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Document 62011TJ0674

    TV2/Danmark/Comissão

    Processo T‑674/11

    TV2/Danmark A/S

    contra

    Comissão Europeia

    «Auxílios de Estado — Serviço público de radiodifusão — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Auxílio executado pelas autoridades dinamarquesas a favor do radiodifusor dinamarquês de serviço público TV2/Danmark — Financiamento público concedido para compensar os custos inerentes à execução das obrigações de serviço público — Conceito de auxílio — Acórdão Altmark»

    Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 24 de setembro de 2015

    1. Recurso de anulação — Interesse em agir — Necessidade um interesse existente e atual — Apreciação no momento da interposição do recurso — Recurso que pode proporcionar um benefício ao recorrente — Recurso da empresa beneficiária de um auxílio de Estado contra a decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Risco existente e atual de ações judiciais contra a recorrente — Admissibilidade

      (Artigo 263.o TFUE)

    2. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    3. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark — Possibilidade de derrogar algumas das condições enunciadas no acórdão Altmark — Inexistência

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    4. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral — Setor da radiodifusão — Distinção entre o teste Altmark, para determinação da existência de um auxílio, e o teste do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, que permite estabelecer a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno — Pertinência do Protocolo sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros unicamente para apreciação da existência de um auxílio de Estado

      (Artigos 14.° TFUE, 106.°, n.o 2, TFUE e 107.°, n.o 1, TFUE; Protocolo n.o 29 anexo aos Tratados UE e FUE)

    5. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark — Aplicação menos rigorosa das referidas condições — Requisito — Inexistência de dimensão concorrencial e mercantil do setor de atividade do beneficiário da compensação

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE; Protocolo n.o 29 anexo aos Tratados UE e FUE)

    6. Questões prejudiciais — Interpretação — Eficácia no tempo dos acórdãos interpretativos — Efeito retroativo — Limites — Segurança jurídica

      (Artigos 107.°, n.o 1, TFUE e 267.° TFUE)

    7. Auxílios concedidos pelos Estados — Projetos de auxílios — Obrigação de notificação prévia e de suspensão provisória da execução do auxílio — Violação — Possibilidade de o beneficiário invocar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima para se opor à aplicação das condições Altmark — Inexistência

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE e 108, n.o 3, TFUE)

    8. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Segunda condição enunciada no acórdão Altmark — Apreciação da condição relativa à definição de forma objetiva e transparente dos parâmetros de cálculo da compensação — Tomada em consideração da exigência de eficiência da gestão do serviço público — Inadmissibilidade

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    9. Recurso de anulação — Objeto — Decisão que assenta em vários pilares de raciocínio, cada um dos quais suficientes para fundamentar o seu dispositivo — Anulação de tal decisão — Requisitos

      (Artigo 263.o TFUE)

    10. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Quarta condição enunciada no acórdão Altmark — Determinação da compensação, na falta de seleção da empresa através de um procedimento de contratação pública, com base numa análise dos custos de uma empresa média do setor em questão — Insuficiência de uma apreciação dos custos da empresa encarregada da missão de serviço público

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    11. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Quarta condição enunciada no acórdão Altmark — Determinação da compensação, na falta de seleção da empresa através de um procedimento de contratação pública, com base numa análise dos custos de uma empresa média do setor em questão — Ónus da prova que recai sobre o Estado‑Membro em questão

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    12. Processo judicial — Intervenção — Argumentos diferentes dos da parte apoiada — Admissibilidade — Requisitos

      (Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 40.o, quarto parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 116.o, n.o 3)

    13. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Concessão de uma vantagem aos beneficiários — Obrigação de pagar a outras empresas quantias a título de intermediário que age unicamente como canal de trânsito ou de pagamento — Exclusão — Obrigação de uma empresa de serviço público proceder ao pagamento de quantias provenientes de uma taxa e destinadas a empresas remuneradas pelos seus serviços — Inclusão

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    14. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Auxílios provenientes de recursos do Estado — Conceito de recursos de Estado — Medida legislativa que impõe a terceiros uma utilização específica dos seus próprios recursos — Exclusão

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    15. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Vantagem concedida através de recursos de Estado ou controlados pelo Estado — Alcance — Receitas publicitárias de um radiodifusor de serviço público — Exclusão

      (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    16. Recurso de anulação — Fundamentos — Fundamentos que podem ser invocados contra uma decisão da Comissão em matéria de auxílios estatais — Fundamentos não suscitados na fase do procedimento administrativo — Distinção entre fundamentos de direito, admissíveis, e fundamentos de facto, inadmissíveis

      (Artigos 108.°, n.o 2, TFUE e 263.° TFUE)

    17. Auxílios concedidos pelos Estados — Auxílios existentes e auxílios novos — Auxílio concedido a um novo beneficiário — Distinção entre os regimes de auxílio e os auxílios individuais

      (Artigo 108.o TFUE)

    18. Auxílios concedidos pelos Estados — Auxílios existentes e auxílios novos — Auxílio individual concedido a uma entidade jurídica constituída após a instituição do auxílio e da adesão do Estado‑Membro em causa à União — Qualificação como auxílio existente — Requisito

      (Artigo 108.o TFUE)

    1.  No âmbito de recursos de anulação interpostos pelo beneficiário do auxílio contra uma decisão da Comissão que declara o auxílio em causa inteiramente compatível com o mercado interno ou que declara compatível uma das medidas de financiamento controvertidas, o interesse em agir pode inferir‑se da existência de um risco comprovado de que a situação jurídica dos recorrentes seja afetada por ações judiciais ou ainda do facto de o risco de serem intentadas ações judiciais existir e ser atual na data em que o recurso é interposto no tribunal da União Europeia.

