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Document 61994TJ0348

Sumário do acórdão

Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1 Direito comunitário - Princípios - Direitos fundamentais - Respeito garantido pelo juiz comunitário - Tomada em consideração da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

(Tratado da União Europeia, artigo F, n._ 2)

2 Concorrência - Procedimento administrativo - Inaplicabilidade do artigo 6._ da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Respeito das garantias processuais pela Comissão - Controlo jurisdicional efectivo das decisões da Comissão - Jurisdição independente e imparcial - Competência de plena jurisdição

(Tratado CE, artigos 85._ e 86._; Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 17._; Decisão 88/591 do Conselho)

3 Direito comunitário - Princípios - Direitos de defesa - Respeito no âmbito dos procedimentos administrativos

4 Concorrência - Procedimento administrativo - Comunicação de acusações - Conteúdo necessário

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 19._, n._ 1; Regulamento n._ 99/63 da Comissão, artigo 4._)

5 Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance

(Tratado CE, artigo 190._)

6 Processo - Petição inicial - Exigências de forma - Identificação do objecto do litígio - Exposição sumária dos fundamentos invocados

[Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 44._, n._ 1, alínea c)]

7 Concorrência - Cartéis - Participação em reuniões de empresas com objectivos anticoncorrenciais - Circunstância que, na falta de distanciação em relação às decisões tomadas, permite concluir pela participação no subsequente cartel

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

8 Concorrência - Cartéis - Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infracção única - Empresas que podem ser acusadas de uma infracção que consiste na participação num acordo global - Critérios

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

9 Concorrência - Cartéis - Infracção que tem por objecto uma restrição da concorrência num mercado geográfico determinado - Definição prévia do mercado geográfico - Inexistência da obrigação

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

10 Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance - Decisão que aplica coimas a várias empresas por uma infracção às regras de concorrência

(Tratado CE, artigo 190._; Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._)

11 Concorrência - Coimas - Montante - Determinação - Critérios - Gravidade das infracções - Circunstâncias agravantes - Dissimulação do cartel - Prova resultante da inexistência de notas sobre as reuniões das empresas participantes no cartel

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._)

12 Concorrência - Regras comunitárias - Infracções - Realização deliberada - Conceito

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._)

13 Concorrência - Coimas - Montante - Determinação - Critérios - Gravidade das infracções - Circunstâncias atenuantes - Comportamento divergente do acordado no cartel - Apreciação

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._)

14 Concorrência - Coimas - Montante - Determinação - Critérios - Gravidade das infracções - Circunstâncias atenuantes - Situação financeira da empresa em causa - Exclusão

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._, n._ 2)

15 Concorrência - Coimas - Montante - Determinação - Critérios - Gravidade das infracções - Circunstâncias atenuantes - Falta de medidas de controlo da aplicação do cartel - Exclusão

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._, n._ 2)

16 Concorrência - Coimas - Montante - Métodos de cálculo - Conversão em ecus do volume de negócios do ano de referência das empresas com base na taxa de câmbio média do mesmo ano - Admissibilidade

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._)

17 Concorrência - Coimas - Montante - Determinação - Critérios - Gravidade e duração das infracções - Elementos de apreciação - Possibilidade de elevar o nível das coimas para reforçar o seu efeito dissuasor

(Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 15._, n._ 2)

Sumário

18 Os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Para este efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância inspiram-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem em que os Estados-Membros colaboraram ou a que aderiram. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem reveste, quanto a isto, um significado particular.

19 A Comissão, quando aplica as disposições do direito comunitário da concorrência, não pode ser qualificada como «tribunal» na acepção do artigo 6._ da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim, uma decisão de aplicação das regras comunitárias da concorrência não pode ser ilegal pelo simples facto de ter sido adoptada no âmbito de um sistema no qual a Comissão acumula as funções de acusação e de decisão. No entanto, importa salientar que, no procedimento administrativo na Comissão, esta deve respeitar as garantias processuais previstas pelo direito comunitário.

O direito comunitário confere à Comissão uma missão de fiscalização que inclui a tarefa de perseguir as infracções aos artigos 85._, n._ 1, e 86._ do Tratado. O Regulamento n._ 17 atribui-lhe, além disto, o poder de aplicar, mediante decisão, sanções pecuniárias às empresas e associações de empresas que cometeram, deliberadamente ou por negligência, uma infracção àquelas disposições.

