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Document 62019TJ0657

Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) de 9 de novembro de 2022 (Extratos).
Feralpi Holding SpA contra Comissão Europeia.
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos varões para betão ‐ Decisão que constata uma infração ao artigo 65.° CA, depois do fim da vigência do Tratado CECA, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Fixação dos preços — Limitação e controlo da produção ou das vendas — Decisão tomada na sequência da anulação de decisões anteriores — Realização de uma nova audição na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Prazo razoável — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Princípio non bis in idem — Exceção de ilegalidade — Infração única, complexa e continuada — Prova da participação no acordo — Distanciamento público — Competência de plena jurisdição.
Processo T-657/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2022:691

(Processo T657/19)

(publicação por excertos)

Feralpi Holding SpA

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) de 9 de novembro de 2022

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos varões para betão ‐ Decisão que constata uma infração ao artigo 65.° CA, depois do fim da vigência do Tratado CECA, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Fixação dos preços — Limitação e controlo da produção ou das vendas — Decisão tomada na sequência da anulação de decisões anteriores — Realização de uma nova audição na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Prazo razoável — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Princípio non bis in idem — Exceção de ilegalidade — Infração única, complexa e continuada — Prova da participação no acordo — Distanciamento público — Competência de plena jurisdição»

1.      Recurso de anulação — Acórdão de anulação — Efeitos — Obrigação de adotar medidas de execução — Alcance — Tomada em consideração tanto da fundamentação como da parte decisória do acórdão — Adoção de um novo ato com base nos atos preparatórios anteriores — Admissibilidade

(Artigo 266.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 48‑50, 106, 107)

2.      Concorrência — Procedimento administrativo — Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e posições dominantes — Obrigação de consultar — Formalidade substancial — Âmbito

(Artigos 101 e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 14.°)

(cf. n.os 55‑57)

3.      Concorrência — Procedimento administrativo — Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e posições dominantes — Obrigação de consultar — Anulação da decisão que declara a existência de uma infração — Reabertura do procedimento na fase da irregularidade constatada — Nova consulta do Comité Consultivo — Imparcialidade dos representantes das autoridades da concorrência que fazem parte do Comité Consultivo

(Artigos 101.° e 102.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 1; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 14.°)

(cf. n.os 59‑61, 63‑66)

4.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Audição das empresas — Direito a uma audição coletiva das empresas que receberam uma comunicação de acusações — Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°; Regulamento n.° 773/2003 da Comissão, artigo 14.°, n.° 6)

(cf. n.os 70‑73)

5.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Audição das empresas — Anulação da decisão que declara a existência de uma infração — Reabertura do procedimento na fase da irregularidade constatada — Nova audição das empresas — Obrigação de convidar outras entidades que não manifestaram o seu interesse em participarem nesta nova audição — Inexistência — Obrigação de tornar pública a decisão de organizar uma nova audição — Inexistência

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 1; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°; Regulamento da Comissão n.° 773/2004, artigos 12.° e 13.°, n.os 1 a 3)

(cf. n.os 78‑105, 108‑125, 135‑141)

6.      Concorrência — Procedimento administrativo — Obrigações da Comissão — Respeito por um prazo razoável — Anulação da decisão que declara a existência de uma infração — Reabertura do procedimento na fase da irregularidade constatada — Reabertura antecedida da análise da sua compatibilidade com o princípio do prazo razoável — Violação do prazo razoável — Inexistência

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°)

(cf. n.os 146‑148, 157‑176, 178, 179)

7.      Concorrência — Procedimento administrativo — Obrigações da Comissão — Respeito por um prazo razoável — Violação — Consequências — Anulação da decisão que constata uma infração devido à duração excessiva do procedimento — Requisito — Violação dos direitos de defesa das empresas em causa

(Artigos 101.° e 102.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 1)

(cf. n.os 172, 182, 186, 187, 189‑208, 211‑216, 218‑235)

8.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Âmbito — Decisão de aplicação das regras de concorrência — Decisão que constata uma infração adotada após anulação de uma decisão anterior que teve o mesmo objeto — Decisão que indica o raciocínio seguido para justificar a adoção de uma nova decisão

(Artigos 101.° e 102.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 1; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

(cf. n.os 238‑253, 255‑260)

9.      Direito da União Europeia — Princípios — Proporcionalidade — Âmbito — Anulação de uma decisão que constata uma infração — Reabertura do procedimento na fase da irregularidade constatada — Adoção de uma nova decisão que constata uma infração — Violação — Inexistência

