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Document 52011DC0293

    COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES sobre a protecção dos interesses financeiros da União Europeiapelo direito penal e os inquéritos administrativosUma política integrada para proteger o dinheiro dos contribuintes COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES sobre a protecção dos interesses financeiros da União Europeiapelo direito penal e os inquéritos administrativosUma política integrada para proteger o dinheiro dos contribuintes

    /* COM/2011/0293 final */

    52011DC0293




    COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

    sobre a protecção dos interesses financeiros da União Europeia pelo direito penal e os inquéritos administrativos Uma política integrada para proteger o dinheiro dos contribuintes

    A protecção dos interesses financeiros da UE é uma vertente importante do programa político da Comissão, no intuito de consolidar e reforçar a confiança do público e garantir que o dinheiro dos contribuintes seja utilizado correctamente. O Tratado de Lisboa reforçou significativamente os instrumentos de intervenção disponíveis neste domínio (artigos 85.º, 86.º e 325.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE). Os artigos 310.º, n.º 6, e 325.º do TFUE obrigam tanto a UE como os seus Estados-Membros a combater quaisquer actividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União. A UE dispõe de um conjunto abrangente de instrumentos para prevenir e detectar a utilização incorrecta dos fundos do orçamento da UE.

    A presente comunicação insere-se numa abordagem integrada que incluirá novas estratégias de combate à fraude e à corrupção por parte da Comissão e assegura uma resposta a este desafio, definindo para o efeito as directrizes que orientarão a Comissão na protecção dos fundos públicos da UE contra todos os tipos de comportamento criminoso, incluindo as fraudes. A protecção dos fundos da UE através de uma acção jurídica eficaz e equivalente em toda a União deve constituir uma prioridade para as autoridades nacionais.

    Para além dos esforços gerais envidados para definir normas mínimas comuns específicas em matéria de direito penal, uma política integrada destinada a proteger os interesses financeiros da UE pelo direito penal e os inquéritos administrativos deve ser coerente, credível e eficaz. Somente se esta condição for cumprida, será possível deduzir acusação contra todos os responsáveis pelos crimes, incluindo a criminalidade organizada, e intentar uma acção perante os tribunais, assegurando assim um efeito dissuasivo em relação aos autores de infracções potenciais. Esta política deve igualmente ter em conta o facto de a protecção do dinheiro dos contribuintes envolver muitas vezes processos transfronteiras que afectam diversos ordenamentos jurídicos, exigindo a cooperação activa das diferentes autoridades no domínio da administração e da aplicação da lei.

    1. Por que é necessário intervir?

    A grande diversidade das tradições e dos sistemas jurídicos complica singularmente a protecção dos interesses financeiros da União contra a fraude e outras actividades criminosas. Apesar de as regras de financiamento da UE terem sido objecto de uma simplificação que se justificava plenamente[1], impõe-se também reforçar a capacidade de combater a utilização incorrecta dos fundos da UE. Esta conclusão também é válida no que se refere aos países que pretendem aderir à UE.

    O orçamento da UE, que provém do dinheiro dos contribuintes, só deve ser utilizado para a aplicação das políticas aprovadas pelo legislador da UE. Todavia, em 2009, os Estados-Membros notificaram casos de fraude presumida num montante de 279, 8 milhões de EUR, envolvendo fundos da UE geridos nos seus países respectivos[2]. Muito embora se trate apenas de um indicador da dimensão financeira do problema, este montante demonstra que os esforços de prevenção devem ser complementados por medidas eficazes e equivalentes do direito penal.

    Não obstante os progressos realizados nos últimos quinze anos, continuam a subsistir divergências significativas no que se refere ao nível de protecção dos interesses financeiros da UE pelo direito penal na União. Os inquéritos penais relativos à fraude e a outras infracções contra os interesses financeiros da União caracterizam-se por um quadro jurídico e processual fragmentado: os serviços policiais, os procuradores e os juízes dos Estados-Membros decidem, com base nas suas próprias regras nacionais, se devem ou não intervir para proteger o orçamento da UE e, em caso afirmativo, as modalidades de intervenção que serão adoptadas. Apesar das tentativas com vista a estabelecer normas mínimas neste domínio, a situação pouco tem evoluído: a Convenção de 1995 relativa à protecção dos interesses financeiros da UE e seus protocolos[3], que contém disposições (incompletas) em matéria de sanções penais, só foi plenamente aplicada por cinco Estados-Membros[4].

