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Document 62011CJ0465

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 13 de dezembro de 2012.
    Forposta SA e ABC Direct Contact sp. z o.o. contra Poczta Polska SA.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajowa Izba Odwoławcza.
    Diretiva 2004/18/CE — Artigo 45.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea d) — Diretiva 2004/17/CE — Artigos 53.°, n.° 3, e 54.°, n.° 4 — Contratos públicos — Setor dos serviços postais — Critérios de exclusão do processo de adjudicação do contrato — Falta grave em matéria profissional — Salvaguarda do interesse público — Manutenção de uma concorrência leal.
    Processo C‑465/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:801

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    13 de dezembro de 2012 ( *1 )

    «Diretiva 2004/18/CE — Artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d) — Diretiva 2004/17/CE — Artigos 53.°, n.o 3, e 54.°, n.o 4 — Contratos públicos — Setor dos serviços postais — Critérios de exclusão do processo de adjudicação do contrato — Falta grave em matéria profissional — Salvaguarda do interesse público — Manutenção de uma concorrência leal»

    No processo C-465/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Krajowa Izba Odwoławcza (Polónia), por decisão de 30 de agosto de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de setembro de 2011, no processo

    Forposta SA,

    ABC Direct Contact sp. z o.o.

    contra

    Poczta Polska SA,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Lenaerts, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, E. Juhász (relator), G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

    advogado-geral: J. Mazák,

    secretário: M. Aleksejev, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 26 de setembro de 2012,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Forposta SA e da ABC Direct Contact sp. z o.o., por P. Gruszczyński e A. Starczewska-Galos, radcy prawni,

    em representação da Poczta Polska SA, por P. Burzyński e H. Kornacki, radcy prawni,

    em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, B. Majczyna, M. Laszuk e E. Gromnicka, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e A. Tokár, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 34, p. 114), lido em conjugação com os artigos 53.°, n.o 3, e 54.°, n.o 4, da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Forposta SA, anteriormente Praxis sp. z o.o., e a ABC Direct Contact sp. z o.o. à Poczta Polska SA (a seguir «Poczta Polska») a respeito de uma decisão desta última sociedade que as exclui de um processo de adjudicação de um contrato público que tinha lançado.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A secção 2 do capítulo VII da Diretiva 2004/18, consagrada aos «Critérios de seleção qualitativa», inclui o artigo 45.o, intitulado «Situação pessoal do candidato ou do proponente». O n.o 1 deste artigo enumera os critérios que levam obrigatoriamente à exclusão do candidato ou do proponente a um contrato, ao passo que o n.o 2 do mesmo artigo enumera os critérios que são suscetíveis de levar a tal exclusão. Este último número tem a seguinte redação:

    «Pode ser excluído de participação no procedimento de contratação qualquer operador económico que:

    a)

    Se encontre em situação de insolvência ou liquidação, sob administração judicial, concordata com os credores, suspensão da atividade, sujeição a qualquer outro meio preventivo de liquidação de património ou em qualquer outra situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    b)

    Tenha pendente processo de declaração de falência, de liquidação, de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de património ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    c)

    Tenha sido condenado por sentença com força de caso julgado nos termos da lei do país, por delito que afete a sua honorabilidade profissional;

    d)

    Tenha cometido uma falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam apresentar;

    e)

    Não tenha cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de contribuições para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

    f)

    Não tenha cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos e contribuições, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

    g)

    Tenha prestado, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações que possam ser exigidas nos termos da presente secção ou não tenha prestado essas informações.

    Em conformidade com a respetiva legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados-Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.»

    4

    A secção 1 do capítulo VII da Diretiva 2004/17 intitula-se «Qualificação e seleção qualitativa». O artigo 53.o, que figura na mesma secção, tem como epígrafe «Sistemas de qualificação» e prevê:

    «1.   As entidades adjudicantes podem, se o desejarem, estabelecer e gerir um sistema de qualificação de operadores económicos.

    As entidades que estabeleçam ou giram um sistema de qualificação assegurarão que os operadores económicos possam, a todo o momento, solicitar a sua qualificação.

