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Document 62018CJ0059
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de julho de 2022.
República Italiana e Comune di Milano contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação – Direito institucional – Órgãos e organismos da União Europeia – Agência Europeia de Medicamentos (EMA) – Competência em matéria de fixação da sede – Artigo 341.° TFUE – Âmbito de aplicação – Decisão adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho – Competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 263.° TFUE – Autor e natureza jurídica do ato – Inexistência de efeitos vinculativos na ordem jurídica da União.
Processos apensos C-59/18 e C-182/18.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de julho de 2022.
República Italiana e Comune di Milano contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação – Direito institucional – Órgãos e organismos da União Europeia – Agência Europeia de Medicamentos (EMA) – Competência em matéria de fixação da sede – Artigo 341.° TFUE – Âmbito de aplicação – Decisão adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho – Competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 263.° TFUE – Autor e natureza jurídica do ato – Inexistência de efeitos vinculativos na ordem jurídica da União.
Processos apensos C-59/18 e C-182/18.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:567
Processos apensos C‑59/18 e C‑182/18
República Italiana
e
Comune di Milano
contra
Conselho da União Europeia
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de julho de 2022
«Recurso de anulação – Direito institucional – Órgãos e organismos da União Europeia – Agência Europeia de Medicamentos (EMA) – Competência em matéria de fixação da sede – Artigo 341.o TFUE – Âmbito de aplicação – Decisão adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho – Competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 263.o TFUE – Autor e natureza jurídica do ato – Inexistência de efeitos vinculativos na ordem jurídica da União»
Recurso de anulação – Competência do juiz da União – Recurso interposto da decisão, adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho, que designa a sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) – Incompetência
(Artigo 263.o TFUE; Regulamento n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento 2018/1718, artigo 71.o‑A)
(cf. n.os 61, 62, 106‑108, 110‑114)
União Europeia – Sede das instituições – Fixação – Artigo 341.o TFUE – Âmbito de aplicação – Designação do local da sede dos órgãos, organismos ou serviços da União – Exclusão – Fixação da sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros – Decisão de natureza política desprovida de efeitos jurídicos vinculativos no direito da União – Competência do legislador da União
(Artigo 13.o, n.o 1, TUE; artigos 114.°, 168.°, n.o 4, 340.°, segundo parágrafo, e 341.° TFUE; Protocolo n.o 6; Decisão dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros de 12 de dezembro de 1992, artigo 2.o)
(cf. n.os 69‑71, 76, 78, 82‑92, 95‑98)
Resumo
Foram submetidos ao Tribunal de Justiça cinco recursos de anulação de diferentes atos adotados, por um lado, pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros e, por outro, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, a respeito da fixação da sede de duas agências europeias.
Foram interpostos dois recursos, respetivamente, pela Itália e pela Comune di Milano (Município de Milão, Itália) contra, por um lado, o Conselho com vista à anulação da Decisão de 20 de novembro de 2017 ( 1 ) adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros (processos apensos C‑59/18 e C‑182/18) e, por outro, o Parlamento e o Conselho com vista à anulação do Regulamento (UE) 2018/1718 ( 2 ) (processos apensos C‑106/19 e C‑232/19), a respeito da designação da cidade de Amesterdão (Países Baixos) como local da nova sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) na sequência do Brexit. O Parlamento interpôs outro recurso contra o Conselho com vista à anulação da Decisão de 13 de junho de 2019 ( 3 ) tomada de comum acordo entre os representantes dos Governos dos Estados‑Membros e que fixa o local da sede da Autoridade Europeia do Trabalho (ELA) em Bratislava (Eslováquia) (processo C‑743/19).
Nos processos relativos à sede da EMA, os chefes de Estado ou de Governo tinham aprovado, na sequência do Brexit, um procedimento com vista à adoção de uma decisão relativa à transferência da referida sede, localizada até então em Londres (Reino Unido). Em resultado desse procedimento, a proposta dos Países Baixos venceu a proposta de Itália (Milão). Consequentemente, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros, com a Decisão de 20 de novembro de 2017, designaram, à margem de uma reunião do Conselho, a cidade de Amesterdão como local da nova sede da EMA. Esta designação foi confirmada pelo regulamento impugnado no termo do processo legislativo ordinário, que implica a participação do Parlamento. No entanto, a Itália e o Município de Milão sustentavam que a decisão que fixa a nova sede da EMA, na medida em que dizia respeito à designação da sede de uma agência da União e não de uma instituição da União, era da competência exclusiva da União e devia, na realidade, ser imputada ao Conselho. Em consequência, contestaram a legalidade dessa decisão como fundamento do regulamento impugnado e sustentavam, por outro lado, que o Parlamento não tinha exercido plenamente as suas prerrogativas legislativas quando da adoção desse regulamento.