    Sempre que os interesses financeiros da União sejam lesados, são vítimas todos os cidadãos, a título de contribuintes, sendo igualmente comprometida a aplicação das políticas da União. A protecção dos interesses financeiros da União Europeia contra a fraude e a corrupção constitui uma prioridade da Comissão e o Parlamento Europeu tem sistematicamente apelado para um reforço da sua eficácia e credibilidade[5]. Apelou nomeadamente para a adopção de todas as medidas necessárias à instituição de uma Procuradoria Europeia. O Conselho manifestou o seu pleno apoio à intensificação da luta contra a fraude[6].

    A Comissão tenciona continuar a interessar-se de perto por esta questão, que suscita preocupações comuns. Neste contexto, basear-se-á no Tratado de Lisboa que estabelece um quadro claro para o reforço da acção da UE no domínio do direito penal. A Comissão já lançou, aliás, várias iniciativas a este respeito[7]. Por outro lado, a Comissão atribuirá especial ênfase aos aspectos relacionados com a comunicação das futuras iniciativas legislativas, no intuito de sensibilizar em maior grau as profissões jurídicas e, quando adequado, o público em geral, para estas questões. A Comissão continuará igualmente a tentar assegurar que qualquer nova iniciativa nos domínios de intervenção da UE aborde, desde a fase da sua concepção, a necessidade de proteger os interesses financeiros da UE.

    2. Quais são os desafios que se colocam no domínio penal?

    Em Março de 2011, a Comissão propôs a reforma do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) com vista a reforçar a eficácia e a eficiência dos inquéritos administrativos. Outros desafios incluem formas de superar as dificuldades para obter dados precisos sobre a dimensão da fraude e a sua repressão nos Estados-Membros, como melhorar a cooperação nos processos transfronteiras e como reforçar a eficácia das acções judiciais no domínio do direito penal.

    - O número de casos sobre todas as formas graves de criminalidade apresentados pelas autoridades nacionais à Eurojust para efeitos de coordenação e de aconselhamento tem vindo a aumentar constantemente desde a criação deste organismo em 2002, tendo passado de 208 para 1372 casos em 2009[8]. Tendo em conta o actual mandato da Eurojust, tal indica a evolução registada no que se refere aos casos com uma dimensão transfronteiras.

    -60 % dos inquiridos num estudo recente (procuradores nacionais especializados na protecção dos interesses financeiros) consideraram a dimensão europeia como um factor que entravava os processos, pelo que 54% limitavam por vezes os seus inquéritos aos elementos nacionais. 40 % entendia que o direito nacional desencorajava a instauração de processos a nível europeu e 37% havia já renunciado a contactar uma instituição europeia nos casos pertinentes, sobretudo devido à morosidade do processo[9].

    3. Insuficiente protecção contra a utilização ilícita do orçamento da UE

    Desde a adopção do Livro Branco sobre a reforma da Comissão em 2000[10], a Comissão tem vindo a atribuir particular atenção a uma gestão financeira sólida[11], tendo reforçado os seus sistemas de controlo interno para combater a fraude. As iniciativas tomadas incluíram a reforma do Estatuto dos Funcionários em 2004 (com a inclusão de disposições relativas ao conflito de interesses, à obrigação de denunciar potenciais actividades ilegais, incluindo a fraude ou a corrupção, aos superiores hierárquicos ou ao OLAF[12]) e a revisão das normas de controlo interno e do quadro subjacente em 2007[13]. Em consequência, as estruturas de controlo actualmente em vigor não só visam garantir a legalidade e a regularidade das operações, mas igualmente atenuar o risco de fraude e irregularidades.

    Tal inclui igualmente um conjunto abrangente de instrumentos de prevenção em matéria de controlo, auditoria e apresentação de informações, alerta precoce e imunidade à fraude[14]. No entanto, são igualmente necessários meios mais eficazes para combater as actividades criminosas lesivas do orçamento da UE.

    Os Estados-Membros estão legalmente sujeitos à obrigação (consignada no artigo 325.º do TFUE e na Convenção relativa à protecção dos interesses financeiros) de combater as actividades ilegais lesivas dos interesses da UE e de considerar qualquer tentativa de fraude contra o orçamento da UE uma infracção penal. Actualmente, contudo, as sanções aplicáveis em matéria de fraude vão desde coimas ligeiras a longas penas de cadeia. Além disso, a legislação dos Estados-Membros não prevê de forma coerente a repressão dos actos de corrupção cometidos pelos funcionários, nem pelos titulares, eleitos ou nomeados, de cargos públicos[15].