    […]

    3.   Os critérios e as regras de qualificação referidos no n.o 2 podem incluir os critérios de exclusão enumerados no artigo 45.o da Diretiva 2004/18/CE, nos termos e condições nele definidos.

    Se a entidade adjudicante for um poder público na aceção da alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o, estes critérios e regras incluem os critérios de exclusão enumerados no n.o 1 do artigo 45.o da Diretiva 2004/18/CE.

    […]»

    5

    O artigo 54.o da Diretiva 2004/17, que figura na mesma secção 1 e tem por título «Critérios de seleção qualitativa», dispõe, nos seus n.os 1 e 4:

    «1.   Ao estabelecerem critérios de seleção num concurso público, as entidades adjudicantes devem seguir regras e critérios objetivos que estarão à disposição dos operadores económicos interessados.

    […]

    4.   Os critérios referidos nos n.os 1 e 2 podem incluir os critérios de exclusão enumerados no artigo 45.o da Diretiva 2004/18/CE, nos termos e condições nele definidos.

    Se a entidade adjudicante for um poder público na aceção da alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o, os critérios referidos nos n.os 1 e 2 do presente artigo incluem os critérios de exclusão enumerados no n.o 1 do artigo 45.o da Diretiva 2004/18/CE.»

    Direito polaco

    6

    A Lei de 29 de janeiro de 2004 relativa à adjudicação de contratos públicos (Dz. U. n.o 113, posição 759, a seguir «lei relativa à adjudicação de contratos públicos») define os princípios e os procedimentos de celebração dos contratos públicos e especifica quais são as autoridades competentes na matéria. A lei modificativa de 25 de fevereiro de 2011 (Dz. U. n.o 87, posição 484), entrada em vigor em 11 de maio de 2011, inseriu o ponto 1. a) no artigo 24.o, n.o 1, da lei relativa à adjudicação de contratos públicos. Esta disposição, conforme alterada, tem a seguinte redação:

    «1.   São excluídos do processo de adjudicação de um contrato público:

    […]

    1.   a) os operadores económicos com os quais a respetiva entidade adjudicante, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis […], tenha revogado, denunciado ou rescindido o contrato, no caso de a revogação, a denúncia ou a rescisão ter ocorrido dentro do prazo de três anos anterior à abertura do processo de adjudicação em curso e de o valor do contrato não executado corresponder a, pelo menos, 5% do valor do contrato;

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    7

    A Poczta Polska, sociedade pertencente ao Tesouro Público, que exerce a sua atividade no setor dos serviços postais, constitui uma entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/17. Esta sociedade lançou um concurso público para a adjudicação de um contrato para «a distribuição de encomendas postais nacionais e internacionais, encomendas postais ‘Plus’, envios postais entregues contra pagamento e encomendas postais sujeitas a condições especiais». Segundo consta do pedido de decisão prejudicial, o valor do contrato excede o valor-limite acima do qual são aplicáveis as normas do direito da União em matéria de contratos públicos.

    8

    Esta entidade adjudicante considerou que as propostas da Forposta SA e da ABC Direct Contact sp. z o.o. eram as mais vantajosas para determinados lotes do concurso e convidou-as a celebrar um contrato. Esta seleção não foi colocada em causa por nenhum dos participantes no processo. Todavia, em 21 de julho de 2011, que era a data fixada para a celebração do contrato, a Poczta Polska anulou a adjudicação, invocando que os operadores económicos que tinham apresentado as propostas selecionadas deviam imperativamente ser excluídos do processo em aplicação do artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos.

    9

    As duas sociedades interessadas recorreram desta decisão para a Krajowa Izba Odwoławcza, alegando que a referida disposição nacional contraria o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18. Concretamente, em seu entender, o alcance das condições fixadas por esta disposição nacional é muito mais amplo do que a condição enunciada pelo direito da União, o qual, como causa de exclusão, prevê unicamente uma «falta grave em matéria profissional», sendo certo que não foi cometida qualquer falta grave no litígio no processo principal.

