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Document 62001TJ0329

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 27 de Septembro de 2006.
Archer Daniels Midland Co. contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Gluconato de sódio - Artigo 81.º CE - Coima - Artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 - Orientações para o cálculo das coimas - Comunicação sobre a cooperação - Princípio da proporcionalidade - Igualdade de tratamento - Não retroactividade - Dever de fundamentação - Direito de defesa.
Processo T-329/01.

Colectânea de Jurisprudência 2006 II-03255

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2006:268

Processo T‑329/01

Archer Daniels Midland Co.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Gluconato de sódio – Artigo 81.° CE – Coima – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Orientações para o cálculo das coimas – Comunicação sobre a cooperação – Princípio da proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Não retroactividade – Dever de fundamentação – Direitos de defesa»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 27 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Direito comunitário – Princípios gerais de direito – Não retroactividade das disposições penais

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

2.     Concorrência – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

3.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

4.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

5.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Carácter dissuasor

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 17, artigo 15.°)

6.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Impacto concreto no mercado

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, primeiro parágrafo)

7.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

8.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

9.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

10.   Concorrência – Coimas – Cúmulo de sanções comunitárias por factos distintos com origem num mesmo conjunto de acordos

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

11.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

12.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não imposição ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa posta em causa

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, títulos B, alínea b), e C)

13.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Apreciação do grau da cooperação prestada por cada uma das empresas durante o processo administrativo

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, títulos B, C e D)

14.   Concorrência – Processo administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 19.°, n.° 1)

15.   Concorrência – Coimas – Montante – Poder de apreciação da Comissão – Fiscalização jurisdicional

(Artigo 229.° CE)

1.     O princípio da não retroactividade das leis penais, consagrado como direito fundamental no artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constitui um princípio geral de direito comunitário cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência. Este princípio exige que as sanções proferidas correspondam às que eram fixadas à época em que a infracção foi cometida.

A adopção de orientações susceptíveis de alterar a política geral da concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangido pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

Com efeito, por um lado, as orientações são susceptíveis de provocar efeitos jurídicos. Estes efeitos jurídicos resultam não de uma normatividade própria das orientações, mas da adopção e da publicação das mesmas pela Comissão. Esta adopção e esta publicação das orientações implicam uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode renunciar às mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica.

Por outro lado, as orientações, enquanto instrumento de uma política em matéria da concorrência, caem no âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade, à semelhança da nova interpretação jurisprudencial de uma norma que cria uma infracção, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, segundo a qual esta última disposição se opõe à aplicação retroactiva de uma nova interpretação de uma norma que cria uma infracção. É, em especial, esse o caso, segundo a referida jurisprudência, se se tratar de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infracção foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa. Resulta, porém, desta jurisprudência que o alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado acto. Mais particularmente, é o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que eles avaliem com particular cuidado os riscos que a mesma comporta.

A fim de fiscalizar o princípio da não retroactividade, há que verificar se a alteração que constitui a adopção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA era razoavelmente previsível à época em que as infracções em causa foram cometidas. A este propósito, a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta, essencialmente, numa tarifação, ainda que relativa e flexível, das coimas.

Em seguida, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas últimas.

Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações.

(cf. n.os 38‑46)

2.     O facto de a Comissão ter aplicado o método enunciado nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, para calcular o montante da coima aplicada a uma empresa, não é constitutivo de tratamento discriminatório relativamente às empresas que cometeram infracções às regras comunitárias da concorrência durante o mesmo período mas que, por razões relativas à data da descoberta da infracção ou próprias do curso do procedimento administrativo a elas relativo, foram objecto de condenação em datas anteriores à entrada em vigor das orientações.

(cf. n.° 53)

3.     A gravidade das infracções às regras da concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, e isto sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

De igual modo, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção podem, consoante o caso, constar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, logo, a influência que esta possa ter tido no mercado. Daqui decorre, por um lado, que, para a determinação do montante da coima, é lícito tomar em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como a quota de mercado das empresas do mercado em causa, que é susceptível de indicar a amplitude da infracção. Daí resulta, por outro lado, que não se pode dar nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado da coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global.

De qualquer forma, o simples facto de o montante da coima aplicada a uma empresa ultrapassar o montante do volume de negócios que ela realizou no Espaço Económico Europeu pela venda do produto objecto do acordo, durante o período em que participou nele, ou de o ultrapassar de forma significativa, não basta para demonstrar o carácter desproporcionado da coima.

(cf. n.os 76, 77, 80)

4.     Por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o montante da coima é determinado com base na gravidade e na duração da infracção. Além disso, em conformidade com as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão fixa o montante inicial em função da gravidade da infracção tendo em conta a própria natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado e a dimensão do mercado geográfico.

Este quadro jurídico não impõe assim, enquanto tal, que a Comissão tenha em conta a dimensão reduzida do mercado dos produtos.