No processo relativo à sede da ELA, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros aprovaram de comum acordo o procedimento e os critérios que permitiam decidir sobre a sede desta autoridade. Em aplicação desse procedimento, adotaram, à margem de uma reunião do Conselho, a decisão que fixa a sede da ELA em Bratislava. O Parlamento sustentava que o autor efetivo dessa decisão era, de facto, o Conselho e que, tratando‑se de um ato da União juridicamente vinculativo, era impugnável no Tribunal de Justiça em sede de recurso de anulação.
Em três acórdãos proferidos em Grande Secção, o Tribunal de Justiça desenvolve a sua jurisprudência sobre o quadro jurídico aplicável à fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União. Declara, nomeadamente, que as decisões que fixam a nova sede da EMA e a sede da ELA são atos de natureza política, adotados exclusivamente pelos Estados‑Membros nessa qualidade e não enquanto membros do Conselho, pelo que esses atos não estão sujeitos à fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE. Essas decisões não podem ser equiparadas às decisões adotadas ao abrigo do artigo 341.o TFUE ( 4 ), que visa apenas a determinação da sede das instituições da União ( 5 ). Por conseguinte, esta disposição não pode constituir a base jurídica das referidas decisões.
Apreciação do Tribunal de Justiça
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Quanto à admissibilidade do recurso interposto por uma entidade regional ou local contra o regulamento relativo à localização da sede de um órgão ou de um organismo da União (processos apensos C‑106/19 e C‑232/19) |
O Tribunal de Justiça recorda, antes de mais, que o recurso de uma entidade regional não pode ser equiparado ao recurso de um Estado‑Membro na aceção do artigo 263.o TFUE e que, consequentemente, essa entidade deve justificar tanto o interesse em agir como a legitimidade ativa. Após ter concluído que o Município de Milão tinha interesse em agir, na medida em que a eventual anulação do regulamento impugnado implicaria a reabertura do processo legislativo destinado a fixar a sede da EMA em que era candidata, o Tribunal de Justiça considera que esse regulamento diz direta e individualmente respeito a essa entidade e, por conseguinte, a mesma tem legitimidade para pedir a sua anulação. A este respeito, declara, por um lado, que este ato regulamentar não deixa nenhum poder de apreciação aos seus destinatários e, por outro, que o Município de Milão participou concretamente no procedimento de seleção da sede da EMA, que o colocou numa situação que o individualizou de forma análoga à de um destinatário do ato.
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Quanto à competência do Tribunal de Justiça para conhecer de decisões dos Estados‑Membros em matéria de fixação da sede de um órgão ou de um organismo da União (processos apensos C‑59/18 e C‑182/18 e processo C‑743/19) |
O Tribunal de Justiça recorda, a título preliminar, que, no âmbito do recurso de anulação, o juiz da União é competente unicamente para fiscalizar a legalidade dos atos imputáveis às instituições, órgãos e organismos da União. Por conseguinte, os atos adotados pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, agindo nessa qualidade e exercendo assim coletivamente as competências dos Estados‑Membros, não estão sujeitos à fiscalização da legalidade exercida pelo juiz da União, salvo quando o ato em causa, tendo em conta o seu conteúdo e as circunstâncias em que foi adotado, constitua, na realidade, uma decisão do Conselho. Consequentemente, precisa que as decisões que fixam a nova sede da EMA e a sede da ELA só podem ser apreendidas à luz do quadro jurídico aplicável à fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União.
A este respeito, examina, a título de uma análise textual, contextual e teleológica, se o artigo 341.o TFUE pode validamente ser invocado como fundamento dessas decisões ( 6 ).
Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça sublinha que os termos do artigo 341.o TFUE apenas visam formalmente as «instituições da União».
Em segundo lugar, quanto ao contexto em que esta disposição se insere, declara, nomeadamente, que a interpretação ampla que deu a este termo em matéria de responsabilidade extracontratual ( 7 ) não pode ser utilmente invocada para definir, por analogia, o âmbito de aplicação desta disposição. Por outro lado, o Tribunal de Justiça salienta que a prática institucional anterior invocada pelo Conselho, segundo a qual as sedes dos órgãos e dos organismos da União foram fixadas com base numa escolha política efetuada exclusivamente pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, está longe de ser generalizada, não beneficia de um reconhecimento institucional e, em todo o caso, não pode criar um precedente vinculativo para as instituições.
Em terceiro lugar, no que respeita ao objetivo do artigo 341.o TFUE, o Tribunal de Justiça precisa, antes de mais, que o mesmo consiste em preservar os poderes decisórios dos Estados‑Membros unicamente na determinação da sede das instituições da União. Em seguida, salienta que a criação dos órgãos e dos organismos da União resulta de um ato de direito derivado adotado com base nas disposições substantivas de execução da política da União em que o órgão ou o organismo intervém. Ora, a decisão relativa à fixação da sua sede é consubstancial à decisão relativa à sua criação. Por conseguinte, o legislador da União detém, em princípio, competência exclusiva para fixar a sede de um órgão ou de um organismo da União, à semelhança da que detém para definir as suas competências e a sua organização. Por último, o Tribunal de Justiça sublinha que o facto de a decisão de fixação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União poder revestir uma dimensão política importante não impede que essa decisão possa ser tomada pelo legislador da União em conformidade com os procedimentos previstos pelas disposições dos Tratados materialmente pertinentes.
