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Document 62019CJ0425

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 2 de março de 2021.
    Comissão Europeia contra República Italiana e o.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Intervenção de um consórcio de direito privado entre bancos a favor de um dos seus membros — Autorização da intervenção por parte do banco central do Estado‑Membro — Conceito de “auxílio de Estado” — Imputabilidade ao Estado — Recursos do Estado — Indícios que permitem concluir pela imputabilidade de uma medida — Desvirtuação dos elementos de direito e de facto — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno.
    Processo C-425/19 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:154

    Processo C425/19 P

    Comissão Europeia

    contra

    República Italiana e o.

     Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 2 de março de 2021

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Intervenção de um consórcio de direito privado entre bancos a favor de um dos seus membros — Autorização da intervenção por parte do banco central do Estado‑Membro — Conceito de “auxílio de Estado” — Imputabilidade ao Estado — Recursos do Estado — Indícios que permitem concluir pela imputabilidade de uma medida — Desvirtuação dos elementos de direito e de facto — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno»

    1.        Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Apreciação errada dos factos — Inadmissibilidade — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova — Exclusão, salvo em caso de desvirtuação — Qualificação jurídica dos factos — Admissibilidade

    (Artigo 256.°, n.° 1, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

    (cf. n.os 52‑54)

    2.        Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Necessidade de uma crítica precisa de um ponto do raciocínio do Tribunal Geral — Admissibilidade

    [Artigo 256.° TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 168.°, n.° 1, alínea d)]

    (cf. n.° 55)

    3.        Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Concessão de vantagens imputável ao Estado — Intervenção de um consórcio de direito privado entre bancos a favor de um dos seus membros — Inclusão — Requisitos — Intervenção adotada sob influência das autoridades públicas — Critérios de apreciação

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    (cf. n.os 59‑62, 65‑73)

    4.        Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Concessão de vantagens imputável ao Estado — Intervenção de um consórcio de direito privado entre bancos a favor de um dos seus membros — Intervenção que prossegue os interesses privados dos bancos membros do consórcio — Decisão de intervenção que não constitui a execução de um mandato público — Exclusão

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    (cf. n.os 80‑84)

    5.        Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Apreciação errada dos factos e dos elementos de prova — Inadmissibilidade — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça das apreciações do Tribunal Geral à luz do direito nacional — Exclusão, salvo em caso de desvirtuação

    (Artigo 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

    (cf. n.os 93‑94)

    Resumo

    O Tribunal de Justiça nega provimento ao recurso interposto pela Comissão do acórdão do Tribunal Geral relativo às medidas adotadas por um consórcio de bancos italianos para apoiar um dos seus membros

    O Tribunal Geral declarou, acertadamente, que essas medidas não constituem um auxílio de Estado porque não são imputáveis ao Estado italiano

    Em 2013, o banco italiano Banca Popolare di Bari SCpA (a seguir «BPB») manifestou o seu interesse em subscrever um aumento de capital do Banca Tercas (a seguir «Tercas»), outro banco italiano de capital privado que tinha sido colocado sob o regime de administração especial na sequência da deteção de irregularidades pela Banca d’Italia, autoridade italiana de supervisão do setor bancário.

    Esta manifestação de interesse do BPB estava, todavia, sujeita à condição de o défice patrimonial do Tercas ser inteiramente coberto pelo Fondo Interbancario di Tutela dei Depositi (a seguir «FITD»). Este último é um consórcio de direito privado entre bancos, de natureza mutualista, que tem a obrigação de intervir ao abrigo da garantia legal dos depósitos em caso de liquidação administrativa coerciva de um dos seus membros. O FITD tem, além disso, a faculdade de intervir preventivamente para apoiar um membro colocado no regime de administração especial. Esta possibilidade exige, todavia, que existam perspetivas de recuperação e que seja de prever um encargo menos pesado relativamente ao que decorreria da intervenção do FITD a título da garantia legal dos depósitos na hipótese de uma liquidação administrativa coerciva do membro em causa.

    Em 2014, após se ter certificado de que uma intervenção preventiva a favor do Tercas era economicamente mais vantajosa do que o reembolso dos depositantes desse banco em caso de liquidação administrativa coerciva, o FITD decidiu cobrir os fundos próprios negativos do Tercas e conceder‑lhe certas garantias. Estas medidas foram aprovadas pela Banca d’Italia.

    Por decisão de 23 de dezembro de 2015 (1), a Comissão Europeia declarou que essa intervenção do FITD a favor do Tercas constituía um auxílio de Estado ilegal concedido pela República Italiana ao Tercas e ordenou a sua recuperação.

