Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CJ0410

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 5 de maio de 2022.
    Banco Santander, SA contra J.A.C. e M.C.P.R.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de A Coruña.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — Resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Princípios gerais — Artigo 34.o, n.o 1 — Recapitalização interna — Efeitos — Artigo 53.o, n.os 1 e 3 — Redução dos instrumentos de capital — Artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Artigos 73.o a 75.o — Proteção dos direitos dos acionistas e dos credores — Diretiva 2003/71/CE — Prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação — Artigo 6.o — Informações incorretas constantes do prospeto — Ação de indemnização intentada após uma decisão de resolução — Ação destinada a obter a declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações intentada contra o sucessor universal da instituição de crédito objeto de uma decisão de resolução.
    Processo C-410/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:351

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    5 de maio de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — Resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Princípios gerais — Artigo 34.o, n.o 1 — Recapitalização interna — Efeitos — Artigo 53.o, n.os 1 e 3 — Redução dos instrumentos de capital — Artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Artigos 73.o a 75.o — Proteção dos direitos dos acionistas e dos credores — Diretiva 2003/71/CE — Prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação — Artigo 6.o — Informações incorretas constantes do prospeto — Ação de indemnização intentada após uma decisão de resolução — Ação destinada a obter a declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações intentada contra o sucessor universal da instituição de crédito objeto de uma decisão de resolução»

    No processo C‑410/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de A Coruña (Audiência Provincial da Corunha, Espanha), por Decisão de 28 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de setembro de 2020, no processo

    Banco Santander SA

    contra

    J.A.C.,

    M.C.P.R.,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Jääskinen, M. Safjan, N. Piçarra (relator) e M. Gavalec, juízes,

    advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação do Banco Santander SA, por J. M. Rodríguez Cárcamo e A. M. Rodríguez Conde, abogados,

    em representação de J.A.C. e M.C.P.R., por C. Camba Méndez, procuradora, e X. A. Pérez‑Lema López, abogado,

    em representação do Governo espanhol, inicialmente, por J. Rodríguez de la Rúa Puig, A. Gavela Llopis e S. Centeno Huerta, em seguida, por J. Rodríguez de la Rúa Puig e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, J. Cunha Marques, P. Barros da Costa e S. Jaulino, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, inicialmente, por D. Triantafyllou, A. Nijenhuis, J. Rius Riu e A. Steiblytė, em seguida, por D. Triantafyllou, A. Nijenhuis e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de dezembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Banco Santander SA, na sua qualidade de sucessor do Banco Popular Español SA (a seguir «Banco Popular»), a J.A.C. e a M.C.P.R., dois investidores, a respeito da responsabilidade civil do Banco Santander em razão das informações fornecidas no prospeto emitido ao abrigo da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO 2003, L 345, p. 64), conforme alterada pela Diretiva 2008/11/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008 (JO 2008, L 76, p. 37) (a seguir «Diretiva 2003/71»), com base no qual estes investidores subscreveram ações do Banco Popular.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2003/71

    3

    A Diretiva 2003/71 foi revogada, com efeitos a partir de 21 de julho de 2019, pelo Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado (JO 2017, L 168, p. 12). Todavia, no momento do litígio no processo principal, as disposições da Diretiva 2003/71 ainda estavam em vigor.

    4

    O considerando 18 desta diretiva enunciava:

    «O fornecimento de informação completa sobre os valores mobiliários e respetivos emitentes, juntamente com regras de conduta, promove a proteção dos investidores. Além disso, tal informação representa um meio eficaz para reforçar a confiança nos valores mobiliários, contribuindo assim para o bom funcionamento e desenvolvimento dos mercados de valores mobiliários. Essa informação deve ser prestada mediante a publicação de um prospeto.»

    5

    O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Responsabilidade inerente ao prospeto», previa:

    «1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que a responsabilidade pela informação prestada num prospeto incumba, pelo menos, ao emitente ou aos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização, ao oferente, à pessoa que solicita a admissão à negociação num mercado regulamentado ou ao garante, consoante o caso. O prospeto deve identificar claramente as pessoas responsáveis, com a indicação dos respetivos nomes e funções ou, no caso das pessoas coletivas, das respetivas denominações e sede estatutária, devendo conter declarações efetuadas pelos mesmos que atestem que, tanto quanto é do seu conhecimento, a informação constante do prospeto estão de acordo com os factos e que não existem omissões suscetíveis de alterar o seu alcance.