A exigência de uma fiscalização jurisdicional efectiva de qualquer decisão da Comissão que declare e reprima uma infracção às regras comunitárias da concorrência mencionadas constitui um princípio geral de direito comunitário que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros. Este princípio não é violado desde que esse controlo seja efectuado, nos termos da Decisão 88/591 do Conselho, por uma jurisdição independente e imparcial como o Tribunal de Primeira Instância, que pode, nos termos dos fundamentos invocados pela pessoa singular ou colectiva em causa em apoio do seu pedido de anulação, apreciar a correcção, tanto de direito como de facto, de qualquer acusação feita pela Comissão no domínio da concorrência e que, em conformidade com o artigo 17._ do Regulamento n._ 17, é competente para apreciar se a sanção pecuniária aplicada é proporcional à gravidade da infracção verificada.

20 O respeito dos direitos de defesa em qualquer processo susceptível de levar à aplicação de sanções, nomeadamente coimas ou sanções pecuniárias compulsórias, constitui um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser respeitado mesmo se se trata de um procedimento de carácter administrativo.

21 A comunicação de acusações, que tem por objectivo fornecer às empresas perseguidas em aplicação das regras de concorrência todos os elementos necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva, deve ser redigida em termos que, embora sucintos, sejam suficientemente claros para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos de que a Comissão os acusa.

22 O dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado.

Embora, por força do artigo 190._ do Tratado, a Comissão seja obrigada a mencionar os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da decisão e as considerações que a levaram a adoptá-la, não se exige que discuta todos os pontos de facto e de direito suscitados no procedimento administrativo.

23 Por força do artigo 44._, n._ 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal decidir a acção, eventualmente, sem mais informações em seu apoio. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que a acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta, resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição.

24 O facto de uma empresa não respeitar os resultados de reuniões de carácter manifestamente anticoncorrencial não a isenta de culpa, decorrente da sua participação no cartel, uma vez que não se distanciou publicamente do respectivo conteúdo. Mesmo admitindo que o comportamento da recorrente no mercado não tenha sido conforme ao comportamento acordado, isso em nada afecta a sua responsabilidade na violação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

25 Para que a Comissão possa considerar cada uma das empresas visadas por uma decisão de aplicação das regras de concorrência, responsável, durante determinado período, por um acordo global incluindo diversos comportamentos anticoncorrenciais, deve demonstrar que cada uma delas concordou com a adopção de um plano global que abranja os elementos constitutivos do cartel ou participou directamente, ao longo desse período, em todos os seus elementos. Uma empresa pode igualmente ser considerada responsável por um acordo global, mesmo que se prove que apenas participou num ou em diversos elementos constitutivos desse acordo, desde que soubesse, ou tivesse necessariamente a obrigação de saber, por um lado, que a colusão na qual participava se inscrevia num plano global e, por outro, que esse plano global abrangia a totalidade dos elementos constitutivos do cartel. Quando assim é, o facto de a empresa em causa não ter participado directamente em todos os elementos constitutivos do acordo global não a isenta da responsabilidade pela infracção ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Tal circunstância pode, porém, ser tomada em consideração ao apreciar a gravidade da infracção de que é acusada.

26 Quando a Comissão verifica uma infracção que tem por objectivo uma restrição da concorrência num mercado geográfico determinado, a verificação dessa restrição da concorrência não exige qualquer definição prévia do mercado geográfico.

27 O dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado.

No que respeita a uma decisão que aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, há que determinar o alcance da obrigação de fundamentação, tendo em conta, designadamente, que a gravidade das infracções deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasor das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

Além disso, ao fixar o montante de cada coima, a Comissão dispõe de um poder de apreciação e não pode ser obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa.

Por fim, a fundamentação de uma decisão deve figurar no próprio corpo dessa decisão e explicações posteriores fornecidas pela Comissão não podem, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração.

Quando a Comissão conclui, numa decisão, pela existência de uma infracção às regras de concorrência e aplica coimas às empresas que nela participaram, a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão, a fim de permitir aos destinatários desta verificar as razões que levaram à fixação do nível da coima e apreciar a existência de uma eventual discriminação.

28 O facto de as empresas que participaram numa colusão sobre os preços terem orquestrado o anúncio do aumento dos preços concertados e de terem sido dissuadidas de tomar notas sobre essas reuniões prova que estavam conscientes da ilegalidade do seu comportamento e que adoptaram medidas de dissimulação da colusão. A Comissão pode considerar essas medidas como circunstâncias agravantes na apreciação da gravidade da infracção.

Quanto a isto, a inexistência de actas oficiais e a inexistência quase total de notas internas sobre as referidas reuniões podem constituir, atendendo ao seu número, à sua duração e à natureza das discussões em causa, uma prova suficiente da alegação da Comissão segundo a qual os participantes eram dissuadidos de tomar notas.