Contudo, na apreciação da gravidade de uma infracção, compete à Comissão ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo de infracção em causa e as circunstâncias particulares da infracção em questão. Não se pode excluir que entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção possa figurar, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto em causa.

Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa constituir um elemento a ter em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função das circunstâncias particulares da infracção em causa.

(cf. n.os 99‑102)

5.     A dissuasão é uma das principais considerações que devem guiar a Comissão na determinação do montante das coimas aplicadas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência.

Se a coima fosse fixada a um nível que se limitasse a anular o benefício do acordo, não teria um efeito dissuasor. Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que as empresas têm racionalmente em conta, no âmbito do seu cálculo financeiro e da sua gestão, não apenas o nível das coimas que correm o risco de lhes ser aplicadas em caso de infracção, mas igualmente o nível de risco de detecção do acordo. Além disso, se se reduzisse a função da coima à simples anulação do lucro ou do benefício realizado, não se teria devidamente em conta o carácter ilícito do comportamento em causa à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, ao reduzir a coima a uma simples compensação do prejuízo causado, estaria a negligenciar‑se, além do efeito dissuasor que só pode visar comportamentos futuros, o carácter repressivo de uma medida destas relativamente à infracção concreta efectivamente cometida.

De igual modo, no caso de uma empresa que está presente num grande número de mercados e dispõe de uma capacidade financeira particularmente importante, a tomada em conta do volume de negócios realizado no mercado em causa pode não ser suficiente para assegurar que a coima tenha um efeito dissuasor. Efectivamente, quanto maior for uma empresa e mais disponha de recursos globais que lhe confiram a capacidade de agir de forma independente no mercado, mais ela deve estar consciente da importância do seu papel quanto ao bom funcionamento da concorrência no mercado. Logo, as circunstâncias de facto relacionadas com o poder económico de uma empresa que cometeu uma infracção devem ser tidas em consideração na fixação do montante da coima, a fim de garantir o seu efeito dissuasor.

(cf. n.os 140‑142)

6.     Segundo os termos do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, no seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem em conta, designadamente, do impacto concreto da infracção no mercado quando este for quantificável. Esse impacto quantificável do acordo deve ser considerado suficientemente demonstrado quando a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com uma probabilidade razoável, que o acordo teve um impacto no mercado.

Com efeito, o exame do impacto de um acordo no mercado implica necessariamente que se recorra a hipóteses. Neste contexto, a Comissão deve designadamente examinar qual teria sido o preço do produto em causa no caso de não existir acordo. Ora, no exame das causas da evolução real dos preços, é arriscado especular sobre a parte respectiva de cada uma destas últimas. Há que ter em conta a circunstância objectiva de que, devido ao acordo sobre os preços, as partes renunciaram precisamente à sua liberdade de entrarem em concorrência entre si através dos preços. Assim, a avaliação da influência resultante de factores diferentes dessa abstenção voluntária das partes no acordo baseia‑se necessariamente em probabilidades razoáveis e não quantificáveis com precisão.

Consequentemente, a menos que se retire ao critério do ponto 1 A, primeiro parágrafo, o seu efeito útil, não se pode criticar a Comissão por se ter baseado no impacto concreto, no mercado, de um acordo com um objecto anticoncorrencial, como um acordo sobre os preços ou sobre as quotas de mercado, sem quantificar esse impacto ou sem fornecer uma apreciação numérica quanto a esse aspecto.

(cf. n.os 174‑178)

7.     No momento da determinação da gravidade da infracção em matéria de concorrência, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento imputado. A este respeito, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão tomar como referência a concorrência que teria normalmente existido sem a infracção.

Daí resulta, por um lado, que, no caso de acordos, há que verificar – com um grau razoável de probabilidade – se os acordos sobre os preços permitiram efectivamente às empresas em causa atingirem um nível de preços superior ao que se teria verificado sem o acordo. Daqui resulta, por outro lado, que, na sua apreciação, a Comissão deve ter em conta todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar existente. Sendo caso disso, há que ter em conta a existência de «factores económicos objectivos» que revelem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de forma idêntica à dos preços praticados.

(cf. n.os 191, 192)

8.     Em matéria de repressão de acordos proibidos, o comportamento efectivo que uma empresa alega ter adoptado é irrelevante para efeitos da avaliação do impacto de um acordo no mercado, uma vez que os efeitos a tomar em consideração são os que resultam de toda a infracção em que a mesma participou.

