmente prejudiciais para a economia e o serviço aéreo nos Países Baixos num contexto económico e social já marcado pela perturbação grave da economia provocada pela pandemia de COVID‑19, o Tribunal decide suspender os efeitos da anulação da decisão impugnada até à adoção de uma nova decisão pela Comissão.


    ( 1 ) Decisão C(2020) 2983 final da Comissão, de 4 de maio de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57082 (2020/N) — França — COVID‑19: Quadro Temporário, [artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE] — Garantia e empréstimo acionista a favor da Air France (a seguir «Decisão Air France»).

    ( 2 ) Comunicação da Comissão sobre o Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1), alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1), em 13 de maio de 2020 (JO 2020, C 164, p. 3) e em 29 de junho de 2020 (JO 2020, C 218, p. 3) (a seguir «Quadro Temporário»).

    ( 3 ) Decisão C (2020) 4871 final da Comissão, de 13 de julho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia de Estado e empréstimo de Estado a favor da KLM (JO 2020, C 355, p. 1; a seguir «decisão impugnada»).

    ( 4 ) Em conformidade com o ponto 11 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2016, C 262, p. 1), pode considerar‑se que várias entidades jurídicas distintas formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. Para o efeito, deve‑se tomar em consideração a existência de participações de controlo de uma das entidades na outra, bem como a existência de outras relações funcionais, económicas e orgânicas entre elas.

    ( 5 ) Em conformidade com o n.o 25, alínea d), i), do Quadro Temporário, os auxílios estatais sob a forma de novas garantias públicas sobre os empréstimos são considerados compatíveis com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, desde que, para os empréstimos com vencimento depois de 31 de dezembro de 2020, o montante global dos empréstimos por beneficiário não exceda o dobro da massa salarial anual do beneficiário para 2019 ou para o último ano disponível. É aplicável o mesmo limiar aos auxílios de Estado sob a forma de subvenções aos empréstimos públicos, em conformidade com o n.o 27, alínea d), i), do referido regime.

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