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Document 62002TJ0279

Sumário do acórdão

Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1. Direito comunitário – Princípios gerais do direito – Segurança jurídica – Legalidade das penas

2. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

3. Concorrência – Coimas

[Artigos 81.° CE, 82.° CE, 83.°, n. os  1 e 2, alíneas a) e d), CE, 202.°, terceiro travessão, CE e 211.°, primeiro travessão, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho]

4. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão através da qual se declara uma infracção

5. Direito comunitário – Princípios – Direitos fundamentais – Presunção de inocência

(Acto Único Europeu, preâmbulo; Tratado da União Europeia, artigo 6.°, n.° 2; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°)

6. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prática concertada – Conceito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

7. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Infracções

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

8. Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

9. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

10. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

11. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Carácter dissuasivo da coima

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, quarto, quinto e sexto parágrafos)

12. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, sexto parágrafo)

13. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

14. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 18.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

15. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não imposição ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão, título D, ponto 1)

16. Direito comunitário – Princípios gerais do direito – Não retroactividade das disposições penais

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

17. Concorrência – Procedimento administrativo – Segredo profissional

(Artigo 287.° CE)

Sumário

1. O princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito comunitário e exige, designadamente, que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta impõe ou permite impor sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade. Este princípio, que faz parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais, nomeadamente pelo artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, impõe‑se tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que impõem ou permitem impor sanções administrativas. Este princípio aplica‑se não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras. A este respeito, resulta do artigo 7.°, n.° 1, da referida convenção que a lei deve definir claramente as infracções e as penas que as reprimem. Este requisito está preenchido quando o litigante pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os actos e omissões pelos quais responde penalmente.

Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, para preencher os requisitos desta disposição, não é exigido que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta. Com efeito, segundo essa jurisprudência, a existência de termos vagos na disposição não implica necessariamente a violação do artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, tendo em conta o objectivo legítimo em jogo, a fim de proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade. A este propósito, além do texto da própria lei, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram precisados em jurisprudência assente e publicada. Por outro lado, a tomada em conta das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros não leva a que, ao princípio geral do direito comunitário que é o princípio da legalidade das penas, se dê uma interpretação diferente.

(cf. n. os  66‑69, 71‑73)

2. Supondo que o artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é aplicável às sanções impostas pela Comissão em caso de violação das regras comunitárias de concorrência, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, relativo à aplicação de coimas às empresas que tenham violado as regras comunitárias de concorrência, não viola o princípio da legalidade das penas, atendendo ao seguinte:

- a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada para a fixação das coimas, uma vez que deve respeitar o limiar fixado em função do volume de negócios das empresas em causa e deve tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção;

- a Comissão, ao fixar as coimas, deve respeitar os princípios gerais do direito, em especial os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade;

- estes mesmos limites são aplicáveis quando se trate do exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciar se há ou não lugar a impor uma coima;

- a fiscalização exercida pelo juiz comunitário permitiu, em jurisprudência assente e publicada, esclarecer os conceitos indeterminados que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 podia conter;

- a própria Comissão desenvolveu uma prática administrativa conhecida e acessível que, apesar de não constituir o quadro jurídico das coimas, pode, no entanto, servir de referência quando se trate do respeito do princípio da igualdade de tratamento, entendendo‑se que continua a ser possível um aumento do nível das coimas, dentro dos limites fixados no artigo 15.°, n.° 2, já referido, se a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência o exigir;

- a Comissão adoptou orientações em matéria de fixação das coimas, pelo que se autolimitou no exercício do seu poder de apreciação, contribuindo assim para garantir a segurança jurídica, e deve respeitar os princípios da igualdade de tratamento e da protecção da confiança legítima;

- a Comissão tem o dever, por força do artigo 253.° CE, de fundamentar as decisões que aplicam uma coima;

(cf. n. os  71, 74‑84)

3. Não se pode considerar que o poder de aplicar coimas por infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE pertence originariamente ao Conselho, que o transferiu para a Comissão ou delegou nesta a respectiva execução, na acepção do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. De acordo com os artigos 83.°, n. os  1 e 2, alíneas a) e d), CE e 211.°, primeiro travessão, CE, este poder integra‑se, com efeito, no papel específico da Comissão de velar pela aplicação do direito comunitário, papel este que, tratando‑se da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, foi precisado, enquadrado e formalizado pelo Regulamento n.° 17. O poder de aplicar coimas que este regulamento atribui à Comissão decorre, pois, das previsões do próprio Tratado e destina‑se a permitir a aplicação efectiva das proibições previstas nos referidos artigos.

