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Document 62020CJ0237

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de abril de 2022.
    Federatie Nederlandse Vakbeweging contra Heiploeg Seafood International BV e Heitrans International BV.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.° a 5.° — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — “Pre‑pack” — Sobrevivência de uma empresa — Transferência de uma (parte de) empresa na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack.
    Processo C-237/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:321

    Processo C‑237/20

    Federatie Nederlandse Vakbeweging

    contra

    Heiploeg Seafood International BV
    e
    Heitrans International BV

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos)]

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de abril de 2022

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.° a 5.° — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — “Pre‑pack” — Sobrevivência de uma empresa — Transferência de uma (parte de) empresa na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack»

    1. Política social — Aproximação das legislações — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Diretiva 2001/23 — Exceções — Transferência de uma empresa que ocorreu na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack — Pre‑pack que tem como objetivo permitir, no processo de insolvência, a liquidação da empresa em atividade que satisfaça o melhor possível os credores e mantenha o emprego na medida do possível — Inclusão — Requisito

      (Diretiva 2001/23 do Conselho, artigos 3.°, 4.° e 5.°, n.os 1 e 2)

      (cf. n.os 47, 49‑55, disp. 1)

    2. Política social — Aproximação das legislações — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Diretiva 2001/23 — Exceções — Transferência de uma empresa que ocorreu na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack — Pre‑pack realizado por um administrador da insolvência indigitado, colocado sob a fiscalização de um juiz da insolvência indigitado, nomeados pelo órgão jurisdicional competente — Celebração e execução do acordo sobre a transferência após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente — Inclusão — Requisito — Tempo decorrido entre a abertura do processo de insolvência e a assinatura do acordo — Falta de incidência

      (Diretiva 2001/23 do Conselho, artigos 3.°, 4.° e 5.°, n.o 1)

      (cf. n.os 62‑66, disp. 2)

    Resumo

    Falência de empresa e direito dos trabalhadores: em caso de transferência de ativos no âmbito de um processo de pre‑pack, o cessionário tem o direito de derrogar a manutenção dos direitos dos trabalhadores, caso esse processo seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares.

    O grupo Heiploeg (a seguir «antigo grupo Heiploeg») era constituído por várias sociedades ativas no domínio do comércio grossista de peixes e de marisco. Nos anos de 2011 e 2012, o antigo grupo Heiploeg acumulou perdas financeiras significativas e, em 2013, foi aplicada uma coima de 27 milhões de euros a quatro das suas sociedades, por participação num cartel. Uma vez que nenhum banco aceitou financiar esta coima, foi iniciado um processo de pre‑pack.

    No direito neerlandês, o pre‑pack é uma prática de origem jurisprudencial que tem como objetivo permitir, durante o processo de insolvência, a liquidação da empresa em atividade (going concern) que satisfaça o melhor possível os credores e mantenha o emprego na medida do possível. As transações de venda da totalidade ou parte da empresa, realizadas no âmbito deste processo, são preparadas por um «administrador da insolvência indigitado», cuja missão é determinada pelo órgão jurisdicional competente que o designa e pelas indicações fornecidas por este último ou pelo «juiz da insolvência indigitado» designado por esse mesmo órgão jurisdicional para esse efeito e sob cuja fiscalização é colocado. Em caso de processo de insolvência subsequente, esse órgão jurisdicional fiscaliza se essas pessoas seguiram todas as indicações que lhes foram dadas e, em caso negativo, nomeia outras pessoas como administradores e juiz da insolvência no momento da declaração da insolvência.

    Neste contexto, em janeiro de 2014, na sequência de um pedido do antigo grupo Heiploeg, o órgão jurisdicional competente designou dois «administradores da insolvência indigitados» e um «juiz da insolvência indigitado». No mesmo mês, o antigo grupo Heiploeg foi declarado insolvente e estas mesmas pessoas foram designadas na qualidade, respetivamente, de administradores e de juiz da insolvência.

    Duas sociedades neerlandesas (a seguir «nova Heiploeg»), inscritas no registo comercial em 21 de janeiro de 2014, assumiram a maior parte das atividades comerciais do antigo grupo Heiploeg com base num acordo de cessão de ativos. Em conformidade com este acordo, a nova Heiploeg retomou os contratos de trabalho de cerca de dois terços dos trabalhadores do antigo grupo Heiploeg para exercerem o mesmo trabalho, mas em condições menos favoráveis.