29 Para que uma infracção possa ser considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de violar a proibição do artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Basta que não pudesse ignorar que a conduta imputada tinha por objectivo ou efeito restringir a concorrência no mercado comum.

30 O facto de uma empresa, cuja participação numa concertação com os seus concorrentes em matéria de preços foi demonstrada, não se ter comportado no mercado de um modo conforme ao convencionado com os seus concorrentes não constitui necessariamente um elemento que deva ser tomado em consideração, como circunstância atenuante, aquando da determinação do montante da coima a aplicar. Com efeito, uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o acordo em seu benefício.

31 Na determinação do montante da coima a aplicar por infracção às regras comunitárias da concorrência, a Comissão não é obrigada a ter em conta a situação deficitária da empresa interessada enquanto circunstância atenuante. O reconhecimento dessa obrigação equivaleria a dar uma vantagem concorrencial não justificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado.

32 Se a existência de medidas de controlo de aplicação de um cartel pode ser tida em conta enquanto circunstância agravante para a fixação das coimas, a falta de tais medidas não constitui, em si, uma circunstância atenuante.

33 Quando aplica coimas a várias empresas por infracção às regras comunitárias da concorrência, nada impede a Comissão de expressar o montante da coima em ecus, unidade monetária convertível em moeda nacional. De resto, isso permite às empresas comparar mais facilmente os montantes das coimas aplicadas. Além disso, a conversão possível do ecu em moeda nacional diferencia esta unidade monetária da «unidade de conta» mencionada no artigo 15._, n._ 2, do Regulamento n._ 17, que o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que, não sendo um meio de pagamento, implicava necessariamente a determinação do montante da coima em moeda nacional.

No cálculo da coima, a Comissão pode validamente utilizar um método que consiste em converter em ecus o volume de negócios do ano de referência de cada uma das empresas com base nas taxas de câmbio médias do mesmo ano, e não com base nas taxas de câmbio na data da adopção da decisão.

Antes de mais, com efeito, a Comissão deve normalmente utilizar um único e mesmo método de cálculo das coimas aplicadas às empresas sancionadas por terem participado na mesma infracção. Em seguida, a fim de poder comparar os diferentes volumes de negócios comunicados, expressos nas moedas nacionais respectivas das empresas em causa, a Comissão deve converter esses volumes de negócios numa única e mesma unidade monetária como o ecu, cujo valor é determinado em função do valor de cada moeda nacional dos Estados-Membros.

Por um lado, a tomada em consideração do volume de negócios realizado por cada uma das empresas no decurso do ano de referência, isto é, o último ano completo do período de infracção objecto da decisão, permitiu à Comissão apreciar a dimensão e o poder económico de cada empresa bem como a extensão da infracção cometida por cada uma delas, sendo estes elementos pertinentes para apreciar a gravidade da infracção cometida por cada empresa. Por outro lado, a tomada em consideração, para efeitos da conversão em ecus dos volumes de negócios em causa, das taxas de câmbio médias do ano de referência considerado, permitiu à Comissão evitar que as eventuais flutuações monetárias ocorridas desde a cessação da infracção afectassem a apreciação da dimensão e o poder económico relativos das empresas, bem como a extensão da infracção cometida por cada uma delas e, portanto, a apreciação da gravidade da infracção. A apreciação da gravidade da infracção deve, efectivamente, ter em conta a realidade económica tal como existia na época em que a infracção foi cometida.

Consequentemente, o método de cálculo da coima que consiste em utilizar a taxa de câmbio média do ano de referência permite evitar os efeitos aleatórios das alterações dos valores reais das moedas nacionais que podem ocorrer, e neste caso ocorreram de facto, entre o ano de referência e o ano de adopção da decisão. Se este método pode significar que determinada empresa deve pagar um montante, expresso em moeda nacional, nominalmente superior ou inferior ao que pagaria na hipótese de ser aplicada a taxa de câmbio da data de adopção da decisão, isso é apenas a consequência lógica das flutuações dos valores reais das diferentes moedas nacionais.

34 A determinação do montante da coima por infracção às regras comunitárias da concorrência é função da gravidade e da duração da infracção. Quanto a isto, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasor das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

Na sua apreciação do nível geral das coimas, a Comissão tem o direito de tomar em conta o facto de as infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência serem ainda relativamente frequentes e, portanto, tem perfeitamente legitimidade para aumentar o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasor. Consequentemente, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções, não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n._ 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência.

Além disto, quando fixa o nível geral das coimas, a Comissão pode nomeadamente ter em conta a longa duração e o carácter manifesto da infracção ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, que foi cometida apesar da advertência que deveria ter constituído a prática decisória anterior da Comissão.

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