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Document 62020TJ0628

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 19 de maio de 2021.
    Ryanair DAC contra Comissão Europeia.
    Auxílios de Estado — Espanha — Medidas de recapitalização destinadas a apoiar as empresas sistémicas e estratégicas para a economia espanhola perante a pandemia de COVID‑19 — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário dos auxílios de Estado — Medida destinada a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Medida dirigida ao conjunto da economia de um Estado‑Membro — Princípio da não discriminação — Livre prestação de serviços e liberdade de estabelecimento — Proporcionalidade — Critério do estabelecimento em Espanha dos beneficiários do auxílio — Não ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada — Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Conceito de “regime de auxílios” — Dever de fundamentação.
    Processo T-628/20.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2021:285

    Processo T‑628/20

    Ryanair DAC

    contra

    Comissão Europeia

    Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção Alargada) de 19 de maio de 2021

    «Auxílios de Estado — Espanha — Medidas de recapitalização destinadas a apoiar as empresas sistémicas e estratégicas para a economia espanhola face à pandemia de COVID‑19 — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário dos auxílios de Estado — Medida destinada a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Medida dirigida ao conjunto da economia de um Estado‑Membro — Princípio da não discriminação — Livre prestação de serviços e liberdade de estabelecimento — Proporcionalidade — Critério do estabelecimento em Espanha dos beneficiários do auxílio — Não ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada — Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Conceito de “regime de auxílios” — Dever de fundamentação»

    1. Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Regime de auxílios destinado à criação de um Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas para a economia espanhola face à pandemia de COVID‑19 — Financiamento reservado às empresas não financeiras estabelecidas em Espanha — Auxílio compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade — Inexistência

      [Artigos 18.°, primeiro parágrafo, e 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE]

      (cf. n.os 25‑27, 51)

    2. Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Regime de auxílios destinado à criação de um Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas para a economia espanhola face à pandemia de COVID‑19 — Financiamento reservado às empresas não financeiras estabelecidas em Espanha — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Critérios — Objetivo do regime de auxílios — Necessidade do auxílio — Proporcionalidade do auxílio

      [Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE]

      (cf. n.os 28‑52)

    3. Livre prestação de serviços — Disposições do Tratado — Âmbito de aplicação — Serviços em matéria de transportes na aceção do artigo 58.o, n.o 1, TFUE — Serviços de transportes aéreos — Regime jurídico específico

      (Artigos 56.°, 58.°, n.o 1, e 100.°, n.o 2, TFUE)

      (cf. n.os 59, 60)

    4. Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Apreciação à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Critérios — Ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada — Critério não necessário

      [Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE]

      (cf. n.os 66‑70)

    5. Auxílios concedidos pelos Estados — Análise pela Comissão — Regime de auxílios — Conceito — Critérios de apreciação — Disposições jurídicas que preveem medidas de recapitalização em favor das empresas sistémicas e estratégicas para a economia nacional — Inexistência de outras medidas nacionais de execução — Definição geral e abstrata dos beneficiários do auxílio — Condições — Prova da determinação dos elementos essenciais do regime nos atos identificados como estando na base deste último

      [Artigos 107.°, n.o 1, e 108.°, n.os 1 e 3, TFUE; Regulamento 2015/1589 do Conselho, artigo 1.o, alínea d)]

      (cf. n.os 75‑94)

    6. Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Decisão da Comissão que constata a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno sem abertura do procedimento formal de investigação — Recurso por parte dos interessados na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE — Identificação do objeto do recurso — Recurso que visa a proteção dos direitos processuais dos interessados — Fundamentos que podem ser invocados — Inexistência de conteúdo autónomo desse fundamento no caso em apreço

      (Artigos 108.°, n.o 2, e 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

      (cf. n.os 112‑114)

    7. Auxílios concedidos pelos Estados — Decisão da Comissão de não levantar objeções a um regime de auxílios — Dever de fundamentação — Alcance — Tomada em consideração do contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria

      [Artigos 107.°, n.o 3, alínea b), e 296.° TFUE]

      (cf. n.os 117‑124)

    Resumo

    O Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas espanholas que registam dificuldades temporárias devido à pandemia de COVID‑19 está em conformidade com o direito da União.

    A medida em causa, destinada à adoção de medidas de recapitalização e dotada de um orçamento de 10 mil milhões de euros, constitui um regime de auxílios de Estado, mas é proporcionada e não discriminatória.

