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Document 62018TJ0163

    Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção alargada) de 12 de fevereiro de 2020 (Excertos).
    Gabriel Amisi Kumba contra Conselho da União Europeia.
    Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na República Democrática do Congo — Congelamento de fundos — Prorrogação da inclusão do nome do recorrente na lista das pessoas visadas — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Dever de o Conselho comunicar os novos elementos que justificam a renovação das medidas restritivas — Erro de direito — Erro manifesto de apreciação — Direito de propriedade — Proporcionalidade — Presunção de inocência — Exceção de ilegalidade.
    Processo T-163/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2020:57

    Processo T‑163/18

    Gabriel Amisi Kumba

    contra

    Conselho da União Europeia

    Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção Alargada) de 12 de fevereiro de 2020

    «Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na República Democrática do Congo — Congelamento de fundos — Prorrogação da inclusão do nome do recorrente na lista das pessoas visadas — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Dever do Conselho de comunicar os novos elementos que justificam a renovação das medidas restritivas — Erro de direito — Erro manifesto de apreciação — Direito de propriedade — Proporcionalidade — Presunção de inocência — Exceção de ilegalidade»

    1. Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos de pessoas que atentam contra o Estado de Direito ou estão envolvidas na prática de atos constitutivos de graves violações dos direitos humanos — Requisitos mínimos

      [Artigo 296.o TFUE; Decisão do Conselho 2010/788/PESC, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 32, 34‑36)

    2. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos de pessoas que atentam contra o Estado de Direito ou estão envolvidas na prática de atos constitutivos de graves violações dos direitos humanos — Obrigação de identificação, na fundamentação, das razões individuais e específicas que justificam tais medidas — Decisão que se inscreve num contexto do conhecimento do interessado que lhe permite compreender o alcance da medida tomada a seu respeito

      [Artigo 296.o TFUE; Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 33, 41‑45)

    3. Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos de pessoas que atentam contra o Estado de Direito ou estão envolvidas na prática de atos constitutivos de graves violações dos direitos humanos — Obrigação de comunicação das razões individuais e específicas que justificam as decisões tomadas — Obrigação de permitir ao interessado dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os motivos contra ele invocados — Alcance

      [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.o, n.o 2, alínea a); Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 49, 50, 52)

    4. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos — Direitos de defesa — Decisão subsequente que manteve o nome do recorrente na lista das pessoas visadas por estas medidas — Inexistência de novos motivos — Obrigação do Conselho de comunicar ao interessado os elementos novos tidos em conta aquando da reapreciação periódica das medidas restritivas — Comunicação dos elementos novos ao interessado a fim de recolher as suas observações — Inexistência — Violação dos direitos de defesa

      [Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 54‑61, 64, 67)

    5. Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Obrigação das instituições de comunicar ao interessado os elementos novos tidos em conta aquando da reapreciação periódica das medidas restritivas — Alcance — Ilegalidade do ato que depende da prova de uma eventual incidência processual da violação da referida obrigação — Inexistência de tal incidência no caso em apreço

      [Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 68‑71, 73, 76)

    6. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Âmbito de aplicação — Pessoas envolvidas no planeamento, na direção ou na prática de atos que constituam violações ou abusos graves dos direitos humanos — Conceito — Pessoas que cometeram os referidos atos no passado, apesar da falta de elementos que provem a implicação ou participação atual nos mesmos — Inclusão — Interpretação corroborada pela possibilidade de prorrogar as medidas restritivas — Efeito útil

      [Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões (PESC) 2016/2231 e (PESC) 2017/2282, artigos 3.°, n.o 2, alínea b), e 9.°, n.o 2]

      (cf. n.os 81‑84, 86)

    7. União Europeia — Fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos das instituições — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Alcance da fiscalização — Inscrição do recorrente na lista anexada à decisão impugnada devido às suas funções — Documentos acessíveis ao público que atestam a prática de graves violações dos direitos humanos — Valor probatório — Princípio da livre apreciação das provas

      [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 93‑95, 98, 99)

    8. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos de pessoas que atentam contra o Estado de Direito ou estão envolvidas na prática de atos constitutivos de graves violações dos direitos humanos — Critérios — Funções que conferem responsabilidade pela repressão contra a população civil ou pelo respeito pelo Estado de Direito — Erro de apreciação — Inexistência

      [Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões (PESC) 2016/2231 e (PESC) 2017/2282, anexo II]

      (cf. n.os 112‑115)

    9. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Congelamento de fundos de pessoas que atentam contra o Estado de Direito ou estão envolvidas na prática de atos constitutivos de graves violações dos direitos humanos — Restrições ao direito de propriedade — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência

      [Artigos 3.°, n.o 5, 21.°, n.o 2, alíneas b) e c), e 29.° TUE, artigo 215.o, n.o 2, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 17.°, n.o 1, e 52.°, n.o 1; Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões (PESC) 2016/2231 e (PESC) 2017/2282, artigo 5.o, n.o 1]

      (cf. n.os 120‑133)

    10. Direito da União Europeia — Princípios — Direitos fundamentais — Presunção de inocência — Decisão de congelamento de fundos adotada contra certas pessoas e entidades tendo em conta a situação na República Democrática do Congo — Compatibilidade com o referido princípio — Requisitos