      A este respeito, a existência de um risco «comprovado» ou «existente e atual» de que sejam intentadas ações judiciais contra o recorrente beneficiário de um auxílio ilegal e compatível com o mercado interno é reconhecido quando, por um lado, essa ação já se encontra pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais à data da interposição do recurso de anulação no Tribunal ou quando é interposta nesses órgãos antes de o Tribunal proferir a sua decisão nesse recurso de anulação e, por outro, quando a ação judicial pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais invocada pelo recorrente tem por objeto o auxílio em questão na decisão objeto do recurso no Tribunal.

      Daqui decorre que o beneficiário de um auxílio ilegal declarado compatível com o mercado interno pode ter um interesse legítimo e atual na interposição do recurso baseado na própria qualificação das medidas em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e de novos auxílios na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE, quando é visado por uma ação intentada por um concorrente num órgão jurisdicional nacional, e que foi suspensa aguardando a prolação do acórdão do Tribunal Geral, destinada a obter a sua condenação no pagamento dos juros relativos ao período de duração da ilegalidade e a indemnização dos danos sofridos devido ao caráter ilegal do auxílio.

      (cf. n.os 34, 36‑39)

    2.  V. texto da decisão.

      (cf. n.os 47‑49)

    3.  Em matéria de auxílios de Estado, resulta dos termos inequívocos do acórdão Altmark, que as quatro condições que refere têm por objetivo a qualificação da medida em causa de auxílio de Estado, e mais precisamente a determinação da existência de uma vantagem. Uma intervenção estatal que não responda a uma ou mais das referidas condições deverá ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

      A este respeito, mais concretamente quanto à relação entre a terceira e segunda condições Altmark, parece impossível verificar que uma compensação concedida a uma empresa beneficiária encarregada de uma missão de serviço público não ultrapassa o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações sem saber, a título prévio, segundo que parâmetros foi definido o montante dessa compensação, o que constitui precisamente o objeto da segunda condição Altmark.

      (cf. n.os 54, 55)

    4.  Resulta da letra do Protocolo n.o 29 sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros (protocolo de Amesterdão) que este ato se destina a interpretar a derrogação enunciada no artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Não é, portanto, pertinente para a apreciação da aplicabilidade dos critérios Altmark, que têm como objetivo provar a existência de um auxílio de Estado e não a sua compatibilidade com o mercado interno. Além disso, não se pode admitir que o protocolo de Amesterdão afasta a aplicação das normas da concorrência e proíbe a Comissão de verificar se o financiamento estatal confere uma vantagem económica aos organismos de radiodifusão de serviço público baseando‑se nos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Altmark. Por outro lado, embora deva ser reconhecida a pertinência do protocolo de Amesterdão para a apreciação da existência de um auxílio de Estado, esta limita‑se à primeira condição Altmark, relativa à definição das obrigações de serviço público.

      (cf. n.os 61, 62)

    5.  No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, o que pode justificar uma aplicação menos rigorosa das condições Altmark num caso concreto é o facto de não existir uma dimensão concorrencial e mercantil do setor de atividade do beneficiário da compensação. Ora, atendendo à especificidade da missão de serviço público de radiodifusão, sublinhada pelo Protocolo n.o 29 sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros, não se pode admitir que o setor da radiodifusão não contém uma dimensão concorrencial e mercantil. A existência dessa dimensão manifesta‑se, designadamente, quando um radiodifusor de serviço público, parcialmente financiado pelas suas receitas publicitárias, atua no mercado da publicidade televisiva.

      (cf. n.o 70)

    6.  V. texto da decisão.

      (cf. n.os 79, 80, 83, 85)

    7.  As consequências financeiras para o beneficiário de uma medida não notificada não são uma circunstância que justifica, à luz do princípio geral da segurança jurídica, uma limitação no tempo dos efeitos de um acórdão através do qual o Tribunal de Justiça interpreta o artigo 107.o, n.o 1, TFUE no sentido de que a medida em causa se revela um auxílio de Estado. Daqui decorre que o beneficiário de uma medida desse tipo não pode invocar as circunstâncias financeiras negativas que decorreriam para si da aplicação das condições Altmark a essa medida e da sua qualificação de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, conforme interpretado pelo acórdão Altmark, para pedir, em nome do princípio da segurança jurídica, a não aplicação dessas condições.