    10

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, quando da adoção do artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos, o legislador nacional indicou que se baseava no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 e exprime dúvidas quanto à conformidade desta disposição nacional com a disposição do direito da União que constitui o seu fundamento, dúvidas que são justificadas pelas considerações seguintes.

    11

    Em primeiro lugar, a causa de exclusão prevista na referida disposição da Diretiva 2004/18 consiste numa falta grave cometida em matéria profissional, conceito que, na linguagem jurídica, é sobretudo associado à violação de princípios relativos às normas deontológicas, à dignidade ou à honorabilidade profissionais. Tal violação desencadeia a responsabilidade profissional de quem a tenha cometido através, designadamente, da abertura de um processo disciplinar pelos organismos profissionais competentes. Assim, são estes organismos, ou os órgãos jurisdicionais, que se pronunciam sobre a falta grave cometida em matéria profissional e não as entidades adjudicantes, como prevê a disposição nacional em causa.

    12

    Em segundo lugar, o conceito de circunstâncias «imputáveis ao operador», reproduzido no artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos, é significativamente mais amplo do que o conceito de falta grave «cometida pelo operador», que figura no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18, e, consequentemente, não deve ser utilizado nas disposições que têm por vocação instituir uma punição.

    13

    Em terceiro lugar, uma vez que a referida disposição da Diretiva 2004/18 exige que a falta seja «grave», é possível duvidar que uma inexecução no valor de 5% do montante de um contrato possa ser qualificada de falta grave. O órgão jurisdicional de reenvio realça a este respeito que, quando estejam preenchidas as condições previstas pela disposição nacional em causa no processo principal, a entidade adjudicante está obrigada a excluir o operador económico em questão e não tem nenhuma possibilidade de tomar em consideração a situação individual deste último, o que pode levar a uma violação do princípio da proporcionalidade.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em último lugar, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Michaniki, C-213/07, Colet., p. I-9999, e de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili, C-376/08, Colet., p. I-12169), a Diretiva 2004/18 não obsta a que um Estado-Membro preveja outras causas de exclusão diversas das enunciadas no seu artigo 45.o, n.o 2, e que não se baseiem em considerações objetivas respeitantes às qualidades profissionais dos operadores económicos, desde que sejam proporcionais ao objetivo prosseguido. Todavia, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 3 de março de 2005, Fabricom, C-21/03 e C-34/03, Colet., p. I-1559, e de 15 de maio de 2008, SECAP e Santorso, C-147/06 e C-148/06, Colet., p. I-3565), o direito da União opõe-se às regulamentações nacionais que preveem uma exclusão automática da participação num processo de adjudicação ou a rejeição automática de propostas ou a aplicação de medidas desproporcionadas em relação ao fim visado. Ora, a disposição nacional em causa não só é de aplicação automática mas, além disso, excede o que é necessário para atingir o objetivo de salvaguarda do interesse público prosseguido, que consiste na exclusão dos operadores económicos realmente pouco fiáveis.

    15

    Tendo em conta estas considerações, a Krajowa Izba Odwoławcza decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    [Quando lido em conjugação com os artigos 53.°, n.o 3, e 54.°, n.o 4, da Diretiva 2004/17, d]eve o artigo 45.o, n.o 2, [primeiro parágrafo], alínea d), da Diretiva 2004/18[, que prevê que pode ser excluído do procedimento de contratação quem tenha cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar], ser interpretado no sentido de que pode ser considerado uma falta grave em matéria profissional o facto de a entidade adjudicante, por circunstâncias imputáveis ao operador económico, revogar, denunciar ou rescindir o contrato público que com este celebrou, no caso de a revogação, a denúncia ou a rescisão do contrato ter ocorrido dentro do prazo de [três] anos anterior à abertura do processo de adjudicação em curso e de o valor do contrato não executado corresponder a, pelo menos, 5% do valor do contrato?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão[e s]e um Estado-Membro estiver autorizado a [prever] outros motivos além dos que são elencados no artigo 45.o da Diretiva 2004/18 […] para excluir operadores económicos da participação num processo de adjudicação de um contrato público, que entenda justificarem-se para a proteção do interesse público, dos interesses legítimos da entidade adjudicante assim como para manutenção da concorrência leal entre os operadores económicos, é nesse caso compatível com esta diretiva e com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia excluir do processo operadores económicos com os quais a entidade adjudicante, por circunstâncias [a ele] imputáveis, revogou, denunciou ou rescindiu o contrato, no caso de a revogação, a denúncia ou a rescisão ter ocorrido dentro do prazo de [três] anos anterior à abertura do processo de adjudicação em curso e de o valor do contrato não executado corresponder a, pelo menos, 5% do valor do contrato?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    16