    2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as suas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de responsabilidade civil sejam aplicáveis às pessoas responsáveis pela informação fornecida num prospeto.

    […]»

    Diretiva 2014/59

    6

    Os considerandos 45, 49, 51 e 120 da Diretiva 2014/59 enunciam:

    «(45)

    A fim de evitar o risco moral, qualquer instituição em situação de insolvência deverá estar em condições de se retirar do mercado, independentemente da sua dimensão e do seu grau de interligação, sem provocar perturbações sistémicas. As instituições em situação de insolvência deverão em princípio ser liquidadas ao abrigo dos processos normais de insolvência. No entanto, a liquidação ao abrigo dos processos normais de insolvência poderá pôr em causa a estabilidade financeira, interromper a prestação de funções críticas e afetar a proteção dos depositantes. Nesse caso, é altamente provável que seja do interesse público decidir colocar a instituição sob resolução e aplicar os instrumentos de resolução, em vez de recorrer aos processos normais de insolvência. […]

    […]

    (49)

    As limitações aos direitos dos acionistas e dos credores deverão ser conformes com o artigo 52.o da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia]. Os instrumentos de resolução só deverão, por conseguinte, ser aplicados às instituições que estejam em situação ou em risco de insolvência e apenas quando tal for necessário para a prossecução do objetivo de estabilidade financeira no interesse geral. Em particular, os instrumentos de resolução só deverão ser aplicados quando a instituição não puder ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência sem destabilizar o sistema financeiro, quando as medidas forem necessárias para assegurar a rápida transferência e a continuidade das funções de importância sistémica e quando não existir nenhuma perspetiva razoável de uma solução privada alternativa, nomeadamente um aumento de capital pelos acionistas ou por terceiros que seja suficiente para repor integralmente a viabilidade da instituição. […]

    […]

    (51)

    Tendo em vista proteger o direito dos acionistas e dos credores, deverão ser definidas obrigações claras no que respeita à avaliação dos ativos e passivos da instituição objeto de resolução e, sempre que exigido nos termos da presente diretiva, à avaliação do tratamento que os acionistas e credores receberiam se a instituição tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência. Deverá ser possível iniciar uma avaliação logo na fase de intervenção precoce. Antes de ser adotadas quaisquer medidas de resolução, deverá ser realizada uma avaliação justa e realista dos ativos e passivos da instituição. Essa avaliação só deverá ser passível de recurso em conjunto com a própria decisão de resolução. Além disso, sempre que exigido nos termos da presente diretiva, deverá ser realizada, após a aplicação dos instrumentos de resolução, uma comparação ex post entre o tratamento efetivamente dado aos acionistas e credores e o tratamento que teriam recebido ao abrigo dos processos normais de insolvência. Se se determinar que os acionistas e credores receberam, em pagamento ou em indemnização pelos seus créditos, um valor inferior ao que teriam recebido ao abrigo dos processos normais de insolvência, deverão ter direito a receber a diferença, sempre que exigido nos termos da presente diretiva. Ao contrário do que acontece quanto à avaliação prévia à aplicação das medidas de resolução, esta comparação deverá ser passível de recurso judicial separadamente da decisão de resolução. […]

    […]

    (120)

    As diretivas da União relativas ao direito das sociedades contêm regras vinculativas para a proteção dos acionistas e dos credores das instituições por elas abrangidas. Numa situação em que as autoridades de resolução precisem de atuar rapidamente, essas regras podem dificultar uma ação efetiva, pelo que deverá ser incluída na presente diretiva a utilização pelas autoridades de resolução de instrumentos e poderes de resolução, bem como derrogações adequadas. A fim de garantir o mais elevado grau de segurança jurídica para as partes interessadas, as derrogações deverão ser definidas de forma clara e limitada, e só deverão ser aplicadas em defesa do interesse público e caso se verifiquem os fatores de desencadeamento da resolução. […]»

    7

    O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

    «Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    47)