(cf. n.° 204)

9.     Quando aprecia a gravidade de uma infracção às regras da concorrência a fim de determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso sob apreciação, mas igualmente o contexto em que a infracção se insere e assegurar o carácter dissuasor da sua acção. Com efeito, só a tomada em conta destes aspectos permite garantir uma plena eficácia à acção da Comissão com vista a garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

Uma análise puramente textual da disposição que consta do n.° 3, terceiro travessão, das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA poderia dar a impressão que o simples facto de um infractor cessar a infracção desde as primeiras intervenções da Comissão constitui de uma forma geral e sem reserva uma circunstância atenuante. Ora, tal interpretação desta disposição diminuiria o efeito útil das disposições que permitem a manutenção de uma concorrência eficaz, pois enfraqueceria tanto a sanção que poderia ser imposta na sequência de uma violação do artigo 81.° CE como o efeito dissuasor dessa sanção.

Com efeito, diversamente de outras circunstâncias atenuantes, esta circunstância não é inerente nem à particularidade subjectiva do infractor nem aos factos particulares do caso sob apreciação, uma vez que procede principalmente da intervenção exterior da Comissão. Assim, pôr termo a uma infracção unicamente na sequência de uma intervenção da Comissão não pode ser equiparado aos méritos decorrentes de uma iniciativa autónoma da parte do infractor, constituindo apenas uma reacção adequada e normal à referida intervenção. Além disso, esta circunstância consagra apenas o facto de o infractor voltar a ter um comportamento lícito e não contribui para tornar as diligências da Comissão mais eficazes. Por último, o carácter alegadamente atenuante desta circunstância não pode ser justificada pelo mero incitamento a pôr fim à infracção em causa, e isso é tanto mais assim à luz das circunstâncias precedentes. A este respeito, a qualificação da continuação de uma infracção depois das primeiras intervenções da Comissão de circunstância agravante já constitui, por si só, um incitamento para pôr fim à infracção, que não diminui a sanção nem o efeito dissuasor da mesma.

Assim, o reconhecimento do termo de uma infracção desde as primeiras intervenções da Comissão como circunstância atenuante poria injustificadamente em causa o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE, pela diminuição tanto da sanção como do efeito dissuasor da mesma. Por conseguinte, a Comissão não pode impor‑se a si própria ter de considerar a simples cessação da infracção desde as suas primeiras intervenções uma circunstância atenuante. Logo, há que interpretar restritivamente a disposição que figura no n.° 3, terceiro parágrafo, das orientações, de forma a que essa interpretação não seja contrária ao efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE e no sentido de que só as circunstâncias particulares do caso concreto, nas quais a hipótese do termo da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão se concretiza, podem justificar a tomada em conta desta última circunstância como circunstância atenuante.

Na hipótese de uma infracção particularmente grave que tem por objecto a fixação de preços e uma repartição dos mercados, cometida intencionalmente pelas empresas em causa, a sua cessação não poderá ser considerada uma circunstância atenuante quando foi determinada pela intervenção da Comissão.

(cf. n.os 276‑282)

10.   O princípio ne bis in idem proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito para se proteger o mesmo bem jurídico. A aplicação deste princípio está sujeita a três condições cumulativas, a saber, a identidade dos factos, a unidade de infractor e a unidade do interesse jurídico protegido.

Assim, no caso de os factos na base das duas condenações terem a sua origem num mesmo conjunto de acordos, mas se distinguirem, porém, relativamente ao seu objecto e à sua localização territorial, este princípio não se aplica. É o que acontece quando as sanções dizem respeito a acordos relativos a mercados diferentes. É igualmente o caso de um acordo que envolve também o território de Estados terceiros sempre que, nos termos do princípio da territorialidade, não existe conflito no exercício das competências da Comissão e das autoridades da concorrência desses Estados terceiros para aplicarem coimas a empresas que violem as regras da concorrência do Espaço Económico Europeu e dos referidos Estados terceiros.

(cf. n.os 290‑292)

11.   Embora seja importante que uma empresa tome medidas para impedir que sejam cometidas no futuro novas infracções ao direito comunitário da concorrência por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. A Comissão não tem que tomar em consideração esse elemento como circunstância atenuante, tanto mais porque a infracção em causa constitui, como no presente caso, uma violação manifesta do artigo 81.°, n.° 1, CE.

De igual modo, embora as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA disponham que a Comissão pode ter em conta circunstâncias agravantes contra uma empresa que já tenha cometido uma ou mais infracções do mesmo tipo, daqui não resulta que, quando a infracção em causa é a primeira deste tipo cometida pela empresa em causa, lhe deva ser aplicado um tratamento favorável a título de circunstância atenuante.

(cf. n.os 299, 300)

12.   Para que uma empresa possa beneficiar de uma redução significativa da coima em aplicação do título C da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, a referida comunicação exige, no seu título B, para o qual remete o título C, alínea b), que a mesma seja a primeira a fornecer elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada. A comunicação não prevê que, para preencher esta condição, a empresa que denuncia o acordo à Comissão lhe tenha que fornecer todos os elementos determinantes para a elaboração de uma comunicação de acusações ou, menos ainda, para a adopção de uma decisão que declare a existência da infracção.