    Esta situação impede que o direito penal assegure uma protecção equivalente em toda a UE, sendo bastante provável que casos individuais semelhantes se traduzam em resultados divergentes, consoante as disposições nacionais aplicáveis em matéria de direito penal. Tal é igualmente susceptível de induzir os autores das infracções a optar pelo local mais favorável para a realização das suas actividades criminosas ou a mudar para outro local após terem cometido a infracção, se as disposições penais se limitarem a punir o comportamento num determinado Estado-Membro.

    4. Insuficiência das acções intentadas para combater as actividades criminosas

    Dada a dimensão dos interesses financeiros em causa, a protecção do orçamento da UE justifica a realização de inquéritos mais frequentes e aprofundados por parte das autoridades de justiça penal. Não se trata de uma tarefa fácil, na medida em que os delitos lesivos dos fundos públicos da UE requerem frequentemente inquéritos e processos a prosseguir em vários Estados-Membros.

    Ao abrigo do quadro actual, a realização desses inquéritos penais incumbe aos Ministérios Públicos dos diferentes Estados-Membros, nos termos do seu direito penal respectivo. Todavia, as autoridades competentes dos Estados-Membros nem sempre parecem dispor de recursos jurídicos suficientes, nem das estruturas adequadas para intentar com êxito processos penais no que respeita aos casos que afectam a UE. Tal é igualmente válido no que se refere aos países candidatos à adesão.

    As diferenças no quadro jurídico dos Estados-Membros e os entraves daí decorrentes em termos operacionais e organizacionais aos inquéritos transfronteiras significam que os interesses financeiros da UE não são objecto de uma protecção equivalente em toda a União pelo direito penal.

    A taxa de condenação nos casos que envolvem infracções lesivas do orçamento da UE é influenciada de forma positiva pela gravidade e pela solidez dos processos transmitidos às autoridades judiciais, bem como pela qualidade e pela pertinência dos elementos de prova apresentados. Não obstante, é de referir que esta taxa pode oscilar entre 14 % e 80 % nos Estados-Membros (atingindo uma média de 41 %)[16].

    As autoridades judiciais nacionais não abrem sistematicamente inquéritos penais com base nas recomendações recebidas do OLAF. É, por vezes, difícil descortinar o motivo preciso desta inércia. Além disso, os casos de fraude contra o orçamento da UE são frequentemente sujeitos a um exame sumário e em seguida arquivados[17]. Tal suscita disparidades a nível da protecção assegurada pelo direito penal em toda a União.

    Num determinado número de casos de fraude contra o orçamento da UE, as autoridades nacionais de investigação penal abstiveram-se de lançar um inquérito (invocando razões discricionárias como a falta de interesse público ou o reduzido grau de prioridade). Os inquéritos penais que envolvem vários Estados-Membros tendem a ser morosos[18] e sujeitos a normas diferentes em matéria de elementos de prova, o que reduz as probabilidades de condenação.

    Desde 2000, 93 processos OLAF de entre um total de 647 foram arquivados pelos procuradores públicos, sem qualquer razão específica. 178 processos foram arquivados por razões discricionárias. Apesar de poder haver razões que justificam esse arquivamento em determinados casos, estes dados denotam uma percentagem de arquivamento bastante elevada.

    A morosidade dos processos penais, nomeadamente quando estes acabam por ser abandonados, pode também atrasar significativamente a imposição de sanções disciplinares, na medida em que é necessário aguardar a conclusão dos processos penais quando se encontram implicados funcionários da UE[19]. Decorrem normalmente cinco anos entre a abertura de um processo pelo OLAF e a adopção de uma decisão judicial. Além disso, as normas em matéria de prescrição divergem significativamente consoante os Estados-Membros.

    5. As razões das deficiências registadas no que se refere a este tipo de infracções

    Estas deficiências resultam, em parte, da diversidade das tradições e dos sistemas jurídicos, que se traduzem em práticas judiciais distintas consoante os Estados-Membros. No entanto, existem igualmente lacunas muito concretas a nível da qualidade da justiça, susceptíveis de serem colmatadas pela União.

    6. Ausência de um quadro homogéneo em matéria de direito penal

    Os desafios supramencionados revelam deficiências a nível dos quadros jurídicos nacionais no que respeita à protecção dos fundos públicos. As regras da UE, comprometidas pela transposição incompleta e inadequada da Convenção relativa à protecção dos interesses financeiros, têm tido pouco impacto até à data. Consequentemente, as autoridades judiciais dos Estados-Membros recorrem aos seus próprios instrumentos tradicionais no domínio do direito penal para combater a criminalidade contra o orçamento da UE: existem assim formas e meios diferentes de reagir a uma realidade única. Esta situação revela-se insatisfatória sempre que se trate de casos complexos que, pela sua natureza, transcendem o âmbito nacional e exigem mais do que uma resposta nacional.