    “Processos normais de insolvência”, procedimentos coletivos de insolvência que determinam a inibição parcial ou total de um devedor e a designação de um liquidatário ou de um administrador, normalmente aplicáveis às instituições ao abrigo do direito nacional, e que podem ser específicos para essas instituições ou geralmente aplicáveis às pessoas singulares ou coletivas;

    […]

    57)

    “Instrumento de recapitalização interna” (bail in), um mecanismo que permite a uma autoridade de resolução exercer os poderes de redução e de conversão em relação aos passivos de uma instituição objeto de resolução nos termos do artigo 43.o;

    […]

    62)

    “Acionistas”, os acionistas ou os sócios ou titulares de outros instrumentos de propriedade;

    […]

    76)

    «Credor afetado», um credor cujo crédito corresponde a um passivo que é reduzido ou convertido em ações ou noutros instrumentos de propriedade pelo exercício dos poderes de redução ou de conversão de acordo com a utilização do instrumento de recapitalização interna;

    […]»

    8

    O artigo 34.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais que regem a resolução», dispõe, no seu n.o 1:

    «Os Estados‑Membros asseguram que, na aplicação dos instrumentos e no exercício dos poderes de resolução, as autoridades de resolução tomem todas as medidas adequadas para assegurar que as medidas de resolução sejam tomadas de acordo com os seguintes princípios:

    a)

    Os acionistas da instituição objeto de resolução são os primeiros a suportar perdas;

    b)

    Os credores da instituição objeto de resolução suportam perdas a seguir aos acionistas em conformidade com a ordem de prioridade dos créditos no quadro dos processos normais de insolvência, salvo disposição expressa em contrário na presente diretiva;

    […]

    g)

    Nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que as que teria suportado se a instituição ou a entidade referida no artigo 1.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas nos artigos 73.o a 75.o;

    […]»

    9

    Nos termos do artigo 53.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Efeito da recapitalização interna»:

    «1.   Os Estados‑Membros asseguram que, nos casos em que uma autoridade de resolução exerça um dos poderes referidos […] no artigo 59.o, n.o 2, e no artigo 63.o, n.o 1, alíneas e) a i), a redução do montante de capital ou do montante em dívida, a conversão ou a extinção produzam efeitos e sejam imediatamente vinculativas para a instituição objeto de resolução e para os credores e acionistas afetados.

    […]

    3.   Quando uma autoridade de resolução reduz até zero o montante de capital ou o montante em dívida correspondente a um passivo exercendo os poderes referidos no artigo 63.o, n.o 1, alínea e), esse passivo e quaisquer obrigações ou créditos dele decorrentes não vencidos no momento em que os poderes são exercidos são tratados como exonerados para todos os efeitos, não sendo invocáveis em qualquer processo subsequente contra a instituição objeto de resolução ou contra qualquer entidade sucessora numa posterior liquidação.

    […]»

    10

    O artigo 60.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Disposições que regem a redução ou a conversão de instrumentos de capital», dispõe, no seu n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c):

    «Caso o montante de capital de um instrumento de capital relevante seja reduzido:

    […]

    b)

    Não subsiste qualquer obrigação relativamente ao detentor do instrumento de capital relevante no âmbito ou em relação com o montante do instrumento objeto de redução, com exceção das obrigações já vencidas, e de qualquer obrigação de indemnização que possa resultar de recurso interposto contra a legalidade do exercício do poder de redução;

    c)

    Não é paga qualquer compensação aos detentores dos instrumentos de capital relevantes, para além das previstas nos termos do n.o 3.»

    11

    O artigo 73.o desta diretiva, sob a epígrafe «Tratamento dos acionistas e dos credores em caso de transferências parciais e de aplicação do instrumento de recapitalização interna», prevê, na sua alínea b), que «[o]s Estados‑Membros asseguram que […], em especial, para efeitos do artigo 75.o […] [s]e as autoridades de resolução aplicarem o instrumento de recapitalização interna, os acionistas e os credores cujos créditos tenham sido objeto de redução ou de conversão em capitais próprios não sofram perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição objeto de resolução tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência […]».