    Em julho de 2020, a Espanha notificou à Comissão Europeia um regime de auxílios destinado à criação de um Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas espanholas que registem dificuldades temporárias devido à pandemia de COVID‑19. O referido fundo de apoio pode adotar diferentes medidas de recapitalização em favor das empresas não financeiras estabelecidas e que tenham os seus principais centros de atividade em Espanha que sejam consideradas sistémicas ou estratégicas para a economia espanhola ( 1 ). O orçamento do referido regime de auxílios, financiado pelo orçamento de Estado, foi fixado em 10 mil milhões de euros até 30 de junho de 2021.

    Considerando que o regime notificado constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão examinou‑o à luz da sua Comunicação de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» ( 2 ). Por decisão de 31 de julho de 2020, a Comissão declarou o regime notificado compatível com o mercado interno em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ( 3 ). Por força desta disposição, os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro podem, em determinadas condições, ser considerados compatíveis com o mercado interno.

    A companhia aérea Ryanair interpôs um recurso destinado à anulação desta decisão, ao qual é, porém, negado provimento pela Décima Secção Alargada do Tribunal Geral. Neste contexto, esta Secção examina a compatibilidade com o mercado interno do regime de auxílios de Estado adotado para enfrentar as consequências da pandemia de COVID‑19 à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ( 4 ). O Tribunal Geral precisa, além disso, a articulação entre as regras relativas aos auxílios de Estado e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, bem como o conceito de «regime de auxílios» na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589 ( 5 ).

    Apreciação do Tribunal Geral

    O Tribunal Geral procede, em primeiro lugar, à fiscalização da decisão da Comissão à luz do princípio da não discriminação, verificando se a diferença de tratamento instituída pelo regime de auxílios em causa, na medida em que apenas beneficia as empresas estabelecidas em Espanha e que têm os seus principais centros de atividades em Espanha, é justificada por um objetivo legítimo e se é necessária, adequada e proporcionada para o alcançar. O Tribunal examina igualmente a incidência do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, que proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos tratados, sem prejuízo das disposições especiais neles previstas. Ora, uma vez que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, constitui, segundo o Tribunal, uma das disposições especiais previstas pelos tratados, o Tribunal analisa se o regime em causa pode ser declarado compatível com o mercado interno ao abrigo desta disposição.

    A este respeito, o Tribunal Geral confirma, por um lado, que o objetivo do regime em causa satisfaz as condições estabelecidas no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, na medida em que visa efetivamente sanar uma perturbação grave da economia espanhola causada pela pandemia de COVID‑19. Além disso, o Tribunal acrescenta que o critério da importância estratégica e sistémica dos beneficiários do auxílio reflete efetivamente o objetivo do auxílio em causa.

    O Tribunal Geral constata, por outro lado, que a limitação do regime em causa às empresas não financeiras com importância sistémica ou estratégica para a economia espanhola, estabelecidas em Espanha e com os seus principais centros de atividade no seu território, é simultaneamente adequada e necessária para alcançar o objetivo de sanar a perturbação grave da economia espanhola. Segundo o Tribunal, tanto os critérios de elegibilidade do regime, como as modalidades de concessão dos auxílios, que consistem na entrada temporária do Estado espanhol no capital das empresas visadas, como as restrições ex post previstas pelo referido regime em relação aos beneficiários dos auxílios ( 6 ) demonstram a vontade de a Espanha apoiar as empresas que estão efetiva e duradouramente implantadas na economia espanhola. Esta abordagem é coerente com o objetivo do regime que visa sanar uma perturbação grave da economia espanhola numa perspetiva de desenvolvimento a médio e a longo prazo.

    No que se refere à proporcionalidade do regime de auxílios, o Tribunal Geral declara que, ao prever modalidades de concessão do benefício de alcance geral e multissetorial sem distinção do setor económico em causa, a Espanha pode legitimamente basear‑se em critérios de elegibilidade destinados a identificar as empresas que têm simultaneamente uma importância sistémica ou estratégica para a sua economia e um vínculo duradouro e estável a esta última. Com efeito, um critério de elegibilidade diferente, que incluísse as empresas que operam no território espanhol como meros prestadores de serviços, não poderia garantir a necessidade de uma implantação estável e duradoura dos beneficiários do auxílio na economia espanhola, que subjaz ao regime de auxílios em causa.

    À luz destas constatações, o Tribunal Geral confirma que o objetivo do regime em causa preenche os requisitos da derrogação prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e que as modalidades de concessão deste auxílio não excedem o necessário para alcançar este objetivo. Assim, o referido regime não viola o princípio da não discriminação nem o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE.

