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Document 62008CJ0482

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 26 de Outubro de 2010.
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação - Decisão 2008/633/JAI - Acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados-Membros e por parte do Serviço Europeu de Polícia (Europol), para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves - Desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen - Exclusão do Reino Unido do processo de adopção da decisão - Validade.
Processo C-482/08.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-10413

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:631

Processo C‑482/08

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação – Decisão 2008/633/JAI – Acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte do Serviço Europeu de Polícia (Europol), para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves – Desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen – Exclusão do Reino Unido do processo de adopção da decisão – Validade»

Sumário do acórdão

1.        Vistos, asilo e imigração – Passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros – Regras comuns relativas às normas e aos procedimentos de controlo

(Protocolo que integra o acervo de Schengen no âmbito da União Europeia, artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo; Decisão 2008/633 do Conselho, segundo, quarto, sexto, décimo terceiro e décimo quinto considerandos e artigos 1.° e 5.°, n.° 1)

2.        União Europeia – Actos da União Europeia – Escolha da base jurídica – Critérios

[Artigos 30.°, n.° 1, alínea b), e 34.°, n.° 2, alínea c), UE; Decisão 2008/633 do Conselho]

1.        Ao qualificar um acto como pertencendo a um domínio do acervo de Schengen ou como constituindo um desenvolvimento deste acervo, há que ter em conta a necessária coerência deste acervo e a necessidade de manter essa coerência na sua possível evolução. Deste modo, a coerência do acervo de Schengen e dos seus futuros desenvolvimentos implica que os Estados que participam neste acervo não estejam obrigados, quando o fazem evoluir e aprofundam a cooperação reforçada que foram autorizados a instaurar pelo artigo 1.° do Protocolo de Schengen, a prever medidas especiais de adaptação para os outros Estados‑Membros que não participaram na adopção das medidas relativas às fases anteriores desta evolução.

A Decisão 2008/633 relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte do Serviço Europeu de Polícia (Europol) para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves e, por outro, que mantenha os efeitos dessa decisão, deve ser qualificada de medida pertencente ao âmbito de aplicação do acervo de Schengen relativa à política comum em matéria de vistos. Com efeito, as disposições desta decisão contêm condições restritivas de acesso ao VIS, que revelam que as referidas disposições organizam essencialmente a utilização acessória de uma base de dados relativa aos vistos que está principalmente vocacionada para o controlo das fronteiras e das entradas no território e que só está disponível, de forma secundária, e unicamente em consulta, à cooperação policial, apenas na medida em que esta cooperação não ponha em causa a sua utilização principal.

Além disso, o acesso directo ao VIS concedido pela Decisão 2008/633 às autoridades competentes em matéria de segurança interna só é materialmente possível para as autoridades dos Estados‑Membros que dispõem dos pontos centrais de acesso ao VIS previstos no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 767/2008 relativo ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) e ao intercâmbio de dados entre os Estados‑Membros sobre os vistos de curta duração (Regulamento VIS), isto é, apenas as autoridades dos Estados‑Membros que participam nas disposições do acervo de Schengen relativas à política comum em matéria de vistos. Ora no caso de um Estado‑Membro não participar nas disposições do acervo de Schengen relativas à supressão dos controlos nas fronteiras e à circulação de pessoas, incluindo a política comum em matéria de vistos, a sua participação através de um acesso directo ao mecanismo de consulta autorizado pelo regulamento VIS e organizado pela Decisão 2004/512 que estabelece o Sistema de Informação sobre Vistos, teria exigido, como resulta também do décimo quinto considerando da Decisão 2008/633, medidas especiais para esse Estado‑Membro, uma vez que não participou no VIS e não dispõe da plataforma nacional que permite a cada Estado‑Membro que participa no VIS comunicar com este sistema. Mesmo não se podendo contestar que a Decisão 2008/633 prossegue objectivos de cooperação policial, esta circunstância não impede, tendo em conta o conjunto dos outros elementos objectivos que a caracterizam, que se considere que constitui uma medida que desenvolve as disposições do acervo de Schengen relativas à política comum em matéria de vistos. A participação de um Estado‑Membro na adopção de uma medida tomada em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, do Protocolo de Schengen só é concebível, à luz do sistema de cooperação reforçada ao abrigo do acervo de Schengen, na medida em que este Estado se tenha vinculado ao domínio do acervo de Schengen em que se insere a medida a adoptar ou de que constitui um desenvolvimento.

(cf. n.os 48‑49, 52, 55‑57, 59‑61)

2.        A questão de saber se uma medida constitui um desenvolvimento do acervo de Schengen é distinta da questão de saber em que base jurídica se deve legalmente fundamentar esse desenvolvimento. A escolha da base jurídica de um acto da União deve assentar em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do acto.

A Decisão 2008/633 relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte do Serviço Europeu de Polícia (Europol) para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves, que tem por finalidade permitir o acesso ao VIS por parte das autoridades competentes dos Estados‑Membros em matéria de segurança interna, bem como da Europol, e cujo conteúdo tem simultaneamente por objecto as modalidades de designação, pelos Estados‑Membros, das autoridades competentes em matéria de segurança interna autorizadas a consultar o VIS e as condições de acesso, de transmissão e de conservação dos dados utilizados para os fins acima referidos prossegue objectivos abrangidos pela cooperação policial e pode ser vista como organizando uma forma de cooperação policial. Decorre daqui que, na medida em que o legislador comunitário pretendia desenvolver o acervo de Schengen, permitindo, em condições bem precisas, a utilização do VIS para fins de cooperação policial, devia, para esse efeito, basear‑se nas disposições do Tratado que o habilitavam a legislar neste domínio da cooperação policial.