      Por outro lado, a questão de saber se é conforme com o princípio da segurança jurídica encarregar o beneficiário do que, à época dos factos, era considerado uma compensação concedida para a execução de uma missão de serviço público, de uma obrigação de reembolso de uma quantia monetária que é o resultado da aplicação conjunta e retroativa de acórdãos relativos à interpretação dos artigos 107.°, n.o 1, TFUE e 108.°, n.o 3, TFUE, proferidos muitos anos após o pagamento dessa compensação, não pode ser decidida no âmbito de um litígio que se refere à validade da decisão através da qual a Comissão qualificou a referida compensação de auxílio de Estado. Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, sendo caso disso, após ter submetido ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais, se, nas circunstâncias vertentes, as regras relativas à obrigação de reembolsar ao Estado os juros relativos ao período de duração da ilegalidade e, eventualmente, à obrigação de reparar os danos que os seus concorrentes poderiam ter sofrido devido ao caráter ilegal do auxílio são aplicáveis.

      (cf. n.os 82, 84)

    8.  No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, a segunda condição Altmark, segundo a qual os parâmetros que servem de base ao cálculo da compensação devem ser previamente definidos, de modo objetivo e transparente, a fim de evitar que esta implique uma vantagem económica suscetível de favorecer a empresa beneficiária relativamente às empresas concorrentes, impõe três exigências, às quais devem responder os parâmetros de cálculo da compensação, a fim de assegurar que esse cálculo é fiável e suscetível de ser verificado pela Comissão. Essas exigências impõem que os parâmetros de cálculo da compensação sejam definidos previamente, segundo um processo transparente e que sejam, intrinsecamente, objetivos. Não resulta, de forma alguma, do acórdão Altmark que, de acordo com a segunda condição que enuncia, os parâmetros de cálculo da compensação devem ser concebidos de forma a influenciar ou controlar o nível de despesas efetuadas pelo beneficiário dessa compensação.

      Com efeito, uma interpretação da segunda condição segundo a qual os parâmetros de cálculo da compensação devem ser não apenas objetivos e definidos previamente no âmbito de um procedimento transparente como devem, além disso, assegurar a eficiência da gestão do serviço público, é incompatível com a letra da segunda condição Altmark, leva a uma confusão entre a condição ora apreciada e a quarta condição do referido acórdão, que diz respeito a essa exigência de eficiência.

      Como tal, exigindo que os parâmetros de cálculo da compensação atribuída à empresa encarregada da execução da missão de serviço público sejam formulados de forma a assegurar que a execução da missão de serviço público seja efetuada de modo eficiente, a Comissão cometeu um erro de direito.

      (cf. n.os 102‑106)

    9.  V. texto da decisão.

      (cf. n.o 109)

    10.  No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, nos que se refere à apreciação da quarta condição Altmark segundo a qual, não havendo um concurso público que permita selecionar um candidato capaz de executar a missão de serviço público com o menor custo possível, a compensação concedida deve ser definida tendo como referência uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada com os meios necessários, a procura de uma tal empresa destina‑se a otimizar o montante da compensação considerado necessário para realizar a missão de serviço público e evitar que os elevados custos de uma empresa ineficiente sejam tidos como referência no cálculo do montante dessa compensação.

      Como tal, não basta, para preencher essa condição, que o Estado‑Membro declare que, tendo em conta as especificidades da missão do serviço público, não é possível identificar no mercado uma empresa comparável ao beneficiário da compensação e prove que o próprio beneficiário é uma empresa bem gerida e adequadamente equipada na aceção dessa condição.

      (cf. n.os 116, 117, 131)

    11.  Em matéria de auxílios de Estado, quanto à questão do ónus da prova, embora caiba à Comissão provar a existência de um auxílio de Estado, o Estado‑Membro em causa está obrigado, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, conjugado com o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE, a apresentar à Comissão todos os esclarecimentos necessários para lhe permitir tomar uma decisão relativa à qualificação da medida apreciada e, consoante os casos, à sua compatibilidade com o mercado interno.

      Assim, o Estado‑Membro tem a obrigação de provar que, não tendo sido organizado um concurso público para escolher a empresa encarregada da execução da missão de serviço público em causa, o nível da compensação concedida a essa empresa foi determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público em causa suportou para executar essa missão. Não havendo provas disso, não se pode excluir que a compensação atribuída a essa empresa encarregada da missão de serviço público inclui um elemento de auxílio de Estado.

      (cf. n.os 124, 126)

    12.  V. texto da decisão.

      (cf. n.o 156)

    13.  Em matéria de auxílios de Estado, no caso de uma quantia paga a uma parte encarregada de transferir a totalidade dessa quantia a terceiros, não está em questão, em princípio, a atribuição de uma vantagem à parte que age unicamente como «organismo pagador» ou «canal de pagamento». Nesse caso, a quantia em questão apenas transita pelo património desta última parte. Só se pode admitir uma conclusão em sentido contrário caso se prove que o mero trânsito atribui à parte em questão um benefício sob a forma, por exemplo, de juros sobre o período em que esteve na posse dessa quantia.

      A este respeito, quando, para executar uma parte da missão que lhe foi confiada pelo legislador, uma empresa deve recorrer aos serviços de outras empresas, o que implica que, em contrapartida, deve assumir, relativamente a estas últimas, a obrigação de pagar‑lhes uma remuneração adequada por esses serviços, que lhes permita prestar os serviços em questão, a empresa encarregada da execução da missão de serviço público deve assumir obrigações relativamente a outras empresas, de sorte que o seu papel não se limita ao de um mero «canal de trânsito» dos pagamentos provenientes da taxa e destinados a outras empresas. Além disso, o facto de as outras empresas disporem da sua própria personalidade jurídica, distinta da da empresa encarregada da execução da missão de serviço público, não tem incidência a este respeito.