(Artigo 5.°, n.° 4, TUE)

(cf. n.os 269‑281)

10.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição do juiz da União — Âmbito

(Artigos 101.°, 261.° e 263.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 31.°; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

(cf. n.os 283‑287)

11.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão que constata uma infração adotada depois da anulação de uma primeira decisão que visava a mesma empresa e a mesma infração — Violação do princípio ne bis in idem — Inexistência

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 50.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°)

(cf. n.os 303‑312)

12.    Concorrência — Procedimento administrativo — Prescrição em matéria de procedimentos — Regras que regulam a interrupção e a suspensão da prescrição — Poder de apreciação do legislador da União — Inexistência de regras que preveem um prazo máximo de prescrição absoluto — Admissibilidade

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 25, n.os 3 e 6)

(cf. n.os 316‑322)

13.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Âmbito do ónus probatório — Grau de precisão exigido aos elementos de prova tidos em conta pela Comissão — Conjunto de indícios — Fiscalização jurisdicional — Âmbito — Decisão que deixa subsistir uma dúvida no espírito do juiz — Respeito pelo princípio da presunção de inocência

(Artigo 65.° CA)

(cf. n.os 330‑333)

14.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Necessidade de um nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento das empresas no mercado — Presunção da existência desse nexo de causalidade — Ónus de ilidir esta presunção que recai sobre a empresa interessada — Provas

(Artigo 65.° CA)

(cf. n.os 337‑344)

15.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de uma responsabilidade a uma empresa pela totalidade da infração — Requisitos — Inexistência de prova da participação ativa no acordo durante um determinado período e da participação em determinadas reuniões — Inexistência de impacto

(Artigo 65.° CA)

(cf. n.os 345, 346, 354, 465)

16.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Âmbito do ónus probatório — Prova apresentada através de um determinado conjunto de indícios e de coincidências que comprovam a existência e a duração de um comportamento anticoncorrencial contínuo — Admissibilidade

(Artigo 65.° CA)

(cf. n.os 368‑373)

17.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas — Conceito — Participação em reuniões com objeto anticoncorrencial — Inclusão — Requisito — Inexistência de distanciamento em relação às decisões tomadas — Distanciamento público — Critérios de apreciação

(Artigo 65.° CA)

(cf. n.° 410, 460)

18.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação que incumbe a cada empresa de determinar de maneira autónoma o seu comportamento no mercado — Troca de informações entre concorrentes — Troca suscetível de eliminar incertezas quanto ao comportamento pretendido pelas empresas em causa

(Artigo 65.°, n.° 1, CA)

(cf. n.os 513‑518)

19.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de uma responsabilidade a uma empresa pela totalidade da infração — Requisitos — Práticas e atuações ilícitas que se inscrevem num plano global — Apreciação — Critérios — Contribuição para o objetivo único da infração — Necessidade de um nexo de complementaridade entre as práticas imputadas — Inexistência

(Artigo 65.°, n.° 1, CA)

(cf. n.os 534‑538)

Resumo

O Tribunal Geral confirma as sanções que variam entre 2,2 e 5,1 milhões de euros aplicadas pela Comissão a quatro empresas a título da participação destas num acordo no mercado italiano dos varões para betão

Por Decisão de 17 de dezembro de 2002, a Comissão Europeia constatou que oito empresas e uma associação de empresas tinham violado o artigo 65.°, n.° 1, do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (a seguir «CECA»), por terem participado, entre dezembro de 1989 e julho de 2000, num acordo no mercado italiano dos varões para betão que teve por objeto ou por efeito fixar preços e limitar ou controlar a produção (a seguir «primeira decisão») (1).

O Tribunal Geral anulou esta decisão pelo facto de a sua base jurídica, a saber, o artigo 65.°, n.os 4 e 5, do Tratado CECA, já não estar em vigor no momento em que esta foi adotada, uma vez que o Tratado CECA expirou em 23 de julho de 2002 (2). Por conseguinte, a Comissão adotou uma nova decisão, em 30 de setembro e em 8 de dezembro de 2009, que constatou a prática da mesma infração mas com base no Tratado CE e no Regulamento (CE) n.° 1/2003 (3) (a seguir «segunda decisão») (4).