(cf. n.os 319‑321)

13.   Sob pena de entrar em conflito com o princípio da igualdade de tratamento, a comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos deve ser aplicada no sentido de que, no que diz respeito à redução das coimas, a Comissão deve tratar da mesma forma as empresas que fornecem à Comissão na mesma fase do processo e em circunstâncias análogas informações semelhantes relativas aos factos que lhes foram imputados. A mera circunstância de uma dessas empresas ter reconhecido os factos imputados ao responder em primeiro lugar às questões colocadas pela Comissão não pode constituir uma razão objectiva para se lhe reservar um tratamento diferenciado.

Todavia, tal só é válido no quadro de uma cooperação de empresas que não caia no âmbito de aplicação dos títulos B e C da comunicação sobre a cooperação.

Com efeito, ao contrário desses títulos, o título D não prevê um tratamento diferente das empresas em causa em função da ordem na qual estas cooperaram com a Comissão.

(cf. n.os 338, 339, 341)

14.   A comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, mesmo sumários, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que a Comissão lhes imputa. Com efeito, só nestas condições pode a comunicação de acusações preencher a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários e que consiste em fornecer todos os elementos necessários às empresas e associações de empresas para que estas possam fazer valer utilmente a sua defesa antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva.

Quando a Comissão indica expressamente, na comunicação das acusações, que vai apreciar se deve aplicar coimas às empresas em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida «de forma intencional ou por negligência», cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de audiência das empresas. Ao fazê‑lo, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só contra a declaração da existência da infracção mas também contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.

Daqui resulta que, no que diz respeito à determinação do montante das coimas, o direito de defesa das empresas em causa é garantido perante a Comissão pela possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do carácter anticoncorrencial da infracção.

(cf. n.os 359, 361, 362)

15.   Quando o exame dos fundamentos invocados por uma empresa contra a legalidade de um decisão da Comissão que lhe aplica uma coima por violação das regras comunitárias da concorrência não revelar qualquer ilegalidade, não há lugar à utilização, pelo Tribunal de Primeira Instância, da sua competência de plena jurisdição para reduzir o montante da referida coima.

(cf. n.° 382)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

27 de Setembro de 2006 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Gluconato de sódio – Artigo 81.° CE – Coima – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Orientações para o cálculo das coimas – Comunicação sobre a cooperação – Princípio da proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Não retroactividade – Dever de fundamentação – Direito de defesa»

No processo T‑329/01,

Archer Daniels Midland Co., com sede em Decatur, Illinois (Estados Unidos), representada por C. O. Lenz, advogado, S. L. Martin Alegi, M. Garcia e E. Batchelor, solicitors,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Whelan, A. Bouquet e W. Wils, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão C(2001) 2931 final da Comissão, de 2 de Outubro de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/E‑1/36.756 – Gluconato de sódio), na parte respeitante à recorrente ou, pelo menos, na medida em que declara que ela participou numa infracção a partir de 4 de Outubro de 1994, e um pedido de anulação do artigo 3.° desta decisão na medida em que vise a recorrente, bem como, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada por esta decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Fevereiro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1       A sociedade Archer Daniels Midland Co. (a seguir «ADM»), é a sociedade‑mãe de um grupo de empresas que operam no sector da transformação de cereais e de grãos oleaginosos. Implantou‑se no mercado do gluconato de sódio em 1990.

2       O gluconato de sódio faz parte dos agentes quelatantes, produtos que desactivam os iões metálicos nos processos industriais. Estes processos incluem, designadamente, a limpeza industrial (limpeza de garrafas e de utensílios), o tratamento de superfícies (tratamentos contra a ferrugem, desengorduramento, gravura de alumínio) e o tratamento das águas. Assim, os agentes quelatantes são utilizados na indústria alimentar, na indústria cosmética, na indústria farmacêutica, na indústria do papel, na indústria de betão e ainda em outras indústrias. O gluconato de sódio é vendido no mundo inteiro e as empresas concorrentes estão presentes nos mercados mundiais.

3       Em 1995, as vendas totais de gluconato de sódio a nível mundial eram de cerca de 58,7 milhões de euros, sendo as realizadas no Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE») de cerca de 19,6 milhões de euros. À época dos factos, a quase totalidade da produção mundial de gluconato de sódio estava nas mãos de cinco empresas, a saber, em primeiro lugar, a Fujisawa Pharmaceutical Co. Ltd. (a seguir «Fujisawa»), em segundo, a Jungbunzlauer AG (a seguir «Jungbunzlauer»), em terceiro, a Roquette Frères SA (a seguir «Roquette»), em quarto, a Glucona vof (a seguir «Glucona»), uma empresa controlada em conjunto, até Dezembro de 1995, pela Akzo Chemie BV, filial a 100% da Akzo Nobel NV (a seguir «Akzo») e da Coöperatieve Verkoop‑ en Productievereniging van Aardappelmeel en Derivaten Avebe BA (a seguir «Avebe») e, em quinto lugar, a ADM.