(cf. n.os 50‑51, 64‑65, 67)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de Outubro de 2010 (*)

«Recurso de anulação – Decisão 2008/633/JAI – Acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte do Serviço Europeu de Polícia (Europol), para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves – Desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen – Exclusão do Reino Unido do processo de adopção da decisão – Validade»

No processo C‑482/08,

que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 35.°, n.° 6, UE, interposto em 6 de Novembro de 2008,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por V. Jackson e I. Rao, na qualidade de agentes, assistidas por T. Ward, barrister,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por J. Schutte e R. Szostak, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Reino de Espanha, representado por J. M. Rodríguez Cárcamo, na qualidade de agente,

Comissão Europeia, representada por M. Wilderspin e B. D. Simon, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, presidentes de secção, G. Arestis, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen, P. Lindh e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Abril de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pede ao Tribunal de Justiça, por um lado, que anule a Decisão 2008/633/JAI do Conselho, de 23 de Junho de 2008, relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte da Europol para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves (JO L 218, p. 129) e, por outro, que mantenha os efeitos dessa decisão, excepto na medida em que exclui a participação do referido Estado‑Membro na sua aplicação.

 Quadro jurídico

 Protocolo que integra o acervo de Schengen no âmbito da União Europeia

2        Nos termos do artigo 1.° do Protocolo que integra o acervo de Schengen no âmbito da União Europeia, anexo ao Tratado UE e ao Tratado CE pelo Tratado de Amesterdão (a seguir «Protocolo de Schengen»), treze Estados‑Membros da União Europeia estão autorizados a instaurar entre si uma cooperação reforçada no domínio abrangido pelo acervo de Schengen, como definido no anexo do referido protocolo.

3        Fazem parte do acervo de Schengen, assim definido, nomeadamente, o Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinado em Schengen (Luxemburgo), em 14 de Junho de 1985 (JO 2000, L 239, p. 13, a seguir «Acordo de Schengen»), e a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, assinada em Schengen (Luxemburgo), em 19 de Junho de 1990 (JO 2000, L 239, p. 19). Estes dois actos constituem os «acordos de Schengen».

4        Nos termos do artigo 4.° do referido protocolo:

«A Irlanda e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, que não se encontram vinculados pelo acervo de Schengen, podem, a todo o tempo, requerer a possibilidade de aplicar, no todo ou em parte, as disposições desse acervo.

O Conselho deliberará sobre esse pedido por unanimidade dos membros a que se refere o artigo 1.° e do representante do governo do Estado interessado.»

5        O artigo 5.°, n.° 1, do Protocolo de Schengen dispõe:

«As propostas e iniciativas baseadas no acervo de Schengen regem‑se pelas disposições pertinentes dos Tratados.

Neste contexto, caso a Irlanda ou o Reino Unido, ou ambos, não tenham, num prazo razoável, notificado por escrito o Presidente do Conselho de que desejam participar, considerar‑se‑á que a autorização prevista no artigo 11.° [CE] e no artigo 40.° [UE] foi concedida aos Estados‑Membros a que se refere o artigo 1.° e à Irlanda ou ao Reino Unido, se qualquer destes Estados desejar tomar parte nas áreas de cooperação em causa.»

 Decisão 1999/437/CE

6        Nos termos do artigo 1.° da Decisão 1999/437/CE do Conselho, de 17 de Maio de 1999, relativa a determinadas regras de aplicação do Acordo celebrado pelo Conselho da União Europeia com a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à associação dos dois Estados à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen (JO L 176, p. 31):

«Os processos estabelecidos no Acordo de 18 de Maio de 1999, celebrado pelo Conselho da União Europeia com a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à associação dos dois Estados à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen […] são aplicados às propostas e iniciativas destinadas ao desenvolvimento das disposições relativamente às quais foi autorizada pelo Protocolo de Schengen uma cooperação reforçada e que pertencem a um dos seguintes domínios:

[…]

B.      Vistos para estadias de longa duração, nomeadamente as regras em matéria de visto uniforme, lista dos países cujos nacionais estão submetidos à obrigação de visto para os Estados em causa e dos países cujos nacionais estão isentos desta obrigação, bem como processos e condições de emissão de vistos uniformes, e cooperação e consulta entre os serviços competentes para essa emissão. […]»

 Decisões 2000/365/CE e 2004/926/CE

7        O artigo 1.° da Decisão 2000/365/CE do Conselho, de 29 de Maio de 2000, sobre o pedido do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte para participar em algumas das disposições do acervo de Schengen (JO L 131, p. 43), enumera os artigos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen relativos às disposições do acervo de Schengen em que participa o Reino Unido. Nestas incluem‑se, nomeadamente, uma parte das disposições relativas ao domínio da cooperação policial, que constam do título III desta Convenção, mas não as que visam a supressão dos controlos nas fronteiras internas e a circulação de pessoas, incluindo a política comum em matéria de vistos, que constam do título II da referida Convenção.

8        Por força da Decisão 2004/926/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 2004, relativa à produção de efeitos de parte do acervo de Schengen no Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 395, p. 70), as disposições da Decisão 2000/365 foram aplicadas no Reino Unido a partir de 1 de Janeiro de 2005.

