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Document 62002TJ0038
Sumário do acórdão
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Procedimento administrativo – Acesso ao processo – Objecto – Respeito dos direitos de defesa – Alcance – Elementos de acusação – Exclusão dos elementos probatórios não comunicados
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
2. Concorrência – Procedimento administrativo – Acesso ao processo – Documentos não constantes do processo de instrução – Documentos que possam servir para a defesa das partes – Obrigação de as partes solicitarem a respectiva comunicação
3. Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário
(Regulamento n.º 17 do Conselho)
4. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Direitos de defesa – Fiscalização jurisdicional – Competência de plena jurisdição do juiz comunitário
(Artigo 229.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 17.º)
5. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias agravantes – Obrigação de a Comissão respeitar a sua prática decisória anterior – Inexistência
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
6. Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo – Alcance – Elementos de acusação comunicados verbalmente por um terceiro – Obrigação de os tornar acessíveis à empresa em questão, elaborando, se necessário, um documento escrito
7. Concorrência – Coimas – Montante – Carácter adequado – Fiscalização jurisdicional – Elementos que podem ser tomados em consideração pelo juiz comunitário – Elementos de informação não contidos na decisão que aplica a coima e não exigidos para a sua fundamentação – Inclusão
(Artigo 229.º CE, 230.º CE e 253.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 17.º)
8. Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance – Decisão que aplica coimas – Indicação dos elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade e a duração da infracção – Indicação suficiente
(Artigo 253.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2, segundo parágrafo; Comunicações da Comissão 96/C 207/04 e 98/C 9/03)
9. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Delimitação do mercado – Objecto – Determinação da afectação do comércio entre Estados‑Membros
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
10. Concorrência – Normas comunitárias – Infracções – Coimas – Determinação – Critérios – Aumento do nível geral das coimas – Admissibilidade – Condições
(Regulamento n.º 17 do Conselho)
11. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Método de cálculo definido nas orientações adoptadas pela Comissão – Obrigação de a Comissão agir em conformidade com as mesmas – Consequências – Obrigação de fundamentar quaisquer entorses
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
12. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Infracções qualificadas de muito graves com fundamento unicamente na sua natureza própria – Necessidade de determinar o seu impacto e extensão geográfica – Inexistência
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
13. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Tomada em consideração do volume de negócios global da empresa em causa e do volume de negócios realizado com as vendas das mercadorias que são objecto da infracção – Limites
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
14. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Participação em reuniões de empresas com objectivo anticoncorrencial – Circunstância que permite, na falta de distanciamento relativamente às decisões tomadas, concluir pela participação no acordo subsequente – Participação pretensamente sob coacção – Circunstância que não constitui um facto justificativo para uma empresa que não recorreu à possibilidade de denúncia junto das autoridades competentes
(Artigo 81.º, n.º 1, CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 3.º)
15. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções associada à procura de um efeito dissuasivo
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
16. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão através da qual é declarada uma infracção e que foi adoptada posteriormente a outra decisão da Comissão que visa a mesma empresa – Falta de identidade entre as infracções que são objecto das duas decisões – Violação do princípio «non bis in idem» – Inexistência
17. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Avaliação com base no valor absoluto das vendas em causa – Admissibilidade
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
18. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão através da qual é declarada uma infracção – Elementos probatórios que devem ser reunidos – Grau necessário de força probatória
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
19. Direito comunitário – Princípios – Direitos fundamentais – Presunção de inocência – Procedimento em matéria de concorrência – Aplicabilidade
20. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade e duração da infracção – Infracção cometida por várias empresas – Gravidade a apreciar de modo individual
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
21. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Ameaça de represálias de uma empresa contra outra
22. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão através da qual é declarada uma infracção – Utilização de declarações de outras empresas que tenham participado na infracção como meios de prova – Admissibilidade – Condições
(Artigo 81.º CE e 82.º CE)
23. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Introdução de orientações pela Comissão – Recurso a um modo de cálculo ligado à gravidade intrínseca e à duração da infracção e que respeita o limite máximo relativamente ao volume de negócios de cada empresa – Legalidade
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
24. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Conceito
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