    12

    O artigo 74.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Avaliação da diferença de tratamento», precisa, no seu n.o 1:

    «A fim de avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência, nomeadamente, mas não exclusivamente, para efeitos do artigo 73.o, os Estados‑Membros asseguram que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois de a medida, ou medidas, de resolução produzirem efeitos. […]»

    13

    Nos termos do artigo 75.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Salvaguarda para os acionistas e credores»:

    «Os Estados‑Membros asseguram que, se a avaliação efetuada ao abrigo do artigo 74.o determinar que um acionista ou um credor a que se refere o artigo 73.o […] sofreu prejuízos maiores do que teria sofrido em caso de liquidação ao abrigo dos processos normais de insolvência, o mesmo tem direito ao pagamento da diferença pelos mecanismos de financiamento da resolução.»

    Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR)

    14

    O Conselho Único de Resolução adotou, na sua Decisão SRB/EES/2017/08, de 7 de junho de 2017, o programa de resolução para o Banco Popular, aprovado pela Comissão na sua Decisão (UE) 2017/1246 (JO 2017, L 178, p. 15).

    Direito espanhol

    Código Civil

    15

    O artigo 1307.o do Código Civil dispõe:

    «Quando o contraente obrigado a restituir o bem por força da declaração de nulidade não estiver em condições de o fazer devido à perda do bem, deve restituir os frutos recebidos e o valor que o bem tinha no momento da sua perda, bem como os juros a contar dessa mesma data.»

    Lei 11/2015

    16

    A Ley 11/2015 de recuperación y resolución de entidades de crédito y empresas de servicios de inversión (Lei 11/2015, Relativa à Recuperação e à Resolução de Instituições de Crédito e de Empresas de Investimento), de 18 de junho de 2015 (BOE n.o 146, de 19 de junho de 2015, p. 50797), transpõe para o direito espanhol a Diretiva 2014/59.

    Decisão do Fundo de Reestruturação Ordenada das Instituições Bancárias

    17

    A Decisão do Conselho Único de Resolução SRB/EES/2017/08 foi executada pela Decisão do Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (Fundo de Restruturação Ordenada das Instituições Bancárias), da mesma data (BOE n.o 155, de 30 de junho de 2017, p. 55470), cujo terceiro fundamento jurídico indica:

    «No que respeita ao alcance da medida de redução adotada pela presente decisão, em conformidade com o artigo 39.o, n.o 2, da Lei 11/2015 […], trata‑se de uma redução permanente, sem que haja lugar a uma indemnização aos detentores [das ações reduzidas] […]. Não subsiste qualquer obrigação relativamente ao detentor das ações reduzidas, com exceção das obrigações já vencidas ou de qualquer obrigação de indemnização que possa resultar de recurso interposto contra a legalidade do exercício do poder de redução.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Em junho de 2016, J.A.C. e M.C.P.R. adquiriram ações no âmbito de uma oferta pública de subscrição, por ocasião de um aumento de capital realizado pelo Banco Popular.

    19

    Em conformidade com a Decisão do Fundo de Reestruturação Ordenada das Instituições Bancárias de 7 de junho de 2017, o valor nominal do capital social do Banco Popular foi reduzido a zero e todas as ações constitutivas desse capital social foram integralmente reduzidas sem nenhuma indemnização.

    20

    O Banco Santander adquiriu a totalidade das novas ações do Banco Popular emitidas na sequência desta decisão e procedeu a uma operação de fusão por absorção durante o ano de 2018. Esta operação conduziu à extinção da personalidade jurídica do Banco Popular e converteu o Banco Santander em sucessor do primeiro destes bancos.

    21

    Em março de 2018, J.A.C. e M.C.P.R. intentaram uma ação contra o Banco Popular, para obter a declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações, por erro, na medida em que este contrato foi celebrado com base em informações contabilísticas e patrimoniais fornecidas de modo incompleto e inexato no prospeto publicado ao abrigo da Diretiva 2003/71, ou por dolo, na medida em que as informações fornecidas a respeito da situação patrimonial foram falsificadas e dissimuladas.