    A análise da actividade judicial de um Estado-Membro específico nos processos transmitidos pelo OLAF indica a falta de equivalência na protecção dos interesses financeiros da UE pelo direito penal. Neste Estado-Membro específico, as autoridades não tomaram qualquer medida suplementar no que respeita a 73 % dos inquéritos externos e não deram início a qualquer inquérito penal no que se refere a 62 % dos processos do OLAF.

    Não obstante as anteriores tentativas no sentido de aproximar as regras na UE[20], subsistem ainda diferenças significativas entre as legislações dos Estados-Membros:

    - Existem grandes divergências entre as definições das infracções penais pertinentes, como o peculato ou o abuso de poder, as sanções previstas e os prazos de prescrição aplicáveis a essas infracções penais. Em consequência, alguns comportamentos manifestamente inaceitáveis não são de modo algum abrangidos pelas disposições de direito penal nalguns Estados-Membros ou são apenas cobertos por disposições mais fracas, pelo que o grau de dissuasão diverge na União.

    - O conceito de funcionário público varia no contexto das regras de luta contra a corrupção. Tal resulta em casos de impunidade nalguns Estados-Membros, enquanto noutros o mesmo comportamento acarreta uma condenação, a imposição de uma sanção penal e a destituição do cargo público.

    - Enquanto nalguns Estados-Membros, os dirigentes de empresas e as pessoas colectivas podem ser responsabilizados do ponto de vista penal pelos actos criminosos cometidos em nome da sociedade, tal não é possível noutros. Esta situação leva a que seja procurado o ordenamento jurídico mais favorável (« forum shopping »).

    O OLAF depara-se frequentemente com um problema recorrente no que respeita à definição do conflito de interesses[21]. Os inquéritos revelam que, nalguns Estados-Membros, os beneficiários de contratos públicos podem participar na concepção de um concurso público sem cometerem uma infracção penal, enquanto tal. A condenação de um comportamento deste tipo deve basear-se numa infracção penal, como a corrupção .

    Muito embora tenham sido envidados esforços para suprir esta fragmentação, as limitações resultantes do anterior quadro jurídico da União, que apenas abrangia em parte o direito penal, dificultaram a elaboração de opções jurídicas suficientemente credíveis por parte da União.

    Decorridos quinze anos após a assinatura da Convenção relativa à protecção dos interesses financeiros, e em consequência da sua transposição incompleta pelos Estados-Membros, as incoerências e as lacunas do direito penal e processual aplicáveis comprometem uma acção eficaz na protecção dos interesses financeiros, uma vez que certas infracções penais beneficiam de impunidade nalguns Estados-Membros.

    7. Cooperação insuficiente entre as autoridades

    Proteger o orçamento da UE pressupõe frequentemente a realização de inquéritos transfronteiras e a execução das decisões noutro país, sendo patentes as deficiências nos mecanismos de cooperação.

    8. Limites da assistência jurídica mútua

    A assistência jurídica mútua é solicitada em poucas instâncias, dada a complexidade dos seus procedimentos. Trata-se do caso, por exemplo, da recuperação de bens, nomeadamente as regras em matéria de congelamento e de confisco, que constituem um elemento essencial da luta contra a fraude. As autoridades judiciais dos Estados-Membros podem manifestar relutância em desencadear essas medidas, devido à sua complexidade, à morosidade dos procedimentos associados às regras relativas à assistência jurídica mútua e à incerteza quanto à questão de saber se os esforços a envidar compensarão os resultados que serão obtidos, nomeadamente no âmbito dos casos transfronteiras.

    Mesmo quando é solicitada uma assistência jurídica mútua entre as autoridades administrativas e judiciais dos Estados-Membros, sucede muitas vezes que não é dado um seguimento suficientemente célere a este tipo de pedidos.

    Nalguns casos de corrupção e fraude, as acções penais intentadas ficam pendentes durante longos anos após a transmissão do processo pelo OLAF às autoridades judiciais nacionais. As razões destes longos atrasos prendem-se sobretudo com a morosidade dos procedimentos de assistência jurídica mútua e a falta de supervisão da repressão a nível da UE.

    9. Provas não utilizadas

    É frequente que os resultados dos inquéritos administrativos da UE não sejam utilizados pelos tribunais penais nacionais devido a regras processuais restritivas que limitam a utilização de elementos de provas recolhidos num outro ordenamento jurídico. Por vezes, esses elementos de prova não são considerados suficientes para o lançamento de inquéritos penais.