    A Poczta Polska alega que a Krajowa Izba Odwoławcza não é um órgão jurisdicional, na aceção do artigo 267.o TFUE, visto que acumula funções jurisdicionais e consultivas.

    17

    Recorde-se a este respeito que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, para apreciar se o organismo de reenvio tem a natureza de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que é unicamente do âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das normas de direito, bem como a sua independência (acórdãos de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult, C-54/96, Colet., p. I-4961, n.o 23, e de 19 de abril de 2012, Grillo Star, C-443/09, n.o 20 e jurisprudência referida).

    18

    No caso vertente, cabe concluir, como resulta dos autos facultados ao Tribunal de Justiça, que a Krajowa Izba Odwoławcza, que é um organismo instituído pela lei relativa à adjudicação de contratos públicos, dotado de competência exclusiva para dirimir em primeira instância os litígios entre operadores económicos e entidades adjudicantes, e cujo funcionamento é regido pelos artigos 172.° a 198.° dessa lei, constitui um órgão jurisdicional, na aceção do artigo 267.o TFUE, quando exerce as suas competências assentes nestas disposições, como é o caso no quadro do litígio no processo principal. O facto de esse organismo assumir eventualmente, por força de outras disposições, funções de natureza consultiva é desprovido de consequências a este respeito.

    Quanto à admissibilidade

    19

    O Governo polaco sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível em razão do facto de ser hipotético e que, no essencial, visa determinar se a norma nacional em causa no processo principal é conforme com as disposições da Diretiva 2004/18, e não obter uma interpretação do direito da União a fim de esclarecer o objeto do litígio, que deve ser dirimido com base no direito nacional. Ora, não compete ao Tribunal de Justiça, no quadro de um processo de reenvio prejudicial, apreciar a conformidade de uma legislação nacional com o direito da União nem interpretar disposições legislativas nacionais.

    20

    A este respeito, cumpre realçar, por um lado, que o órgão jurisdicional de reenvio não pede que o Tribunal de Justiça aprecie a conformidade da legislação nacional em causa com o direito da União nem que interprete esta legislação. Limita-se a pedir a interpretação das normas da União em matéria de contratos públicos com vista a apreciar se, no litígio no processo principal, se deve não aplicar o artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos. Por outro lado, há que constatar que as questões submetidas são pertinentes para a resolução deste litígio, uma vez que a Poczta Polska anulou a adjudicação do contrato controvertido porque os operadores económicos cujas propostas haviam sido selecionadas deviam imperativamente ser excluídos do processo em aplicação da referida disposição nacional.

    21

    Nestas condições, o pedido de decisão prejudicial é admissível e cumpre, pois, responder às questões submetidas.

    Quanto à primeira questão

    22

    Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que considera existir uma falta grave em matéria profissional, conducente à exclusão automática do operador económico em causa do processo de adjudicação de um contrato público em curso, quando, em razão de circunstâncias imputáveis a este mesmo operador económico, a entidade adjudicante tenha revogado ou denunciado um contrato público anterior celebrado com o referido operador, ou o tenha rescindido, se esta revogação, denúncia ou rescisão do contrato tiver ocorrido dentro do prazo de três anos anterior à abertura do processo em curso e o valor da parte do contrato público não executada ascender a, pelo menos, 5% do valor total deste contrato.