      [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.o, n.o 1; Decisão 2010/788/PESC do Conselho, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2017/2282, artigos 5.°, n.o 1 e 9.°]

      (cf. n.os 136‑141)

    11. Exceção de ilegalidade — Alcance — Atos cuja ilegalidade pode ser invocada — Ato de caráter geral no qual assenta a decisão impugnada — Necessidade de um nexo jurídico entre o ato impugnado e o ato geral contestado — Inexistência — Inadmissibilidade

      [Artigo 277.o TFUE; Decisão 2010/788/PESC, artigo 3.o, n.o 2, alínea b); Regulamento n.o 1183/2005, artigo 2.o‑B, n.o 1, alínea b)]

      (cf. n.os 145, 146)

    12. União Europeia — Fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos das instituições — Medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo — Alcance da fiscalização — Fiscalização restrita para as regras gerais — Critérios de adoção das medidas restritivas — Envolvimento, através da planificação, direção ou prática, em atos que constituem graves violações dos direitos humanos — Alcance — Respeito do princípio da segurança jurídica que exige clareza, precisão e previsibilidade dos efeitos das regras jurídicas

      [Artigos 3.°, n.o 5, e 21.°, n.o 2, alíneas b) e c), TUE; artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE; Decisões do Conselho 2010/788/PESC, artigo 3.o, n.o 2, alínea b) e (PESC) 2016/2231, considerandos 3 e 4; Regulamento n.o 1183/2005 do Conselho]

      (cf. n.os 147‑157)

    Resumo

    Nos Acórdãos Amisi Kumba/Conselho (T‑163/18) e Kande Mupompa/Conselho (T‑170/18) proferidos em 12 de fevereiro de 2020, o Tribunal Geral negou provimento aos recursos de anulação interpostos pelos respetivos recorrentes, isto é, o Comandante militar da 1.a zona de defesa das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) e o Governador do Kasai Central, de atos do Conselho da União Europeia ( 1 ) através dos quais, no essencial, os seus nomes tinham sido mantidos na lista das pessoas e entidades visadas pelas medidas restritivas adotadas contra a República Democrática do Congo com vista à instauração de uma paz duradoura nesse país, que consta do anexo II da Decisão 2010/788 (a seguir «lista controvertida»).

    Estes acórdãos inscrevem‑se no contexto do agravamento da situação política na República Democrática do Congo, devido à não convocação das eleições presidenciais no fim de 2016 e à deterioração da situação em matéria de segurança que se lhe seguiu. Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Decisão 2010/788, tinham sido adotadas pelo Conselho medidas restritivas contra as pessoas e entidades envolvidas em atos que constituíssem violações graves dos direitos humanos na República Democrática do Congo. Uma vez que as FARDC tinham participado no uso desproporcionado da força e na repressão violenta de manifestações que tinham ocorrido em setembro de 2016 em Quinxassa, o nome do Comandante militar da 1.a zona de defesa das FARDC tinha sido inscrito na lista controvertida por ter estado, a título das suas funções, envolvido no planeamento, na direção ou na prática de atos que constituíam violações graves dos direitos humanos. O nome do Governador do Kasai Central, por sua vez, tinha sido inscrito na lista controvertida porque, devido às suas funções, era «responsável pelo uso desproporcionado da força, pela violenta repressão e pelas execuções extrajudiciais» cometidas pelas forças de segurança nessa região desde 2016, incluindo alegadas execuções em fevereiro de 2017. Com a Decisão 2017/2282, o Conselho prolongou, em 11 de dezembro de 2017, a inscrição dos nomes dos recorrentes na lista controvertida, mantendo os mesmos fundamentos. A fundamentação adotada contra o Governador do Kasai Central foi posteriormente alterada em 12 de abril de 2018.

    Em apoio dos seus recursos os recorrentes invocavam vários fundamentos, relativos, nomeadamente, a violação do dever de fundamentação e dos direitos de defesa, bem como a erro de direito.

    Quanto à violação do dever de fundamentação, o Tribunal salientou que a fundamentação na Decisão 2017/2282, assim como na Decisão de Execução 2018/569, expunha as razões específicas e concretas pelas quais os critérios de inscrição eram aplicáveis aos recorrentes, na medida em que essa fundamentação se referia às suas funções e à sua implicação, devido a tais funções, em atos qualificados de violações graves dos direitos humanos. A este respeito, o Tribunal precisou que os recorrentes não podiam ignorar que, atendendo às suas funções, dispunham do poder de influenciar de forma direta os militares das FARDC e das forças de segurança na província do Kasai Central, que eram tidas, na fundamentação em questão, por responsáveis da prática das referidas violações graves dos direitos humanos. O Tribunal Geral concluiu que a fundamentação dos atos impugnados permitia assim, por um lado, aos recorrentes contestarem a validade da manutenção da inscrição dos seus nomes na lista controvertida e, por outro, ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade. Julgou, portanto, improcedente o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação.