    10. Acção penal restringida aos casos nacionais

    A acção penal é insuficiente nos casos em que as autoridades nacionais não são competentes para realizar inquéritos no que se refere a situações de fraude que envolvem acontecimentos, suspeitos e vítimas no estrangeiro, nomeadamente quando o prejuízo não afecta o orçamento nacional, mas o orçamento da UE.

    Algumas autoridades nacionais só intentam processos penais quando os interesses relevantes da UE são comprometidos exclusivamente no seu território.

    Num caso Eurojust envolvendo vários Estados-Membros e países terceiros, não foi intentado qualquer processo penal no que se refere a uma presumida fraude aduaneira de grande dimensão (montante superior a 1 milhões de EUR) por nenhuma das autoridades nacionais dos Estados-Membros em causa. Num outro caso aduaneiro, não foi possível encontrar qualquer solução prática perante a recusa das autoridades judiciais e aduaneiras de um Estado-Membro de participarem nas actividades de coordenação do OLAF. Esta recusa de cooperação era devida a uma interpretação rígida do direito nacional em matéria de competência judiciária.

    11. Poderes de inquérito insuficientes

    O Organismo de Luta Antifraude (OLAF) realiza os inquéritos administrativos e a unidade de cooperação judiciária (Eurojust) apoia as autoridades judiciais dos Estados-Membros, assegurando a coordenação e o aconselhamento no que se refere às formas graves de criminalidade, incluindo a luta contra a fraude. Ambos os organismos da UE poderiam desempenhar um papel mais activo na protecção dos interesses financeiros da União:

    - Está actualmente a decorrer uma reforma do OLAF com vista a melhorar a sua eficiência e eficácia. Deverá reforçar as capacidades do OLAF, centrando a sua actividade nos casos prioritários e conferindo-lhe os meios jurídicos adequados para realizar os inquéritos administrativos. Não obstante, as diferentes legislações e práticas em vigor em matéria de procedimento penal nos Estados-Membros suscitam respostas divergentes no território da União.

    - A Eurojust enfrenta actualmente limitações no que se refere à supervisão dos processos penais relacionados com a protecção dos interesses financeiros da UE. A sua reforma em 2008 não lhe permitiu adaptar as suas funções e estrutura em consonância com as ambições enunciadas no Tratado de Lisboa. Actualmente, a Eurojust não tem competência para dar início a inquéritos penais, nem intentar processos penais por iniciativa própria.

    12. Novos instrumentos de protecção dos interesses financeiros da UE, introduzidos pelo Tratado de Lisboa

    O Tratado de Lisboa confere à União competências reforçadas nos domínios da protecção dos interesses financeiros da UE e da cooperação judiciária em matéria penal. A União tomou as primeiras medidas com a adopção do Programa de Estocolmo[22], bem como no quadro do Programa de Trabalho da Comissão para 2011[23]. Quatro métodos de protecção dos interesses financeiros da UE ao abrigo do Tratado sobre o Funcionamento da UE:

    i) Medidas de cooperação judiciária em matéria penal (artigo 82.º).

    ii) Directivas contendo normas mínimas de direito penal (artigo 83.º).

    iii) Legislação relativa à fraude lesiva dos interesses financeiros da União (artigos 310.º, n.º 6, e 325.º, n.º 4).

    iv) Artigo 85.º que prevê a atribuição de competências de investigação à Eurojust e artigo 86.º que prevê a instituição de uma Procuradoria Europeia a partir da Eurojust, para combater as infracções lesivas dos interesses financeiros da União.

    Se for considerado necessário basear-se no direito penal, nomeadamente para uma definição mais precisa das infracções e a introdução de regras mínimas em matéria de sanções, para alcançar o objectivo legítimo do combate à fraude lesiva do orçamento da UE, deverão ser respeitados certos princípios de orientação.

    Em primeiro lugar, é fundamental que os direitos fundamentais sejam respeitados. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia contém várias disposições pertinentes no contexto dos processos penais, como o direito a um recurso efectivo e a julgamento equitativo, a presunção de inocência e os direitos de defesa, o princípio da legalidade, a protecção dos dados pessoais e a proibição da dupla penalização. Estes direitos são definidos de forma mais precisa pela legislação (sobre a protecção de dados, por exemplo[24]). As futuras propostas da Comissão serão objecto de uma avaliação de impacto aprofundada no que se refere aos direitos fundamentais[25].