25. Concorrência – Coimas – Falta de fixação de um prazo de prescrição que exclua a violação do princípio da segurança jurídica
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
26. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias atenuantes – Não aplicação efectiva de um acordo – Apreciação ao nível do comportamento individual de cada empresa
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º)
27. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias atenuantes – Inexistência de medidas de controlo da aplicação do acordo – Exclusão
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
28. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Circunstâncias atenuantes – Situação financeira da empresa em causa – Exclusão
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)
29. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não imposição ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Necessidade de um comportamento que tenha facilitado a declaração da infracção pela Comissão – Informações relativas a actos que não podem dar lugar a multas com base no Regulamento n.º 17 – Não tomada em consideração
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 11.º, n. os 4 e 5, e 15.º; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão)
30. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação- Critérios – Atitude da empresa durante o procedimento administrativo – Apreciação do grau da cooperação prestada por cada uma das empresas participantes no acordo – Respeito do princípio da igualdade de tratamento – Graus de cooperação não comparáveis que justificam um tratamento diferenciado
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão)
31. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não imposição ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Redução com base em não contestação dos factos – Condições
(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão, ponto D 2)
1. O direito de acesso aos autos nos processos de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos probatórios que constam do processo da Comissão, a fim de que se possam pronunciar de forma útil sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações, com base nesses elementos. O acesso ao processo faz parte das garantias processuais que se destinam a proteger os direitos de defesa e assegurar, em especial, o exercício efectivo do direito de ser ouvido.
A Comissão tem, pois, a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, o conjunto dos documentos contra ou a favor que recolheu no decurso do inquérito, com ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da instituição e de outras informações confidenciais.
Quando se verificar que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou em documentos que não constavam do processo de instrução e não foram comunicados ao recorrente, há que eliminar estes documentos enquanto meios de prova.
(cf. n. os 33-35, 65)
2. No âmbito de um procedimento administrativo em matéria de concorrência, documentos que poderiam conter elementos de defesa constem do processo de instrução da Comissão, a eventual verificação de uma violação dos direitos de defesa é independente do comportamento da empresa em causa durante o procedimento administrativo e da questão de saber se essa empresa tinha a obrigação de exigir que a Comissão lhe concedesse acesso ao seu processo ou lhe facultasse determinados documentos.
Em contrapartida, quanto aos documentos que podiam conter elementos de defesa e que não figuram no processo de instrução da Comissão, a empresa em questão tem a obrigação de apresentar à instituição um pedido expresso de acesso a esses documentos, tendo a omissão de agir desse modo, no decurso do procedimento administrativo, um efeito de preclusão sobre este ponto do recurso de anulação que será eventualmente proposto contra a decisão definitiva.
(cf. n. os 36-37, 42, 79)
3. Desde que a Comissão indique expressamente, na sua comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas em causa e que indique, igualmente, os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de provocarem a aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção, e o facto de esta ter sido cometida de forma deliberada ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Actuando assim, fornece‑lhes, portanto, todos os elementos necessários para se defenderem, não apenas contra a declaração da infracção, mas, igualmente, contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.
(cf. n. o 50)
4. No que se refere à determinação do montante das coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão através da possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do carácter anticoncorrencial da infracção. Além disso, as empresas beneficiam de uma garantia suplementar, no que diz respeito à determinaçã o do montante da coima, na medida em que o Tribunal decide, por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, com uma competência de plena jurisdição, na acepção do artigo 229.° CE, nos recursos interpostos contra as decisões através das quais a Comissão fixou uma coima e pode, em consequência, suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. No quadro do seu controlo de plena jurisdição, incumbe ao Tribunal apreciar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infracção e ponderar a gravidade da infracção e as circunstâncias invocadas pela empresa.
(cf. n. os 51, 136)
5. O simples facto de a Comissão ter entendido, na sua prática decisória anterior, que certos elementos não constituíam uma circunstância agravante para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior. Por outro lado, a possibilidade dada, no quadro de outro processo, a uma empresa de se pronunciar sobre a intenção de considerar provada a sua reincidência, não implica, de modo algum, que a Comissão tenha a obrigação de proceder assim em todos os casos nem que, na falta dessa possibilidade, a recorrente esteja impedida de exercer plenamente o seu direito de ser ouvida.