    A República Italiana, o BPB e o FITD, apoiado pela Banca d’Italia, interpuseram recursos de anulação dessa decisão. Por acórdão de 19 de março de 2019 (2), o Tribunal Geral deu provimento a esses recursos e anulou a decisão da Comissão, com o fundamento de que não estavam preenchidos os requisitos para qualificar a intervenção do FITD de auxílio de Estado, uma vez que essa intervenção não era imputável ao Estado italiano nem era financiada através de recursos desse Estado‑Membro (3).

    Ao negar provimento ao recurso interposto pela Comissão, o Tribunal de Justiça, reunido em formação de Grande Secção, clarifica a sua jurisprudência relativa à imputabilidade ao Estado de medidas de auxílio concedidas por uma entidade de direito privado que não seja um organismo do Estado nem uma empresa pública.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    O Tribunal de Justiça recorda, antes de mais, que para uma vantagem poder ser qualificada de «auxílio», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, deve, por um lado, ser concedida direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro, ser imputável ao Estado.

    No que se refere, mais especificamente, à imputabilidade às autoridades italianas da intervenção do FITD a favor do Tercas, o Tribunal de Justiça declara em seguida que o Tribunal Geral não cometeu um erro ao declarar que os indícios apresentados pela Comissão para demonstrar a influência das autoridades pública italianas sobre o FITD não permitem imputar a sua intervenção em favor do Tercas às autoridades italianas.

    A este respeito, o Tribunal de Justiça considera que o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência segundo a qual cabe à Comissão demonstrar, com base num conjunto de indícios, que as medidas em causa eram imputáveis ao Estado e, portanto, não impôs à Comissão um nível de prova mais elevado quanto à imputabilidade de uma vantagem ao Estado pela mera razão de o FITD ser uma entidade privada.

    A este propósito, o Tribunal de Justiça sublinha que a circunstância de a entidade que concedeu o auxílio ter natureza privada implica que os indícios aptos a demonstrar a imputabilidade ao Estado da medida diferem dos exigidos na hipótese de a entidade que concedeu o auxílio ser uma empresa pública.

    Portanto, o Tribunal Geral não impôs níveis de prova diferentes, pelo contrário, aplicou a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os indícios aptos a demonstrar a imputabilidade de uma medida de auxílio resultam necessariamente das circunstâncias do caso concreto e do contexto em que essa medida ocorreu, apresentando a inexistência de ligações capitalísticas entre o FITD e o Estado uma pertinência clara a este respeito.

    O Tribunal de Justiça clarifica, além disso, que a sua jurisprudência relativa ao conceito de «emanação do Estado», que permite aos particulares invocar as disposições incondicionais e suficientemente precisas de diretivas não transpostas ou incorretamente transpostas contra organismos ou entidades sujeitas à autoridade ou ao controlo do Estado, não pode ser transposta para a questão da imputabilidade ao Estado de medidas de auxílio na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça rejeita o argumento da Comissão relativo a um risco de que a legislação em matéria de união bancária possa ser contornada. A Comissão sustenta a este respeito que a recusa em imputar às autoridades estatais a intervenção de uma entidade como o FITD a favor de um banco de capital privado comportaria o risco de que o artigo 32.° da Diretiva 2014/59 (4), que prevê que seja desencadeado um processo de resolução quando uma instituição de crédito necessite de apoio financeiro público extraordinário, que corresponde a um auxílio de Estado, fosse contornado. A este respeito, o Tribunal de Justiça salienta que a qualificação de uma medida adotada por um sistema de garantia de depósitos de auxílio de Estado suscetível de desencadear esse processo continua a ser possível, em função das características do referido sistema e da medida em causa.

    Por último, o Tribunal de Justiça confirma que foi com base na análise do conjunto dos indícios tidos em conta pela Comissão, colocados no seu contexto, que o Tribunal Geral declarou que essa instituição tinha cometido um erro de direito ao considerar que as autoridades italianas tinham exercido um controlo público substancial na definição da intervenção do FITD a favor do Tercas.


    1      Decisão (UE) 2016/1208 da Comissão, de 23 de dezembro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.39451 (2015/C) (ex 2015/NN) que a Itália executou a favor do Banco Tercas (JO 2016, L 203, p. 1).


    2      Acórdão de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167).


    3      A qualificação de uma medida como «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE pressupõe que estejam reunidos quatro requisitos, a saber, a existência de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais, que essa intervenção seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, que conceda uma vantagem ao seu beneficiário e que falseie ou ameace falsear a concorrência.


    4      Artigo 32.°, n.° 4, alínea d), da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).

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