    23

    Tendo em conta determinadas observações apresentadas pelo Governo polaco na audiência realizada no Tribunal de Justiça, segundo as quais um caso como o do processo principal, abrangido ratione materiae pela Diretiva 2004/17, deve ser apreciado exclusivamente no âmbito desta última diretiva, importa salientar que, em conformidade com as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, o próprio legislador nacional indicou que se baseou no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 quando da adoção do artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos, com base no qual as sociedades em questão foram excluídas do processo de adjudicação. De resto, é para esse artigo 45.o que remetem expressamente os artigos 53.°, n.o 3, e 54.°, n.o 4, da Diretiva 2004/17.

    24

    Afigura-se, pois, que a República da Polónia fez uso da faculdade conferida pelas referidas disposições da Diretiva 2004/17 e integrou, na regulamentação nacional, a causa de exclusão prevista no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18.

    25

    Cumpre constatar que o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18, diversamente das disposições respeitantes às causas de exclusão previstas no mesmo parágrafo, alíneas a), b), e) e f), não remete para as legislações e regulamentações nacionais, mas que o segundo parágrafo desse mesmo n.o 2 enuncia que os Estados-Membros especificarão, em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito da União, as condições da sua aplicação.

    26

    Por conseguinte, os conceitos de «falta»«grave» cometida «em matéria profissional», que figuram no referido artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), podem ser especificados e explicitados em direito nacional, no respeito, porém, do direito da União.

    27

    A este propósito, cabe realçar que, como sustenta corretamente o Governo polaco, o conceito de «falta em matéria profissional» abrange qualquer comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador em causa e não apenas as violações das regras deontológicas na estrita aceção da profissão à qual pertence esse operador, que sejam constatadas pelo órgão disciplinar previsto no quadro dessa profissão ou por uma decisão jurisdicional com força de caso julgado.

    28

    Com efeito, o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 autoriza que as entidades adjudicantes comprovem, por qualquer meio que possam justificar, uma falta cometida em matéria profissional. Além disso, diversamente desse mesmo parágrafo, alínea c), não se exige uma sentença com força de caso julgado para a constatação de uma falta profissional na aceção da disposição que figura no referido parágrafo, alínea d).

    29

    Por conseguinte, o incumprimento, por um operador económico, das suas obrigações contratuais pode, em princípio, ser considerado uma falta cometida em matéria profissional.

    30

    Contudo, o conceito de «falta grave» deve ser compreendido como referindo-se normalmente a um comportamento do operador económico em causa que denota uma intenção culposa ou uma negligência de uma certa gravidade por sua parte. Assim, qualquer execução incorreta, imprecisa ou não cabal de um contrato ou de parte dele pode eventualmente demonstrar uma competência profissional limitada do operador económico em causa, mas não equivale automaticamente a uma falta grave.

    31

    Acresce que a constatação da existência de uma «falta grave» requer, em princípio, que seja efetuada uma apreciação concreta e individualizada da atitude do operador económico em causa.

    32

    Ora, a regulamentação em causa no processo principal impõe que a entidade adjudicante exclua do processo de adjudicação de um contrato público um operador económico quando, em razão de circunstâncias que «são imputáveis» a este último, esta entidade tenha revogado, denunciado [ou rescindido] um contrato celebrado com o mesmo no quadro de um contrato público anterior.

    33

    A este respeito, importa referir que, tendo em conta as características que são próprias dos sistemas jurídicos nacionais em matéria de responsabilidade, o conceito de «circunstâncias imputáveis» é muito amplo e pode abranger situações que vão muito para além de uma atitude do operador económico em causa que denote uma intenção culposa ou uma negligência de uma certa gravidade por sua parte. Ora, o artigo 54.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17 remete para a faculdade de aplicação dos critérios de exclusão enumerados no artigo 45.o da Diretiva 2004/18 «nos termos e condições nele definidos», pelo que o conceito de «falta grave», na aceção indicada no n.o 25 do presente acórdão, não pode ser substituído pelo conceito de «circunstâncias imputáveis» ao operador económico em causa.

