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Document 61994TJ0229

    Sumário do acórdão

    Palavras-chave
    Sumário

    Palavras-chave

    1 Concorrência - Transportes - Regras de concorrência - Transportes por caminho-de-ferro - Regulamento n._ 1017/68 - Formação comum de preços - Proibição - Excepção legal prevista no artigo 3._, n._ 1, alínea c), do Regulamento n._ 1017/68 - Interpretação restritiva - Preços globais - Preço de concorrência - Conceitos

    [Tratado CE, artigo 85._, n._ 1, alínea a); Regulamento n._ 1017/68 do Conselho, artigos 2._, alínea a), e 3._, n._ 1, alínea c); Decisão 82/529 do Conselho, artigo 4._; Recomendação 84/646 do Conselho, artigo 4._]

    2 Concorrência - Posição dominante - Mercado em causa - Delimitação - Critérios - Submercado dos serviços ferroviários e mercado dos transportes ferroviários em geral

    (Tratado CE, artigo 86._)

    3 Concorrência - Posição dominante - Mercado em causa - Delimitação geográfica - Critérios

    (Tratado CE, artigo 86._)

    4 Concorrência - Posição dominante - Abuso - Aplicação de preços discriminatórios

    (Tratado CE, artigo 86._)

    5 Concorrência - Regras comunitárias - Aplicação simultânea dos artigos 85._ e 86._ do Tratado - Admissibilidade

    (Tratado CE, artigos 85._ e 86._)

    6 Concorrência - Processo administrativo - Acesso ao processo - Pedido apresentado depois de a decisão final da Comissão ter sido tomada - Recusa - Incidência sobre a legalidade da decisão - Ausência

    7 Actos das instituições - Intangibilidade após a sua adopção - Modificação subordinada ao respeito das regras de competência e de processo

    8 Concorrência - Transportes - Regras de concorrência - Transportes por caminho-de-ferro - Multas - Montante - Determinação - Critérios - Controlo jurisdicional

    (Regulamento n._ 1017/68 do Conselho, artigos 8._, 22._ e 24._)

    Sumário

    9 Um acordo entre as empresas ferroviárias nacionais de três Estados-Membros que tem por objectivo instituir uma gestão comum da formação dos preços dos transportes ferroviários de contentores marítimos com destino ou provenientes de um destes Estados e que transitam por portos destes Estados é incompatível com o mercado comum.

    Efectivamente, um acordo que institui um regime comum de fixação de preços releva do artigo 85._, n._ 1, alínea a), do Tratado e do artigo 2._, alínea a), do Regulamento n._ 1017/68, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, e isto independentemente de saber em que medida as disposições do acordo foram de facto respeitadas. Isto é assim porque a formação comum de preços restringe o jogo da concorrência, nomeadamente permitindo a cada participante prever com um grau razoável de certeza qual será a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes co-participantes.

    Um tal acordo não releva da excepção legal prevista no artigo 3._, n._ 1, alínea c), do Regulamento n._ 1017/68, que autoriza os «acordos, decisões e práticas concertadas que tenham apenas por objectivo ou efeito a aplicação de melhoramentos técnicos ou a cooperação técnica mediante [...] a organização e a execução de transportes [...] combinados, bem como a determinação e aplicação de preços e condições globais para esses transportes, incluindo os preços de concorrência».

    Com efeito, a introdução de uma excepção legal a favor de acordos de ordem puramente técnica não poderá equivaler a uma autorização, por parte do legislador comunitário, que permite a celebração de acordos que têm por objecto a formação comum de preços, a menos que se pretenda privar de qualquer utilidade o artigo 2._, alínea a), do Regulamento n._ 1017/68.

    Além disso, dado que a determinação autónoma, por cada operador económico, da sua política comercial e nomeadamente da sua política de preços corresponde à concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, esta excepção e, nomeadamente, os termos «preços globais» e «preços de concorrência» devem ser interpretados com circunspecção. O termo «preços globais» deve ser compreendido como designando os preços «de uma extremidade à outra», englobando as diferentes partes nacionais de um trajecto transnacional, e o termo «preço de concorrência» deve ser entendido como permitindo às diferentes empresas que operam no mesmo trajecto transnacional fixar preços globais não somente procedendo à adição das tarifas de cada uma delas, mas igualmente trazendo a esta adaptações comuns susceptíveis de garantir o carácter concorrencial dos transportes em causa em relação a outros modos de transporte, sem todavia ser inteiramente eliminada a autonomia de cada empresa quanto à fixação das suas próprias tarifas em função dos seus interesses concorrenciais.

    Esta interpretação do artigo 3._, n._ 1, alínea c), do Regulamento n._ 1017/68 não está, aliás, em contradição com o artigo 4._ da Decisão 82/529 do Conselho, relativa à formação dos preços para os transportes ferroviários internacionais de mercadorias, nem com o artigo 4._ da Recomendação 84/646 do Conselho, dirigida às empresas de caminhos de ferro nacionais dos Estados-Membros em matéria de reforço da cooperação relativa ao tráfego internacional de passageiros e de mercadorias, mas, pelo contrário, em conformidade com aquelas disposições.