 Decisão 2004/512/CE

9        A Decisão 2004/512/CE do Conselho, de 8 de Junho de 2004, que estabelece o Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) (JO L 213, p. 5), instituiu o VIS como um sistema de intercâmbio de dados em matéria de vistos entre os Estados‑Membros.

 Regulamento (CE) n.° 767/2008

10      Nos termos do vigésimo nono considerando do Regulamento (CE) n.° 767/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Julho de 2008, relativo ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) e ao intercâmbio de dados entre os Estados‑Membros sobre os vistos de curta duração (Regulamento VIS) (JO L 218, p. 60, a seguir «regulamento VIS»):

«O presente regulamento constitui um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen em que o Reino Unido não participa, nos termos da Decisão 2000/365 […] e [da] subsequente Decisão 2004/926 […]. Por conseguinte, o Reino Unido não participa na sua aprovação e não fica a ele vinculado, nem sujeito à sua aplicação.»

11      Nos termos do artigo 1.° do regulamento VIS, intitulado «Objecto e âmbito de aplicação»:

«O presente regulamento define o objectivo e as funcionalidades do Sistema de Informação sobre Vistos (VIS), estabelecido pelo artigo 1.° da Decisão 2004/512/CE, bem como as responsabilidades a ele aferentes. Precisa as condições e os procedimentos de intercâmbio de dados entre os Estados‑Membros sobre os pedidos de vistos de curta duração e as decisões relativas aos mesmos, incluindo a decisão de anular, revogar ou prorrogar o visto, a fim de facilitar o exame destes pedidos e as decisões relativas aos mesmos.»

12      Nos termos do artigo 2.° do regulamento VIS:

«O VIS tem por objectivo melhorar a aplicação da política comum em matéria de vistos, a cooperação consular e a consulta entre as autoridades centrais responsáveis pelos vistos ao facilitar o intercâmbio de dados entre Estados‑Membros sobre os pedidos de vistos e as decisões relativas aos mesmos, com o objectivo de:

a)      Facilitar os procedimentos de pedido de visto;

b)      Evitar que os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável pelo exame de um pedido de visto sejam contornados;

c)      Facilitar a luta contra a fraude;

d)      Facilitar os controlos nos pontos de passagem das fronteiras externas e no território dos Estados‑Membros;

e)      Contribuir para a identificação de qualquer pessoa que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições para a entrada, a permanência ou a residência no território dos Estados‑Membros;

f)      Facilitar a aplicação do Regulamento (CE) n.° 343/2003 [do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50, p. 1)];

g)      Contribuir para a prevenção das ameaças à segurança interna dos Estados‑Membros.»

13      O artigo 3.° do regulamento VIS, intitulado «Disponibilidade dos dados para efeitos de prevenção, detecção e investigação das infracções terroristas e de outras infracções penais graves», dispõe:

«1.      As autoridades designadas dos Estados‑Membros podem, em casos específicos e na sequência de um pedido fundamentado apresentado por escrito ou por via electrónica, requerer acesso aos dados conservados no VIS a que se referem os artigos 9.° a 14.° se houver motivos razoáveis para considerar que a consulta de dados do VIS contribuirá substancialmente para prevenir, detectar ou investigar infracções terroristas e outras infracções penais graves. A Europol pode ter acesso ao VIS dentro dos limites do seu mandato e caso seja necessário ao exercício das suas funções.

2.       A consulta referida no n.° 1 é efectuada através do(s) ponto(s) central(ais) de acesso, que é(são) responsável(eis) por garantir a estrita observância das condições de acesso e dos procedimentos estabelecidos na Decisão 2008/633 […]»

 Decisão 2008/633

14      Os cinco primeiros considerandos da Decisão 2008/633, que é o acto impugnado no presente recurso, têm a seguinte redacção:

«(1)      A Decisão 2004/512/CE […] criou o VIS, um sistema de intercâmbio de dados sobre vistos entre Estados‑Membros. A criação do VIS representa uma das iniciativas fundamentais das políticas da União Europeia destinadas a criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. O VIS deverá ter por objectivo melhorar a aplicação da política comum de vistos e contribuir para reforçar a segurança interna e a luta contra o terrorismo em condições claramente definidas e controladas.

(2)      Na sua reunião de 7 de Março de 2005, o Conselho aprovou conclusões segundo as quais ‘a fim de realizar plenamente o objectivo de contribuir para a melhoria da segurança interna e a luta contra o terrorismo’, deverá ser garantido o acesso ao VIS por parte das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis pela segurança interna, ‘no âmbito do exercício das suas competências, no domínio da prevenção e detecção das infracções penais e das investigações nessa matéria, nomeadamente no que se refere aos actos e ameaças terroristas’, ‘na estrita observância das regras relativas à protecção dos dados de carácter pessoal’.

(3)      Em matéria de luta contra o terrorismo e outras infracções graves, é essencial que os serviços competentes disponham das mais completas e actualizadas informações nos seus respectivos domínios. Os serviços nacionais competentes dos Estados‑Membros necessitam de informações para poderem desempenhar as suas funções. As informações incluídas no VIS podem ser necessárias para efeitos de prevenção e luta contra o terrorismo e as formas graves de criminalidade, devendo, por conseguinte, estar disponíveis, sob reserva das condições estabelecidas na presente decisão, para poderem ser consultadas pelas autoridades designadas.