      (cf. n.os 159, 171)

    14.  Em matéria de auxílios de Estado, as vantagens que não são concedidas através de recursos estatais não são, em todo o caso, suscetíveis de constituir um auxílio de Estado. A este respeito, uma vantagem concedida através de recursos estatais é uma vantagem que, uma vez concedida, inclui um efeito negativo sobre os recursos do Estado.

      A forma mais simples que esse efeito negativo pode assumir é a de uma transferência de recursos do Estado para aquele a quem é concedida a vantagem. Todavia, não é necessário provar, em todos os casos, que houve uma transferência de recursos estatais, para que a vantagem concedida a uma ou mais empresas possa ser considerada um auxílio de Estado. Neste sentido, é possível conceber uma vantagem que implica efeitos negativos para os recursos do Estado que não implique uma transferência de recursos estatais. É, designadamente, o que sucede no caso de uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas uma isenção fiscal que, embora não implique transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes.

      No que se refere ao alcance do conceito de recursos de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, este abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo que as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para serem qualificadas de recursos estatais.

      Assim, os recursos estatais podem também consistir em recursos provenientes de terceiros, mas que ou foram voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários ou foram abandonados pelos seus proprietários, tendo o Estado assumido a gestão, em exercício dos seus poderes soberanos. Em contrapartida, não se pode considerar que os recursos se encontram sob controlo público e constituem, portanto, recursos estatais na aceção acima referida pelo simples facto de, através de uma medida legislativa, o Estado prescrever a um terceiro uma utilização específica dos seus próprios recursos.

      (cf. n.os 190, 195, 196, 198, 201, 208, 209)

    15.  As receitas publicitárias de um radiodifusor encarregado da execução da missão de serviço público constituem a contrapartida financeira, paga pelos anunciantes, pela colocação à sua disposição do tempo de antena publicitário. Por conseguinte, na sua origem, estas receitas não provêm de recursos estatais, mas de recursos privados, dos anunciantes.

      Quanto à questão de saber se esses recursos, de origem privada, são controlados pelas autoridades do Estado‑Membro em causa, esses recursos não são voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários, nem constituem recursos abandonados pelos seus proprietários e dos quais o Estado assumiu a gestão. Com efeito, no caso de a intervenção do Estado consistir concretamente na fixação da proporção dos recursos em questão proveniente das receitas publicitárias que deve ser transmitida a esse radiodifusor e de as autoridades nacionais competentes terem apenas o poder de limitar a quantia proveniente desses recursos que seria transmitida a este radiodifusor, esse poder não poderia ser considerado suficiente para concluir que se tratavam de recursos sob controlo público.

      Em contrapartida, se, segundo instruções das autoridades nacionais competentes, uma parte das receitas publicitárias fosse retida e as colocada à disposição das referidas autoridades, esta parte das receitas publicitária constituiria recursos de Estado. Ao invés, não há motivos para considerar que a parte remanescente das receitas publicitárias, não retida, constitui um recurso estatal.

      O facto de o Ministro da Cultura do Estado‑Membro em causa poder reter uma parte das receitas publicitárias não pode conduzir a uma conclusão diferente. Com efeito, essa circunstância não significa que o montante não retido constitui um recurso estatal nem que a sua transferência para o radiodifusor constitui um auxílio de Estado a favor deste último. Por último, não é pertinente, a este respeito, a inexistência de relação contratual entre os anunciantes e o radiodifusor, ou de influência deste último na atividade publicitária.

      Daqui decorre que, na medida em que uma decisão da Comissão qualifica essas receitas publicitárias de auxílio de Estado, comete um erro de direito que, a esse respeito, torna essa decisão nula.

      (cf. n.os 211, 212, 214, 217, 218, 220)

    16.  V. texto da decisão.

      (cf. n.os 229‑231)

    17.  Em matéria de auxílios de Estado, quando um auxílio é concedido a um novo beneficiário, diferente dos beneficiários de um auxílio existente, só pode estar em causa, no caso desse novo beneficiário, um novo auxílio. A este respeito, é necessário distinguir entre, por um lado, os regimes de auxílio e, por outro, os auxílios individuais.

      (cf. n.os 236‑239)

    18.  No contexto do direito da concorrência, incluindo para efeitos da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento.

      Assim, para identificar o beneficiário de um auxílio existente, é necessário ter em conta a unidade económica beneficiária desse auxílio, independentemente das eventuais modificações do seu estatuto jurídico. Consequentemente, mesmo um auxílio individual pode ser considerado um auxílio existente, nos casos em que, apesar de ter sido concedido a uma entidade jurídica constituída após a instituição do auxílio e da adesão do Estado‑Membro em causa à União, se mostre que a entidade jurídica em questão, apensar de não existir enquanto tal à data da instituição do auxílio, fazia parte, à data, da empresa, ou seja, da unidade económica à qual fora concedido o auxílio existente.