(cf. n. os 57, 153, 395)
6. Não existe qualquer obrigação geral de a Comissão redigir actas das discussões que manteve, no âmbito da aplicação das regras de concorrência do Tratado, apenas com alguns dos que participaram numa infracção durante reuniões realizadas com estes.
A inexistência dessa obrigação não é, contudo, de molde a dispensar a Comissão das obrigações que lhe incumbem em matéria de acesso ao processo. Não seria, com efeito, admissível que o recurso à prática de contactos verbais com terceiros levasse à violação dos direitos de defesa. Assim, se a Comissão se propõe utilizar, na sua decisão, um elemento de acusação transmitido de forma oral por outro participante na infracção, deve torná‑lo acessível à empresa em causa, para que esta se possa pronunciar utilmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou com base neste elemento. Se for caso disso, deve elaborar para o efeito um documento escrito destinado a ser junto ao seu processo.
(cf. n. os 66-67)
7. Quanto aos recursos interpostos das decisões da Comissão que aplicam coimas a empresas por violação das regras de concorrência, o Tribunal é duplamente competente. Por um lado, cabe‑lhe controlar a sua legalidade, nos termos do artigo 230.° CE. Nesse quadro, deve nomeadamente controlar o respeito do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE, cuja violação torna a decisão anulável. Por outro lado, o Tribunal é competente para apreciar, no quadro da competência de plena jurisdição que lhe é reconhecida pelo artigo 229.° CE e artigo 17.° do Regulamento n.° 17, o carácter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a produção e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção, na decisão impugnada, não é como tal exigida por força do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE.
(cf. n. o 95)
8. O alcance do dever de fundamentação relativamente ao cálculo de uma coima aplicada por violação das regras comunitárias de concorrência, deve ser determinado tendo em vista as disposições do artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17, nos termos do qual, «[p]ara determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma». Ora, as exigências da formalidade essencial que constitui esta obrigação de fundamentação estão preenchidas quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Por outro lado, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento n.º 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA, bem como a Comunicação sobre a cooperação [...] nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas, contêm regras indicativas sobre os elementos de apreciação a que a Comissão deve atender para medir a gravidade e a duração da infracção. Nestas condições, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que teve em conta em aplicação das suas Orientações e, se for esse o caso, da sua Comunicação sobre a cooperação, e que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção para fins do cálculo do montante da coima.
(cf. n. o 97)
9. No quadro da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, é com vista a determinar se um acordo é susceptível de afectar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum que é necessário definir o mercado em causa. Por consequência, a obrigação de operar uma delimitação do mercado em causa numa decisão adoptada em aplicação do artigo 81.°, n.° 1 CE, impõe‑se à Comissão unicamente quando, sem tal delimitação, não seja possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objecto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum.
(cf. n. o 99)
10. A Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência.
O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infracções, não pode privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível nos limites indicados pelo Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a realização da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer altura adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.
(cf. n. os 134-135, 154, 395, 407, 415)
11. Uma vez que a Comissão adoptou Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento n.º 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA, destinadas a precisar, com respeito pelo Tratado, os critérios que conta aplicar no quadro do exercício do seu poder de apreciação, daí resulta uma auto‑limitação desse poder no sentido de que lhe compete conformar‑se às regras indicativas que ela mesma se impôs. Para determinar a gravidade das infracções, a Comissão deve pois, a partir daí, obrigatoriamente tomar em conta, entre vários elementos, os contidos nas Orientações, salvo se explicitar especificamente os motivos que eventualmente justificam afastar‑se deles num ponto preciso.
(cf. n. o 138)
12. A Comissão indicou, nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento n.º 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA, que a maior parte das vezes seriam consideradas como muito graves as restrições horizontais de tipo «cartel de preços» e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno. Resulta desta descrição indicativa que acordos ou práticas concertadas visando nomeadamente a fixação dos preços e a repartição da clientela, podem ser objecto, com fundamento apenas na sua natureza específica, de tal qualificação, sem que seja necessário caracterizar tais comportamentos através de um impacto ou uma dimensão geográfica particular. Esta conclusão é corroborada pelo facto de, embora a descrição indicativa das infracções susceptíveis de ser consideradas graves mencione que se tratará de infracções do mesmo tipo das definidas como pouco graves «mas cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e susceptíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado comum», a das infracções muito graves, em contrapartida, não menciona qualquer exigência de impacto nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular.
