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Document 62015CJ0626

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 20 de novembro de 2018.
    Comissão Europeia contra Conselho da União Europeia.
    Recurso de anulação — Decisão do Comité de Representantes Permanentes (Coreper) — Decisão que aprova a apresentação de um documento de reflexão a uma instância internacional — Admissibilidade — Ato impugnável — Competência exclusiva, partilhada ou de apoio da União Europeia — Ação individual da União nas instâncias internacionais ou participação dos Estados‑Membros ao lado da União — Conservação dos recursos biológicos do mar — Pesca — Proteção do ambiente — Investigação — Áreas marinhas protegidas (AMP) — Tratado para a Antártida — Convenção sobre a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida — Mar de Weddell e mar de Ross.
    Processos apensos C-626/15 e C-659/16.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    Processos apensos C‑626/15 e C‑659/16

    Comissão Europeia

    contra

    Conselho da União Europeia

    «Recurso de anulação — Decisão do Comité de Representantes Permanentes (Coreper) — Decisão que aprova a apresentação de um documento de reflexão a uma instância internacional — Admissibilidade — Ato impugnável — Competência exclusiva, partilhada ou de apoio da União Europeia — Ação individual da União nas instâncias internacionais ou participação dos Estados‑Membros ao lado da União — Conservação dos recursos biológicos do mar — Pesca — Proteção do ambiente — Investigação — Áreas marinhas protegidas (AMP) — Tratado para a Antártida — Convenção sobre a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida — Mar de Weddell e mar de Ross»

    Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 20 de novembro de 2018

    1. Recurso de anulação — Atos suscetíveis de recurso — Conceito — Atos que produzem efeitos jurídicos vinculativos — Decisão do Coreper que aprova a apresentação à Comissão de um documento de reflexão, para a conservação da fauna e da flora marinhas do Antártico — Inclusão

      (Artigo 263.o TFUE)

    2. Conselho — Comité dos Representantes Permanentes — Competências próprias — Inexistência — Competências de execução — Fiscalização jurisdicional — Alcance

      (Artigo 240.o, n.o 1, TFUE)

    3. Atos das instituições — Escolha da base jurídica — Critérios — Ato da União que prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente — Referência à finalidade ou à componente principal ou preponderante — Finalidades ou componentes indissociáveis — Cúmulo de bases jurídicas — Caráter excecional

    4. Pesca — Conservação dos recursos do mar — Competência exclusiva da União — Limites — Necessidade do exercício da competência no âmbito da política comum das pescas

      [Artigos 3.°, n.o 1, alínea d), TFUE e 4.°, n.o 2, alínea d), TFUE]

    5. Pesca — Conservação dos recursos do mar — Competência exclusiva da União — Limites — Competência para apresentar à Comissão, em nome da União e dos seus Estados‑Membros, um documento de reflexão sobre a criação de uma área marinha protegida para a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida — Exclusão — Aplicabilidade da competência partilhada em matéria de proteção do ambiente

      [Artigos 3.°, n.o 1, alínea d), TFUE, 4.°, n.o 2, alínea e), TFUE e 11.° TFUE]

    6. Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência exclusiva no tocante a um acordo suscetível de afetar regras ou de alterar o alcance das mesmas — Objeto — Aplicabilidade tanto à negociação do acordo como ao procedimento que leva à adoção, por uma instância internacional, de medidas de execução do acordo

      (Artigo 3.o, n.o 2, TFUE)

    7. Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência exclusiva no tocante a um acordo suscetível de afetar regras ou de alterar o respetivo alcance — Necessidade de uma contradição entre as regras comuns e o acordo pretendido — Inexistência — Ónus da prova no tocante ao caráter exclusivo da competência, que alegadamente foi violado

      (Artigo 3.o, n.o 2, TFUE)

    8. Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competências partilhadas com os Estados‑Membros — Exercício individual pela União, caso seja obtida a maioria no Conselho exigida — Admissibilidade — Limites — Respeito do direito internacional — Possibilidade de a União atuar sem ser em conjunto com os Estados-Membros na Comissão para a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida — Exclusão

      [Artigo 4.o, n.o 2, alínea e), TFUE]

    1.  Constitui um ato impugnável, na aceção do artigo 263.o TFUE, qualquer decisão adotada por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, qualquer que seja a sua natureza ou forma, desde que se destine a produzir efeitos jurídicos.