    22

    O Juzgado de Primera Instancia n.o 2 de A Coruña (Tribunal de Primeira Instância n.o 2 da Corunha, Espanha) declarou, por Sentença de 3 de junho de 2019, a nulidade do contrato de subscrição de ações e ordenou a restituição a J.A.C. e a M.C.P.R. do investimento correspondente acrescido de juros. O Banco Santander interpôs recurso desta sentença para a Audiencia Provincial de A Coruña (Audiência Provincial da Corunha, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

    23

    Este órgão jurisdicional considera necessário determinar se as regras do direito da União em matéria de responsabilidade civil decorrente das informações fornecidas no prospeto, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Hirmann (C‑174/12, EU:C:2013:856), podem prevalecer sobre os princípios que regem a resolução das instituições de crédito e das empresas de investimento estabelecidos pela Diretiva 2014/59, nomeadamente, o princípio segundo o qual os acionistas de uma instituição ou de uma empresa, objeto de resolução, devem ser os primeiros a suportar as perdas sofridas.

    24

    O referido órgão jurisdicional interroga‑se, em especial, sobre a possibilidade de julgar procedente uma ação de indemnização, com fundamento nas informações fornecidas no prospeto, intentada ao abrigo do artigo 6.o da Diretiva 2003/71, após o encerramento do procedimento de resolução da instituição de crédito ou da empresa de investimento emitente, ou um pedido de declaração de nulidade, por vício do consentimento, do contrato de subscrição de ações adquiridas com base num prospeto errado, designadamente, ao abrigo do artigo 1307.o do Código Civil, igualmente após o encerramento deste procedimento. A este respeito, precisa que o caráter retroativo da declaração de nulidade prevista no direito nacional implica que o contrato de subscrição de ações celebrado por J.A.C. e M.C.P.R. nunca tenha produzido efeitos, pelo que estes últimos deveriam, em última análise, ser tratados como credores e não como acionistas da instituição bancária em causa.

    25

    Nestas condições, a Audiencia Provincial de A Coruña (Audiência Provincial da Corunha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Quando, no âmbito de um procedimento de resolução de uma instituição financeira, se efetuou a extinção do conjunto das ações em que o capital social se encontrava dividido, devem os artigos 34.o, n.o 1, alínea a), 53.o, n.os 1 e 3, e 60.o, n.o 2, [primeiro parágrafo,] alíneas b) e [c)], da Diretiva [2014/59], ser interpretados no sentido de que se opõem a que as pessoas que tiverem adquirido as suas ações uns meses antes do início do procedimento de resolução, no âmbito de um aumento de capital com oferta pública de subscrição, possam intentar ações de indemnização ou ações de efeito equivalente com fundamento nas informações incorretas constantes do prospeto da emissão, contra a instituição emitente ou contra a instituição resultante de uma fusão por incorporação posterior?

    2)

    No caso referido na [primeira] questão […], os artigos 34.o, n.o 1, alínea a), 53.o, n.o 3, e 60.o, n.o 2, [primeiro parágrafo,] alínea b), da Diretiva [2014/59], opõem‑se a que se imponham judicialmente à instituição emitente, ou à instituição que lhe suceda universalmente, obrigações de restituição da contrapartida das ações subscritas, bem como de pagamento de juros, como consequência da declaração de nulidade, com efeitos retroativos (ex tunc), do contrato de subscrição das ações, por força de processos judiciais intentados após a resolução da instituição?»

    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

    26

    Na sequência da leitura das conclusões do advogado‑geral, em 2 de dezembro de 2021, J.A.C. e M.C.P.R. pediram, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de abril de 2022, a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    27

    Em apoio do seu pedido, J.A.C. e M.C.P.R. expressam o seu desacordo com as conclusões do advogado‑geral. Sustentam, nomeadamente, que essas conclusões contêm afirmações contrárias à jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) e criticam a interpretação proposta da Diretiva 2014/59.

    28

    É certo que, ao abrigo do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 20).

    29

    No entanto, o teor das conclusões do advogado‑geral não pode ser constitutivo, enquanto tal, de um facto novo cuja invocação permita às partes responder às referidas conclusões. A este respeito, o Tribunal de Justiça teve a oportunidade de sublinhar que, por força do artigo 252.o TFUE, o papel do advogado‑geral consiste em apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção, para o assistir no cumprimento da sua missão, que é assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados. Situando‑se fora do debate entre as partes, as conclusões dão início à fase de deliberação do Tribunal de Justiça. Assim, não se trata de um parecer destinado aos juízes ou às partes que provém de uma autoridade externa ao Tribunal de Justiça, mas da opinião individual, fundamentada e expressa publicamente, de um membro da própria instituição. Nestas condições, as conclusões do advogado‑geral não podem ser debatidas pelas partes (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 21).