(cf. n. os 150-151)
13. Entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção, podem, segundo os casos, figurar o volume e o valor das mercadorias objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta pôde exercer no mercado. Por um lado, segue‑se que se pode, com vista à determinação do montante da coima, ter em conta tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como a parte desse volume que provém da venda das mercadorias objecto da infracção e que é, pois, de molde a dar uma indicação da amplitude desta. Por outro lado, daí resulta que não se pode atribuir nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado de uma coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global.
(cf. n. os 158, 367)
14. Uma vez que foi demonstrado que uma empresa participou em reuniões entre empresas com um carácter manifestamente anticoncorrencial, cabe‑lhe apresentar indícios susceptíveis de demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões se tinha verificado sem qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que indicou aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa óptica diferente da deles. Na falta dessa prova de distanciação, uma participação, ainda que passiva, nas referidas reuniões permite considerar que a empresa participa no acordo que daí resulta. Além disso, o facto de esta empresa não se conformar com os resultados dessas reuniões não a priva da sua plena responsabilidade devido à sua participação no acordo. Por último, uma empresa que participou nessas reuniões, não pode invocar o facto de nela participar por coacção dos outros participantes que eventualmente disponham de um poder económico superior. Com efeito, poderia denunciar as pressões de que era objecto às autoridades competentes e apresentar à Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, em vez de participar nas actividades em questão.
(cf. n. os 164, 245, 423)
15. A procura do efeito dissuasivo das coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência faz parte integrante da ponderação das coimas em função da gravidade da infracção, na medida em que visa impedir que um método de cálculo conduza a montantes de coimas que, para certas empresas, não atingiriam o nível apropriado para assegurar à coima um efeito suficientemente dissuasivo.
(cf. n. o 170)
16. O princípio non bis in idem , também consagrado pelo artigo 4.° do Protocolo n.° 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constitui um princípio geral do direito comunitário de que o juiz assegura o respeito.
No domínio do direito comunitário da concorrência, este princípio proíbe que uma empresa seja condenada ou perseguida novamente pela Comissão devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual foi sancionada ou pelo qual foi declarada não responsável em anterior decisão da Comissão que já não é susceptível de recurso. A aplicação do princípio non bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade de infractor e de unidade do interesse jurídico protegido.
(cf. n. os 184-185)
17. A gravidade de uma infracção às regras de concorrência não pode depender unicamente nem da sua extensão geográfica nem da proporção que as vendas, objecto da infracção, representam em relação às vendas realizadas em toda a União Europeia. Com efeito, independentemente dos critérios mencionados supra , o valor absoluto das vendas em causa é igualmente um indicador pertinente da gravidade da infracção, na medida em que reflecte fielmente a importância económica das transacções que a infracção pretende subtrair ao jogo normal da concorrência.
(cf. n. o 191)
18. Relativamente à produção da prova de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1 CE, a Comissão deve apresentar a prova das infracções por ela declaradas e produzir os elementos probatórios adequados a demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos da infracção. A existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que conclui pela existência de uma infracção. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infracção em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima.
É necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que a infracção foi cometida.
Todavia, importa sublinhar que cada uma das provas fornecidas pela Comissão não deve necessariamente corresponder a esses critérios em relação a cada elemento da infracção. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, corresponda a esta exigência.
(cf. n. os 215, 217-218)
19. O princípio da presunção de inocência, como resulta, designadamente, do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aliás reafirmada no preâmbulo do Acto Único Europeu e no artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia bem como no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, são protegidos na ordem jurídica comunitária. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções a elas ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se designadamente aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas, susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias.
(cf. n. o 216)
20. Quando uma infracção foi cometida por várias empresas, há que examinar, no quadro da determinação do montante das coimas, a gravidade relativa da participação de cada uma delas, o que implica, em particular, definir os respectivos papéis na infracção enquanto durou a sua participação na mesma.