      (cf. n.os 243, 244)

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    1. Recurso de anulação — Interesse em agir — Necessidade um interesse existente e atual — Apreciação no momento da interposição do recurso — Recurso que pode proporcionar um benefício ao recorrente — Recurso da empresa beneficiária de um auxílio de Estado contra a decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Risco existente e atual de ações judiciais contra a recorrente — Admissibilidade

    (Artigo 263.° TFUE)

    2. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    3. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark — Possibilidade de derrogar algumas das condições enunciadas no acórdão Altmark — Inexistência

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    4. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral — Setor da radiodifusão — Distinção entre o teste Altmark, para determinação da existência de um auxílio, e o teste do artigo 106.°, n.° 2, TFUE, que permite estabelecer a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno — Pertinência do Protocolo sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros unicamente para apreciação da existência de um auxílio de Estado

    (Artigos 14.° TFUE, 106.°, n.° 2, TFUE e 107.°, n.° 1, TFUE; Protocolo n.° 29 anexo aos Tratados UE e FUE)

    5. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Exclusão — Condições enunciadas no acórdão Altmark — Aplicação menos rigorosa das referidas condições — Requisito — Inexistência de dimensão concorrencial e mercantil do setor de atividade do beneficiário da compensação

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE; Protocolo n.° 29 anexo aos Tratados UE e FUE)

    6. Questões prejudiciais — Interpretação — Eficácia no tempo dos acórdãos interpretativos — Efeito retroativo — Limites — Segurança jurídica

    (Artigos 107.°, n.° 1, TFUE e 267.° TFUE)

    7. Auxílios concedidos pelos Estados — Projetos de auxílios — Obrigação de notificação prévia e de suspensão provisória da execução do auxílio — Violação — Possibilidade de o beneficiário invocar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima para se opor à aplicação das condições Altmark — Inexistência

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE e 108, n.° 3, TFUE)

    8. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Segunda condição enunciada no acórdão Altmark — Apreciação da condição relativa à definição de forma objetiva e transparente dos parâmetros de cálculo da compensação — Tomada em consideração da exigência de eficiência da gestão do serviço público — Inadmissibilidade

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    9. Recurso de anulação — Objeto — Decisão que assenta em vários pilares de raciocínio, cada um dos quais suficientes para fundamentar o seu dispositivo — Anulação de tal decisão — Requisitos

    (Artigo 263.° TFUE)

    10. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Quarta condição enunciada no acórdão Altmark — Determinação da compensação, na falta de seleção da empresa através de um procedimento de contratação pública, com base numa análise dos custos de uma empresa média do setor em questão — Insuficiência de uma apreciação dos custos da empresa encarregada da missão de serviço público

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    11. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa — Quarta condição enunciada no acórdão Altmark — Determinação da compensação, na falta de seleção da empresa através de um procedimento de contratação pública, com base numa análise dos custos de uma empresa média do setor em questão — Ónus da prova que recai sobre o Estado‑Membro em questão

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    12. Processo judicial — Intervenção — Argumentos diferentes dos da parte apoiada — Admissibilidade — Requisitos

    (Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 40.°, quarto parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 116.°, n.° 3)

    13. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Concessão de uma vantagem aos beneficiários — Obrigação de pagar a outras empresas quantias a título de intermediário que age unicamente como canal de trânsito ou de pagamento — Exclusão — Obrigação de uma empresa de serviço público proceder ao pagamento de quantias provenientes de uma taxa e destinadas a empresas remuneradas pelos seus serviços — Inclusão

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    14. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Auxílios provenientes de recursos do Estado — Conceito de recursos de Estado — Medida legislativa que impõe a terceiros uma utilização específica dos seus próprios recursos — Exclusão

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    15. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Vantagem concedida através de recursos de Estado ou controlados pelo Estado — Alcance — Receitas publicitárias de um radiodifusor de serviço público — Exclusão

    (Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

    16. Recurso de anulação — Fundamentos — Fundamentos que podem ser invocados contra uma decisão da Comissão em matéria de auxílios estatais — Fundamentos não suscitados na fase do procedimento administrativo — Distinção entre fundamentos de direito, admissíveis, e fundamentos de facto, inadmissíveis

    (Artigos 108.°, n.° 2, TFUE e 263.° TFUE)

    17. Auxílios concedidos pelos Estados — Auxílios existentes e auxílios novos — Auxílio concedido a um novo beneficiário — Distinção entre os regimes de auxílio e os auxílios individuais

    (Artigo 108.° TFUE)

    18. Auxílios concedidos pelos Estados — Auxílios existentes e auxílios novos — Auxílio individual concedido a uma entidade jurídica constituída após a instituição do auxílio e da adesão do Estado‑Membro em causa à União — Qualificação como auxílio existente — Requisito

    (Artigo 108.° TFUE)

    Sumário

    1. No âmbito de recursos de anulação interpostos pelo beneficiário do auxílio contra uma decisão da Comissão que declara o auxílio em causa inteiramente compatível com o mercado interno ou que declara compatível uma das medidas de financiamento controvertidas, o interesse em agir pode inferir‑se da existência de um risco comprovado de que a situação jurídica dos recorrentes seja afetada por ações judiciais ou ainda do facto de o risco de serem intentadas ações judiciais existir e ser atual na data em que o recurso é interposto no tribunal da União Europeia.