4       Em Março de 1997, o Ministério da Justiça americano informou a Comissão de que, na sequência de um inquérito levado a cabo nos mercados da lisina e do ácido cítrico, também tinha sido aberto um inquérito relativamente ao mercado do gluconato de sódio. Em Outubro e Dezembro de 1997, bem como em Fevereiro de 1998, a Comissão foi informada de que a Akzo, a Avebe, a Glucona, a Roquette e a Fujisawa tinham reconhecido ter participado num acordo que consistia em fixar os preços do gluconato de sódio e em repartir os volumes de venda desse produto nos Estados Unidos e noutros países. Na sequência de acordos celebrados com o Ministério da Justiça americano, as autoridades americanas aplicaram coimas a essas empresas e à ADM. A coima aplicada à ADM relativa ao acordo sobre o mercado do gluconato de sódio foi incluída numa coima global de 100 milhões de dólares americanos (USD), paga no âmbito dos processos da lisina e do ácido cítrico.

5       Em 18 de Fevereiro de 1998, a Comissão enviou, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 01 p. 22), pedidos de informações aos principais produtores, importadores, exportadores e compradores de gluconato de sódio na Europa. A ADM não foi destinatária deste pedido.

6       Na sequência do pedido de informações, a Fujisawa estabeleceu contacto com a Comissão para a informar de que tinha cooperado com as autoridades americanas no âmbito do inquérito acima referido e que pretendia fazer o mesmo com a Comissão com base na Comunicação da Comissão, de 18 de Julho de 1996, sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»). Em 12 de Maio de 1998, na sequência de uma reunião que teve com a Comissão em 1 de Abril de 1998, a Fujisawa enviou uma declaração escrita e um processo que continha um resumo do historial do acordo e um determinado número de documentos.

7       Em 16 e 17 de Setembro de 1998, a Comissão realizou diligências de instrução, ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, às instalações da Avebe, da Glucona, da Jungbunzlauer e da Roquette.

8       Em 10 de Novembro de 1998, a Comissão enviou um pedido de informações à ADM. Em 26 de Novembro de 1998, a ADM anunciou a sua intenção de cooperar com a Comissão. Durante a reunião que teve lugar em 11 de Dezembro de 1998, a ADM deu um «primeiro contributo no âmbito da [su]a cooperação». De seguida, em 21 de Janeiro de 1999, foi enviada à Comissão uma declaração da empresa e documentos relativos ao processo.

9       Em 2 de Março de 1999, a Comissão enviou pedidos de informações detalhadas à Glucona, à Roquette e à Jungbunzlauer. Por cartas de 14, 19 e 20 de Abril de 1999, estas empresas deram a conhecer o seu desejo de cooperar com a Comissão e forneceram‑lhe determinadas informações sobre o acordo. Em 25 de Outubro de 1999, a Comissão enviou pedidos de informações adicionais à ADM, à Fujisawa, à Glucona, à Roquette e à Jungbunzlauer.

10     Em 17 de Maio de 2000, com base nas informações que lhe tinham sido comunicadas, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à ADM e às outras empresas em causa por violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o EEE (a seguir «acordo EEE»). A ADM e todas as outras empresas em causa transmitiram observações escritas em resposta às acusações feitas pela Comissão. Nenhuma das partes pediu a realização de uma audição nem contestou a materialidade dos factos expostos na comunicação de acusações.

11     Em 11 de Maio de 2001, a Comissão enviou pedidos de informações adicionais à ADM e às outras empresas em causa.

12     Em 2 de Outubro de 2001, a Comissão adoptou a Decisão C(2001) 2931 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE (COMP/E‑1/36.756 – Gluconato de sódio) (a seguir «decisão»). A decisão foi notificada à ADM por carta de 12 de Outubro de 2001.

13     A decisão compreende designadamente as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

[A Akzo], [a ADM], [a Avebe], [a Fujisawa], [a Jungbunzlauer] e [a Roquette] infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [...] CE e – a partir de 1 de Janeiro de 1994 – o artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE ao participarem num acordo e/ou numa prática concertada continuada no sector do gluconato de sódio.

A infracção durou:

–       no caso da [Akzo], da [Avebe], da [Fujisawa] e da [Roquette], de Fevereiro de 1987 a Junho de 1995;

–       no caso da [Jungbunzlauer], de Maio de 1988 a Junho de 1995;

–       no caso da [ADM], de Junho de 1991 a Junho de 1995.

[…]

Artigo 3.°

Aplicam‑se as seguintes coimas pela infracção referida no artigo 1.°:

a)      [Akzo]                                     9 milhões de euros

b)      [ADM]                                     10,13 milhões de euros

c)      [Avebe]                                     3,6 milhões de euros

d)      [Fujisawa]                            3,6 milhões de euros

e)      [Jungbunzlauer]                   20,4 milhões de euros

f)      [Roquette]                            10,8 milhões de euros

[…]»

14     Para efeitos do cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão, a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), bem como na comunicação sobre a cooperação.