    Em segundo lugar, atendendo às diferentes abordagens do direito penal nos Estados-Membros, deve ser atribuída especial atenção ao valor acrescentado que decorrerá da aproximação das legislações nacionais no domínio penal em termos de protecção dos interesses financeiros da UE.

    Em terceiro lugar, deve proceder-se a uma reflexão sobre o reforço do papel que os organismos a nível europeu, designadamente o OLAF, a Eurojust e uma eventual Procuradoria Europeia, podem desempenhar, alternativa ou cumulativamente, para melhorar os inquéritos, os processos penais e a assistência em caso de infracções lesivas dos fundos públicos da UE.

    A União encontra-se numa encruzilhada. Devem ser empreendidos trabalhos a três níveis: procedimentos (4.1), direito penal substantivo (4.2) e aspectos institucionais (4.3).

    13. Reforço dos processos penais e administrativos

    A primeira etapa consistirá em facilitar a acção dos procuradores e dos juízes contra os autores de fraudes, independentemente do local em que se situem na União, mesmo no estrangeiro, mediante um reforço dos instrumentos já existentes, como a Rede Judiciária Europeia em matéria penal e a Rede Europeia de Formação Judiciária.

    A recuperação de bens desempenha um papel fulcral na protecção dos interesses financeiros da UE. O receio de perder os bens adquiridos de forma ilícita é muitas vezes maior do que o próprio receio de ser sujeito a sanções penais. Além disso, é justo que os fundos públicos desviados pelas actividades criminosas sejam novamente colocados à disposição dos projectos públicos, uma vez recuperados. Em conformidade com as recomendações do Programa de Estocolmo[26], a Comissão está a elaborar uma proposta legislativa relativa à recuperação e ao confisco de bens. A Comissão já havia proposto, no âmbito da revisão do Regulamento Financeiro, que os créditos detidos pela União não fossem tratados de forma menos favorável do que os créditos detidos por organismos públicos dos Estados-Membros em que o processo de cobrança se realizou[27].

    Apesar de existirem as bases necessárias para os intercâmbios entre as autoridades policiais e judiciárias em toda a União, tal não é ainda o caso no que se refere ao intercâmbio transversal de informações entre a polícia, as alfândegas, as autoridades fiscais, as autoridades judiciárias e outras autoridades competentes. A Comissão tenciona rectificar esta situação mediante a substituição da sua proposta de 2004[28] relativa à assistência administrativa mútua em matéria de protecção dos interesses financeiros da Comunidade contra a fraude e outras actividades ilícitas.

    A confiança mútua entre as autoridades judiciais e administrativas será reforçada se forem aplicadas regras processuais equivalentes. Dispor-se-á assim de uma melhor base para assegurar que os elementos de prova recolhidos no que se refere à protecção dos interesses financeiros da UE sejam objecto de reconhecimento mútuo por parte dos Estados-Membros. A Comissão ponderará a possibilidade de adoptar uma iniciativa legislativa destinada a garantir a força probatória dos relatórios de inquérito do OLAF, bem como outras medidas que possam facilitar a recolha de elementos de prova a nível transnacional.

    14. Reforço do direito penal substantivo

    O direito penal é uma das pedras angulares da acção da UE em matéria de prevenção e luta contra actos lesivos do orçamento da UE.

    Devido às lacunas que subsistem e à transposição deficiente da Convenção relativa à protecção dos interesses financeiros, será lançada uma iniciativa relativa à protecção dos interesses financeiros da UE que substituirá a proposta pendente relativa à protecção penal dos interesses financeiros[29]. Qualquer nova medida deve garantir a coerência e a equidade na aplicação das sanções penais relacionadas com a fraude, em função das especificidades da infracção cometida. Neste âmbito, deve ser prevista a definição de infracções graves adicionais, nomeadamente no que respeita ao peculato e ao abuso de poder, na medida do necessário para proteger os interesses financeiros da UE. A questão da aproximação das regras em matéria de competência e prazos de prescrição será também analisada de forma mais aprofundada, a fim de melhorar os resultados dos inquéritos penais.

    Esta proposta poderá ser completada, na medida do necessário para proteger os interesses financeiros da UE, por regras mais sistemáticas englobando a ajuda e a cumplicidade, a instigação, a tentativa, bem como o dolo e a negligência. Poderá igualmente estabelecer regras mais claras em matéria de responsabilidade penal dos titulares dos cargos públicos, nomeados ou eleitos, e das pessoas colectivas no quadro da protecção dos interesses financeiros.

