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Document 62013TJ0584
Acórdão do Tribunla Geral (Primeira Secção alargada) de 17 de maio de 2018.
BASF Agro BV e o. contra Comissão Europeia.
Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa fipronil — Revisão da aprovação — Artigo 21.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Proibição de utilização e de venda de sementes tratadas com produtos fitofarmacêuticos com a substância ativa em causa — Artigo 49.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 — Princípio da precaução — Análise de impacto.
Processo T-584/13.
Acórdão do Tribunla Geral (Primeira Secção alargada) de 17 de maio de 2018.
BASF Agro BV e o. contra Comissão Europeia.
Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa fipronil — Revisão da aprovação — Artigo 21.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Proibição de utilização e de venda de sementes tratadas com produtos fitofarmacêuticos com a substância ativa em causa — Artigo 49.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 — Princípio da precaução — Análise de impacto.
Processo T-584/13.
Processo T‑584/13
BASF Agro BV e o.
contra
Comissão Europeia
«Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa fipronil — Revisão da aprovação — Artigo 21.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Proibição de utilização e de venda de sementes tratadas com produtos fitofarmacêuticos com a substância ativa em causa — Artigo 49.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 — Princípio da precaução — Análise de impacto»
Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção Alargada) de 17 de maio de 2018
Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação direta — Critérios — Regulamento da Comissão que impõe que os Estados‑Membros que concederam autorizações para produtos fitofarmacêuticos que contenham uma certa substância ativa as alterem ou retirem — Recurso de uma empresa que produz e comercializa essa substância — Admissibilidade
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE; Regulamentos da Comissão n.o 540/2011 e n.o 781/2013)
Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação individual — Critérios — Regulamento da Comissão que impõe que os Estados‑Membros que concederam autorizações para produtos fitofarmacêuticos que contenham uma certa substância ativa as alterem ou retirem — Recurso de uma empresa que produz e comercializa essa substância — Admissibilidade
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE; Regulamentos da Comissão n.o 540/2011 e n.o 781/2013)
Recurso de anulação — Requisitos de admissibilidade — Pessoas singulares ou coletivas — Recurso interposto da mesma decisão por vários recorrentes — Legitimidade de um deles — Admissibilidade do recurso no seu conjunto
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE)
Proteção da saúde pública — Avaliação dos riscos — Aplicação do princípio da precaução — Alcance — Conceitos de risco e de perigo — Determinação do nível de risco considerado inaceitável pela sociedade — Competência da instituição da União designada pela regulamentação aplicável
(Artigo 191.o, n.o 2, TFUE)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Revisão da aprovação de uma substância ativa — Retirada ou alteração da aprovação por não preenchimento dos critérios de aprovação — Ónus da prova da Comissão
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.° e 21.°, n.o 3; Diretiva 91/414 do Conselho)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Adoção de medidas restritivas da utilização e da venda de produtos que contêm uma certa substância ativa — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Alcance
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 —/ Revisão da aprovação de uma substância ativa — Abertura do procedimento em face de estudos novos que suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos critérios de aprovação — Admissibilidade — Conceito de estudos novos
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.° e 21.°, n.o 1)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Revisão da aprovação de uma substância ativa — Pedido de revisão por parte de um Estado‑Membro em face dos novos conhecimentos científicos e técnicos e dos dados de monitorização — Conceito de dados de monitorização
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 21.o, n.o 1)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Revisão da aprovação de uma substância ativa — Pedido de revisão por parte de um Estado‑Membro em face dos novos conhecimentos científicos e técnicos e dos dados de monitorização — Poder de apreciação da Comissão quanto à necessidade de revisão
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 21.o, n.o 1)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Adoção de medidas restritivas de utilização e de venda de produtos que contêm uma certa substância ativa — Avaliação prévia dos riscos para a saúde humana e para o ambiente — Aplicação do princípio da precaução — Alcance
(Artigo 191.o, n.o 2, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 8 e artigos 1.°, n.o 4, 4.°, 21.°, n.o 3, 69.° e 70.°)
Direito da União Europeia — Princípios — Princípio da precaução — Alcance — Orientações para o recurso ao princípio — Modalidades de exame das vantagens e dos encargos resultantes da ação ou da inação
(Artigo 191.o, n.o 2, TFUE; Comunicação COM(2000)1 final da Comissão, n.o 6.3.4)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Adoção de medidas restritivas de utilização e de venda de produtos que contêm uma certa substância ativa — Avaliação prévia dos riscos para a saúde humana e para o ambiente — Dever de a Comissão realizar uma análise de impacto — Incumprimento — Violação do princípio da precaução
(Artigos 11.° TFUE, 114.°, n.o 3, TFUE e 191.°, n.o 2, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Comunicação COM(2000)1 final da Comissão, n.o 6.3.4)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 33, 35‑42)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 44, 45)
V. texto da decisão.
(cf. n.o 49)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 58, 59, 61, 62, 64‑75)
Resulta da formulação e da sistemática das disposições aplicáveis do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, que, em princípio, é o autor do pedido de aprovação quem tem o ónus da prova do preenchimento dos requisitos de aprovação do artigo 4.o do referido regulamento, como se previa expressamente na Diretiva 91/414, relativa à colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado.