(cf. n. os  86, 87)

4. A exigência de segurança jurídica, de que devem beneficiar os operadores económicos, implica que, verificando‑se um litígio sobre a existência de uma infracção às regras da concorrência, a Comissão, a quem incumbe o ónus da prova das infracções por ela declaradas, forneça os elementos adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos da infracção. No que respeita à alegada duração de uma infracção, o mesmo princípio de segurança jurídica impõe que, na falta de elementos de prova que permitam determinar directamente a duração da infracção, a Comissão invoque, pelo menos, elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a poder‑se razoavelmente admitir que essa infracção perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas.

(cf. n. os  114, 153)

5. O princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada, por outro lado, no preâmbulo do Acto Único Europeu e no artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia, bem como no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, são reconhecidos na ordem jurídica comunitária. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções que lhe estão ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas e susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias.

(cf. n.°  115)

6. O conceito de «prática concertada» consiste numa forma de coordenação entre empresas que, sem ter levado à realização de um acordo propriamente dito, substitui cientemente por uma cooperação prática entre elas os riscos da concorrência. Os critérios de coordenação e cooperação em causa, longe de exigirem a elaboração de um verdadeiro «plano», devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência e segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que tenciona seguir no mercado comum. Embora seja exacto que esta exigência de autonomia não exclui o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento constatado ou previsível dos seus concorrentes, mas opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto directo ou indirecto entre eles que tenha por objectivo ou efeito de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial ou de revelar a essa concorrente o comportamento que eles próprios tenham decidido adoptar ou tencionem adoptar no mercado.

Assim, para fazer prova de uma prática concertada, não é necessário demonstrar que o concorrente em questão se comprometeu formalmente, para com um ou vários outros, a adoptar determinado comportamento ou que os concorrentes fixaram em comum o seu comportamento futuro no mercado. Basta que, através da sua declaração de intenções, o concorrente tenha eliminado ou pelo menos reduzido substancialmente a incerteza quanto ao comportamento no mercado que dele se pode esperar. Além disso, ainda que a comunicação recíproca, pelos participantes num acordo, da sua intenção de lhe pôr termo não seja uma condição para a sua cessação, não é menos verdade que, a partir do momento em que uma empresa participa, mesmo que não seja activamente, em reuniões entre empresas que tenham um objecto anticoncorrencial, e que ela não se distancia publicamente do respectivo conteúdo, levando assim os outros participantes a pensar que subscreve o resultado das reuniões e os respeitará, pode ser considerado provado que participa no acordo resultante das referidas reuniões.

Além do mais, embora resulte dos próprios termos do artigo 81.°, n.° 1, CE que uma prática concertada implica, para além da concertação entre as empresas, um comportamento no mercado dando seguimento a essa concertação e um nexo de causa e efeito entre esses dois elementos, há todavia que presumir, sem prejuízo da prova em contrário que aos operadores interessados cabe apresentar, que as empresas que participam na concertação e que estão activas no mercado têm em conta informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento nesse mercado. E será assim, por maioria de razão, se a concertação tiver lugar de forma regular durante um longo período.

(cf. n. os  132‑134, 136)

7. A violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não só de um acto isolado, mas também de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com fundamento no facto de um ou vários elementos dessa série de actos ou desse comportamento continuado poderem igualmente constituir, em si mesmos e isoladamente considerados, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes acções se inscrevem num «plano de conjunto», em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo.