    15. Reforço do quadro institucional

    Qualquer medida de prevenção e de combate à fraude lesiva dos interesses financeiros da União, adoptada pela UE com vista a assegurar uma protecção eficaz e equivalente em todo seu território, exige previamente uma avaliação da adequação das estruturas de que a UE dispõe para enfrentar os riscos que recaem sobre os seus interesses financeiros. Para o efeito, e em conformidade com o Tratado de Lisboa, irá ser realizada uma análise aprofundada dos aspectos em relação aos quais deve ser previsto um reforço das estruturas europeias para efeitos das medidas de inquérito penal:

    - Deve ser modernizada a capacidade da Eurojust, eventualmente conferindo-lhe competências para lançar, por sua própria iniciativa, inquéritos penais sobre as actividades criminosas lesivas dos interesses financeiros da União[30].

    - Além disso, um Ministério Público europeu especializado, como a Procuradoria Europeia, poderia contribuir para assegurar a igualdade das condições mediante a aplicação de regras comuns em matéria de fraude e outras infracções lesivas dos interesses financeiros da União, de uma forma coerente e uniforme, para além de garantir a realização de inquéritos, a instauração de acções e julgamentos relativamente aos autores, e seus cúmplices, de infracções lesivas dos interesses financeiros da União[31].

    - O OLAF está a ser actualmente objecto de uma reforma destinada a reforçar a sua eficácia e eficiência no desempenho das suas funções. Trata-se, na fase actual, do único organismo de investigação da UE incumbido da função de protecção dos interesses financeiros da UE. Cabe examinar a forma como o papel do OLAF poderá ser adaptado ao novo contexto institucional, clarificando a interacção entre os processos administrativos e judiciais.

    A nossa visão para 2020: tomar as medidas necessárias em matéria de direito penal e administrativo com vista a reduzir as actividades criminosas lesivas do orçamento da UE

    Uma política de tolerância zero no que respeita à fraude em detrimento da UE exige a tomada das medidas adequadas para que a fraude seja reprimida de modo equivalente em toda a União. A União deve visar um nível de protecção dos seus interesses financeiros que seja eficaz, proporcionado e dissuasivo, graças a processos penais rápidos e a sanções aplicáveis em todo o seu território, reforçando assim o seu efeito dissuasivo. Para o efeito, impõe-se tirar pleno partido das possibilidades consagradas no Tratado de Lisboa, devendo o dinheiro dos contribuintes ser objecto de uma protecção equivalente em toda a União, mediante um reforço da acção penal, que não se circunscreve às fronteiras nacionais, e a definição de normas mínimas comuns em matéria de direito penal.

    [1] A simplificação foi identificada como uma prioridade essencial da revisão do Regulamento Financeiro da UE - COM (2010) 815 de 22.12.2010.

    [2] COM(2010)382, p. 6. Este montante refere-se a uma fase precoce após o lançamento do inquérito sobre as irregularidades, correspondendo às primeiras suspeitas de uma infracção penal. Não deve ser entendido como correspondendo a casos de fraude condenados, nem significa que o montante em causa não é passível de recuperação.

    [3] Convenção de 26 de Julho de 1995 (JO C 316 de 27.11.1995, p. 49) (fraude); Primeiro Protocolo, JO C 313 de 23.10.1996, p. 2) e Convenção de 26 de Maio de 1997 (JO C 195 de 25.6.1997) (actos de corrupção); Protocolo de 29 de Novembro de 1996 (JO C 151 de 20.5.1997, p. 2 (interpretação pelos tribunais): Segundo Protocolo de 19 de Junho de 1997 (JO C 221 de 19.7.1997, p. 12) (branqueamento de capitais).

    [4] Primeiro relatório sobre a execução dos instrumentos de protecção dos interesses financeiros, COM (2004) 709; segundo relatório - COM(2008) 77, que enumera no anexo as dificuldades concretas em matéria de aplicação enfrentadas pelos Estados-Membros, como as diferenças significativas relativamente ao âmbito das infracções de fraude e de corrupção, bem como a não tomada em consideração das especificidades do quadro da UE.

    [5] Por exemplo, Resolução de 6 de Maio de 2010 ( 2009/2167 (INI)) e de 6 de Abril de 2011 (2010/2247 (INI)), sobre a protecção dos interesses financeiros das Comunidades e a luta contra a fraude.

    [6] Ver, por exemplo, a resolução do Conselho relativa a uma política global da UE contra a corrupção de 14 de Abril de 2005; as conclusões do grupo de trabalho sobre a Procuradoria Europeia organizado pela Presidência espanhola (primeiro semestre de 2010) e a declaração da Presidência belga (segundo semestre de 2010) sobre o programa de Estocolmo.