(4)      Além disso, o Conselho Europeu declarou que a Europol desempenha um papel primordial na cooperação entre as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis pelas investigações sobre actividades criminosas transfronteiriças, contribuindo para a prevenção, análise e investigação da criminalidade à escala da União Europeia. Consequentemente, a Europol devia também ter acesso aos dados VIS, no âmbito da sua missão e em conformidade com a Convenção de 26 de Julho de 1995, que cria um Serviço Europeu de Polícia [JO C 316, p. 2].

(5)      A presente decisão vem completar o regulamento [VIS], na medida em que prevê uma base jurídica ao abrigo do título VI do Tratado da União Europeia, autorizando as autoridades designadas e a Europol a terem acesso ao VIS.»

15      O décimo terceiro e décimo quinto considerandos desta decisão têm a seguinte redacção:

«(13) A presente decisão constitui um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen em que o Reino Unido não participa, nos termos da Decisão 2000/365/CE […], pelo que o Reino Unido não participa na sua aprovação e não fica a ela vinculado, nem sujeito à sua aplicação.

[…]

(15)      Todavia, de acordo com a Decisão‑Quadro 2006/960/JAI do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006, relativa à simplificação do intercâmbio de dados e informações entre as autoridades de aplicação da lei dos Estados‑Membros da União Europeia [JO L 386, p. 89], as informações constantes do VIS podem ser facultadas ao Reino Unido e à Irlanda pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros cujas autoridades designadas têm acesso ao VIS em conformidade com a presente decisão. As informações constantes dos registos nacionais de vistos do Reino Unido e da Irlanda podem ser facultadas às autoridades responsáveis pela aplicação da lei dos outros Estados‑Membros. Qualquer forma de acesso directo ao VIS por parte das autoridades centrais do Reino Unido e da Irlanda exige, na situação actual da sua participação no acervo de Schengen, um acordo entre a Comunidade e estes Estados‑Membros, eventualmente completado por outras regras que determinem as condições e modalidades desse acesso.»

16      Segundo o décimo sexto considerando da Decisão 2008/633, esta constitui um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen, na acepção do Acordo celebrado pelo Conselho da União Europeia, a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à associação destes dois Estados à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen, que se insere no domínio a que se refere o ponto B do artigo 1.° da Decisão 1999/437.

17      Nos termos do décimo sétimo considerando da Decisão 2008/633, esta constitui um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen, na acepção do Acordo assinado pela União Europeia, a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo à associação da Confederação Suíça à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen, cuja assinatura foi aprovada pela Decisão 2004/849/CE do Conselho, de 25 de Outubro de 2004 (JO L 368, p. 26), e que se insere no domínio a que se refere o ponto B do artigo 1.° da Decisão 1999/437, conjugado com o n.° 1 do artigo 4.° da Decisão 2004/849.

18      Nos termos do artigo 1.° da Decisão 2008/633:

«A presente decisão estabelece as condições em que as autoridades designadas dos Estados‑Membros e o Serviço Europeu de Polícia (Europol) podem ter acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves.»

19      O artigo 2.° desta decisão, intitulado «Definições», enuncia, no seu n.° 1, alínea e), que as autoridades designadas para efeitos da referida decisão são as autoridades responsáveis pela prevenção, detecção ou investigação de infracções terroristas ou outras infracções penais graves e designadas pelos Estados‑Membros, nos termos do artigo 3.° da mesma decisão.

20      O artigo 3.°, n.os 3 e 5, da Decisão 2008/633 dispõe:

«3.      Cada Estado‑Membro designa o(s) ponto(s) central(is) por onde é feito o acesso. […]

5.      A nível nacional, cada Estado‑Membro mantém uma lista das unidades operacionais que integram as autoridades designadas e que são autorizadas a aceder ao VIS através do(s) ponto(s) central(is) de acesso.»

21      Nos termos do artigo 4.° da Decisão 2008/633:

«1.      Caso estejam preenchidas as condições enunciadas no artigo 5.°, as unidades operacionais referidas no n.° 5 do artigo 3.° apresentam um pedido fundamentado, por escrito ou por via electrónica, aos pontos centrais de acesso referidos no n.° 3 do artigo 3.° para aceder ao VIS. Após a recepção de um pedido de acesso, o(s) ponto(s) central(is) de acesso deve(m) verificar se estão preenchidas as condições de acesso referidas no artigo 5.° Se todas as condições de acesso estiverem preenchidas, o pessoal devidamente autorizado do(s) ponto(s) central(is) de acesso deve tratar os pedidos. Os dados VIS disponibilizados devem ser transmitidos às unidades operacionais referidas no n.° 5 do artigo 3.° por forma a não comprometer a segurança dos dados.

2.      Em casos excepcionais de urgência, o(s) ponto(s) de acesso central(is) pode(m) receber pedidos por escrito, por via electrónica ou verbais. Nesses casos, o(s) ponto(s) central(is) de acesso deve(m) tratar imediatamente o pedido e só verificar depois se todas as condições do artigo 5.° se encontram preenchidas, incluindo a existência de um caso excepcional de urgência. A verificação a posteriori deve ser efectuada sem demora indevida, uma vez o pedido tratado.»