Contudo, no âmbito de uma revisão feita antes do final do período de aprovação, cabe à Comissão demonstrar que deixaram de estar preenchidos os requisitos de aprovação. Com efeito, é a parte que invoca uma disposição legal — neste caso, o artigo 21.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 — quem tem que fazer prova de que estão preenchidos os pressupostos da sua aplicação. A esse respeito, o reconhecimento de que, em caso de incerteza científica, a existência de dúvidas razoáveis sobre a inocuidade de uma substância ativa aprovada a nível da União é suscetível de justificar uma medida da precaução não pode ser equiparado a uma inversão do ónus da prova. Não obstante, a Comissão cumpre o ónus da prova se demonstrar que a conclusão, na aprovação inicial, de que estavam cumpridos os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009 foi invalidada por desenvolvimentos posteriores, em matéria regulamentar ou técnica.
Assim, a Comissão cumpre de forma bastante o seu ónus da prova, à luz do artigo 21.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, se lograr demonstrar que, em face de uma alteração do contexto regulamentar que levou a um reforço dos requisitos de aprovação, os dados gerados pelos estudos efetuados para efeitos de aprovação inicial eram insuficientes para identificar todos os riscos para as abelhas ligados à substância ativa em causa, por exemplo no que respeita a certas vias de exposição. Com efeito, o princípio da precaução impõe que se retire ou altere a aprovação de uma substância ativa na presença de dados novos que invalidem a conclusão anterior de que essa substância cumpre os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009. Neste contexto, a Comissão pode limitar‑se a fornecer, de acordo com o regime comum do direito da prova, indícios sérios e concludentes, que, sem remover a incerteza científica, permitam razoavelmente duvidar de que a substância ativa em causa cumpre esses critérios de aprovação.
(cf. n.os 86, 89‑91)
Para a Comissão poder prosseguir eficazmente os objetivos que lhe são confiados pelo Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e em consideração das avaliações técnicas complexas que tem que efetuar, há que reconhecer‑lhe um amplo poder de apreciação. Isto vale, nomeadamente, para as decisões em matéria de gestão do risco que tem que tomar nos termos desse regulamento.
O exercício desse poder não está excluído da fiscalização jurisdicional. A esse respeito, no âmbito dessa fiscalização, o juiz da União deve verificar o respeito das regras procedimentais, a exatidão material dos factos apurados pela Comissão, a inexistência de erro manifesto na apreciação desses factos ou de desvio de poder. Para demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação de factos complexos capaz de justificar a anulação do ato recorrido, as provas apresentadas pelo recorrente devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos tidos em conta nesse ato. Sem prejuízo desse exame de plausibilidade, não cabe ao juiz da União substituir pela sua a apreciação de factos complexos feita pelo autor do ato.
Além disso, nos casos em que uma instituição dispõe de um amplo poder de apreciação, a fiscalização do respeito das garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos tem importância fundamental. Entre essas garantias, figuram nomeadamente a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso e fundamentar suficientemente a sua decisão. Assim, a realização de uma avaliação científica dos riscos tão exaustiva quanto possível com base em pareceres científicos assentes nos princípios da excelência, da transparência e da independência constitui uma importante garantia processual a fim de assegurar a objetividade científica das medidas e evitar a adoção de medidas arbitrárias.
(cf. n.os 92‑96)
Para a Comissão poder proceder a uma revisão da aprovação de uma substância ativa, nos termos do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, basta que existam estudos novos (a saber, estudos ainda não tidos em conta pela EFSA ou pela Comissão no âmbito de uma anterior avaliação da substância em causa) cujos resultados suscitem, face aos conhecimentos disponíveis na anterior avaliação, preocupações quanto à questão de saber se continua a cumprir os requisitos de aprovação do artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, sem que seja necessário, nessa fase, verificar se essas preocupações têm realmente fundamento, uma vez que essa verificação está reservada à própria revisão.