    34

    Além disso, é a própria regulamentação nacional em causa no processo principal que determina os parâmetros com base nos quais um comportamento anterior de um operador económico impõe à entidade adjudicante em causa a exclusão automática desse operador de um novo processo de adjudicação de um contrato público, sem deixar a esta entidade adjudicante a faculdade de apreciar, caso a caso, a gravidade do comportamento pretensamente culposo do referido operador económico no quadro da execução do contrato anterior.

    35

    Por conseguinte, impõe-se constatar que a regulamentação em causa no processo principal não se limita a traçar o quadro geral de aplicação do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18, mas impõe a este respeito às entidades adjudicantes condições imperativas e conclusões a retirar automaticamente de determinadas circunstâncias, excedendo assim a margem de apreciação de que gozam os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta diretiva, no tocante à especificação das condições de aplicação do motivo de exclusão previsto nesse mesmo n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), no respeito do direito da União.

    36

    Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que obsta a uma regulamentação nacional que prevê a existência de uma falta grave em matéria profissional, conducente à exclusão automática do operador económico em causa do processo de adjudicação de um contrato público em curso, quando, em razão de circunstâncias imputáveis a este mesmo operador económico, a entidade adjudicante tenha revogado ou denunciado um contrato público anterior celebrado com o referido operador, ou o tenha rescindido, se esta revogação, denúncia ou rescisão do contrato tiver ocorrido dentro do prazo de três anos anterior à abertura do processo em curso e o valor da parte do contrato público anterior não executada ascender a, pelo menos, 5% do valor total deste contrato.

    Quanto à segunda questão

    37

    Com esta questão, que é colocada no caso de uma resposta negativa à primeira questão, pergunta-se, no essencial, se os princípios e as normas do direito da União em matéria de contratos públicos justificam que, em razão da salvaguarda do interesse público e dos interesses legítimos das entidades adjudicantes, bem como da manutenção de uma concorrência leal entre operadores económicos, uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, imponha a uma entidade adjudicante que exclua automaticamente um operador económico de um processo de adjudicação de um contrato público numa hipótese como a visada pela primeira questão.

    38

    A este respeito, se é certo que resulta do artigo 54.o, n.o 4, da Diretiva 2004/17 que as entidades adjudicantes podem fixar critérios de seleção qualitativa que vão para além dos critérios de exclusão enumerados no artigo 45.o da Diretiva 2004/18, não deixa de ser verdade que, em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o referido artigo 45.o, n.o 2, desta última diretiva enumera, de modo exaustivo, as causas suscetíveis de justificar a exclusão de um operador económico da participação num procedimento de adjudicação de um contrato público por razões relativas às suas qualidades profissionais, baseadas em elementos objetivos, e obsta, consequentemente, a que os Estados-Membros completem a lista nele contida com outras causas de exclusão baseadas em critérios relativos à qualidade profissional (v. acórdãos de 9 de fevereiro de 2006, La Cascina e o., C-226/04 e C-228/04, Colet., p. I-1347, n.o 22; Michaniki, já referido, n.o 43; e de 15 de julho de 2010, Bâtiments et Ponts Construction e WISAG Produktionsservice, C-74/09, Colet., p. I-7271, n.o 43).

    39

    É unicamente quando a causa de exclusão em questão não se prende com as qualidades profissionais do operador económico e, portanto, não se insere em tal enumeração exaustiva que se pode apreciar a eventual admissibilidade dessa causa à luz dos princípios ou outras normas do direito da União em matéria de contratos públicos (v., a este respeito, acórdãos Fabricom, já referido, n.os 25 a 36; Michaniki, já referido, n.os 44 a 69; e de 19 de maio de 2009, Assitur, C-538/07, Colet., p. I-4219, n.os 21 a 33).