22      Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, desta decisão:

«O acesso ao VIS para consulta por parte das autoridades designadas é efectuado dentro dos limites das suas competências e se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)      O acesso para consulta deve ser necessário para efeitos de prevenção, detecção ou investigação de infracções terroristas ou outras infracções penais graves;

b)      O acesso para consulta deve ser necessário no caso específico;

c)      Existem motivos razoáveis para considerar que a consulta dos dados do VIS contribuirá significativamente para a prevenção, detecção ou investigação de qualquer das infracções em questão.»

23      O artigo 7.° da referida decisão determina as condições de acesso aos dados do VIS por parte da Europol.

 Factos na origem do litígio

24      Em 30 de Novembro de 2005, a Comissão das Comunidades Europeias apresentou ao Conselho uma proposta de decisão [COM (2005) 600 final] que permitia o acesso aos dados do VIS para efeitos de prevenção, detecção ou investigação de infracções terroristas ou outras infracções penais graves.

25      Durante os debates no Conselho, a Irlanda e o Reino Unido declararam que consideravam ter o direito de participar na adopção e na execução da decisão relativa ao acesso aos dados do VIS e, mais precisamente, entendiam que esta medida não podia ser qualificada de medida baseada no acervo de Schengen. Declararam também que, mesmo que a referida medida fosse considerada como tal, entendiam que a base jurídica não se inseria no domínio do acervo de Schengen relativo aos vistos de curta duração e que isso não justificava que fossem excluídos da referida medida. Consequentemente, declararam que lhes devia ser concedido acesso directo e integral ao VIS.

26      Em 23 de Junho de 2008, o Conselho adoptou a Decisão 2008/633, sem que o Reino Unido tivesse sido admitido a participar nessa adopção.

27      Por considerar que esta exclusão constitui uma violação das formalidades essenciais e/ou uma violação do Tratado UE, na acepção do artigo 35.°, n.° 6, UE, o Reino Unido interpôs o presente recurso.

 Pedidos das partes e processo no Tribunal de Justiça

28      O Reino Unido pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular a Decisão 2008/633;

–        manter os efeitos desta decisão, excepto na medida em que exclui a participação do referido Estado‑Membro na sua aplicação; e

–        condenar o Conselho nas despesas.

29      O Conselho conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que o Reino Unido seja condenado nas despesas do processo.

30      Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Abril e 14 de Julho de 2009, a Comissão e o Reino de Espanha foram, respectivamente, autorizados a intervir em apoio das conclusões do Conselho.

 Quanto ao recurso

 Argumentos das partes

31      Para pedir a anulação da Decisão 2008/633, o Reino Unido sustenta que esta decisão não constitui um desenvolvimento de disposições do acervo de Schengen em que não participa, isto é, um desenvolvimento da política comum em matéria de vistos, mas sim uma medida de cooperação policial, como, de resto, demonstra a escolha da base jurídica feita pelo Conselho, a saber, os artigos 30.°, n.° 1, alínea b), UE e 34.°, n.° 2, alínea c), UE. Afirma, assim, que, na proposta inicial, a Comissão considerou que o projecto de decisão não se integrava na política comum em matéria de vistos, mas tinha outros objectivos, e que, consequentemente, previu a participação da Irlanda e do Reino Unido na elaboração dessa decisão.

32      O Reino Unido alega que, na Decisão 2008/633, não estão identificadas as disposições do acervo de Schengen que essa decisão deveria supostamente desenvolver. Nem o objectivo nem o conteúdo da referida decisão, aos quais importa fazer referência, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para qualificar um acto como proposta ou como iniciativa baseada no acervo de Schengen na acepção do artigo 5.°, n.° 1, do Protocolo de Schengen, demonstram que essa decisão possa ser qualificada de desenvolvimento das disposições deste acervo relativas à política comum em matéria de vistos. Com efeito, decorre do seu artigo 1.° que a mesma visa definir as condições em que as autoridades designadas e a Europol podem ter acesso para consulta ao VIS para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves, o que não tem nenhuma relação com a política comum em matéria de vistos. Resulta, em particular, do seu segundo e terceiro considerandos, bem como dos seus artigos 5.°, n.° 1, alínea a), e 7.°, que a Decisão 2008/633 visa contribuir para a segurança interna e para o combate ao terrorismo, através do intercâmbio, com as autoridades policiais e a Europol, de informações introduzidas no VIS pelas autoridades encarregadas dos vistos. Além disso, no que se refere ao seu conteúdo, a referida decisão diz respeito ao processo de acesso ao VIS e de modo nenhum está relacionada com a política comum em matéria de vistos.

33      Segundo o Reino Unido, embora o regulamento VIS e a Decisão 2008/633 possam ser complementares, são juridicamente distintos e cada um deles deve ser apreciado separadamente à luz dos critérios desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para saber se se trata de um acto baseado no acervo de Schengen. A aplicação desses critérios serve, em si mesma, para assegurar a coerência do acervo de Schengen. O facto de a Decisão 2008/633 se destinar a completar o regulamento VIS não permite presumir que essa decisão seja um acto baseado no acervo de Schengen.

34      Além disso, a base jurídica da Decisão 2008/633 é constituída pelas disposições que integram o título VI do Tratado UE, relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal. Essa decisão não pode, assim, constituir em simultâneo um desenvolvimento da política comum em matéria de vistos abrangida pelo título IV do Tratado CE. Contudo, se assim fosse, haveria, então, que anular a referida decisão, por erro nas suas bases jurídicas.