Esta segunda decisão, confirmada pelo Tribunal Geral por Acórdãos de 9 de dezembro de 2014 (a seguir «Acórdãos de 9 de dezembro de 2014») (5), foi anulada pelo Tribunal de Justiça. Segundo este último, o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito quando considerou que a Comissão não era obrigada a organizar uma nova audição no âmbito do procedimento que conduziu à adoção da segunda decisão (6), constituindo a não realização de tal audição uma violação das formalidades substanciais. Deste modo, o Tribunal de Justiça considerou que a primeira audição organizada com vista à adoção da primeira decisão não estava em conformidade com as exigências procedimentais relativas à adoção de uma decisão ao abrigo do Regulamento n.° 1/2003, uma vez que as autoridades de concorrência dos Estados‑Membros não tinham participado nessa audição. O Tribunal de Justiça tinham assim integralmente anulado os Acórdãos de 9 de dezembro de 2014.

Retomando o procedimento no ponto em que a ilegalidade tinha sido constatada pelo Tribunal de Justiça, a Comissão organizou uma nova audição e constatou novamente, por Decisão de 4 de julho de 2019 (a seguir «decisão recorrida») (7), a infração que é objeto da segunda decisão. No entanto, devido à duração do procedimento, foi aplicada uma redução de 50 % do montante de todas as coimas aplicadas às empresas destinatárias da decisão.

Quatro das oito empresas em causa, a saber, a Ferriera Valsabbia SpA e Valsabbia Investimenti SpA, a Alfa Acciai SpA, a Feralpi Holdings SpA e a Ferriere Nord SpA (a seguir «recorrentes»), interpuseram recursos de anulação da decisão recorrida, que lhes aplicava sanções cujos montantes variaram entre 2,2 e 5,1 milhões de euros (8). A Quarta Secção Alargada do Tribunal Geral, que nega provimento a todos estes recursos, clarifica, neste âmbito, as condições nas quais a Comissão pode adotar uma decisão de sanção quase 30 anos após o início da prática dos factos constitutivos da infração sem violar os direitos de defesa das partes interessadas ou o princípio do prazo razoável. O Tribunal Geral também se pronuncia sobre a legalidade do regime de interrupção e de suspensão da prescrição em matéria de aplicação de coimas, bem como sobre as condições de tomada em consideração da reincidência no cálculo das coimas.

Apreciação do Tribunal Geral

Nos processos T‑655/19, T‑656/19, T‑657/19 e T‑667/19, o Tribunal Geral rejeita o fundamento relativo às irregularidades na organização, pela Comissão, da nova audição.

Recordando que a anulação de um ato que põe termo a um procedimento administrativo não afeta todas as etapas que antecederam a sua adoção, mas apenas aquelas que são afetadas pelos fundamentos que conduziram à anulação, o Tribunal Geral confirma, no caso em apreço, que a Comissão podia retomar o procedimento a partir da etapa da audição.

Neste âmbito, o Tribunal Geral afasta, em primeiro lugar, a argumentação das recorrentes segundo a qual a imparcialidade dos representantes das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros que fazem parte do comité consultivo não era garantida por ocasião da nova audição, uma vez que estes representantes já conheciam a primeira e a segunda decisões da Comissão, bem como a posição adotada pelo Tribunal Geral nos Acórdãos de 9 de dezembro de 2014.

A este respeito, o Tribunal Geral recorda que quando um ato é anulado, esse ato desaparece do ordenamento jurídico e considera‑se que nunca existiu. Do mesmo modo, os acórdãos do Tribunal Geral desaparecem retroativamente do ordenamento jurídico quando são anulados pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso. Por conseguinte, tanto as decisões da Comissão como os Acórdãos de 9 de dezembro de 2014 tinham desaparecido, com efeitos retroativos, da ordem jurídica da União no momento em que o comité consultivo deu o seu parecer. Além disso, sendo o conhecimento da solução jurisprudencial adotada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de anulação inerente à obrigação de retirar as consequências deste acórdão, daqui não se pode deduzir que as autoridades de concorrência em causa não foram imparciais.

O Tribunal Geral rejeita, em segundo lugar, a acusação segundo a qual, ao não ter convidado para a audição diversas entidades que tinham desempenhado um papel importante no âmbito da instrução do dossiê, a Comissão tinha afetado os direitos de defesa das recorrentes.