      É o que sucede com uma decisão do Conselho constante da conclusão do presidente do Comité dos Representantes Permanentes (Coreper), que aprova a apresentação, em nome da União Europeia e dos seus Estados Membros, à Comissão para a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida (a seguir «comissão CAMLR») de um documento de reflexão relativo a uma futura proposta de criação de uma área marinha protegida. Com efeito, no que se refere, em primeiro lugar, ao contexto da referida decisão, esta foi adotada com o intuito de convencer a comissão CAMLR a estabelecer uma área marinha protegida. Em segundo lugar, no que respeita ao conteúdo da referida decisão, ao decidir apresentar o documento de reflexão em nome da União e dos seus Estados‑Membros, o Coreper obrigou a Comissão a não se afastar dessa decisão no exercício da sua competência de representação externa da União. Em terceiro lugar, relativamente à intenção do autor do ato, resulta da ata da reunião do Coreper em que a decisão foi tomada, que constitui um elemento que permite determinar de forma objetiva essa intenção, que a referida decisão tinha por objetivo fixar definitivamente a posição do Conselho e, consequentemente, da União, quanto à apresentação do documento de reflexão à comissão CAMLR em nome da União e dos seus Estados‑Membros, e não individualmente em nome da União.

      (cf. n.os 59, 63‑65)

    2.  Nos termos do artigo 240.o, n.o 1, TFUE, o Coreper é composto pelos representantes permanentes dos Governos dos Estados‑Membros da União e é responsável pela preparação dos trabalhos do Conselho e pela execução dos mandatos que este lhe confia. Assim, os redatores dos Tratados pretenderam fazer do Coreper um órgão auxiliar do Conselho que desempenha, para este último, tarefas de preparação e de execução. Ora, embora a função de preparação dos mandatos confiados pelo Conselho não habilite o Coreper a exercer o poder decisório que, nos termos dos tratados, pertence ao Conselho, não é menos certo que, sendo a União uma união de direito, um ato adotado pelo Coreper deve poder ser sujeito a uma fiscalização da legalidade quando visa, como tal, produzir efeitos jurídicos e sai, por conseguinte, do âmbito desta função de preparação e de execução.

      (cf. n.os 60, 61)

    3.  V. texto da decisão.

      (cf. n.os 76‑78)

    4.  No que respeita, em primeiro lugar, ao alcance da competência exclusiva da União em matéria de conservação dos recursos biológicos do mar, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE, deve considerar‑se que só a conservação dos recursos biológicos do mar assegurada no âmbito da política comum das pescas, e, portanto, indissociável da mesma, é visada pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE. Como tal, é apenas na medida em que a conservação dos recursos biológicos do mar é prosseguida nesse âmbito que esta última é abrangida pela competência exclusiva da União e, por conseguinte, conforme expressamente enunciado pelo artigo 4.o, n.o 2, alínea d), TFUE, é excluída da competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros nos domínios da agricultura e da pesca.

      (cf. n.os 82‑84)

    5.  No tocante a um documento de reflexão relativo a uma futura proposta de criação de uma área marinha protegida no mar de Weddell, a três propostas de criação ou de apoio à criação de áreas marinhas protegidas e a uma proposta de criação de um conjunto de zonas especiais, que são aprovadas pelo Coreper para apresentação, em nome da União Europeia e dos seus Estados‑Membros, à Comissão para a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida, na medida em que a pesca se afigura como uma finalidade acessória do documento de reflexão e das medidas previstas e em que o referido documento e essas medidas têm por finalidade e por componente principal a proteção do ambiente, as decisões que aprovam a apresentação do documento não se inserem na competência exclusiva da União, consagrada no artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE, mas na competência que a mesma partilha, em princípio, com os Estados‑Membros em matéria de proteção do ambiente, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea e), TFUE.

      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de, por força do artigo 11.o TFUE, as exigências em matéria de proteção do ambiente deverem ser integradas na definição e execução das políticas e ações da União, incluindo da política comum das pescas. Com efeito, embora a União deva respeitar essa disposição quando exerce uma das suas competências, o facto é que a política do ambiente é expressamente referida nos Tratados como constituindo um domínio de competência autónomo e que, consequentemente, quando a finalidade e a componente principais de uma medida dizem respeito a esse domínio de competência, deve considerar‑se que essa medida também está abrangida por esse domínio de competência.