35      Por último, o Reino Unido faz questão de precisar que não há nenhuma dificuldade prática ou jurídica na sua participação parcial no VIS, que o seu acesso aos dados do VIS, para os fins previstos na Decisão 2008/633, não constitui uma maior ameaça à coerência do sistema do que o acesso de que beneficia a Europol e que, com o seu recurso, não pretende de forma alguma opor‑se à participação da República da Islândia, do Reino da Noruega e da Confederação Suíça na decisão relativa ao acesso ao VIS por parte das autoridades policiais.

36      O Conselho defende que teve razão ao qualificar a Decisão 2008/633 de desenvolvimento de um domínio do acervo de Schengen, que é descrito em termos relativamente amplos no artigo 1.°, ponto B, da Decisão 1994/437, o que, em si mesmo, não prejudica a questão de saber se a base jurídica adequada para a sua adopção se encontra no título IV do Tratado CE ou no título VI do Tratado UE.

37      Com efeito, resulta tanto do primeiro, terceiro e quinto considerandos como do artigo 1.° da Decisão 2008/633 que esta tem por objectivo completar o regulamento VIS, ao definir as condições em que, para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves, as autoridades designadas podem ter acesso aos dados previamente submetidos e conservados no VIS pelas autoridades competentes em matéria de vistos. Relativamente ao conteúdo da referida decisão, as suas disposições exigem que os Estados‑Membros designem as autoridades que terão acesso ao VIS e os pontos centrais por onde são efectuadas as consultas do VIS. Essas disposições definem os procedimentos aplicáveis e as condições a preencher para que esta consulta seja autorizada.

38      O Conselho alega, assim, que a base jurídica que corresponde a este objectivo e a este conteúdo é o artigo 30.°, n.° 1, alínea b), EU, uma vez que a Decisão 2008/633 diz respeito ao tratamento e à análise das informações que constam do VIS, pelas autoridades designadas, sem, contudo, incidir sobre o intercâmbio, a recolha ou o armazenamento de dados. A referida decisão não trata dos procedimentos nem das condições relativas à emissão dos vistos regulados pelo título IV do Tratado CE, nem da cooperação entre os serviços competentes previstos neste título, pelo que não pode estar abrangida pelas disposições do artigo 62.°, n.° 2, alíneas b), ii), CE nem do artigo 66.° CE. O artigo 47.° UE não foi, pois, violado. A abordagem seguida no caso em apreço é também conforme à prática habitual.

39      Relativamente à qualificação da Decisão 2008/633 como um desenvolvimento do acervo de Schengen no domínio dos vistos, o Conselho salienta a importância da ligação que existe entre esta decisão e o regulamento VIS, que criou um sistema integrado único contendo dados dessa natureza, o qual tem por objectivo a execução coerente da política da União em matéria de vistos e designa um utilizador principal, a saber, as autoridades competentes em matéria de vistos e de controlo nas fronteiras dos Estados‑Membros que participam nessa política. Embora este sistema preveja objectivos secundários, tais como contribuir para a prevenção de ameaças à segurança interna de cada um dos Estados‑Membros, o regulamento VIS garante que o acesso das autoridades policiais às informações será compatível com a finalidade geral do sistema. A Decisão 2008/633 inscreve‑se, assim, no quadro jurídico do referido regulamento, com o qual forma um conjunto que constitui um desenvolvimento, com vista a preservar a respectiva coerência, do acervo de Schengen no domínio dos vistos, conforme descrito no artigo 1.°, ponto B, da Decisão 1999/437.

40      O Conselho defende ainda que, embora o critério estabelecido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência para qualificar um acto de desenvolvimento do acervo de Schengen seja do mesmo tipo do que é utilizado para determinar a base jurídica de um acto da União, esse critério não é, no entanto, idêntico, uma vez que deve ter em consideração a necessidade de preservar a coerência deste acervo. Ao conferir mais importância ao critério utilizado para a escolha da base jurídica do acto, centrado unicamente no seu objectivo e no seu conteúdo, o Reino Unido não tem de forma alguma em conta esta necessidade.

41      Por seu turno, a Comissão subscreve a análise do Conselho relativa à escolha da base jurídica e à sua demonstração segundo a qual a Decisão 2008/633 está tão estreitamente ligada ao regulamento VIS que deve ser qualificada de desenvolvimento do acervo de Schengen em matéria de vistos, uma vez que prolonga e completa este regulamento ao permitir o acesso ao VIS para consulta pelas autoridades designadas e pela Europol, para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves. Alega que o artigo 3.° do regulamento VIS, que permite a consulta dos dados VIS para os efeitos acima referidos e que remete assim para a Decisão 2008/633, não é aplicável ao Reino Unido. Daqui resulta que a referida decisão também não é aplicável ao Reino Unido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto ao fundamento principal

42      É pacífico que, nos termos do artigo 4.° do Protocolo de Schengen, o Reino Unido solicitou e, por força da Decisão 2000/365, obteve a sua participação em determinadas disposições do acervo de Schengen. A este respeito, é também pacífico que, embora o Reino Unido participe numa parte das disposições do acervo de Schengen relativas à cooperação policial, em contrapartida, não participa nas disposições deste acervo relativas à supressão dos controlos nas fronteiras e à circulação de pessoas, incluindo a política comum em matéria de vistos.

43      Resulta do décimo terceiro considerando da Decisão 2008/633 que o Conselho considerou que esta constituía um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen em que o Reino Unido não participa, pelo que este Estado não devia participar na adopção dessa decisão. Para requerer a anulação da referida decisão, o Reino Unido sustenta, a título principal, que o Conselho, ao fazer essa qualificação, cometeu um erro de direito.