No que se refere mais especificamente à não participação das entidades que, numa fase anterior do processo, decidiram não contestar a primeira ou a segunda decisão que lhes tinha sido enviada (9), o Tribunal Geral considera que, uma vez que a referida decisão se tornou definitiva em relação a estas entidades, a Comissão não cometeu um erro quando as excluiu da nova audição. No que se refere à não participação de uma entidade terceira cujo direito de participar no procedimento administrativo tinha sido reconhecido em 2002, o Tribunal Geral considera que foi com razão que a Comissão constatou que, uma vez que tinha participado na primeira audição mas não se tinha apresentado na segunda audição organizada por ocasião da adoção da primeira decisão, esta entidade tinha perdido o seu interesse em intervir novamente.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral afasta a argumentação segundo a qual as alterações ocorridas, devido ao tempo decorrido, na identidade dos atores e na estrutura do mercado impediam a organização de uma nova audição em condições equivalentes às existentes em 2002. Segundo o Tribunal Geral, a Comissão tinha efetuado uma avaliação correta quando concluiu, à luz das circunstâncias existentes no momento em que o procedimento foi retomado, que a prossecução desta última ainda constituía uma solução adequada.

Os fundamentos que põem em causa uma violação do princípio do prazo razoável são rejeitados. Por um lado, as recorrentes acusavam a Comissão de não ter examinado se a adoção da decisão recorrida ainda era compatível com o princípio do prazo razoável. Por outro, contestavam a duração do procedimento que conduziu à adoção desta.

Em primeiro lugar, a este respeito, o Tribunal Geral constata que a Comissão tinha analisado a duração do procedimento administrativo antes de adotar a decisão recorrida, as causas que podiam explica a duração do procedimento e as consequências que daí podiam ser retiradas. Assim, tinha respeitado o seu dever de tomar em consideração as exigências que decorrem do princípio do prazo razoável quando apreciou a oportunidade de dar início a procedimentos e de adotar uma decisão em aplicação das regras da concorrência.

Em segundo lugar, no que se refere à duração do procedimento, o Tribunal Geral salienta que o facto de se exceder o prazo razoável só pode conduzir à anulação de uma decisão na dupla condição de o decurso do procedimento não ter sido razoável e de o facto de se ter excedido o prazo razoável ter limitado o exercício dos direitos de defesa.

Ora, à luz da importância do litígio para os interessados, da complexidade do processo, do comportamento das recorrentes e do comportamento das autoridades competentes, a duração das fases administrativas do procedimento não tinha sido desrazoável no caso em apreço. Por outro lado, a duração global do procedimento era em parte imputável às interrupções devidas à fiscalização jurisdicional relacionadas com o número de recursos interpostos nos tribunais da União sobre os diferentes aspetos do processo. Além disso, na medida em que as recorrentes tinham tido, em pelo menos sete ocasiões, a oportunidade de exprimir os seus pontos de vista e de apresentar os seus argumentos durante todo o procedimento, os seus direitos de defesa não tinham sido limitados.

Segundo o Tribunal Geral, a Comissão também tinha respeitado o seu dever de fundamentação à luz da tomada em consideração da duração do processo. Tinha justificado com precisão a adoção de uma nova decisão que determinou a existência da infração e aplicou uma coima às empresas em causa para alcançar o objetivo de não as deixar ficarem impunes e de as dissuadir de voltarem no futuro a praticar uma infração semelhante.

Nos processos T‑657/19 e T‑667/19, o Tribunal Geral afasta igualmente os fundamentos relativos à violação do princípio ne bis in idem, bem como aqueles que punham em causa a legalidade do regime de interrupção e de suspensão da imposição enunciada no artigo 25.°, n.os 3 a 6, do Regulamento n.° 1/2003.

Recorde‑se que o princípio ne bis in idem proíbe que uma empresa seja, uma segunda vez, condenada ou objeto de um procedimento a título de um comportamento anticoncorrencial pelo qual já tenha sido punida ou em relação ao qual tenha sido declarado que não é responsável através de uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso. Em contrapartida, quando uma primeira decisão tenha sido anulada por motivos formais sem que tenha havido decisão quanto ao mérito dos factos imputados, este princípio não se opõe a que os procedimentos sejam retomados a título do mesmo comportamento anticoncorrencial quando as sanções aplicadas pela nova decisão não acrescem àquelas que foram aplicadas pela decisão anulada, antes se substituindo a esta.

