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Document 62020CJ0251

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de dezembro de 2021.
    Gtflix Tv contra DR.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Artigo 7.°, ponto 2 — Competência especial em matéria extracontratual — Publicação na Internet de afirmações alegadamente depreciativas relativamente a uma pessoa — Lugar da materialização do dano — Órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo colocado em linha.
    Processo C-251/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:1036

    Processo C‑251/20

    Gtflix Tv

    contra

    DR

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de dezembro de 2021

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 7.o, ponto 2 — Competência especial em matéria extracontratual — Publicação na Internet de afirmações alegadamente depreciativas relativamente a uma pessoa — Lugar da materialização do dano — Órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo colocado em linha»

    1. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento n.o 1215/2012 — Competências especiais — Competência em matéria extracontratual — Lugar onde ocorreu o facto danoso — Difamação transfronteiriça através da imprensa — Órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro que devem corresponder, segundo invoca a vítima, a um lugar onde sofreu um atentado à sua reputação — Competência limitada aos danos causados no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir

      (Regulamento n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 16 e artigo 7.o, ponto 2)

      (cf. n.o 29)

    2. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento n.o 1215/2012 — Competências especiais — Competência em matéria extracontratual — Violação dos direitos de personalidade pela difusão de afirmações depreciativas na Internet — Lugar da materialização do dano — Pessoa em causa que pede simultaneamente a supressão dessas afirmações e a retificação dos dados publicados, por um lado, e a reparação do dano resultante dessa colocação em linha, por outro — Pedido de indemnização apresentado perante os órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro de difusão das referidas afirmações e destinado à reparação dos danos causados no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir — Competência para conhecer desse pedido de indemnização parcial — Incompetência para conhecer do pedido de retificação e supressão — Irrelevância para a apreciação do pedido de indemnização parcial

      (Regulamento n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o, ponto 2)

      (cf. n.os 30‑33, 35‑37, 41‑43 e disp.)

    Resumo

    Difusão de afirmações alegadamente depreciativas na Internet: a indemnização dos danos daí resultantes no território do Estado‑Membro pode ser pedida perante órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro.

    Esta competência está unicamente sujeita à condição de o conteúdo atentatório estar ou ter estado acessível nesse território

    A Gtflix Tv (a seguir «recorrente») é uma sociedade com sede na República Checa, que produz e difunde conteúdos audiovisuais para adultos. DR, com domicílio na Hungria, é outro profissional deste ramo.

    A recorrente, que acusa DR de difundir afirmações depreciativas a seu respeito em vários sítios Internet, interpôs uma ação contra este nos órgãos jurisdicionais franceses, pedindo, por um lado, a supressão dessas afirmações e a retificação dos dados publicados e, por outro, a reparação dos danos sofridos devido às referidas afirmações. Tanto em primeira instância como em sede de recurso, esses órgãos jurisdicionais declararam‑se incompetentes para conhecer desses pedidos.

    Na Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), a recorrente pediu a anulação do acórdão proferido pela cour d’appel (Tribunal de Recurso, França), por violação da regra de competência especial prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 1 ) a favor dos tribunais «do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», argumentando que não basta, para estabelecer a competência do órgão jurisdicional chamado a decidir, que as afirmações consideradas depreciativas que foram publicadas na Internet estejam acessíveis na área de desse órgão jurisdicional, mas que é igualmente necessário que sejam suscetíveis de aí causar danos.

    O órgão jurisdicional de reenvio, considerando, nomeadamente, que o centro de interesses da recorrente estava estabelecido na República Checa e constatando que DR tinha domicílio na Hungria, declarou que os órgãos jurisdicionais franceses eram incompetentes para conhecer do pedido destinado à supressão das afirmações alegadamente depreciativas e à retificação dos dados publicados. Todavia, decidiu interrogar o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se os órgãos jurisdicionais franceses são competentes para conhecer do pedido de indemnização no que respeita aos danos causados à recorrente no território a que esses órgãos jurisdicionais pertencem, e isto mesmo que estes não sejam competentes para conhecer do pedido de retificação e supressão.