    Quanto, em seguida, aos direitos defesa, o Tribunal considerou que, embora a prorrogação das medidas adotadas contra os recorrentes na Decisão 2017/2282 se tenha baseado nos mesmos fundamentos que os que tinham justificado a adoção das medidas iniciais, isso não dispensa o Conselho do respeito pelos direitos de defesa dos recorrentes e, em particular, de lhes dar a possibilidade de darem utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre os elementos tidos em conta para a adoção dos atos impugnados. A este respeito, o Tribunal salientou que as medidas restritivas têm natureza cautelar e, por definição, provisória, cuja validade é sempre subordinada à perpetuação das circunstâncias de facto e de direito que antecederam a sua aprovação, bem como à necessidade da sua manutenção tendo em vista a realização do objetivo que lhe é associado, o que incumbe ao Conselho apreciar aquando da reapreciação periódica das referidas medidas, procedendo a uma apreciação atualizada da situação e elaborando um balanço do impacto das referidas medidas. O Tribunal recordou assim que o respeito dos direitos de defesa implica que o Conselho comunique ao recorrente, antes de adotar uma decisão de prorrogação das medidas restritivas a seu respeito, os elementos pelos quais tinha procedido, no momento da reapreciação periódica das medidas em causa, a uma reatualização das informações que tinham justificado a adoção inicial. No caso em apreço, em relação ao objetivo inicial visado pelas medidas restritivas contra a República Democrática do Congo, que consistia em assegurar um clima propício à realização de eleições e em pôr fim às violações dos direitos humanos, o Conselho tinha, aquando da reapreciação periódica das medidas restritivas impostas aos recorrentes, de lhes comunicar os elementos novos de que dispunha e pelos quais tinha reatualizado as informações relativas não só à sua situação pessoal, mas também à situação politica e em matéria de segurança na República Democrática do Congo. O Tribunal declarou a este respeito que, ao não recolher as observações dos recorrentes sobre estes elementos antes da adoção dos atos impugnados, o Conselho tinha violado os direitos de defesa destes últimos.

    No entanto, o Tribunal Geral lembrou que compete ao juiz da União Europeia verificar, quando em presença de uma irregularidade que afeta os direitos de defesa, se, em função das circunstâncias de facto e de direito específicas do caso em apreço, o processo em causa teria podido conduzir a um resultado diferente na medida em que os recorrentes teriam podido assegurar melhor a sua defesa se essa irregularidade não existisse. O Tribunal concluiu então que nenhum elemento permitia supor que, se tivessem sido comunicados aos recorrentes os elementos novos em questão, as medidas restritivas em causa poderiam não ter sido mantidas a seu respeito. Com base no exposto, o Tribunal julgou improcedente o fundamento relativo a violação dos direitos de defesa.

    Por fim, os recorrentes alegavam que o Conselho tinha cometido um erro de direito ao adotar os atos impugnados com base em factos que tinham cessado no momento dessa adoção, ignorando o critério de inscrição que utilizava o particípio presente e visava as pessoas «envolvidas […] [em] atos que constituam violações graves dos direitos humanos». A este respeito, o Tribunal considerou que o emprego, no artigo 3.o, n.o 2, alínea b), da Decisão 2010/788, conforme alterado pela Decisão 2016/2231, do particípio presente na definição dos critérios de inclusão na lista controvertida implica que os factos na origem da inclusão do nome de uma pessoa ou de uma entidade nessa lista devem perdurar no momento em que a inclusão ou a sua manutenção são decididas, uma vez que o particípio presente remete para o sentido geral próprio das definições legais, e não para um dado período temporal. O Tribunal acrescentou que, na medida em que o Conselho decidiu referir‑se, nos fundamentos de inclusão dos recorrentes, a factos e a situações concretas que implicavam as forças de segurança que agiam sob a sua responsabilidade, só podiam estar em causa atuações no passado. O Tribunal observou, finalmente, que sob pena de privar esta disposição do seu efeito útil, o artigo 9.o, n.o 2, da Decisão 2010/788, conforme alterada pela Decisão 2017/2282, nos termos do qual «[a]s medidas [restritivas] [p]odem ser prorrogadas, ou alteradas conforme adequado, caso o Conselho considere que os seus objetivos não foram atingidos», corroborava esta interpretação. O Tribunal julgou então improcedente o fundamento relativo ao erro de direito e negou provimento ao recurso na sua totalidade.


    ( 1 ) Decisão (PESC) 2017/2282 do Conselho, de 11 de dezembro de 2017, que altera a Decisão 2010/788/PESC que impõe medidas restritivas contra a República Democrática do Congo (JO 2017, L 328, p. 19) e, no que respeita a Alex Kande Mupompa, Decisão de Execução (PESC) 2018/569 do Conselho, de 12 de abril de 2018, que dá execução à Decisão 2010/788/PESC que impõe medidas restritivas contra a República Democrática do Congo (JO 2018, L 95, p. 21) e Regulamento de Execução (UE) 2018/566 do Conselho, de 12 de abril de 2018, que dá execução ao artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 1183/2005 que institui certas medidas restritivas específicas contra as pessoas que atuem em violação do embargo ao armamento imposto à República Democrática do Congo (JO 2018, L 95, p. 9).

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