A este respeito, o Tribunal Geral sublinha que tanto a primeira como a segunda decisão tinham sido anuladas sem que tenha sido adotada uma posição definitiva quanto ao mérito. Além disso, ainda que, nos seus Acórdãos de 9 de dezembro de 2014, o Tribunal Geral se tenha pronunciado sobre os fundamentos relativos ao mérito invocados pelas recorrentes, estes acórdãos tinham sido integralmente anulados pelo Tribunal de Justiça. Além disso, as sanções aplicadas pela decisão recorrida tinham substituído as sanções aplicadas pela segunda decisão que, elas próprias, tinham substituído as sanções aplicadas através da primeira decisão. Daqui o Tribunal Geral conclui que, ao ter adotado a decisão recorrida, a Comissão não tinha violado o princípio non bis in idem.

Ao suscitarem uma exceção de ilegalidade quanto ao regime de interrupção e de suspensão da prescrição aplicável, as recorrentes contestavam, além disso, a inexistência de um prazo máximo absoluto, determinado pelo legislador da União, para além do qual ficam excluídos todos os procedimentos a realizar pela Comissão, não obstante as eventuais suspensões ou interrupções do prazo de prescrição inicial.

Em conformidade com o disposto no artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003, o prazo de prescrição de cinco anos em matéria de aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias é suspenso enquanto estiverem pendentes no Tribunal de Justiça recursos interpostos de decisões da Comissão, sendo nestes casos o prazo prorrogado pelo período de tempo durante o qual se verificou a suspensão. Segundo o Tribunal Geral, este sistema resulta de uma conciliação realizada pelo legislador da União entre dois objetivos distintos, a saber, a necessidade de assegurar a segurança jurídica e a exigência de assegurar o respeito pelo Direito através da propositura de processos, do estabelecimento e da punição de infrações ao direito da União. Ora, ao efetuar esta ponderação, o legislador da União não excedeu a margem de apreciação que lhe deve ser reconhecida neste âmbito.

Para o Tribunal Geral, se o prazo de prescrição for suspenso em caso de recurso interposto perante os tribunais da União, não deixa de ser certo que esta possibilidade exige, com vista à sua implementação, que sejam adotados comportamentos que devem ser assegurados pelas próprias empresas. Assim, o legislador da União não pode ser acusado de, depois de as empresas em causa terem interposto vários recursos, a decisão que é tomada no termo do procedimento ser adotada após algum tempo. Por outro lado, os sujeitos de direito que se queixem de um procedimento que é desrazoavelmente longo podem contestar esta duração pedindo a anulação da decisão adotada no termo deste processo desde que o facto de ser excedido o prazo razoável tenha limitado o exercício dos direitos de defesa. Quando este excesso não dê origem a uma violação de tais direitos, os sujeitos de direito podem então intentar uma ação de indemnização perante os tribunais da União.

No âmbito dos processos T‑657/19 e T‑667/19, o Tribunal Geral, exercendo a sua competência de plena jurisdição, considera que há que tomar em consideração, para efeitos da determinação do montante das coimas aplicadas às recorrentes, a atenuação do seu efeito dissuasivo pelo facto de terem passado cerca de 20 anos entre o final da infração e a adoção da decisão recorrida, confirmando assim, através da substituição de fundamentos, a necessidade de aplicar uma coima contra as referidas recorrentes. Considera, a este respeito, que a redução em 50 % do referido montante, conforme efetuada pela Comissão, era adequada para este efeito.

Por último, no processo T‑667/19, o Tribunal Geral rejeita o fundamento da Ferriere Nord SpA relativo à ilegalidade do aumento do montante da coima aplicada a título da reincidência.

No que se refere ao respeito pelos direitos de defesa da Ferriere Nord SpA, o Tribunal Geral observa que, quando a Comissão pretende imputar a um sujeito de direito uma infração a título do direito da concorrência e pretende, neste âmbito, tomar em consideração contra esta a reincidência a título de circunstância agravante, a comunicação das acusações enviada a esta pessoa deve conter todos os elementos que lhe permitam assegurar a sua defesa, nomeadamente aqueles que podem justificar que estão preenchidos os requisitos da reincidência.

Ora, à luz de um exame que incide sobre todas as circunstâncias que envolveram o dossiê, o Tribunal Geral constata que a intenção da Comissão de tomar em consideração, a título da reincidência, a decisão de sanção anteriormente enviada à Ferriere Nord SpA era suficientemente previsível. Esta última tinha, aliás, tido a ocasião de apresentar as suas observações sobre este ponto no âmbito do procedimento que conduziu à adoção da decisão recorrida.