15     Em primeiro lugar, a Comissão determinou o montante de base da coima em função da gravidade e da duração da infracção.

16     Neste contexto, no que diz respeito à gravidade da infracção, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que as empresas em causa tinham cometido uma infracção muito grave, atendendo à sua natureza, ao seu impacto concreto sobre o mercado do gluconato de sódio no EEE e à dimensão do mercado geográfico em causa (considerando 371 da decisão).

17     Em segundo lugar, a Comissão entendeu que tinha de ter em conta a capacidade económica efectiva dos autores das infracções para causarem um prejuízo à concorrência e fixar a coima a um nível que garantisse um efeito dissuasor suficiente. Por conseguinte, ao basear‑se nos volumes de negócios mundiais realizados pelas empresas envolvidas na venda de gluconato de sódio no decurso do ano 1995, o último ano do período da infracção, números esses que as partes tinham comunicado na sequência dos pedidos de informação da Comissão e a partir dos quais a Comissão calculou as quotas de mercado de cada uma dessas empresas, a Comissão classificou‑as em duas categorias. Na primeira categoria, classificou as empresas que, segundo os dados de que dispunha, detinham quotas do mercado mundial do gluconato de sódio superiores a 20%, a saber, a Fujisawa (35,54%), a Jungbunzlauer (24,75%) e a Roquette (20,96%). Para estas empresas, a Comissão fixou o montante inicial de 10 milhões de euros. Na segunda categoria, classificou as empresas que, segundo os dados de que dispunha, detinham quotas do mercado mundial de gluconato de sódio inferiores a 10%, a saber, a Glucona (cerca de 9,5%) e a ADM (9,35%). Para estas empresas, a Comissão fixou o montante inicial da coima em 5 milhões de euros, isto é, para a Akzo e a Avebe, que detinham conjuntamente a Glucona, em 2,5 milhões de euros para cada uma (considerando 385 da decisão).

18     Além disso, para garantir que a coima tivesse um efeito suficientemente dissuasor, por um lado, e para ter em conta o facto de que as grandes empresas dispõem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências daí resultantes do ponto do vista do direito da concorrência, por outro, a Comissão procedeu a um ajustamento do montante inicial. Por conseguinte, tendo em conta a dimensão e os recursos globais das empresas em questão, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 2,5 aos montantes iniciais fixados para a ADM e para a Akzo e aumentou, consequentemente, esse montante de base, de modo que foi fixado em 12,5 milhões de euros no caso da ADM e em 6,25 milhões de euros no caso da Akzo (considerando 388 da decisão).

19     No que se refere à duração da infracção cometida por cada empresa, o montante inicial foi, além disso, aumentado em 10% por ano, ou seja, um aumento de 80% para a Fujisawa, para a Akzo, para a Avebe e para a Roquette, de 70% para a Jungbunzlauer e de 35% para a ADM (considerandos 389 a 392 da decisão).

20     Assim, a Comissão fixou o montante de base das coimas em 16,88 milhões de euros relativamente à ADM. No que diz respeito à Akzo, à Avebe, à Fujisawa, à Jungbunzlauer e à Roquette, o montante de base foi fixado, respectivamente, em 11,25, em 4,5, em 18, em 17 e em 18 milhões de euros (considerando 396 da decisão).

21     Em segundo lugar, a título das circunstâncias agravantes, o montante de base da coima aplicada à Jungbunzlauer foi aumentado em 50%, devido ao facto de esta empresa ter desempenhado um papel de líder no âmbito do acordo e/ou prática concertada (considerando 403 da decisão).

22     Em terceiro lugar, a Comissão apreciou e rejeitou os argumentos de algumas empresas, como a ADM, segundo os quais estas empresas deviam beneficiar de circunstâncias atenuantes (considerandos 404 a 410 da decisão).

23     Em quarto lugar, em aplicação do título B da comunicação sobre a cooperação, a Comissão concedeu à Fujisawa uma «redução muito importante» (a saber, 80%) do montante da coima que lhe teria sido aplicada em caso de falta de cooperação. Além disso, a Comissão considerou que a ADM não preenchia as condições previstas no título C desta mesma comunicação para beneficiar de uma «redução substancial» do montante da sua coima. Por último, em conformidade com o título D dessa comunicação, a Comissão concedeu uma «redução substancial» (a saber, 40%) do montante da coima à ADM e à Roquette e de 20% à Akzo, à Avebe e à Jungbunzlauer (considerandos 418, 423, 426 e 427 da decisão).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

24     Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Dezembro de 2001, a ADM interpôs o presente recurso.

25     Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, colocou às partes algumas questões escritas às quais estas responderam nos prazos fixados.