    30

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça constata, ouvido o advogado‑geral, que os elementos apresentados por J.A.C. e M.C.P.R. não revelam nenhum facto novo que possa ter influência determinante na decisão que é chamado a proferir no presente processo, e que esta não deve ser resolvida com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados. O Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários e está suficientemente esclarecido para decidir. Por conseguinte, o Tribunal considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

    Quanto às questões prejudiciais

    31

    Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, após a redução total das ações do capital social de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de resolução, as pessoas que tenham adquirido ações, no âmbito de uma oferta pública de aquisição lançada por essa instituição ou empresa, antes do início desse procedimento de resolução, intentem contra a referida instituição ou a referida empresa, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, uma ação de indemnização com fundamento nas informações fornecidas no prospeto, conforme prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dessas ações, ao abrigo do direito nacional, a qual, atentos os seus efeitos retroativos, conduz à restituição da contrapartida das referidas ações, acrescida de juros a contar da data da celebração desse contrato.

    32

    Antes de mais, importa recordar que o artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2014/59 estabelece o princípio de que são os acionistas, seguidos dos credores, de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de resolução os primeiros a suportar as perdas sofridas devido à aplicação desse procedimento.

    33

    Quando o procedimento de resolução implica uma recapitalização interna, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 57, da Diretiva 2014/59, o artigo 53.o, n.o 1, desta prevê que as medidas de redução de capital ou de conversão ou de extinção viabilizadas por essa recapitalização interna são imediatamente vinculativas para os acionistas e para os credores afetados. Conforme enunciado no artigo 53.o, n.o 3, desta diretiva, quando uma autoridade de resolução reduz até zero o montante de capital ou o montante em dívida correspondente a um passivo, quaisquer obrigações ou créditos dele decorrentes não vencidos no momento da resolução são tratados como exonerados para todos os efeitos, não sendo invocáveis contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento objeto de resolução ou contra qualquer entidade sucessora numa posterior liquidação.

    34

    O artigo 60.o da Diretiva 2014/59, que tem por objeto a redução ou a conversão de instrumentos de capital relevantes, precisa, no seu n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), que não subsiste qualquer obrigação relativamente ao detentor do instrumento de capital relevante, por força da decisão de resolução, com exceção das obrigações já vencidas, e de qualquer obrigação de indemnização que possa resultar de recurso interposto contra a legalidade do exercício do poder de redução. Do mesmo modo, nos termos do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), desta diretiva, não é, em princípio, paga qualquer compensação aos detentores dos instrumentos de capital relevantes.

    35

    Estas disposições devem ser interpretadas, nomeadamente, à luz do considerando 49 da Diretiva 2014/59, o qual indica que os instrumentos de resolução só deverão ser aplicados, para enfrentar situações de extrema urgência, às instituições de crédito e às empresas de investimento em situação ou em risco de insolvência e apenas quando tal for necessário para a prossecução do objetivo de estabilidade financeira no interesse geral. Por conseguinte, estes instrumentos só deverão ser aplicados se a instituição de crédito ou a empresa de investimento em causa não puder ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência sem desestabilizar o sistema financeiro. O procedimento de resolução, conforme enunciado no considerando 45 desta diretiva, visa reduzir o risco moral no setor financeiro ao estabelecer que os acionistas são os primeiros a suportar as perdas sofridas devido à liquidação de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, para evitar que essa liquidação prejudique as finanças públicas e a proteção dos depositantes.

    36

    Mais, o Tribunal de Justiça sublinhou que os objetivos que consistem em assegurar a estabilidade do sistema bancário e financeiro e em evitar um risco sistémico constituem objetivos de interesse geral prosseguidos pela União (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 92 e jurisprudência referida). Assim, embora exista um claro interesse geral em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91, e de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 54).