No que se refere às acusações relativas ao lapso de tempo decorrido entre as duas infrações tomadas em consideração a título da reincidência, o Tribunal Geral indica que ainda que nenhum prazo de prescrição se oponha à constatação de um estado de reincidência, não deixa de ser certo que, para respeitar o princípio da proporcionalidade, a Comissão não pode tomar em consideração decisões anteriores que puniram uma empresa sem limitação temporal. No entanto, atendendo ao curto período de tempo que tinha decorrido entre as duas infrações em causa, a saber, três anos e oito meses, foi com razão que a Comissão considerou que se justificava um aumento do montante de base da coima a título da reincidência, atendendo à propensão da Ferriere Nord SpA para violar as regras da concorrência, não obstante o inquérito ter durado algum tempo.

À luz do que precede, é integralmente negado provimento aos recursos interpostos pelas recorrentes.


1      Decisão C (2002) 5087 final, de 17 de dezembro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA (COMP/37.956 — Varões para betão).


2      Acórdãos de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão (T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317), de 25 de outubro de 2007, Ferriere Nord/Comissão (T‑94/03, não publicado, EU:T:2007:320), de 25 de outubro de 2007, Feralpi Siderurgica/Comissão (T‑77/03, não publicado, EU:T:2007:319), e de 25 de outubro de 2007, Riva Acciaio/Comissão (T‑45/03, não publicado, EU:T:2007:318).


3      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).


4      Decisão C(2009) 7492 final, relativa a um processo de aplicação do Artigo 65.° do Tratado CECA (processo COMP/37.956 — Varões para betão, readoção), conforme alterada pela Decisão da Comissão de 8 de dezembro de 2009.


5      Acórdãos de 9 de dezembro de 2014, Ferriera Valsabbia et Valsabbia Investimenti/Comissão (T‑92/10, não publicado, EU:T:2014:1032), de 9 de dezembro de 2014, Alfa Acciai/Comissão (T‑85/10, não publicado, EU:T:2014:1037), de 9 de dezembro de 2014, Feralpi/Comissão (T‑70/10, não publicado, EU:T:2014:1031), de 9 de dezembro de 2014, Ferriere Nord/Comissão (T‑90/10, não publicado, EU:T:2014:1035), de 9 de dezembro de 2014, Riva Fire/Comissão (T‑83/10, não publicado, EU:T:2014:1034), de 9 de dezembro de 2014, Lucchini/Comissão (T‑91/10, EU:T:2014:1033), de 9 de dezembro de 2014, SP/Comissão (T‑472/09 e T‑55/10, EU:T:2014:1040), de 9 de dezembro de 2014, IRO/Comissão (T‑69/10, não publicado, EU:T:2014:1030), e de 9 de dezembro de 2014, Leali e Acciaierie e Ferriere Leali Luigi/Comissão (T‑489/09, T‑490/09 e T‑56/10, não publicado, EU:T:2014:1039).


6      Acórdãos de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), de 21 de setembro de 2017, Feralpi/ Comissão (C‑85/15 P, EU:C:2017:709), de 21 de setembro de 2017, Ferriere Nord/Comissão (C‑88/15 P, EU:C:2017:716), e de 21 de setembro de 2017, Riva Fire/ Comissão (C‑89/15 P, EU:C:2017:713).


7      Decisão C(2019) 4969 final, relativa a um processo de aplicação do Artigo 65.° do Tratado CECA (Processo AT.37956 — Varões para betão).


8      A coima aplicada à Ferriera Valsabbia SpA e à Valsabbia Investimenti SpA ascende a 5,125 milhões de euros, a coima aplicada à Alfa Acciai SpA ascende a 3,587 milhões de euros, a coima aplicada à Feralpi Holdings SpA ascende a 5,125 milhões de euros e a coima aplicada à Ferriere Nord SpA ascende a 2,237 milhões de euros.


9      Uma destas entidades não tinha interposto recurso de anulação da primeira decisão. Três outras entidades, que contestaram esta primeira decisão, tinham sido destinatárias da segunda decisão, que tinham contestado no Tribunal Geral. Em contrapartida, não tinham interposto recurso dos Acórdãos de 9 de dezembro de 2014 que lhes diziam respeito.

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