    40

    Ora, no caso em apreço, o artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos enuncia uma causa de exclusão respeitante à qualidade profissional do operador económico em causa, como confirma o facto, referido nos n.os 10 e 23 do presente acórdão, de o legislador polaco ter invocado o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 para servir de base à adoção dessa disposição nacional. Consequentemente, tal causa de exclusão, que exorbita do quadro da enumeração exaustiva que figura nesse primeiro parágrafo, como resulta da resposta à primeira questão, também não é admissível à luz dos princípios e de outras normas do direito da União em matéria de contratos públicos.

    41

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão que os princípios e as normas do direito da União em matéria de contratos públicos não justificam que, em razão da salvaguarda do interesse público e dos interesses legítimos das entidades adjudicantes, bem como da manutenção de uma concorrência leal entre operadores económicos, uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, imponha a uma entidade adjudicante que exclua automaticamente de um processo de adjudicação de um contrato público um operador económico numa hipótese como a visada pela resposta à primeira questão prejudicial.

    Quanto aos efeitos do presente acórdão no tempo

    42

    O Governo polaco pediu ao Tribunal de Justiça, na audiência de alegações realizada perante este último, que limitasse os efeitos do presente acórdão no tempo, caso viesse a interpretar o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18 no sentido de que obsta a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

    43

    Para alicerçar o seu pedido, o Governo polaco invoca o caráter alegadamente pouco claro desta disposição do direito da União, ainda não interpretada pelo Tribunal de Justiça, bem como o risco de repercussões económicas graves a nível nacional que tal interpretação acarreta.

    44

    A este respeito, importa recordar que a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.o TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido compreendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor, e que só a título excecional o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé (v., neste sentido, acórdãos de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, n.os 58 e 59, e de 18 de outubro de 2012, Mednis, C-525/11, n.os 41 e 42).

    45

    Mais especificamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, nomeadamente quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em particular, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa-fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados-Membros ou pela Comissão Europeia (v., designadamente, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.o 60, e Mednis, n.o 43).

    46

    No que respeita à alegada existência de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições em causa do direito da União, não pode prosperar na causa no processo principal. Com efeito, por um lado, a hipótese da «falta grave em matéria profissional», na aceção do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18, não cobre manifestamente a causa de exclusão prevista no artigo 24.o, n.o 1, ponto 1. a), da lei relativa à adjudicação de contratos públicos. Por outro lado, resulta de jurisprudência bem assente à data da adoção dessa disposição nacional que uma tal causa de exclusão não pode ser justificada pelos princípios ou outras normas do direito da União em matéria de contratos públicos.

    47

    No que respeita às consequências financeiras que poderiam decorrer, para um Estado-Membro, de um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, não justificam, em si mesmas, a limitação dos efeitos desse acórdão no tempo (acórdãos, já referidos, Santander Asset Management SGIIC e o., n.o 62, e Mednis, n.o 44).

    48

    Cumpre, em todo o caso, realçar que o Governo polaco não forneceu nenhum dado que permitisse ao Tribunal de Justiça apreciar a existência, em razão do presente acórdão, de um risco de repercussões económicas graves para a República da Polónia.

    49

    Consequentemente, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que obsta a uma regulamentação nacional que prevê a existência de uma falta grave em matéria profissional, conducente à exclusão automática do operador económico em causa do processo de adjudicação de um contrato público em curso, quando, em razão de circunstâncias imputáveis a este mesmo operador económico, a entidade adjudicante tenha revogado ou denunciado um contrato público anterior celebrado com o referido operador, ou o tenha rescindido, se esta revogação, denúncia ou rescisão do contrato tiver ocorrido dentro do prazo de três anos anterior à abertura do processo em curso e o valor da parte do contrato público anterior não executada ascender a, pelo menos, 5% do valor total deste contrato.

     

    2)

    Os princípios e as normas do direito da União em matéria de contratos públicos não justificam que, em razão da salvaguarda do interesse público e dos interesses legítimos das entidades adjudicantes, bem como da manutenção de uma concorrência leal entre operadores económicos, uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, imponha a uma entidade adjudicante que exclua automaticamente de um processo de adjudicação de um contrato público um operador económico numa hipótese como a visada pela resposta à primeira questão prejudicial.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: polaco.

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