    10 Para ser considerado, para efeitos de aplicação do artigo 86._ do Tratado, como constituindo objecto de um mercado suficientemente distinto, o serviço ou o bem em causa deve poder ser individualizado por características particulares que o diferenciem de outros serviços ou bens a ponto de ser pouco intermutável com eles e sofrer a sua concorrência apenas de maneira pouco sensível. Neste quadro, o grau de intermutabilidade entre produtos deve ser avaliado em função das características objectivas destes, bem como em função da estrutura da procura, da oferta no mercado e das condições de concorrência.

    A este respeito, o mercado dos serviços ferroviários constitui um submercado distinto do mercado dos transportes ferroviários em geral. Oferece um conjunto específico de prestações, nomeadamente a colocação à disposição de locomotivas, a sua tracção e o acesso à infra-estrutura ferroviária, que é fornecido em função dos pedidos dos operadores de transporte ferroviário, mas que não é de modo algum intermutável nem está em concorrência com as prestações destes últimos. O carácter distinto dos serviços ferroviários resulta, além disso, do facto de relevarem de uma procura e de uma oferta específicas. Com efeito, os operadores de transporte encontram-se na impossibilidade de fornecer as suas prestações se não dispuserem dos serviços ferroviários.

    Se, por outro lado, as prestações que relevam do submercado constituem objecto de uma exclusividade legal, que faz com que aqueles que as procuram se encontrem numa situação de dependência económica em relação ao fornecedor, a existência de uma posição dominante num mercado distinto não poderá ser negada, mesmo que as prestações fornecidas em exclusividade apresentem uma ligação com um produto que está, ele próprio, em concorrência com outros produtos.

    11 A definição do mercado geográfico para efeitos da aplicação do artigo 86._ do Tratado não exige que as condições objectivas de concorrência entre os operadores económicos sejam perfeitamente homogéneas, mas unicamente que sejam «similares» ou «suficientemente homogéneas», e que, portanto, só as zonas em que as condições objectivas de concorrência são «heterogéneas» não podem ser consideradas como constituindo um mercado uniforme.

    Além disso, um Estado-Membro pode constituir, só por si, uma parte substancial do mercado comum em que uma empresa pode deter uma posição dominante, e isto nomeadamente quando é titular nesse território de um monopólio legal.

    12 Ao proibir a exploração abusiva de posição dominante, o artigo 86._ do Tratado visa proibir a uma empresa dominante reforçar a sua posição ao recorrer a meios diferentes dos que relevam da sua concorrência pelos méritos. Assim, uma empresa não poderá praticar diferenças artificiais de preços de natureza a provocar uma desvantagem para os seus clientes e a falsear a concorrência.

    13 A existência de uma exploração abusiva de posição dominante não poderá ser excluída pelo facto de a empresa que detém a posição dominante ter aderido formalmente a um acordo que tem por objecto a fixação comum de tarifas e que releva assim da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas. Com efeito, a presença de um tal acordo não exclui a hipótese de uma das empresas vinculada por ele poder impor unilateralmente tarifas discriminatórias.

    14 A legalidade de uma decisão da Comissão tomada em relação a uma empresa num processo de concorrência não pode ser afectada pela recusa da Comissão de lhe conceder um novo acesso ao processo no período dos prazos de recurso, quando o pedido para tal efeito formulado se verificou após a adopção e notificação da decisão e constitui assim um elemento posterior à sua adopção.

    15 O princípio da segurança jurídica visa garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas que relevam do direito comunitário. Para esse efeito, é essencial que as instituições comunitárias respeitem a intangibilidade dos actos que adoptaram e que afectam a situação jurídica e material dos sujeitos de direito, de modo que só poderão modificar esses actos no respeito das regras de competência e de processo.

    16 No quadro da aplicação das regras da concorrência às empresas ferroviárias, a circunstância de a Comissão ter reconhecido uma infracção ao artigo 86._ do Tratado e não ao artigo 8._ do Regulamento n._ 1017/68, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, não a impede de aplicar uma multa por força do artigo 22._ deste regulamento, dado que as disposições aplicáveis do seu artigo 8._ já referido têm a mesma redacção e o mesmo alcance que as do artigo 86._ do Tratado.

    Quanto à tomada em conta do volume de negócios da empresa autora da infracção para a fixação da multa a aplicar-lhe por violação das regras de concorrência, é permitido, no quadro do artigo 22._ do Regulamento n._ 1017/68, ter em conta tanto o volume de negócios global da empresa como a parte dele que provém das prestações objecto da infracção. No que respeita à fixação do montante da multa dentro dos limites quantitativos previstos por aquela disposição, dado que as multas constituem um instrumento da política de concorrência da Comissão, esta deve dispor de uma margem de apreciação na fixação do respectivo montante a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência.

    Incumbe todavia ao Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição em aplicação do artigo 24._ do Regulamento n._ 1017/68, verificar se o montante da multa aplicada é proporcionado em relação à duração e aos outros elementos que influam na apreciação da gravidade da infracção, tais como a influência que a empresa exerceu no mercado, o proveito que tirou das suas práticas, o volume e o valor das prestações em causa e o risco que a infracção representa para os objectivos da Comunidade.

    A este respeito, o carácter inédito de uma decisão que aplique multas no sector do transporte ferroviário não poderá ser invocado a favor de uma redução da multa, desde que se demonstre a gravidade da infracção às regras da concorrência.

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