(cf. n.° 155)

8. No que respeita ao cálculo do montante das coimas aplicadas pela Comissão por infracção ao direito comunitário da concorrência, os requisitos da formalidade essencial que o dever de fundamentação constitui estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Por outro lado, o alcance do dever de fundamentação deve ser determinado à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser apurada em função de um grande número de elementos, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração. Além disso, o dever de fundamentação não impõe à Comissão que indique na sua decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas, mas unicamente os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção.

(cf. n. os  193, 194)

9. Na determinação da gravidade da infracção às regras de concorrência, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento censurado. Para apreciar, como está obrigada sempre que tal seja possível, o impacto concreto de uma infracção no mercado, a Comissão deve tomar como referência o jogo da concorrência que normalmente existiria se não houvesse a infracção. Daqui se conclui que, no caso de acordos sobre os preços, a verificação, pela Comissão, de que os acordos efectivamente permitiram às em presas em causa alcançar um nível de preços de transacção superior ao que teria prevalecido se o acordo não existisse, autoriza a Comissão a ter em conta, na determinação do montante da coima, a importância dos efeitos nefastos da infracção no mercado e, assim, fixar o montante da coima, atenta a gravidade da infracção, a um nível superior ao que teria sido fixado na falta dessa verificação. No quadro dessa apreciação, a Comissão deve atender a todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar que prevalece. Há que ter em conta a existência, se for caso disso, de «factores económicos objectivos» que realcem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de modo idêntico ao dos preços praticados.

(cf. n. os  216, 222‑224)

10. A gravidade de uma infracção às regras de concorrência pode ser determinada por referência à natureza e ao objecto dos comportamentos abusivos. Os elementos relativos ao objecto de um comportamento podem ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos. De facto, o efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui um critério determinante para a apreciação do montante adequado da coima. Os elementos que dizem respeito ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os relativos aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves, como a fixação dos preços e a repartição dos mercados. Além disso, os acordos horizontais em matéria de preços fazem parte das infracções mais graves ao direito comunitário da concorrência.

(cf. n. os  250‑252)

11. Na determinação do montante das coimas por infracção ao direito da concorrência, a Comissão deve não só ter em consideração a gravidade da infracção e as circunstâncias específicas do caso concreto, mas também o contexto em que a infracção foi cometida e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade.

A este respeito, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA prevêem, de resto, que, além da própria natureza da infracção, do seu impacto concreto no mercado e da dimensão geográfica deste, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante da coima que assegure a esta um carácter suficientemente dissuasivo (ponto 1 A, quarto parágrafo). Pode ser também tomado em consideração o facto de as empresas de grandes dimensões poderem melhor apreciar o carácter infractor do seu comportamento e as consequências que daí decorrem (ponto 1 A, quinto parágrafo).

Quanto ao primeiro destes elementos, o objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima tem em vista assegurar o respeito, por parte das empresas, das regras de concorrência previstas no Tratado para a condução das suas actividades na Comunidade ou no Espaço Económico Europeu. Este objectivo só pode ser validamente alcançado se se considerar a situação da empresa no dia em que a coima é aplicada. Com efeito, há que distinguir entre, por um lado, a amplitude da infracção no mercado e a parte de responsabilidade que cabe a cada participante no acordo (situação abrangida pelo ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das Orientações) e, por outro, o efeito dissuasivo que deve revestir a imposição da coima.

Quanto à amplitude da infracção no mercado e à parte de responsabilidade que cabe a cada participante no acordo, e a parte do volume de negócios que provém das mercadorias que são objecto da infracção é susceptível de dar uma indicação ajustada da extensão da infracção no mercado em causa. O volume de negócios relativo aos produtos que foram objecto de uma prática restritiva constitui um elemento objectivo que dá uma medida ajustada da nocividade desta prática para o jogo normal da concorrência.