      (cf. n.os 100, 101)

    6.  Por força do artigo 3.o, n.o 2, TFUE, a União dispõe de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas. Assim, ao reservar à União uma competência exclusiva para adotar um acordo nas condições especificadas nessa disposição, o legislador da União pretende evitar que os Estados‑Membros possam, unilateral ou coletivamente, contrair com Estados terceiros obrigações suscetíveis de afetar regras comuns ou alterar o seu alcance. Atendendo a esse objetivo, o artigo 3.o, n.o 2, TFUE deve portanto ser interpretado, a fim de preservar o seu efeito útil, no sentido de que, embora a sua letra se refira unicamente à celebração de um acordo internacional, também se aplica, a montante, quando da negociação desse acordo e, a jusante, quando uma instância estabelecida nos termos do referido acordo é chamada a adotar medidas de execução do mesmo.

      (cf. n.os 110‑112)

    7.  Há um risco de violação de regras comuns da União, através de compromissos internacionais assumidos pelos Estados‑Membros, ou de alteração do alcance das regras suscetível de justificar a existência de uma competência externa exclusiva da União, quando esses compromissos se enquadram no âmbito de aplicação das referidas regras, sendo certo que a constatação desse risco não pressupõe uma concordância total entre o domínio abrangido pelos compromissos internacionais e o da regulamentação da União. Em particular, o alcance das regras da União pode ser afetado ou alterado por compromissos internacionais, quando estes se integrem num domínio já em grande parte coberto por essas regras. Além disso, a existência desse risco de afetação pode verificar‑se quando, sem estarem necessariamente em contradição com as regras comuns da União, os compromissos internacionais são suscetíveis de ter incidência no sentido, no alcance e na eficácia dessas regras.

      Cabe à parte em causa apresentar os elementos suscetíveis de determinar que o caráter exclusivo da competência externa da União que pretende invocar foi violado.

      (cf. n.os 113‑115)

    8.  É certo que a simples circunstância de uma ação da União na cena internacional ser abrangida por uma competência partilhada entre esta e os seus Estados‑Membros não exclui a possibilidade de o Conselho reunir no seu seio a maioria exigida para que a União exerça sozinha essa competência externa. Como tal, quando a União decide exercer as suas competências, tal exercício deve fazer‑se no respeito do direito internacional.

      Quanto à Convenção sobre a Conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida (a seguir «Convenção de Camberra»), o exercício, pela União, da competência externa em matéria de proteção do ambiente, a que se refere o artigo 4.o, n.o 2, alínea e), TFUE, que excluiria os Estados‑Membros, seria incompatível com o direito internacional. Com efeito, resulta da leitura conjunta do artigo VII, n.o 2, alínea c), e do artigo XXIX, n.o 2, da Convenção de Camberra que uma organização de integração económica regional, como a União, só pode aderir e tornar‑se membro da Comissão para a conservação da fauna e da flora marinhas da Antártida (a seguir «comissão CAMLR») na condição de os seus Estados‑Membros o serem. Por conseguinte, a Convenção de Camberra não atribui às organizações de integração regional, como a União, um estatuto completamente autónomo na comissão CAMLR. Além disso, a União figura entre as partes contratantes da Convenção de Camberra a que se dirigem as disposições do artigo V, n.os 1 e 2, dessa convenção, na medida em que esta não é parte no Tratado para a Antártida. Daqui decorre, em particular, que é obrigada a reconhecer as obrigações e as responsabilidades especiais das partes consultivas no Tratado para a Antártida, incluindo dos seus Estados‑Membros que têm esse estatuto, quer sejam membros da comissão CAMLR ou não.

      Nestas circunstâncias, permitir à União recorrer, na comissão CAMLR, à faculdade de que dispõe de agir sem a participação dos seus Estados‑Membros num domínio de competência partilhada em matéria de proteção do ambiente, apesar de, contrariamente à União, alguns dentre eles terem o estatuto de partes consultivas no Tratado para a Antártida, geraria o risco de, tendo em consideração o lugar especial que a Convenção de Camberra ocupa no sistema convencional sobre a Antártida, comprometer as responsabilidades e as prerrogativas dessas partes consultivas, o que poderia diminuir a coerência do referido sistema convencional e, em definitivo, iria contra as disposições do artigo V, n.os 1 e 2, da Convenção de Camberra.

      (cf. n.os 126‑130, 132, 133)

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