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Document 62020CJ0184

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de agosto de 2022.
    OT contra Vyriausioji tarnybinės etikos komisija.
    Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 7.°, 8.° e 52.°, n.° 1 — Diretiva 95/46/CE — Artigo 7.°, alínea c) — Artigo 8.°, n.° 1 — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), e n.° 3, segundo parágrafo — Artigo 9.°, n.° 1 — Tratamento necessário ao cumprimento de uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento está sujeito — Objetivo de interesse público — Proporcionalidade — Tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais — Regulamentação nacional que impõe a publicação na Internet de dados contidos nas declarações de interesses privados das pessoas singulares que trabalham no serviço público ou de dirigentes de associações ou de estabelecimentos que recebam fundos públicos — Prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público.
    Processo C-184/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:601

    Processo C‑184/20

    OT

    contra

    Vyriausioji tarnybinės etikos komisija

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas)

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de agosto de 2022

    «Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 7.°, 8.° e 52.°, n.o 1 — Diretiva 95/46/CE — Artigo 7.o, alínea c) — Artigo 8.o, n.o 1 — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), e n.o 3, segundo parágrafo — Artigo 9.o, n.o 1 — Tratamento necessário ao cumprimento de uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento está sujeito — Objetivo de interesse público — Proporcionalidade — Tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais — Regulamentação nacional que impõe a publicação na Internet de dados contidos nas declarações de interesses privados das pessoas singulares que trabalham no serviço público ou de dirigentes de associações ou de estabelecimentos que recebam fundos públicos — Prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público»

    1. Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46 — Regulamento 2016/679 — Âmbito de aplicação ratione temporis — Interpretação concomitante das disposições que revestem um alcance semelhante

      (Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho; Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho)

      (cf. n.os 57‑59)

    2. Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46 — Regulamento 2016/679 — Requisitos de licitude de um tratamento de dados pessoais — Regulamentação nacional que impõe a publicação na Internet de dados contidos na declaração de interesses privados de uma pessoa singular que dirige um estabelecimento que recebe fundos públicos — Tratamento necessário ao respeito de uma obrigação legal que incumbe ao responsável pelo tratamento — Objetivo de interesse geral de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público — Ausência de caráter necessário da publicação de uma parte dos dados contidos na declaração de interesses privados — Inadmissibilidade

      (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.°, 8.°, e 52.°, n.o 1; Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 6.°, n.o 1, primeiro parágrafo, e n.o 3; Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o, alínea c)]

      (cf. n.os 67‑70, 75‑77, 80‑89, 93, 96, 97, 100‑103, 106, 109‑112, 114‑116, disp. 1)

    3. Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46 — Regulamento 2016/679 — Tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais — Conceito — Publicação, no sítio Internet da autoridade nacional responsável pela recolha e pela fiscalização das declarações de interesses privados, de dados suscetíveis de divulgar indiretamente a orientação sexual de uma pessoa — Inclusão

      (Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 9.o, n.o 1; Diretiva 95/4 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 1)

      (cf. n.os 127, 128, disp. 2)

    Resumo

    Por Decisão de 7 de fevereiro de 2018, a Vyriausioji tarnybinės etikos komisija (Comissão Superior de Prevenção dos Conflitos de Interesses na Função Pública, Lituânia, a seguir «Comissão Superior»), declarou que o diretor de um estabelecimento de direito lituano que recebe fundos públicos não tinha cumprido a sua obrigação de apresentar uma declaração de interesses privados ( 1 ).

    Essa pessoa impugnou a decisão da Comissão Superior para o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vilnus, Lituânia). Alegou, designadamente que, mesmo que tivesse de apresentar uma declaração de interesses privados, o que aquela contesta, a publicação dessa declaração no sítio da Comissão Superior ao por força da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses violaria tanto o seu direito ao respeito da sua vida privada como o das outras pessoas mencionadas, sendo caso disso, na sua declaração Tendo dúvidas quanto à compatibilidade com o RGPD ( 2 ) do regime previsto de publicação de informações que figuram na declaração de interesses privados instaurado pela Lei Relativa à Conciliação de Interesses, o Tribunal Administrativo Regional de Vilnus recorru ao Tribunal de Justiça a título prejudicial.

    No seu Acórdão, proferido em grande secção, o Tribunal de Justiça declara, em substância, que o direito da União ( 3 ) se opõe a uma legislação nacional que prevê a publicação em linha da declaração de interesses privados que qualquer diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos deve apresentar, na medida em que, designadamente, essa publicação tem por objeto certos dados, a saber, os dados nominativos relativos a outras pessoas mencionadas, sendo caso disso, nessa declaração, ou sobre qualquer transação do declarante que exceda um certo valor.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    O Tribunal começa por recordar que a regulamentação pertinente da União prevê uma lista exaustiva e taxativa dos casos em que um tratamento de dados pessoais pode ser considerado lícito, entre os quais figura o tratamento necessário ao respeito de uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento está sujeito. Dado que o tratamento em causa, a saber, a publicação, no sítio Internet da Comissão Superior, de uma parte dos dados pessoais que figuram na declaração de interesses privados, é exigido pela Lei Relativa à Conciliação dos Interesses à qual essa autoridade está sujeita, esse tratamento é efetivamente abrangido por este caso. O Tribunal acrescenta que, por força do RGPD, esse tratamento deve ser baseado quer no direito da União quer no direito do Estado‑Membro ao qual o responsável pelo tratamento está sujeito, e que essa base jurídica deve corresponder a um objetivo de interesse público e ser proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido, como, de resto, isso é exigido pela Carta ( 4 ). Neste âmbito, por um lado, o Tribunal salienta que o tratamento de dados pessoais previsto pela Lei Relativa à Conciliação de Interesses se destina efetivamente a responder a um objetivo de interesse geral que consiste em prevenir os conflitos de interesses e em lutar contra a corrupção no setor público. Por outro lado, sublinha que, nesse caso, limitações ao exercício dos direitos ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais, garantidos pelos artigos 7.° e 8.° da Carta, podem ser admitidas, desde que, designadamente, correspondam efetivamente ao objetivo de interesse geral prosseguido e que a este sejam proporcionadas.