Com efeito, para poder verificar que deixaram de estar preenchidos os requisitos do artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, nomeadamente tendo em conta o objetivo de proteção prosseguido por esse regulamento, a Comissão deve poder lançar um exame, mesmo que o grau de dúvida suscitada pelos novos conhecimentos científicos e técnicos seja apenas relativamente baixo. Nessa medida, isso não pode implicar que a Comissão tenha total liberdade na sua apreciação. Com efeito, o conceito de «novos conhecimentos científicos e técnicos» não pode ser interpretado exclusivamente de modo temporal, pois inclui igualmente uma componente qualitativa, aliás, tanto ligada ao qualificativo «novo» como ao de «científico». Daí resulta que o limiar de aplicação do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 não é atingido se os «novos conhecimentos» apenas disserem respeito a simples repetições de conhecimentos anteriores, a novas suposições sem fundamento sólido e a considerações políticas sem ligação com a ciência. Em resumo, os «novos conhecimentos científicos e técnicos» devem, pois, ter real relevância para a apreciação da manutenção dos requisitos de aprovação do artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009.
Além disso, quanto à definição do nível dos conhecimentos científicos e técnicos anteriores, o nível anterior dos conhecimentos não pode ser aquele que precede imediatamente a publicação dos novos conhecimentos, mas sim o da data da anterior avaliação dos riscos da substância em causa. Com efeito, por um lado, essa anterior avaliação constitui um limiar de referência estável pois contém uma recapitulação dos conhecimentos disponíveis à época. Por outro, se a novidade dos conhecimentos fosse relativa ao nível de conhecimentos que precedessem diretamente a sua publicação, não seria possível ter em conta uma evolução gradual dos conhecimentos científicos e técnicos, em que cada etapa não suscita necessariamente preocupações só por si, mas pode dar origem a preocupações no seu conjunto.
(cf. n.os 110‑112, 114)
Os «dados de monitorização» na aceção do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, são dados recolhidos no seguimento da aplicação real no terreno dos produtos fitofarmacêuticos que contêm uma substância aprovada ao abrigo desse regulamento. Esses dados, quer tenham sido recolhidos no âmbito de um programa de monitorização ou fora dele, não podem ser equiparados a dados gerados por estudos de terreno no que respeita à sua aptidão para servir de fundamento de conclusões científicas sobre a existência ou inexistência de relações causa/efeito. Com efeito, os estudos de terreno são estudos científicos experimentais, claramente parametrados e que incluem um grupo de controlo, ao passo que os estudos de monitorização são estudos de observação (não intervencionais) cujos parâmetros não estão definidos. Consequentemente, a qualidade dos dados gerados por esses dois tipos de estudos é diferente, em particular no que respeita à sua aptidão para servir de base a conclusões relativas a relações entre causas e efeitos de um fenómeno observado ou relativas a uma inexistência de causalidade, na falta de qualquer fenómeno observado.
Daí resulta que, embora os estudos de monitorização possam revelar indícios da existência de um risco, não podem, contrariamente aos estudos no terreno, servir para demonstrar a inexistência de um risco.
(cf. n.os 128, 132, 134, 136)
Resulta do artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, que, mesmo embora a Comissão deva «ter em conta» o pedido de um Estado‑Membro para revisão da aprovação de uma substância ativa, continua a ser livre na sua apreciação da questão de saber se essa revisão deve ser levada a cabo, tendo em conta os novos conhecimentos científicos disponíveis. Isso constitui, aliás, uma proteção dos produtores de substâncias ativas aprovadas contra pedidos de revisão infundados, ou mesmo abusivos, que possam ser apresentados por Estados‑Membros.
Quanto ao papel dos dados de monitorização no âmbito da decisão de proceder a uma revisão, esses dados são mencionados nesse parágrafo, segundo período, unicamente para descrever as condições em que os Estados‑Membros podem pedir a revisão de uma aprovação, e não as que regem a decisão da Comissão de dar abertura a um procedimento de revisão. Com efeito, estas últimas são fixadas no artigo 21.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, que só prevê que sejam tidos em conta os «novos conhecimentos científicos e técnicos».
(cf. n.os 137, 138)
A aplicação do princípio da precaução não se limita a casos em que a existência de um risco é incerta, podendo igualmente ocorrer quando esteja verificada a existência de um risco e devendo a Comissão apreciar se esse risco é aceitável ou não, ou mesmo apreciar de que modo deve ser enfrentado no âmbito da gestão do risco.
Quanto à aplicação desse princípio no âmbito do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, conforme resulta do seu considerando 8 e do seu artigo 1.o, n.o 4, todas as disposições desse regulamento se baseiam no princípio da precaução, a fim de assegurar que as substâncias ativas ou produtos fitofarmacêuticos não causam danos, nomeadamente no ambiente. Daí resulta que qualquer ato adotado com fundamento no referido regulamento se baseia ipso jure no princípio da precaução. Esse fundamento não se limita aos artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 1107/2009, relativos aos procedimentos de urgência. Ora, o princípio da precaução deve ser aplicado na avaliação dos critérios de aprovação do artigo 4.o do referido regulamento, para o qual remete o seu artigo 21.o, n.o 3.