    A este respeito, a existência de um risco «comprovado» ou «existente e atual» de que sejam intentadas ações judiciais contra o recorrente beneficiário de um auxílio ilegal e compatível com o mercado interno é reconhecido quando, por um lado, essa ação já se encontra pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais à data da interposição do recurso de anulação no Tribunal ou quando é interposta nesses órgãos antes de o Tribunal proferir a sua decisão nesse recurso de anulação e, por outro, quando a ação judicial pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais invocada pelo recorrente tem por objeto o auxílio em questão na decisão objeto do recurso no Tribunal.

    Daqui decorre que o beneficiário de um auxílio ilegal declarado compatível com o mercado interno pode ter um interesse legítimo e atual na interposição do recurso baseado na própria qualificação das medidas em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, e de novos auxílios na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE, quando é visado por uma ação intentada por um concorrente num órgão jurisdicional nacional, e que foi suspensa aguardando a prolação do acórdão do Tribunal Geral, destinada a obter a sua condenação no pagamento dos juros relativos ao período de duração da ilegalidade e a indemnização dos danos sofridos devido ao caráter ilegal do auxílio.

    (cf. n. os  34, 36‑39)

    2. V. texto da decisão.

    (cf. n. os  47‑49)

    3. Em matéria de auxílios de Estado, resulta dos termos inequívocos do acórdão Altmark, que as quatro condições que refere têm por objetivo a qualificação da medida em causa de auxílio de Estado, e mais precisamente a determinação da existência de uma vantagem. Uma intervenção estatal que não responda a uma ou mais das referidas condições deverá ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

    A este respeito, mais concretamente quanto à relação entre a terceira e segunda condições Altmark, parece impossível verificar que uma compensação concedida a uma empresa beneficiária encarregada de uma missão de serviço público não ultrapassa o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações sem saber, a título prévio, segundo que parâmetros foi definido o montante dessa compensação, o que constitui precisamente o objeto da segunda condição Altmark.

    (cf. n. os  54, 55)

    4. Resulta da letra do Protocolo n.° 29 sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros (protocolo de Amesterdão) que este ato se destina a interpretar a derrogação enunciada no artigo 106.°, n.° 2, TFUE. Não é, portanto, pertinente para a apreciação da aplicabilidade dos critérios Altmark, que têm como objetivo provar a existência de um auxílio de Estado e não a sua compatibilidade com o mercado interno. Além disso, não se pode admitir que o protocolo de Amesterdão afasta a aplicação das normas da concorrência e proíbe a Comissão de verificar se o financiamento estatal confere uma vantagem económica aos organismos de radiodifusão de serviço público baseando‑se nos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Altmark. Por outro lado, embora deva ser reconhecida a pertinência do protocolo de Amesterdão para a apreciação da existência de um auxílio de Estado, esta limita‑se à primeira condição Altmark, relativa à definição das obrigações de serviço público.

    (cf. n. os  61, 62)

    5. No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, o que pode justificar uma aplicação menos rigorosa das condições Altmark num caso concreto é o facto de não existir uma dimensão concorrencial e mercantil do setor de atividade do beneficiário da compensação. Ora, atendendo à especificidade da missão de serviço público de radiodifusão, sublinhada pelo Protocolo n.° 29 sobre o sistema de radiodifusão pública nos Estados‑Membros, não se pode admitir que o setor da radiodifusão não contém uma dimensão concorrencial e mercantil. A existência dessa dimensão manifesta‑se, designadamente, quando um radiodifusor de serviço público, parcialmente financiado pelas suas receitas publicitárias, atua no mercado da publicidade televisiva.

    (cf. n.° 70)

    6. V. texto da decisão.

    (cf. n. os  79, 80, 83, 85)

    7. As consequências financeiras para o beneficiário de uma medida não notificada não são uma circunstância que justifica, à luz do princípio geral da segurança jurídica, uma limitação no tempo dos efeitos de um acórdão através do qual o Tribunal de Justiça interpreta o artigo 107.°, n.° 1, TFUE no sentido de que a medida em causa se revela um auxílio de Estado. Daqui decorre que o beneficiário de uma medida desse tipo não pode invocar as circunstâncias financeiras negativas que decorreriam para si da aplicação das condições Altmark a essa medida e da sua qualificação de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, conforme interpretado pelo acórdão Altmark, para pedir, em nome do princípio da segurança jurídica, a não aplicação dessas condições.

    Por outro lado, a questão de saber se é conforme com o princípio da segurança jurídica encarregar o beneficiário do que, à época dos factos, era considerado uma compensação concedida para a execução de uma missão de serviço público, de uma obrigação de reembolso de uma quantia monetária que é o resultado da aplicação conjunta e retroativa de acórdãos relativos à interpretação dos artigos 107.°, n.° 1, TFUE e 108.°, n.° 3, TFUE, proferidos muitos anos após o pagamento dessa compensação, não pode ser decidida no âmbito de um litígio que se refere à validade da decisão através da qual a Comissão qualificou a referida compensação de auxílio de Estado. Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, sendo caso disso, após ter submetido ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais, se, nas circunstâncias vertentes, as regras relativas à obrigação de reembolsar ao Estado os juros relativos ao período de duração da ilegalidade e, eventualmente, à obrigação de reparar os danos que os seus concorrentes poderiam ter sofrido devido ao caráter ilegal do auxílio são aplicáveis.