    37

    Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 prevê o recurso, num contexto económico excecional, a um procedimento que pode afetar nomeadamente os direitos dos acionistas e dos credores de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, a fim de preservar a estabilidade financeira dos Estados‑Membros, através da criação de um regime de insolvência derrogatório do direito comum dos processos de insolvência, cuja execução só é autorizada em circunstâncias excecionais e deve ser justificada por um interesse geral superior. O caráter derrogatório deste regime implica que a aplicação de outras disposições do direito da União possa ser afastada, quando estas últimas sejam suscetíveis de privar de efeito útil ou de entravar a execução do procedimento de resolução.

    38

    A este respeito, no considerando 120 da Diretiva 2014/59, é precisado que as derrogações previstas por esta diretiva às regras vinculativas para a proteção dos acionistas e dos credores das instituições abrangidas pelo âmbito de aplicação das diretivas da União relativas ao direito das sociedades, que podem dificultar a ação efetiva e a utilização pelas autoridades competentes de instrumentos e poderes de resolução, devem ser não só adequadas, mas também definidas de forma clara e limitada, a fim de garantir o mais elevado grau de segurança jurídica para as partes interessadas.

    39

    A Diretiva 2003/71, conforme resulta, nomeadamente, do seu considerando 18, tinha como objetivo a proteção dos investidores no momento em que decidem adquirir valores mobiliários de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento. A emissão de um prospeto de venda de valores mobiliários, na medida em que deve oferecer informações completas, fiáveis e facilmente acessíveis sobre esses valores, permite reforçar a confiança do público nos referidos valores e contribui assim para o bom funcionamento e para o desenvolvimento dos mercados em causa, evitando que sejam prejudicados por irregularidades (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2014, Almer Beheer e Daedalus Holding, C‑441/12, EU:C:2014:2226, n.o 33).

    40

    Deste modo, esta diretiva integra o âmbito de aplicação material das «diretivas da União relativas ao direito das sociedades», na aceção do considerando 120 da Diretiva 2014/59. Ora, esta última admite derrogações às disposições do direito da União, como as da Diretiva 2003/71, desde que a sua aplicação seja suscetível de privar de efeito útil ou de entravar a execução de um procedimento de resolução, mesmo que estas disposições não sejam explicitamente mencionadas na Diretiva 2014/59 como estando sujeitas às derrogações nela previstas.

    41

    No que concerne, em particular, à ação de indemnização com fundamento nas informações fornecidas no prospeto de venda de valores mobiliários prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, conforme assinalou o advogado‑geral no n.o 53 das suas conclusões, esta ação integra a categoria das obrigações ou créditos considerados cumpridos para todos os efeitos, caso não vençam no dia da resolução, e não podem, por conseguinte, ser oponíveis à instituição de crédito ou à empresa de investimento objeto de resolução, ou à entidade que lhe tenha sucedido, como resulta da própria redação do artigo 53.o, n.o 3, da Diretiva 2014/59 e, implicitamente, do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, dessa diretiva.

    42

    O mesmo se verifica em relação a uma ação de declaração de nulidade de um contrato de subscrição de ações intentada contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento emitente do prospeto, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, após a execução do procedimento de resolução.

    43

    Com efeito, tanto a ação de indemnização como a ação de declaração de nulidade equivalem a exigir que a instituição de crédito ou a empresa de investimento objeto de resolução, ou o sucessor destas entidades, indemnize os acionistas pelas perdas sofridas em consequência do exercício, por uma autoridade de resolução, do poder de redução e de conversão relativamente a elementos do passivo desse estabelecimento ou dessa empresa, ou a exigir que proceda ao reembolso total das quantias investidas quando da subscrição de ações que foram reduzidas devido a este procedimento. Tais ações põem em causa toda a avaliação na qual se baseia a decisão de resolução, uma vez que a composição do capital faz parte dos dados objetivos dessa avaliação. Como salientou o advogado‑geral nos n.os 82 e 95 das suas conclusões, seriam, portanto, postos em causa o próprio procedimento de resolução e os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/59.

    44

    Tendo em conta o que precede, a aplicação do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 exclui a possibilidade de ser intentada uma ação de indemnização prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações, prevista no direito nacional, contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento emitente do prospeto, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, após a adoção da decisão de resolução com fundamento nestas disposições.