Porém, a necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, quando não dá origem ao aumento geral do nível das coimas no quadro da aplicação de uma política de concorrência, exige que o montante da coima seja modulado de forma a levar em conta o impacto pretendido na empresa à qual é aplicada, e isso para que a coima não se torne irrisória, ou pelo contrário excessiva, face, nomeadamente, à capacidade financeira da empresa em questão, de acordo com as exigências relativas, por um lado, à necessidade de garantir a eficácia da coima e, por outro, do respeito do princípio da proporcionalidade. Ora, devido, nomeadamente, a operações de cessão ou de concentração, os recursos globais de uma empresa podem variar, diminuindo ou aumentando de forma significativa num lapso de tempo relativamente curto, em especial entre a cessação da infracção e a adopção da decisão que aplica a coima.

Daqui se conclui que os referidos recursos devem ser avaliados, para alcançar correctamente o objectivo de dissuasão, e isso com observância do princípio da proporcionalidade, no dia em que a coima é aplicada. A este respeito, pelos mesmos motivos, o limite superior da coima fixado em 10% do volume de negócios da empresa interessada é determinado, no âmbito do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em função do volume de negócios realizado em todo o mundo durante o exercício social anterior à adopção da decisão. Do mesmo modo, no âmbito da determinação do eventual agravamento da coima com vista a garantir que esta produza um efeito dissuasivo, importa ter em conta a capacidade financeira e os recursos reais da empresa no momento em que a coima lhe é aplicada e não a avaliação pro forma inscrita no seu balanço, que é fictícia por natureza e resulta da aplicação das regras contabilísticas que a empresa em causa impôs a si própria.

Quanto ao segundo elemento, a saber, as infra‑estrututuras jurídico‑económicas de que as empresas dispõem e que lhes permitem apreciar do carácter infractor do seu comportamento, o mesmo destina‑se a punir em maior medida as grandes empresas, que se presume terem os conhecimentos e meios estruturais suficientes para terem consciência do carácter infractor do seu comportamento e avaliarem os benefícios dele decorrentes. Para este efeito, o volume de negócios com base no qual a Comissão determina a dimensão das empresas em causa, e portanto a sua capacidade para determinar a natureza e consequências do seu comportamento, deve reportar‑se à sua situação no momento da infracção.

(cf. n. os  95, 96, 272‑274, 278‑280, 283, 285, 289, 290, 302)

12. Quando se trata da fixação do montante das coimas aplicadas aos vários participantes num acordo, a metodologia que consiste em repartir os membros em várias categorias, o que implica a fixação de um montante inicial idêntico para as empresas que pertençam à mesma categoria, embora acabe por ignorar as diferenças de dimensão entre empresas de uma mesma categoria, não pode, em princípio, ser censurada. Com efeito, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de as coimas serem aplicadas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam qualquer diferenciação entre elas quanto ao seu volume de negócios global.

Não é menos verdade que essa repartição por categorias deve respeitar o princípio da igualdade de tratamento segundo o qual é proibido tratar situações comparáveis de modo diferente e situações diferentes de modo igual, a não ser que esse tratamento seja objectivamente justificado. Nesta mesma óptica, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA prevêem no seu ponto 1 A, sexto parágrafo, que uma disparidade «considerável» na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza é, designadamente, susceptível de justificar uma diferenciação para efeitos da apreciação da gravidade da infracção. Por outro lado, o montante das coimas deve, pelo menos, ser proporcionado relativamente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção. Consequentemente, quando a Comissão reparte as empresas envolvidas em categorias para efeitos da fixação do montante das coimas, a determinação dos limiares para cada uma das categorias assim identificadas deve ser coerente e objectivamente justificada.

Face ao objectivo que prossegue, ou seja, a adopção do montante da coima em função dos recursos globais da empresa e da capacidade para mobilizar os fundos necessários para pagar a referida coima, a fixação da importância da taxa de agravamento do montante de base para assegurar um efeito suficientemente dissuasivo à coima destina‑se mais a garantir a eficácia da coima do que a prestar contas da nocividade da infracção para o jogo normal da concorrência e portanto da gravidade da referida infracção. Daqui resulta que a exigência relativa ao carácter objectivamente justificado do método que consiste em classificar as empresas por categorias deve interpretar‑se de forma mais estrita no caso de essa classificação ser efectuada não para efeitos da determinação do montante da coima em função da gravidade da infracção, mas para efeitos da determinação do agravamento do montante de base, com o objectivo de assegurar um efeito dissuasivo suficiente à coima aplicada.