    [7] Ver, nomeadamente, o Livro Verde sobre a obtenção de provas em matéria penal, COM(2009)624, e as medidas relativas aos direitos processuais como a Directiva 2010/64/UE, de 20 de Outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO L 280 de 26.10.2010, p. 1) ou a proposta de directiva relativa ao direito à informação nos processos penais, COM(2010)392/3, apresentada pela Comissão.

    [8] Ver relatório anual da Eurojust de 2009, Anexo, Figura 1, p. 50.

    [9] Ver documento de trabalho dos serviços da Comissão – SEC(2011)621.

    [10] Ver Livro Branco sobre a reforma da Comissão COM(2000)200.

    [11] Ver artigo 28.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248 de 16.9.2002, p. 1).

    [12] Estatuto dos Funcionários – Regulamento (CEE) 31/62, com a última redacção que lhe foi dada.

    [13] Ver Comunicação intitulada «Revisão das normas de controlo interno e do quadro subjacente – Reforçar a eficácia do controlo» SEC(2007) 1341.

    [14] Instrumentos institucionais em matéria de controlo, auditoria e apresentação de informações (Regulamento (CE) n.º 2035/2005 - JO L 345 de 28.12.2005; Regulamento (CE) n.° 1083/2006, JO L 371 de 27.12.2006; Regulamento (CE) n.° 1198/2006, JO L 223 de 15.8.2006; Regulamento (CE, Euratom) n.° 1553/89 - JO L 155 de 7.6.1989;. Regulamento (CE, Euratom) n.º 1150/2000 - JO L 130 de 31.5.2000), alerta precoce (decisões da Comissão C(2004) 193 e C(2008) 3872), imunidade à fraude (Prevenir a fraude com base nos resultados operacionais: uma abordagem dinâmica da imunidade à fraude - COM(2007) 806).

    [15] As legislações dos Estados-Membros nem sempre prevêem a repressão da corrupção dos titulares eleitos para cargos públicos e dos deputados parlamentares. Ver também os quadros comparativos na secção 3.1. do documento de trabalho dos serviços da Comissão - SEC(2011)621.

    [16] Ver os quadros 2.2.a e 2.2.c do documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2011)621, que revelam que alguns Estados-Membros denotam taxas de condenação elevadas, enquanto noutros estas taxas são extremamente reduzidas.

    [17] Ver os quadros 2.2.a e 2.2.c do documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2011)621 que indicam a percentagem dos processos transmitidos às autoridades judiciais nacionais e a percentagem dos processos arquivados sem que seja deduzida acusação.

    [18] Ver o quadros 2.2.a do documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2011)621: as estatísticas dos últimos doze anos relativamente aos processos que aguardam uma decisão judicial e os processos que foram objecto de uma decisão judicial ilustram as importantes disparidades existentes entre os Estados-Membros.

    [19] Anexo IX, artigo. 25.º do Estatuto dos Funcionários.

    [20] Ver, por exemplo, a proposta da Comissão relativa à protecção penal dos interesses financeiros, COM (2001) 272, com a redacção que lhe foi dada pelo COM (2002) 577. Tal continua a ser válido, não obstante a legislação relativa aos contratos públicos em vigor na UE, como a Directiva 2004/17/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134 de 30.4.2004, p. 1.).

    [21] Ver Livro Verde sobre a modernização da política de contratos públicos da UE, COM (2011) 15, secção 5.

    [22] JO C 115 de 4.5.2010, p. 1 (por exemplo, as orientações relativas às investigações financeiras e à recuperação de bens, ponto 4.4.5).

    [23] COM (2010) 623 (por exemplo, a estratégia de luta contra a fraude ou a legislação que rege o OLAF, ver ponto 32 do anexo I e ponto 81 do anexo II).

    [24] Directiva 95/46/CE (para os Estados-Membros) (JO L 281 de 23.11.1995, p. 31) e Regulamento (CE) n.º 45/2001 (para as instituições da UE) (JO L 8 de 12.1.2001, p. 1).

    [25] Ver Estratégia para a aplicação efectiva da Carta dos Direitos Fundamentais pela União - COM(2010) 573.

    [26] JO C 115 de 4.5.2010, p. 1, secção 4.4.5.

    [27] COM(2010) 815, artigo 79º.

    [28] COM (2004) 509, com a redacção que lhe foi dada pelo COM (2006) 473.

    [29] COM(2001)272 final, com a redacção que lhe foi dada pelo COM(2002)577.

    [30] Artigo 85.° do TFUE.

    [31] Artigo 86.° do TFUE.

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