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral analisa a decisão da Comissão à luz da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento consagradas, respetivamente, no artigo 56.o e no artigo 49.o TFUE. A este respeito, o Tribunal recorda que a livre prestação de serviços não é aplicável enquanto tal ao domínio dos transportes, que está sujeito a um regime jurídico específico, no qual se integra o Regulamento n.o 1008/2008 ( 7 ). Ora, este regulamento tem precisamente por objeto definir as condições de aplicação, no setor dos transportes aéreos, do princípio da livre prestação de serviços. Isto dito, a Ryanair não demonstrou, em todo o caso, de que forma esta exclusão do acesso às medidas de recapitalização visadas pelo regime em causa seria suscetível de a dissuadir de se estabelecer em Espanha ou de efetuar prestações de serviços a partir deste país e com destino ao mesmo.

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral julga improcedente o fundamento segundo o qual a Comissão violou a sua obrigação de ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada. A este respeito, o Tribunal salienta que essa ponderação não é exigida pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, contrariamente ao que é estatuído no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e que, nas circunstâncias do caso em apreço, essa ponderação não tem razão de ser uma vez que se presume que o seu resultado é benéfico.

    Em quarto lugar, a respeito da qualificação pretensamente errada da medida em causa como um «regime de auxílios», o Tribunal Geral declara que as disposições do direito espanhol que constituem a base jurídica da medida em causa ( 8 ) são atos de alcance geral que regem todas as características do auxílio em causa. As referidas disposições permitem, de facto, por si só, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, quer a concessão individual de auxílios às empresas que os solicitem, quer a definição, de forma geral e abstrata, dos beneficiários do auxílio. Por conseguinte, o Tribunal conclui que a Comissão pôde qualificar o auxílio em causa como regime de auxílios sem cometer um erro de direito, em aplicação do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589.

    Por último, o Tribunal Geral julga improcedentes os fundamentos relativos a uma pretensa violação do dever de fundamentação e constata que não é necessário apreciar o mérito do fundamento relativo à violação dos direitos processuais decorrentes do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.


    ( 1 ) Para poderem beneficiar do regime de auxílios em causa, as empresas mencionadas devem, em qualquer caso, preencher os critérios cumulativos de elegibilidade previstos no referido regime e, portanto, demonstrar que: i) estão perante um risco de cessação das suas atividades sem apoio público temporário; ii) a cessação forçada das suas atividades teria um impacto negativo e elevado na atividade ou no emprego a nível nacional ou regional; iii) a sua viabilidade a médio e a longo prazo é assegurada por um plano de viabilidade que indique o modo como a empresa pode ultrapassar a crise e que descreva a utilização proposta do auxílio público; iv) estabeleceram um calendário previsional de reembolso do apoio do Estado pelo Fundo; v) não estavam já em dificuldades em 31 de dezembro de 2019; vi) um financiamento privado através dos bancos ou dos mercados financeiros não está disponível ou que esse financiamento está disponível a um custo que impediria a sua viabilidade.

    ( 2 ) Comunicação C/2020/1863 (JO 2020, C 91 I, p. 1), alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1), em 13 de maio de 2020 (JO 2020, C 164, p. 3) e em 29 de junho de 2020 (JO 2020, C 218, p. 3).

    ( 3 ) Decisão C(2020) 5414 final, relativa ao auxílio de Estado SA.57659 (2020/N) — Espanha COVID‑19 — Fundo de recapitalização.

    ( 4 ) No seu Acórdão de 17 de fevereiro de 2021, Ryanair/Comissão (T‑238/20, EU:T:2021:91), o Tribunal Geral procedeu a um exame análogo da legalidade de um regime de auxílios de Estado adotado pela Suécia para responder às consequências da pandemia de COVID‑19 no mercado sueco do transporte aéreo (v. CI 16/21). No seu Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; COVID‑19) (T‑388/20, EU:T:2021:196), o Tribunal Geral também procedeu, com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, à análise de uma medida de auxílio individual adotada pela Finlândia no contexto da pandemia de COVID‑19 (v. CI 53/21).

    ( 5 ) Nos termos do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (UE) n.o 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), o conceito de regime de auxílios é definido como «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

    ( 6 ) Trata‑se, inter alia, das obrigações de transparência e de prestação de contas às autoridades nacionais sobre a utilização do auxílio em causa e da proibição, enquanto o auxílio não tiver sido total ou parcialmente reembolsado, de assumir riscos excessivos ou de prosseguir uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio, de efetuar determinadas concentrações ou aquisições e de pagar dividendos.

    ( 7 ) Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

    ( 8 ) Nomeadamente, o Real Decreto‑ley 25/2020, de medidas urgentes para apoyar la reactivación económica y el empleo, de 3 de julho (BOE n.o 185, de 6 de julho de 2020) e o Acuerdo del Consejo de Ministros sobre el funcionamiento del Fondo de Apoyo a la Solvencia de las Empresas Estratégicas (Orden PCM/679/2020 de 23 de julho de 2020) (BOE n.o 201 de 24 de julho de 2020).

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