Esta conclusão constitui a consequência lógica do princípio da individualidade das penas e das sanções em virtude do qual uma empresa só deve ser punida pelos factos que lhe são individualmente censurados, princípio que é aplicável em todo o procedimento administrativo susceptível de conduzir à aplicação de sanções por força das regras comunitárias da concorrência.
(cf. n. os 277-278)
21. O facto de uma empresa parte num acordo forçar outra parte no referido acordo a alargar o campo deste último ameaçando‑a de represálias em caso de recusa pode ser considerado uma circunstância agravante. Com efeito, esse comportamento tem por efeito directo agravar os prejuízos causados pelo acordo e uma empresa que tenha adoptado tal conduta deve por esse facto assumir uma responsabilidade particular.
(cf. n. o 281)
22. Nenhuma disposição nem nenhum princípio geral do direito comunitário proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas incriminadas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado. Todavia, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exactidão é contestada por várias empresas acusadas, não pode ser considerada prova suficiente dos factos em causa sem ser apoiada por outros elementos de prova. Quando o acordo implica duas partes apenas, a contestação do conteúdo da declaração de uma pela outra basta para que seja exigido que outros elementos de prova venham apoiá‑lo. É tanto mais assim quanto se trata de uma declaração que visa atenuar a responsabilidade da empresa em nome da qual é feita, pondo em evidência a responsabilidade de outra empresa.
Além disso, quando se trata de um documento que demonstrava a formulação de uma ameaça de uma empresa sobre a outra e cujo carácter probatório é igualmente contestado pela primeira, importa, para apreciar o valor probatório desse documento, em primeiro lugar, verificar a verosimilhança da informação aí contida. Deve‑se então ter em conta, nomeadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário e perguntar se, tendo em atenção o seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno.
(cf. n. os 285-286)
23. Seguindo o método enunciado nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do aplicação do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA, o cálculo do montante das coimas continua a ser efectuado em função dos dois critérios mencionados no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, isto é, a gravidade da infracção e a sua duração, respeitando ao mesmo tempo o limite máximo em relação ao volume de negócios de cada empresa, estabelecido pela mesma disposição.
Por conseguinte, não se pode considerar que as Orientações ultrapassam o quadro jurídico das sanções tal como definido por essa disposição.
(cf. n. os 343-344)
24. Para apreciar a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso concreto, mas igualmente o contexto em que se verificou a infracção e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracções particularmente prejudiciais à realização dos objectivos da Comunidade.
A este respeito, a análise da gravidade da infracção cometida deve atender a uma eventual reincidência. Com efeito, numa óptica de dissuasão, a reincidência é uma circunstância que justifica um agravamento considerável do montante de base da coima. Efectivamente, constitui a prova de que a sanção anteriormente aplicada não foi suficientemente dissuasora.
Por outro lado, a reincidência, não obstante o facto de se referir a uma característica própria do autor da infracção, a saber, a sua propensão para cometer essas infracções, é precisamente, por essa mesma razão, um indício muito significativo da gravidade do comportamento em causa e, portanto, da necessidade de aumentar o nível da sanção para efeitos de uma dissuasão efectiva.
O conceito de reincidência, como é entendido num certo número de ordens jurídicas nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infracções após ter sido punida por infracções semelhantes.
Todavia, a noção de reincidência, atento o objectivo que prossegue, não implica necessariamente a existência de uma sanção pecuniária prévia, mas apenas a de uma infracção prévia. Com efeito, a tomada em consideração da reincidência visa, quanto a uma dada infracção, a punição mais severa da empresa que se declarou culpada dos factos que a constituem, uma vez que se conclui que em relação a ela uma verificação precedente de infracção não bastou para prevenir a repetição de um comportamento infractor. A este respeito, o elemento determinante da reincidência não é a anterior aplicação de uma sanção, mas a verificação anterior de uma infracção do seu autor.
(cf. n. os 347-349, 362-363)
25. Um prazo de prescrição não pode assegurar uma função de protecção da segurança jurídica e a sua violação constituir um desrespeito do referido princípio de segurança jurídica, a não ser que esse prazo de prescrição tenha sido previamente fixado, o que não prevêem, para declarar que existe reincidência em relação a uma empresa, nem o artigo 15.º do Regulamento n.º 17, que constitui o quadro jurídico das sanções que podem ser impostas pela Comissão por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, nem às Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA.