    Em seguida, o Tribunal debruça‑se sobre a aptidão da medida em causa para alcançar o objetivo de interesse geral visado. A este respeito, declara que essa medida se afigura apta a contribuir para a realização desse objetivo. Com efeito, a colocação em linha de certos documentos pessoais contidos nas declarações de interesses privados dos decisores do setor público é de molde a incitar estes últimos a agir de modo imparcial, na medida em que permite revelar a existência de eventuais conflitos de interesses suscetíveis de interferir no exercício das suas funções. Assim, essa aplicação do princípio da transparência é próprio para prevenir os conflitos de interesse e a corrupção, para aumentar a responsabilidade dos atores do setor público e, portanto, para reforçar a confiança dos cidadãos na ação pública.

    Quanto à exigência de necessidade, dito de outro modo, quanto ao facto de saber se o objetivo visado não poderia ser razoavelmente alcançado de maneira igualmente eficaz através de outras medidas menos atentatórias dos direitos ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais, o Tribunal precisa que essa apreciação deve ser efetuada tendo em conta o conjunto dos elementos de direito e de facto próprios do Estado‑Membro em questão. Neste âmbito, sublinha igualmente que a falta de recursos humanos à disposição da Comissão Superior para fiscalizar todas as declarações de interesses privados que lhe são submetidas, que esta invoca para justificar que sejam colocadas em linha, não pode, em caso algum, constituir um motivo legítimo que permite justificar uma violação dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

    Além disso, o exame da exigência de necessidade do tratamento deve ser realizado tendo em conta o princípio dito da «minimização dos dados». A este respeito, o Tribunal salienta que, com um objetivo de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público, é certo que pode ser pertinente exigir que figurem, nas declarações de interesses privados, informações que permitam identificar a pessoa do declarante bem como informações relativas às atividades do seu cônjuge, concubino ou parceiro. Porém, a divulgação pública, em linha, de dados nominativos relativos ao cônjuge, concubino ou parceiro de um diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos, bem como aos próximos ou outras pessoas conhecidas deste suscetíveis de dar origem a um conflito de interesses afigura‑se ir além do que é estritamente necessário. Com efeito, não se afigura que o objetivo de interesse público prosseguido poderia ser alcançado se fosse feita unicamente referência à expressão genérica de cônjuge, concubino ou parceiro consoante o caso, ligada à indicação pertinente dos interesses detidos por estes últimos em relação com as suas atividades. Também não se afigura que a publicação sistemática, em linha, da lista das transações do declarante cujo valor é superior a 3000 euros seja estritamente necessária tendo em conta os objetivos prosseguidos.

    No caso vertente, o Tribunal conclui pela existência de uma ingerência grave nos direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção de dados pessoais das pessoas em questão. Com efeito, por um lado, a divulgação pública dos dados e das informações acima referidas é suscetível de revelar informações sobre certos aspetos sensíveis da vida privada das pessoas em questão e de delas elaborar um retrato particularmente detalhado. Por outro lado, essa divulgação torna esses dados livremente acessíveis na Internet a um número potencialmente ilimitado de pessoas. Por conseguinte, pessoas que procurem simplesmente informar‑se sobre a situação pessoal, material e financeira do declarante e de seus próximos, podem aceder livremente a esses dados.

    No que diz respeito à ponderação da gravidade dessa ingerência com a importância do objetivo geral prosseguido, o Tribunal salienta que, no vaso vertente, a publicação em linha da maior parte dos dados pessoais não satisfaz as exigências de uma ponderação equilibrada. Porém, a publicação de certos dados contidos na declaração de interesses privados pode ser justificada pelos benefícios que essa transparência proporciona na prossecução do objetivo visado. É, designadamente o que sucede quanto aos dados relativos ao facto de o declarante ou, de modo não nominativo, o seu cônjuge, concubino ou parceiro fazerem parte de diversas entidades, bem como os relativos às suas atividades independentes ou ainda aos presentes de terceiros que excedam um certo valor.

    Por último, o Tribunal precisa que o tratamento de dados pessoais suscetíveis de desvendar, de modo indireto, informações sensíveis, relativas a uma pessoa singular não está subtraído ao regime de proteção reforçada ( 5 ), pois tal subtração poderia pôr em causa o efeito útil desse regime e a proteção dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas singulares que este se destina a assegurar. Assim, a publicação no sítio Internet da Comissão Superior de dados pessoais suscetíveis de divulgar indiretamente a orientação sexual das pessoas em questão constitui um tratamento de dados sensíveis.


    ( 1 ) Obrigação prevista pela Lietuvos Respublikos viešųjų ir privačių interesų derinimo valstybinėje tarnyboje įstatymas Nr. VIII‑371 (Lei n.o VIII 371 da República da Lituânia Relativa à Conciliação dos Interesses Públicos e Privados na Função Pública), de 2 de julho de 1997 (Žin., 1997, no 67‑1659, a seguir «Lei Relativa à Conciliação dos Interesses»), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1, a seguir «RGPD»).

    ( 3 ) Artigo 7.o, alínea c), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31) e artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RGPD, lidos à luz dos artigos 7.°, 8.° e 52.°, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    ( 4 ) Artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

    ( 5 ) Referido no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e no artigo 9.o, n.o 1, do RGPD, e que proíbe, em princípio, o tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais.

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