    A Federatie Nederlandse Vakbeweging (Federação dos Sindicatos Neerlandeses, a seguir «FNV») interpôs recurso da sentença que declarou a insolvência do antigo grupo Heiploeg. Foi negado provimento a este recurso com o fundamento de que essa insolvência se tinha tornado inevitável e, por esse facto, é aplicável no caso em apreço uma derrogação à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas. Consequentemente, a nova Heiploeg não está vinculada às condições de trabalho e de emprego aplicáveis antes da transferência.

    Em conformidade com a Diretiva 2001/23 ( 1 ), que visa proteger os trabalhadores, em especial, assegurando a manutenção dos seus direitos em caso de transferência de empresa, devem ser preenchidos três requisitos para que esta derrogação seja aplicável: o cedente deve ser objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência, este processo deve ser promovido com vista à liquidação do seu património e deve estar sob o controlo de uma entidade oficial competente (ou de um administrador de falências autorizado por essa entidade).

    A FNV interpôs recurso de cassação no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos), considerando que, pelo contrário, esta derrogação não era aplicável no caso de um processo de pre‑pack e que, por esse facto, as condições de trabalho do pessoal transferido deviam ser mantidas.

    Chamado a pronunciar‑se a título prejudicial por esse órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça declara que, em caso de transferência preparada no âmbito de um processo de pre‑pack, como o que está em causa no processo principal, e desde que esse processo seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares, o cessionário tem, em princípio, o direito de derrogar a manutenção dos direitos dos trabalhadores ( 2 ).

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Por um lado, o Tribunal de Justiça salienta, no que respeita ao requisito relativo à abertura do processo de falência ou de um processo análogo de insolvência com vista à liquidação do património do cedente ( 3 ), que, no caso em apreço, a insolvência do cedente era inevitável e tanto o processo de insolvência como o processo de pre‑pack que o precedeu visavam a liquidação do seu património, a qual foi decretada. Por outro lado, a transferência da empresa ocorreu no decurso desse processo de insolvência.

    O objetivo da derrogação à manutenção dos direitos dos trabalhadores é afastar o risco sério de uma deterioração do valor da empresa cedida ou das condições de vida e de trabalho da mão‑de‑obra, ao passo que o de um processo de pre‑pack seguido de um processo de insolvência é obter o reembolso mais elevado possível para todos os credores e manter o emprego na medida do possível. O Tribunal de Justiça acrescenta que o recurso a um processo de pre‑pack, para efeitos da liquidação de uma sociedade, visa aumentar as possibilidades de satisfação dos credores. Consequentemente, pode considerar‑se que os processos pre‑pack e de insolvência, considerados em conjunto, visam a liquidação da empresa na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, desde que o pre‑pack seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares a fim de responder à exigência de segurança jurídica.

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça constata que se pode considerar que o processo de pre‑pack em causa no processo principal decorreu sob o controlo de uma entidade oficial competente, como exige o artigo 5.o da Diretiva 2001/23, desde que o referido processo seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares. Com efeito, o «administrador da insolvência indigitado» e o «juiz da insolvência indigitado» são nomeados pelo órgão jurisdicional competente para o processo de pre‑pack, o qual define as suas funções e procede, no momento da abertura subsequente do processo de insolvência, a uma fiscalização do exercício destas, decidindo nomear ou não, na qualidade de administrador da insolvência e de juiz da insolvência do processo de insolvência, essas mesmas pessoas.

    Além disso, a transferência preparada no decurso do processo de pre‑pack só ser realizada após a abertura do processo de insolvência, uma vez que o administrador da insolvência e o juiz da insolvência podem recusar proceder a essa cessão se considerarem que a mesma é contrária ao interesse dos credores do cedente Além disso, o «administrador da insolvência indigitado» não só deve prestar contas da sua gestão da fase preparatória no relatório de insolvência, como pode igualmente ser responsabilizado nas mesmas condições que o administrador da insolvência.


    ( 1 ) Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16, a seguir «Diretiva 2001/23»), artigo 5.o, n.o 1.

    ( 2 ) Trata‑se dos direitos previstos nos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 2001/23. O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva tem por objeto a transferência dos direitos e das obrigações emergentes dos contratos ou das relações de trabalho que vinculam o cedente ao cessionário, ao passo que o artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, proíbe o despedimento dos trabalhadores apenas com fundamento na transferência.

    ( 3 ) A este respeito, o Tribunal de Justiça estabeleceu a distinção entre o processo de pre‑pack em causa e aquele que deu origem ao Acórdão Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o., C‑126/16, EU:C:2017:489), indicando que este último não visava a liquidação da empresa em causa.

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