À luz do exposto, o Tribunal de Justiça conclui que o artigo 341.o TFUE não pode ser interpretado no sentido de que regula a designação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União, como a EMA ou a ELA, e que a competência para decidir sobre a fixação do local da sede destas agências pertence não aos Estados‑Membros mas ao legislador da União, segundo o processo legislativo ordinário.
Em seguida, o Tribunal de Justiça examina a sua competência para decidir sobre a validade das decisões que fixam a nova sede da EMA e a sede da ELA ao abrigo do artigo 263.o TFUE. A este respeito, recorda que o critério pertinente para excluir a competência dos órgãos jurisdicionais da União para conhecer de um recurso judicial contra atos adotados pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros é unicamente o relativo ao seu autor, independentemente dos seus efeitos jurídicos vinculativos. Alargar o conceito de ato impugnável nos termos do artigo 263.o TFUE aos atos adotados, mesmo de comum acordo, pelos Estados‑Membros equivaleria a admitir uma fiscalização direta do juiz da União sobre os atos dos Estados‑Membros e, assim, a contornar as vias de direito especificamente previstas em caso de incumprimento das obrigações que lhes incumbem por força dos Tratados.
Por último, o Tribunal de Justiça precisa que incumbe ao legislador da União, tanto por razões de segurança jurídica como de proteção jurisdicional efetiva, adotar um ato da União que confirme ou, pelo contrário, afaste a decisão política adotada pelos Estados‑Membros. Dado que o referido ato precede necessariamente qualquer medida de execução concreta da implantação da sede da agência em causa, só esse ato do legislador da União é suscetível de produzir efeitos jurídicos vinculativos no âmbito do direito da União.
O Tribunal de Justiça conclui que as decisões dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros que fixam a nova sede da EMA e a sede da ELA (processos apensos C‑59/18 e C‑182/18 e processo C‑743/19) não constituem atos do Conselho mas atos de natureza política, desprovidos de efeitos jurídicos vinculativos, adotados coletivamente pelos Estados‑Membros, pelo que essas decisões não podem ser objeto de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE. Consequentemente, negou provimento aos referidos recursos por serem dirigidos contra atos cuja legalidade não é competente para apreciar.
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Quanto à validade do ato legislativo que fixa a sede de um órgão ou de um organismo da União (processos apensos C‑106/19 e C‑232/19) |
No que respeita ao regulamento impugnado, pelo qual o Conselho e o Parlamento confirmaram, através do processo legislativo ordinário, a decisão dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros que fixa a nova sede da EMA, o Tribunal de Justiça recorda que, por força dos princípios de atribuição de poderes e de equilíbrio institucional consagrados pelo Tratado UE ( 8 ), é exclusivamente a estas instituições que cabe determinar o seu conteúdo. A este respeito, sublinha que não pode ser atribuído a essa decisão nenhum valor vinculativo suscetível de limitar o poder de apreciação do legislador da União. A referida decisão tem, portanto, o valor de um ato de cooperação política que não colide, em caso algum, com as competências conferidas às instituições da União no âmbito do processo legislativo ordinário. O não envolvimento do Parlamento no processo que conduziu à referida decisão não constitui, assim, em caso algum, uma violação nem uma evasão das prerrogativas dessa instituição enquanto colegislador, e o impacto político da referida decisão no poder legislativo do Parlamento e do Conselho não pode constituir um fundamento de anulação, pelo Tribunal de Justiça, do regulamento impugnado. Uma vez que a Decisão de 20 de novembro de 2017 é destituída de qualquer efeito jurídico vinculativo no âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça conclui que essa decisão não pode constituir a base jurídica do regulamento impugnado, pelo que a legalidade deste último não pode ser afetada por eventuais irregularidades que tenham viciado a adoção da referida decisão.
( 1 ) Decisão, adotada à margem de uma reunião do Conselho, que designa a cidade de Amesterdão como nova sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) (a seguir «decisão que fixa a nova sede da EMA»).
( 2 ) Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (JO 2018, L 291, p. 3, a seguir «regulamento impugnado»).
( 3 ) Decisão (UE) 2019/1199 tomada de comum acordo pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, de 13 de junho de 2019, relativa à localização da sede da Autoridade Europeia do Trabalho (JO 2019, L 189, p. 68; a seguir «decisão que fixa a sede da ELA»).
( 4 ) O artigo 341.o TFUE estabelece que «[a] sede das instituições da União será fixada, de comum acordo, pelos Governos dos Estados‑Membros».
( 5 ) Conforme referidas no artigo 13.o, n.o 1, TUE.
( 6 ) O Tribunal de Justiça procede, quanto ao mérito, a um raciocínio semelhante nos processos apensos C‑106/19 e C‑232/19.
( 7 ) Ao abrigo do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.
( 8 ) Artigo 13.o, n.o 2, TUE.