    (cf. n. os  82, 84)

    8. No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, a segunda condição Altmark, segundo a qual os parâmetros que servem de base ao cálculo da compensação devem ser previamente definidos, de modo objetivo e transparente, a fim de evitar que esta implique uma vantagem económica suscetível de favorecer a empresa beneficiária relativamente às empresas concorrentes, impõe três exigências, às quais devem responder os parâmetros de cálculo da compensação, a fim de assegurar que esse cálculo é fiável e suscetível de ser verificado pela Comissão. Essas exigências impõem que os parâmetros de cálculo da compensação sejam definidos previamente, segundo um processo transparente e que sejam, intrinsecamente, objetivos. Não resulta, de forma alguma, do acórdão Altmark que, de acordo com a segunda condição que enuncia, os parâmetros de cálculo da compensação devem ser concebidos de forma a influenciar ou controlar o nível de despesas efetuadas pelo beneficiário dessa compensação.

    Com efeito, uma interpretação da segunda condição segundo a qual os parâmetros de cálculo da compensação devem ser não apenas objetivos e definidos previamente no âmbito de um procedimento transparente como devem, além disso, assegurar a eficiência da gestão do serviço público, é incompatível com a letra da segunda condição Altmark, leva a uma confusão entre a condição ora apreciada e a quarta condição do referido acórdão, que diz respeito a essa exigência de eficiência.

    Como tal, exigindo que os parâmetros de cálculo da compensação atribuída à empresa encarregada da execução da missão de serviço público sejam formulados de forma a assegurar que a execução da missão de serviço público seja efetuada de modo eficiente, a Comissão cometeu um erro de direito.

    (c f. n. os  102‑106)

    9. V. texto da decisão.

    (cf. n.° 109)

    10. No âmbito da determinação da existência de um auxílio de Estado, nos que se refere à apreciação da quarta condição Altmark segundo a qual, não havendo um concurso público que permita selecionar um candidato capaz de executar a missão de serviço público com o menor custo possível, a compensação concedida deve ser definida tendo como referência uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada com os meios necessários, a procura de uma tal empresa destina‑se a otimizar o montante da compensação considerado necessário para realizar a missão de serviço público e evitar que os elevados custos de uma empresa ineficiente sejam tidos como referência no cálculo do montante dessa compensação.

    Como tal, não basta, para preencher essa condição, que o Estado‑Membro declare que, tendo em conta as especificidades da missão do serviço público, não é possível identificar no mercado uma empresa comparável ao beneficiário da compensação e prove que o próprio beneficiário é uma empresa bem gerida e adequadamente equipada na aceção dessa condição.

    (cf. n. os  116, 117, 131)

    11. Em matéria de auxílios de Estado, quanto à questão do ónus da prova, embora caiba à Comissão provar a existência de um auxílio de Estado, o Estado‑Membro em causa está obrigado, nos termos do artigo 10.°, n.° 2, conjugado com o artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE, a apresentar à Comissão todos os esclarecimentos necessários para lhe permitir tomar uma decisão relativa à qualificação da medida apreciada e, consoante os casos, à sua compatibilidade com o mercado interno.

    Assim, o Estado‑Membro tem a obrigação de provar que, não tendo sido organizado um concurso público para escolher a empresa encarregada da execução da missão de serviço público em causa, o nível da compensação concedida a essa empresa foi determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público em causa suportou para executar essa missão. Não havendo provas disso, não se pode excluir que a compensação atribuída a essa empresa encarregada da missão de serviço público inclui um elemento de auxílio de Estado.

    (cf. n. os  124, 126)

    12. V. texto da decisão.

    (cf. n.° 156)

    13. Em matéria de auxílios de Estado, no caso de uma quantia paga a uma parte encarregada de transferir a totalidade dessa quantia a terceiros, não está em questão, em princípio, a atribuição de uma vantagem à parte que age unicamente como «organismo pagador» ou «canal de pagamento». Nesse caso, a quantia em questão apenas transita pelo património desta última parte. Só se pode admitir uma conclusão em sentido contrário caso se prove que o mero trânsito atribui à parte em questão um benefício sob a forma, por exemplo, de juros sobre o período em que esteve na posse dessa quantia.

    A este respeito, quando, para executar uma parte da missão que lhe foi confiada pelo legislador, uma empresa deve recorrer aos serviços de outras empresas, o que implica que, em contrapartida, deve assumir, relativamente a estas últimas, a obrigação de pagar‑lhes uma remuneração adequada por esses serviços, que lhes permita prestar os serviços em questão, a empresa encarregada da execução da missão de serviço público deve assumir obrigações relativamente a outras empresas, de sorte que o seu papel não se limita ao de um mero «canal de trânsito» dos pagamentos provenientes da taxa e destinados a outras empresas. Além disso, o facto de as outras empresas disporem da sua própria personalidade jurídica, distinta da da empresa encarregada da execução da missão de serviço público, não tem incidência a este respeito.