(cf. n.os 153, 154, 156)
O ponto 6.3.4 da Comunicação da Comissão relativa ao recurso ao princípio da precaução prevê que seja efetuado um exame das vantagens e dos encargos resultantes da ação ou da falta dela. Em contrapartida, o formato e a envergadura desse exame não são esclarecidos. Nomeadamente, de nenhum lado resulta que a autoridade em causa seja obrigada a lançar um procedimento de avaliação específico e que leve, por exemplo, a um relatório escrito e formal de avaliação. Além disso, resulta do texto que a autoridade que aplica o princípio da precaução goza de uma margem de apreciação considerável quanto aos métodos de análise. Com efeito, embora a comunicação indique que o exame deverá incluir uma análise económica, a autoridade em causa deve, em qualquer caso, integrar igualmente considerações não económicas. Acresce que se salienta expressamente que, em certas circunstâncias, é possível que as considerações económicas devam ser consideradas menos importantes do que outros interesses reconhecidos como essenciais; a título de exemplo, são expressamente mencionados interesses como o ambiente ou a saúde.
Por outro lado, não é necessário que a análise económica dos custos e dos benefícios se faça com base num cálculo exato dos custos respetivos da ação prevista e da inação. Esses cálculos exatos serão na maior parte das vezes impossíveis de efetuar, uma vez que, no contexto da aplicação do princípio da precaução, os seus resultados dependem de diferentes variáveis, por definição desconhecidas. Com efeito, se todas as consequências da inação e da ação fossem conhecidas, não seria necessário recorrer ao princípio da precaução, pois seria possível decidir com base em certezas. Em conclusão, estão respeitados os requisitos da Comunicação relativa ao princípio da precaução uma vez que a autoridade em causa tomou efetivamente conhecimento dos efeitos, positivos e negativos, económicos e outros, suscetíveis de ser induzidos pela ação prevista e também pela inação, e uma vez que os teve em conta na sua decisão. Em contrapartida, não é necessário que esses efeitos sejam quantificados com precisão, se isso não for possível ou necessitar de esforços desproporcionados.
(cf. n.os 162, 163)
É certo que já se reconheceu, com base no artigo 11.o TFUE e no artigo 114.o, n.o 3, TFUE, que, no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1107/2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, a proteção do ambiente tem uma importância preponderante face às considerações económicas, pelo que pode justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores, fórmula, aliás, reproduzida pelo ponto 6.3.4 da Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução.
Contudo, não se pode ver na afirmação geral desse princípio o exercício antecipado de um poder de apreciação pelo legislador, suscetível de dispensar a Comissão de efetuar uma análise das vantagens e dos encargos de uma medida concreta. Com efeito, uma análise de impacto diz respeito a uma medida concreta de gestão do risco, pelo que só pode ser efetuada tendo em conta circunstâncias relevantes específicas existentes no caso concreto e não de uma forma geral e antecipada em todos os casos de aplicação de uma norma. Assim, quando não exista prova documental dessa análise, não basta que o colégio dos comissários da Comissão tenha tido conhecimento de outra análise de impacto efetuada para efeitos de uma decisão posterior. Ora, a falta de uma análise de impacto constitui uma violação do princípio da precaução.
Por outro lado, a obrigação, prevista no ponto 6.3.4 da Comunicação relativa ao princípio da precaução, de proceder a uma análise de impacto não constitui afinal mais do que uma expressão específica do princípio da proporcionalidade. Assim, não se pode alegar validamente que a Comissão ficaria dispensada, no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1107/2009, de respeitar esse princípio, pelo menos no que respeita à sua componente económica. Ora, afirmar que a Comissão, num domínio em que dispõe de uma ampla margem de apreciação, pode tomar medidas sem ter que avaliar as vantagens e os inconvenientes não é compatível com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, o facto de reconhecer à administração um poder de apreciação tem como corolário necessário e indispensável uma obrigação de exercer esse poder e de ter em conta todas as informações relevantes para o efeito. Isso vale ainda mais no âmbito da aplicação do princípio da precaução, em que a administração não toma medidas que restringem os direitos dos administrados com base numa certeza científica, mas sim com base numa incerteza: embora o administrado deva suportar o facto de lhe poder ser vedada uma atividade económica, mesmo apesar de não ser certo que esta comporta um risco inaceitável, deve‑se exigir da administração que, pelo menos, meça plenamente, tanto quanto seja possível, as consequências da sua ação, comparadas com as possíveis consequências da sua inação, quanto aos diversos interesses em jogo.
(cf. n.os 168‑170, 173)