    45

    Esta constatação não é posta em causa pelo Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Hirmann (C‑174/12, EU:C:2013:856, n.os 23 e 28), no qual o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que as disposições da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do [artigo 54.o TFUE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44), disposições que têm por objetivo assegurar a conservação do capital social das sociedades anónimas e a igualdade de tratamento dos acionistas, não são suscetíveis de se oporem a uma medida nacional de transposição da Diretiva 2003/71 que, por um lado, prevê a responsabilidade de uma sociedade emitente pela divulgação de informações incorretas e que, por outro, obriga esta última, por força dessa responsabilidade, a reembolsar o adquirente de um montante correspondente ao preço de aquisição das ações e a reavê‑las.

    46

    Com efeito, no processo que deu origem a este acórdão, estavam em causa diretivas da União relativas ao direito das sociedades cuja aplicação deve ser, sempre que possível, conciliada, enquanto o litígio no processo principal diz respeito à aplicação da Diretiva 2014/59, que, conforme foi referido nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, estabelece um regime derrogatório do direito comum dos processos de insolvência, abrangido pelo direito comum das sociedades, a fim de preservar o interesse geral que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro.

    47

    Além disso, importa recordar que nem o direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais, nem o direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido no artigo 47.o desta carta são direitos absolutos (v., neste sentido, a respeito do direito de propriedade, Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o., C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 51 e jurisprudência referida, bem como, a respeito do direito à proteção jurisdicional efetiva, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe, C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.o 44 e jurisprudência referida).

    48

    A este respeito, importa sublinhar que a Diretiva 2014/59 prevê igualmente um mecanismo de salvaguarda para os acionistas e credores de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de um procedimento de resolução. Nos termos do artigo 73.o, alínea b), desta diretiva, para o qual remete o seu artigo 34.o, n.o 1, alínea g), é reconhecido aos acionistas e credores, nesse procedimento, o direito a um reembolso ou a uma indemnização dos seus créditos que não seja inferior à estimativa do que teriam recuperado se a totalidade da instituição ou da empresa em causa tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência.

    49

    O artigo 74.o da referida diretiva, lido à luz do seu considerando 51, dispõe assim que, a fim de avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição de crédito ou a empresa de investimento em causa tivesse entrado em processo normal de insolvência, há que realizar‑se uma comparação ex post entre o tratamento efetivamente dado aos acionistas e aos credores e o tratamento que teriam recebido ao abrigo de um processo normal de insolvência. Para o efeito, os Estados‑Membros devem assegurar que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois de a medida de resolução produzir efeitos. Essa comparação pode ser impugnada independentemente da decisão de proceder a uma resolução.

    50

    O artigo 75.o da Diretiva 2014/59 precisa que, caso se verifique, no âmbito de um procedimento de resolução, que os acionistas e os credores receberam, em pagamento ou a título de indemnização dos seus créditos, menos do que teriam recebido ao abrigo de processos normais de insolvência, têm direito ao pagamento da diferença. Como salientou o advogado‑geral no n.o 105 das suas conclusões, só se garante o pagamento da diferença entre as perdas sofridas no âmbito da resolução e as perdas que teriam sido sofridas no âmbito de uma liquidação normal.

    51

    Tendo em conta tudo o que precede, há que responder às questões submetidas que as disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, após a redução total das ações do capital social de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de resolução, as pessoas que tenham adquirido ações, no âmbito de uma oferta pública de aquisição lançada por essa instituição ou empresa, antes do início desse procedimento de resolução, intentem, contra a referida instituição ou a referida empresa, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, uma ação de indemnização com fundamento nas informações fornecidas no prospeto, conforme prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dessas ações, a qual, atentos os seus efeitos retroativos, conduz à restituição da contrapartida das referidas ações, acrescida de juros a contar da data da celebração desse contrato.

    Quanto às despesas

    52

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    As disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, após a redução total das ações do capital social de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de resolução, as pessoas que tenham adquirido ações, no âmbito de uma oferta pública de aquisição lançada por essa instituição ou empresa, antes do início desse procedimento de resolução, intentem, contra a referida instituição ou a referida empresa, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, uma ação de indemnização com fundamento nas informações fornecidas no prospeto, conforme prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE, conforme alterada pela Diretiva 2008/11/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dessas ações, a qual, atentos os seus efeitos retroativos, conduz à restituição da contrapartida das referidas ações, acrescida de juros a contar da data da celebração desse contrato.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

    Top