(cf. n. os 352-353)
26. As circunstâncias atenuantes referidas no n.° 3 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.º 5 do artigo 65.º do Tratado CECA, são todas baseadas no comportamento próprio de cada empresa.
Consequentemente, para efeitos de avaliação das circunstâncias atenuantes, nomeadamente a relativa à não aplicação dos acordos, há que ter em consideração, não os efeitos resultantes da totalidade da infracção, que devem ser considerados na apreciação do impacto concreto de uma infracção no mercado para efeitos da determinação da sua gravidade (n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo, das Orientações), mas o comportamento individual de cada empresa, para se examinar a gravidade relativa da participação de cada empresa na infracção.
(cf. n. os 383-384)
27. A falta de medidas de controlo de aplicação de um acordo não constitui, em si, uma circunstância atenuante.
(cf. n. o 393)
28. A Comissão não pode estar sujeita à obrigação de tomar em consideração, na fixação do montante da coima a aplicar por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, as dificuldades financeiras de uma empresa, pois isso equivaleria a dar uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado.
(cf. n. o 413)
29. Uma redução da coima ao abrigo de uma cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão declarar a infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe termo.
A este respeito, a colaboração de uma empresa no inquérito não confere direito a qualquer redução da coima quando essa colaboração não ultrapassou o que resultava das obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 11.°, n. os 4 e 5, do Regulamento n.° 17. Em contrapartida, quando uma empresa fornece, em resposta a um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, informações que vão muito além daquelas cuja produção pode ser exigida pela Comissão nos termos do referido artigo, essa empresa pode beneficiar de uma redução da coima.
Do mesmo modo, não constitui uma cooperação abrangida pelo âmbito de aplicação da Comunicação sobre a cooperação nos processos relativos a acordos nem, por maioria de razão, pelo seu ponto D, o facto de uma empresa pôr à disposição da Comissão, no quadro do seu inquérito sobre um acordo, informações relativas a actos pelos quais, de qualquer modo, nunca teria que pagar uma coima nos termos do Regulamento n.° 17.
(cf. n. os 449, 451-452, 471)
30. A Comissão não pode, no âmbito da apreciação da cooperação prestada pelas empresas durante o procedimento administrativo movido em matéria de acordos proibidos, desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento, princípio geral do direito comunitário, que é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas.
A este respeito, a apreciação do grau da cooperação prestada por empresas não pode depender de factores puramente casuais. Uma diferença de tratamento das empresas em causa deve, pois, resultar de graus de cooperação não comparáveis, nomeadamente na medida em que consistiram no fornecimento de informações diferentes ou no fornecimento dessas informações em fases diferentes do procedimento administrativo, ou em circunstâncias não análogas.
Além disso, quando uma empresa, a título da cooperação, se limita a confirmar, de modo menos preciso e explícito, algumas das informações já fornecidas por outra empresa a título da cooperação, o grau da cooperação desta empresa, ainda que possa não ser destituído de uma certa utilidade para a Comissão, não pode ser considerado comparável ao da primeira empresa quando forneceu as referidas informações. Uma declaração que se limita a confirmar, em certa medida, uma declaração de que a Comissão já dispunha não facilita, com efeito, significativamente a tarefa da Comissão e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título da cooperação.
(cf. n. os 453-455)
31. Para beneficiar de uma redução do montante da coima a título de não‑contestação dos factos, de acordo com o ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação em processos relativos aos acordos, uma empresa deve explicitamente informar a Comissão de que não pretende contestar a materialidade dos factos após ter tomado conhecimento da comunicação de acusações.
Não basta, todavia, que uma empresa afirme genericamente que não contesta os factos alegados, de acordo com a Comunicação sobre a cooperação, se, nas circunstâncias do caso, essa afirmação não tiver qualquer utilidade para a Comissão. Com efeito, para que uma empresa possa beneficiar da redução de uma coima em virtude da sua cooperação durante o procedimento administrativo, o seu comportamento deve facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência.
(cf. n. os 504-505)