Com efeito, no âmbito da determinação do montante da coima em função da gravidade, mesmo que, devido à repartição em grupos, seja aplicado a determinadas empresas um montante de base idêntico apesar de terem dimensões diferentes, esta diferença de tratamento é objectivamente justificada devido à preeminência acordada à natureza da infracção relativamente à dimensão das empresas quando da determinação da gravidade da infracção. Contudo, esta justificação não é susceptível de se aplicar à determinação da taxa de agravamento da coima com o objectivo de assegurar a esta um efeito dissuasivo suficiente, atendendo a que esse agravamento se baseia essencial e objectivamente na dimensão e nos recursos das empresas e não na natureza da infracção.

(cf. n. os  323‑325, 328‑331)

13. No âmbito da determinação do montante da coima aplicada por infracção às regras de concorrência, embora seja importante que uma empresa tenha tomado medidas para impedir que novas infracções ao direito comunitário da concorrência sejam cometidas no futuro por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. Daí resulta que o simples facto de, em determinados casos, a Comissão ter tido em conta, na sua prática decisória, a aplicação de um programa de alinhamento enquanto circunstância atenuante não implica que tenha a obrigação de proceder da mesma forma num caso determinado. A Comissão não tem, assim, que tomar em consideração esse elemento como circunstância atenuante na medida em que ela actue em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento, o que implica que não se proceda a uma apreciação diferente quanto a esse ponto entre as empresas destinatárias da mesma decisão.

Além disso, refira‑se que não há dúvidas que a mera adopção, por uma empresa, de um programa de cumprimento das normas de concorrência não pode constituir uma garantia válida e certa da observância futura e duradoura, por parte daquela, das referidas regras, pelo que tal programa não pode obrigar a Comissão a diminuir a coima pelo motivo de o objectivo de prevenção que esta última prossegue já ter sido atingido, pelo menos parcialmente.

(cf. n. os  350‑351, 361)

14. Embora a proibição dos motivos de prevenção geral se aplique à situação especial das medidas derrogatórias do princípio da livre circulação dos cidadãos da União, consagrado no artigo 18.°, n.° 1, CE e tomadas pelos Estados‑Membros por motivos de ordem pública, essa proibição está longe de constituir um princípio geral e não pode, assim, obviamente ser pura e simplesmente transposta para o quadro das coimas aplicadas pela Comissão às empresas por infracção ao direito comunitário da concorrência. Pelo contrário, a Comissão pode ter em conta o facto de as práticas anticoncorrenciais, embora a sua ilegalidade tenha sido declarada desde o início da política comunitária da concorrência, ainda serem relativamente frequentes devido aos lucros que certas empresas interessadas podem extrair dessas práticas e, por isso, decidir que há lugar ao aumento do montante das coimas com vista a reforçar o seu efeito dissuasivo, o que responde, pelo menos parcialmente, à necessidade de conferir às coimas um efeito dissuasivo em relação a outras empresas diferentes daquelas a que essas coimas são aplicadas.

(cf. n. os  359, 360)

15. A redução das coimas em caso de cooperação por parte das empresas que participaram em infracções ao direito comunitário da concorrência tem fundamento na consideração de que essa cooperação facilita a tarefa da Comissão.

A este respeito, uma empresa que se limitou, ao longo do procedimento administrativo, a não tomar posição sobre as alegações de facto apresentadas pela Comissão, e, portanto, não reconheceu a sua veracidade, não contribui para facilitar efectivamente a tarefa desta última. Da mesma forma, não basta que uma empresa afirme genericamente que não contesta os factos alegados, em conformidade com a comunicação sobre a cooperação nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas, se, no caso concreto, essa afirmação não apresentar a mínima utilidade para a Comissão. Por último, uma redução com base na comunicação sobre a cooperação só pode ser justificada se for possível considerar que as informações prestadas e, mais genericamente, o comportamento da empresa em causa, a este propósito, demonstram uma verdadeira cooperação da parte desta. Tal como resulta do próprio conceito de cooperação, conforme utilizado no texto da comunicação sobre a cooperação, designadamente, na introdução e no capítulo D, ponto 1, desta comunicação, é, com efeito, unicamente quando o comportamento da empresa em causa é testemunho desse espírito de cooperação que uma redução com base nessa comunicação pode ser concedida.