26     Foram ouvidas as alegações das partes na audiência de 18 de Fevereiro de 2004.

27     Por carta de 21 de Julho de 2006, a ADM pediu ao Tribunal de Primeira Instância que tivesse em consideração um novo fundamento baseado nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»), devido ao facto de essas orientações constituírem um elemento de direito e de facto que surgiu durante o processo, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo de Tribunal de Primeira Instância. Atendendo ao princípio geral da boa administração da justiça, o Tribunal de Primeira Instância, sem reabrir o processo, convidou a Comissão a tomar posição quanto ao pedido da ADM. Por carta de 11 de Agosto de 2006, a Comissão participou que considerava que não se devia deferir o pedido da ADM.

28     A ADM conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       anular o artigo 1.° da decisão na medida em que a tem por destinatária ou, pelo menos, na medida em que considera que ela participou numa infracção a partir de 4 de Outubro de 1994;

–       anular o artigo 3.° da decisão na parte que a tem por destinatária;

–       a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima que lhe foi aplicada;

–       condenar a Comissão nas despesas.

29     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       negar provimento ao recurso;

–       condenar a ADM nas despesas.

 Questão de direito

30     Os fundamentos invocados pela ADM, que são todos relativos à fixação do montante da coima que lhe foi aplicada, dizem respeito, em primeiro lugar, à aplicabilidade das orientações ao presente caso, em segundo, à gravidade da infracção, em terceiro, à duração da infracção, em quarto, à existência de circunstâncias atenuantes, em quinto, à sua cooperação durante o procedimento administrativo e, em sexto, ao respeito pelos direitos de defesa.

A –  Quanto à aplicabilidade das orientações

1.     Quanto à violação dos princípios da segurança jurídica e da não retroactividade das penas

a)     Argumentos das partes

31     A ADM alega que o método de cálculo do montante das coimas determinado pelas orientações se afasta radicalmente da anterior prática da Comissão na matéria, a qual, tal como esta tinha admitido na decisão (considerando 395), consistia em determinar o montante da coima em função de uma taxa de base que representava uma determinada percentagem das vendas no mercado comunitário em causa. Pelo contrário, as orientações introduzem daí em diante uma taxa fixa de coima, por exemplo, 20 milhões de euros em caso de infracção muito grave, independentemente do volume de vendas do produto em causa.

32     A ADM observa que, durante o período em causa no presente processo (compreendido entre 1991 e 1994 ou entre 1991 e 1995), a Comissão aplicou, em conformidade com esta prática constante, coimas cujo montante se situava geralmente entre 2 e 9% do volume de negócios realizado pela venda do produto em causa no mercado comunitário. Pelo contrário, a aplicação da nova política resultante das orientações conduziria à aplicação de coimas cujo montante seria entre 43 e 153 vezes superior ao das coimas aplicadas com base na prática anterior.

33     A ADM reconhece que a Comissão dispõe de um poder discricionário para aumentar as coimas uma vez que a política em matéria de direito da concorrência exige que sejam aplicadas coimas com carácter dissuasor mais elevadas. Contudo, ao aplicar uma coima cujo montante é entre 43 a 153 vezes superior ao que teria sido fixado segundo a prática anterior, a Comissão ultrapassou manifestamente esta margem de apreciação. Contrariamente ao que a Comissão sustenta, esta conclusão é corroborada pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, Lögstör Rör/Comissão (T‑16/99, Colect., p. II‑1633, n.° 237). Por um lado, a ADM sublinha, com efeito, que, neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância admitiu a possibilidade de a Comissão aumentar o nível das coimas dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17 com a condição de que tal seja necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência. Ora, a Comissão não forneceu na decisão nem nas suas alegações uma justificação nem adiantou provas que demonstrem que a execução desta política requer que se aplique coimas de um montante 43 a 153 vezes superior às que resultavam do exame da prática anterior. Por outro lado, observa que, no processo que culminou no acórdão referido, bem como em todos os outros processos sobre o acordo, relativa às condutas para aquecimento urbano, com excepção do relativo à ABB, a Comissão aplicou coimas de um nível comparável ao que era utilizado quando se aplicava a anterior prática da Comissão. Com efeito, alega, as empresas em causa neste acordo só foram condenadas em coimas que representavam entre 3% e 14% das vendas em causa, e mesmo à ABB só foi aplicada uma coima correspondente a 44% do seu volume de negócios em causa.