44      Importa, antes de mais, determinar se a Decisão 2008/633 faz parte das «propostas e iniciativas baseadas no acervo de Schengen», como previstas no artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Protocolo de Schengen, nas quais o Reino Unido não participa.

45      Para que um acto da União seja qualificado de proposta ou iniciativa baseada no acervo de Schengen, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Protocolo de Schengen, o Tribunal de Justiça considerou, por analogia com o que vigora em matéria de escolha da base jurídica de um tal acto, que se deve fundar em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v. acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Reino Unido/Conselho, C‑77/05, Colect., p. I‑11459, n.° 77).

46      Contudo, como o Tribunal de Justiça afirmou expressamente, este raciocínio só é válido por analogia e encontra, assim, os seus limites na especificidade da cooperação reforçada ao abrigo do acervo de Schengen, que implica que, além disso, seja tido em conta o sistema em que este se insere, no seu conjunto.

47      O sistema de cooperação reforçada ao abrigo do acervo de Schengen só se aplica a uma parte dos Estados‑Membros e implica que qualquer proposta ou iniciativa baseada neste acervo, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Protocolo de Schengen, deve estar de acordo com as disposições que aplica ou de que constitui um desenvolvimento, pelo que pressupõe a aceitação tanto dessas disposições como dos princípios que constituem o seu fundamento (acórdão Reino Unido/Conselho, já referido, n.° 61).

48      Daqui resulta que, ao qualificar um acto como pertencendo a um domínio do acervo de Schengen ou como constituindo um desenvolvimento deste acervo, há que ter em conta a necessária coerência deste acervo e a necessidade de manter essa coerência na sua possível evolução.

49      Deste modo, deve observar‑se em especial que a coerência do acervo de Schengen e dos seus futuros desenvolvimentos implica que os Estados que participam neste acervo não estejam obrigados, quando o fazem evoluir e aprofundam a cooperação reforçada que foram autorizados a instaurar pelo artigo 1.° do Protocolo de Schengen, a prever medidas especiais de adaptação para os outros Estados‑Membros que não participaram na adopção das medidas relativas às fases anteriores desta evolução.

50      A finalidade da Decisão 2008/633, nos termos do seu segundo, terceiro, quarto e sexto considerandos e dos seus artigos 1.° e 5.°, n.° 1, é permitir o acesso ao VIS por parte das autoridades competentes dos Estados‑Membros em matéria de segurança interna, bem como da Europol, para efeitos de prevenção, detecção e investigação de infracções terroristas e outras infracções penais graves. A este título, a decisão prossegue objectivos que, enquanto tais, são do domínio da cooperação policial.

51      Por outro lado, o conteúdo da Decisão 2008/633 tem simultaneamente por objecto as modalidades de designação, pelos Estados‑Membros, das autoridades competentes em matéria de segurança interna autorizadas a consultar o VIS e as condições de acesso, de transmissão e de conservação dos dados utilizados para os fins acima referidos. Assim sendo, as disposições da referida decisão podem, em princípio, ser vistas como organizando uma forma de cooperação policial.

52      Contudo, é pacífico que essas disposições não deixam de conter condições restritivas de acesso ao VIS, tal como enumeradas no artigo 5.°, n.° 1, da Decisão 2008/633 e no artigo 3.° do regulamento VIS, que revelam que as referidas disposições organizam essencialmente a utilização acessória de uma base de dados relativa aos vistos que está principalmente vocacionada para o controlo das fronteiras e das entradas no território e que só está disponível, de forma secundária, e unicamente em consulta, à cooperação policial, apenas na medida em que esta cooperação não ponha em causa a sua utilização principal.

53      Além disso, deve observar‑se que a Decisão 2008/633 está estreitamente relacionada com o regulamento VIS, do qual constitui, neste aspecto, a respectiva aplicação, e, consequentemente, com a política comum em matéria de vistos baseada no título IV do Tratado CE.

54      A cooperação posta em prática pela Decisão 2008/633 não poderia, do ponto de vista tanto funcional como material, existir independentemente do VIS, relativamente ao qual não é contestado que está abrangido, tal como a Decisão 2004/512 e o regulamento VIS que constituem a sua base, pelo acervo de Schengen relativo à política comum em matéria de vistos.

55      Neste contexto, deve ainda observar‑se que o acesso directo ao VIS concedido pela Decisão 2008/633 às autoridades competentes em matéria de segurança interna só é materialmente possível para as autoridades dos Estados‑Membros que dispõem dos pontos centrais de acesso ao VIS previstos no artigo 3.°, n.° 2, do regulamento VIS, isto é, apenas as autoridades dos Estados‑Membros que participam nas disposições do acervo de Schengen relativas à política comum em matéria de vistos.

56      No caso em apreço, a participação do Reino Unido através de um acesso directo ao mecanismo de consulta autorizado pelo regulamento VIS e organizado pela Decisão 2004/512 teria exigido, como resulta também do décimo quinto considerando da Decisão 2008/633, medidas especiais para esse Estado‑Membro, uma vez que não participou no VIS e não dispõe da plataforma nacional que permite a cada Estado‑Membro que participa no VIS comunicar com este sistema.

57      Consequentemente, a Decisão 2008/633 deve ser qualificada de medida pertencente ao âmbito de aplicação do acervo de Schengen relativa à política comum em matéria de vistos.