    No seu acórdão, o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, fornece precisões sobre a determinação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer da ação de indemnização com fundamento na materialização dos danos na Internet.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    O Tribunal de Justiça declara que uma pessoa que, por considerar que houve uma violação dos seus direitos pela difusão de afirmações depreciativas a seu respeito na Internet, age judicialmente para efeitos simultaneamente, por um lado, de retificação dos dados e supressão dos conteúdos colocados em linha a seu respeito e, por outro, de reparação dos danos resultantes dessa colocação em linha, pode pedir, nos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território essas afirmações estejam ou tenham estado acessíveis, a reparação dos danos que lhe foram causados no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, ainda que esses órgãos jurisdicionais não sejam competentes para conhecer do pedido de retificação e supressão.

    Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça recorda que, nos termos da sua jurisprudência, a regra de competência especial prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 a favor dos órgãos jurisdicionais «do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» abrange simultaneamente o lugar do evento causal e o da materialização do dano, sendo cada um deles suscetível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil no que diz respeito à prova e à organização do processo.

    No que respeita às alegações de violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, o Tribunal de Justiça recorda também que a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade, com vista à reparação da totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos com fundamento no lugar do evento causal, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses com fundamento na materialização do dano. Esta pessoa pode igualmente, em vez de uma ação fundada em responsabilidade com vista à reparação da totalidade dos danos causados, intentar a sua ação nos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo em linha. Estes são todavia competentes para conhecer apenas dos danos causados no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada.

    Por conseguinte, em conformidade com o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, tal como interpretado pela jurisprudência anterior, uma pessoa que se considere lesada pela colocação em linha de dados num sítio Internet poderá, para efeitos da retificação desses dados e da supressão dos conteúdos colocados em linha, intentar uma ação nos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer da totalidade de um pedido de reparação dos danos, a saber, quer no tribunal do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos com fundamento no lugar do evento causal, quer no tribunal da área em que se encontra o centro de interesses dessa pessoa com fundamento no lugar da materialização dos danos.

    A este respeito, o Tribunal de Justiça precisa que um pedido de retificação dos dados e de supressão dos conteúdos colocados em linha só pode ser apresentado num órgão jurisdicional competente para conhecer da totalidade de um pedido de reparação dos danos, com o fundamento de que tal pedido de retificação e supressão é uno e indivisível.

    Em contrapartida, um pedido de reparação dos danos pode ter por objeto quer uma indemnização integral quer uma indemnização parcial. Assim, não se justifica excluir, por esse mesmo motivo, a faculdade de o requerente apresentar o seu pedido de indemnização parcial a qualquer outro órgão jurisdicional da área em que considera ter sofrido danos.

    Por outro lado, a boa administração da justiça também não impõe que se exclua essa faculdade, uma vez que um órgão jurisdicional competente para conhecer unicamente dos danos sofridos no Estado‑Membro a que pertence se afigura perfeitamente capaz de apreciar, no âmbito de um processo que decorre nesse Estado‑Membro e tendo em conta as provas nele recolhidas, a ocorrência e a extensão dos danos alegados.

    Por último, a atribuição, aos órgãos jurisdicionais em causa, da competência exclusiva para conhecerem dos danos causados apenas no território do Estado‑Membro a que pertencem está unicamente sujeita à condição de o conteúdo atentatório estar ou ter estado acessível nesse território, uma vez que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 não impõe outro requisito a este respeito. A introdução de requisitos adicionais poderia levar, na prática, a excluir a faculdade de a pessoa em causa apresentar um pedido de indemnização parcial nos órgãos jurisdicionais em cuja área considera ter sofrido danos.


    ( 1 ) Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1). Mais especificamente, por força do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento: «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro: [...] Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso [...].»

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