(cf. n. os  380‑383)

16. No que respeita à modificação da política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas, resultante nomeadamente das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, há que verificar, para controlar o respeito do princípio da irretroactividade, se essa modificação era razoavelmente previsível quando foram cometidas as infracções em causa.

A este propósito, a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta essencialmente numa tarificação, ainda que relativa e flexível, das coimas. Importa, pois, verificar se este novo método de cálculo das coimas, a admitir‑se que teve um efeito agravante no nível das coimas aplicadas, era razoavelmente previsível quando foram cometidas as infracções em causa. Ora, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, mas que, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente nem num método de cálculo destas últimas. Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, em qualquer momento, a Comissão decidir, na observância das normas que se impõem à sua acção, aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também quando este aumento é efectuado mediante a aplicação, a casos concretos, de regras de conduta de alcance geral como é o caso das orientações. De resto, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias da causa, as consequências que podem resultar de um acto determinado. É, em especial, o que acontece com os profissionais, habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que estes avaliem com especial cuidado os riscos que a mesma implica.

Daqui deve concluir‑se que as orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas aplicadas, eram razoavelmente previsíveis para empresas como a recorrente na época em que a infracção em causa foi cometida.

(cf. n. os  388‑396)

17. Recorde‑se que o artigo 287.° CE impõe aos membros, funcionários e agentes das instituições da Comunidade a obrigação de «não divulgar as informações que, por sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional, designadamente as respeitantes às empresas e respectivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo». Embora esta disposição tenha sobretudo em vista as informações recolhidas nas empresas, o advérbio «designadamente» mostra que se trata de um princípio geral que se aplica também a outras informações confidenciais. Ora, em processos contraditórios susceptíveis de levar a uma condenação, a natureza e o quantum da sanção proposta estão, por natureza, cobertos pelo segredo profissional, enquanto a sanção não for definitivamente aprovada e proferida. Este princípio decorre, nomeadamente, da necessidade de respeitar a reputação e a dignidade do interessado enquanto este não for condenado.

Assim, o dever da Comissão de não divulgar à imprensa informações sobre a sanção precisa que se previa aplicar não coincide apenas com a sua obrigação de respeitar o segredo profissional mas também com a sua obrigação de boa administração. Finalmente, o princípio da presunção de inocência aplica‑se aos processos relativos a violações das regras da concorrência por empresas e que sejam susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias. É manifesto que esta presunção não é respeitada pela Comissão quando, antes de condenar formalmente a empresa que acusa, comunica à imprensa o veredicto submetido à deliberação do comité consultivo e do colégio dos comissários.

Todavia, por um lado, a materialidade de uma infracção efectivamente demonstrada no termo do procedimento administrativo não pode ser posta em causa pela prova da manifestação prematura, por parte da Comissão, da sua crença na existência da infracção e do montante da coima que, consequentemente, prevê impor a uma empresa. Além disso, não se pode afirmar que a divulgação, pela Comissão, do conteúdo de uma decisão no termo do procedimento administrativo e na véspera da sua adopção formal é, por si só, susceptível de demonstrar que a Comissão tomou a decisão com base num juízo antecipado ou que conduziu o inquérito com ideias preconcebidas.

Por outro lado, embora que uma irregularidade desta natureza possa provocar a anulação da decisão em causa é na condição de se provar que, na falta dessa irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente.

Esta última condição não pode ser analisada como violação do direito a uma protecção jurisdicional efectiva dos direitos conferidos aos particulares pela ordem jurídica comunitária, que faz parte dos princípios gerais de direito que decorrem das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e foi igualmente consagrado nos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Com efeito, esta protecção deve ser conciliada com o princípio da segurança jurídica e com a presunção de legalidade de que gozam os actos das instituições comunitárias.

(cf. n. os  409‑411, 414‑416, 421‑423)

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