58      Se, por outro lado, a Decisão 2008/633 fosse de encarar não como um elemento desta política comum mas como uma simples medida de cooperação policial, permitiria a todos os Estados‑Membros participar na determinação das modalidades de consulta do VIS, apesar de alguns deles não terem participado na definição dos princípios que presidiram à criação desta base de dados em matéria de vistos, não estarem obrigados a introduzir no sistema os dados relativos a todos os pedidos de vistos que recebem, nem contribuírem para a gestão e o financiamento desse sistema. Tal abordagem levaria também a excluir a República da Islândia, o Reino da Noruega e a Confederação Suíça do dispositivo de consulta do VIS para os fins previstos na Decisão 2008/633, apesar de esses Estados participarem nesta criação, depois de terem aceite os seus princípios, e contribuírem para o financiamento da base de dados. Nestas condições, a referida decisão deve ser entendida como estando intrinsecamente ligada à política comum em matéria de vistos e não pode ter outra qualificação sob pena de pôr em causa a própria coerência do VIS.

59      Resulta do exposto que, mesmo não se podendo contestar que a Decisão 2008/633 prossegue objectivos de cooperação policial, esta circunstância não impede, tendo em conta o conjunto dos outros elementos objectivos que a caracterizam, que se considere que constitui uma medida que desenvolve as disposições do acervo de Schengen relativas à política comum em matéria de vistos.

60      É, por outro lado, pacífico, como foi afirmado no n.° 42 do presente acórdão, que o Reino Unido não participa nas disposições do acervo de Schengen relativas à supressão dos controlos nas fronteiras e à circulação de pessoas, incluindo a política comum em matéria de vistos.

61      A participação de um Estado‑Membro na adopção de uma medida tomada em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, do Protocolo de Schengen só é concebível, à luz do sistema de cooperação reforçada ao abrigo do acervo de Schengen conforme descrito no n.° 47 do presente acórdão, na medida em que este Estado se tenha vinculado ao domínio do acervo de Schengen em que se insere a medida a adoptar ou de que constitui um desenvolvimento (acórdão Reino Unido/Conselho, já referido, n.° 62).

62      Consequentemente, o Conselho não cometeu um erro de direito ao considerar que a Decisão 2008/633 constituía um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen nas quais o Reino Unido não participava e ao recusar que este Estado‑Membro participasse na sua adopção.

 Quanto ao fundamento subsidiário

63      Na sua petição, o Reino Unido sustenta, a título subsidiário, que, no caso de a Decisão 2008/633 ser considerada um desenvolvimento da política comum em matéria de vistos, deve, ainda assim, ser anulada, porque, nesse caso, foi adoptada erradamente com base nos artigos 30.°, n.° 1, alínea b), UE e 34.°, n.° 2, alínea c), UE, que, integrados no título VI do Tratado UE, regulam a acção comum no domínio da cooperação policial.

64      Todavia, a questão de saber se uma medida constitui um desenvolvimento do acervo de Schengen é distinta da questão de saber em que base jurídica se deve legalmente fundamentar esse desenvolvimento. Com efeito, qualquer acto da União se deve basear numa disposição dos Tratados que confira às instituições da União o poder de o adoptar.

65      Segundo jurisprudência bem assente, a escolha da base jurídica de um acto da União deve assentar em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v. acórdãos de 23 de Outubro de 2007, Comissão/Conselho, C‑440/05, Colect., p. I‑9097, n.° 61, e de 10 de Fevereiro de 2009, Irlanda/Parlamento e Conselho, C‑301/06, Colect., p. I‑593, n.° 60).

66      A este respeito, a argumentação que o Reino Unido invoca em apoio do seu fundamento apresentado a título subsidiário só poderia ser acolhida se houvesse uma coincidência perfeita entre os critérios assim definidos para determinar a base jurídica de um acto do direito da União e os que servem para qualificar esse acto de proposta ou de iniciativa baseada no acervo de Schengen. Resulta, contudo, do que foi afirmado nos n.os 47 a 49 do presente acórdão que não é esse o caso.

67      Decorre daqui que, na medida em que o Conselho pretendia desenvolver o acervo de Schengen, permitindo, em condições bem precisas, a utilização do VIS para fins de cooperação policial, devia, para esse efeito, basear‑se nas disposições do Tratado UE que o habilitavam a legislar neste domínio da cooperação policial.

68      Consequentemente, como decorre dos n.os 50 e 51 do presente acórdão, não se afigura, atendendo à finalidade e ao conteúdo da Decisão 2008/633, que o Conselho se tenha equivocado ao considerar, no que respeita especificamente à escolha da base jurídica da referida decisão, que ela pertencia ao domínio da cooperação policial. De resto, a argumentação desenvolvida pelo Reino Unido em apoio do fundamento invocado a título principal corrobora a justeza dessa escolha.

69      Assim, à luz apenas da argumentação invocada em apoio do fundamento apresentado a título subsidiário pelo Reino Unido, o referido fundamento deve também ser indeferido.

70      Consequentemente, os pedidos do Reino Unido de anulação da Decisão 2008/633 não podem proceder, pelo que, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre o pedido deste Estado‑Membro relativo à manutenção dos efeitos da referida decisão.

71      Nestas condições, há que negar provimento ao recurso interposto pelo Reino Unido.

 Quanto às despesas

72      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no litígio suportarão as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

3)      O Reino de Espanha e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.

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