    (cf. n. os  159, 171)

    14. Em matéria de auxílios de Estado, as vantagens que não são concedidas através de recursos estatais não são, em todo o caso, suscetíveis de constituir um auxílio de Estado. A este respeito, uma vantagem concedida através de recursos estatais é uma vantagem que, uma vez concedida, inclui um efeito negativo sobre os recursos do Estado.

    A forma mais simples que esse efeito negativo pode assumir é a de uma transferência de recursos do Estado para aquele a quem é concedida a vantagem. Todavia, não é necessário provar, em todos os casos, que houve uma transferência de recursos estatais, para que a vantagem concedida a uma ou mais empresas possa ser considerada um auxílio de Estado. Neste sentido, é possível conceber uma vantagem que implica efeitos negativos para os recursos do Estado que não implique uma transferência de recursos estatais. É, designadamente, o que sucede no caso de uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas uma isenção fiscal que, embora não implique transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes.

    No que se refere ao alcance do conceito de recursos de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, este abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo que as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para serem qualificadas de recursos estatais.

    Assim, os recursos estatais podem também consistir em recursos provenientes de terceiros, mas que ou foram voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários ou foram abandonados pelos seus proprietários, tendo o Estado assumido a gestão, em exercício dos seus poderes soberanos. Em contrapartida, não se pode considerar que os recursos se encontram sob controlo público e constituem, portanto, recursos estatais na aceção acima referida pelo simples facto de, através de uma medida legislativa, o Estado prescrever a um terceiro uma utilização específica dos seus próprios recursos.

    (cf. n. os  190, 195, 196, 198, 201, 208, 209)

    15. As receitas publicitárias de um radiodifusor encarregado da execução da missão de serviço público constituem a contrapartida financeira, paga pelos anunciantes, pela colocação à sua disposição do tempo de antena publicitário. Por conseguinte, na sua origem, estas receitas não provêm de recursos estatais, mas de recursos privados, dos anunciantes.

    Quanto à questão de saber se esses recursos, de origem privada, são controlados pelas autoridades do Estado‑Membro em causa, esses recursos não são voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários, nem constituem recursos abandonados pelos seus proprietários e dos quais o Estado assumiu a gestão. Com efeito, no caso de a intervenção do Estado consistir concretamente na fixação da proporção dos recursos em questão proveniente das receitas publicitárias que deve ser transmitida a esse radiodifusor e de as autoridades nacionais competentes terem apenas o poder de limitar a quantia proveniente desses recursos que seria transmitida a este radiodifusor, esse poder não poderia ser considerado suficiente para concluir que se tratavam de recursos sob controlo público.

    Em contrapartida, se, segundo instruções das autoridades nacionais competentes, uma parte das receitas publicitárias fosse retida e as colocada à disposição das referidas autoridades, esta parte das receitas publicitária constituiria recursos de Estado. Ao invés, não há motivos para considerar que a parte remanescente das receitas publicitárias, não retida, constitui um recurso estatal.

    O facto de o Ministro da Cultura do Estado‑Membro em causa poder reter uma parte das receitas publicitárias não pode conduzir a uma conclusão diferente. Com efeito, essa circunstância não significa que o montante não retido constitui um recurso estatal nem que a sua transferência para o radiodifusor constitui um auxílio de Estado a favor deste último. Por último, não é pertinente, a este respeito, a inexistência de relação contratual entre os anunciantes e o radiodifusor, ou de influência deste último na atividade publicitária.

    Daqui decorre que, na medida em que uma decisão da Comissão qualifica essas receitas publicitárias de auxílio de Estado, comete um erro de direito que, a esse respeito, torna essa decisão nula.

    (cf. n. os  211, 212, 214, 217, 218, 220)

    16. V. texto da decisão.

    (cf. n. os  229‑231)

    17. Em matéria de auxílios de Estado, quando um auxílio é concedido a um novo beneficiário, diferente dos beneficiários de um auxílio existente, só pode estar em causa, no caso desse novo beneficiário, um novo auxílio. A este respeito, é necessário distinguir entre, por um lado, os regimes de auxílio e, por outro, os auxílios individuais.

    (cf. n. os  236‑239)

    18. No contexto do direito da concorrência, incluindo para efeitos da aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento.

    Assim, para identificar o beneficiário de um auxílio existente, é necessário ter em conta a unidade económica beneficiária desse auxílio, independentemente das eventuais modificações do seu estatuto jurídico. Consequentemente, mesmo um auxílio individual pode ser considerado um auxílio existente, nos casos em que, apesar de ter sido concedido a uma entidade jurídica constituída após a instituição do auxílio e da adesão do Estado‑Membro em causa à União, se mostre que a entidade jurídica em questão, apensar de não existir enquanto tal à data da instituição do auxílio, fazia parte, à data, da empresa, ou seja, da unidade económica à qual fora concedido o auxílio existente.

    (cf. n. os  243, 244)

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