34     A ADM considera que as empresas em causa devem poder operar em condições previsíveis. Conforme explicam igualmente as orientações (primeiro parágrafo), na fixação dos montantes das coimas, a Comissão é obrigada a respeitar uma linha de política coerente e não discriminatória. A ADM considera que a falta de segurança jurídica na determinação das coimas está em contradição com a ideia da execução efectiva do carácter dissuasor da coima. Para que o efeito dissuasor individual de uma coima seja efectivo, é indispensável que as empresas conheçam de antemão as sanções aplicáveis. Refere que uma amnistia global ou uma política de indulgência eficaz requer que as sanções aplicáveis em caso de recusa de colaboração estejam claramente pré‑definidas. De igual modo, não é razoável manter um estado de incerteza constante quanto ao nível das coimas que podem ser aplicadas em caso de violação das regras da concorrência, designadamente em função do lapso de tempo importante necessário para terminar os inquéritos sobre essas infracções. Por conseguinte, o princípio da segurança jurídica exige que a abordagem que a Comissão adopta para calcular as coimas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 possa ser prevista com um grau suficiente de certeza.

35     A ADM acrescenta que resulta do manual das orientações da Sentencing Commission dos Estados Unidos [ponto 1B1.11 (b)(1)] e da jurisprudência de um tribunal federal de recurso [acórdão United States v. Kimler, 167 F.3d 889, (5th Circ. 1999)] que a aplicação de novas orientações em matéria de multas com efeito retroactivo é proibida pela regras ex post facto da Constituição dos Estados Unidos, quando conduza à aplicação de uma pena mais pesada do que a prevista no momento da prática da infracção.

36     Por conseguinte, segundo a ADM, a aplicação retroactiva da nova política prevista nas orientações a um infracção que, como no presente caso, teve lugar antes da sua publicação e que tem por efeito aplicar à ADM uma coima de tal forma superior aos níveis das coimas aplicadas segundo a prática anterior, e tal sem que este distanciamento seja necessário para assegurar o respeito da política em matéria de direito da concorrência, viola o princípio da segurança jurídica e é ilegal.

37     A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

38     O Tribunal de Primeira Instância recorda, antes de mais, que o princípio da não retroactividade das leis penais, consagrado como direito fundamental no artigo 7.° da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, constitui um princípio geral de direito comunitário cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência, e que este princípio exige que as sanções proferidas correspondam às que eram fixadas à época em que a infracção foi cometida (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 202; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.os 218 a 221, e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 39).

39     Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância considera que a adopção de orientações susceptíveis de alterar a política geral da concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangido pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

40     Com efeito, por um lado, as orientações são susceptíveis de provocar efeitos jurídicos. Estes efeitos jurídicos resultam não de uma normatividade própria das orientações, mas da adopção e da publicação das mesmas pela Comissão. Esta adopção e esta publicação das orientações implicam uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode renunciar às mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 209 a 212).

41     Por outro lado, as orientações, enquanto instrumento de uma política em matéria da concorrência, caem no âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade, à semelhança da nova interpretação jurisprudencial de uma norma que cria uma infracção, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v., designadamente, TEDH, acórdãos S. W. e C. R. c. Reino Unido de 22 de Novembro de 1995, série A, n.os  335B e 335C, §§ 34 a 36 e §§ 32 a 34; Cantoni c. França de 15 de Novembro de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões, 1996‑V, §§ 29 a 32, e Coëme e o. c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões, 2000‑VII, § 145), segundo a qual esta última disposição se opõe à aplicação retroactiva de uma nova interpretação de uma norma que cria uma infracção. É, em especial, esse o caso, segundo a referida jurisprudência, se se tratar de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infracção foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa. Contudo, há que precisar que resulta desta jurisprudência que o alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado acto. Mais particularmente, segundo o acórdão Cantoni c. França (já referido, § 35), é o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que eles avaliem com particular cuidado os riscos que a mesma comporta (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 215 a 223).

42     À luz das considerações anteriores, há agora que verificar se a alteração que constitui a adopção das orientações era razoavelmente previsível à época em que as infracções em causa foram cometidas.

43     A este propósito, observe‑se que a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta, essencialmente, numa tarifação, ainda que relativa e flexível, das coimas (acórdão Dansk Rørindustri/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 225).

44     Em seguida, deve recordar‑se que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, pois, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38 supra, n.° 227, de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 109, e de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.° 81; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 309, e de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89; acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 56).

45     Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas últimas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 228).

46     Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38 supra, n.os 229 e 230).

47     Assim, sem prejuízo dos desenvolvimentos que constam dos n.os 99 e seguintes, infra, a ADM não tem razão quando alega que o aumento do nível das coimas pela Comissão, no contexto do acordo, é manifestamente desproporcionado em relação ao objectivo de assegurar a execução da política da concorrência.

48     De igual modo, a circunstância invocada pela ADM – admitindo que esteja provada – de que a aplicação da nova política conduziria a coimas cujos montantes são entre 43 e 153 vezes superiores aos das coimas que foram aplicadas com base na prática anterior não pode implicar uma violação do princípio da não retroactividade. Com efeito, atendendo designadamente à jurisprudência referida no n.° 41 do presente acórdão, devia ser razoavelmente previsível para a ADM que a Comissão pudesse, a todo o momento, rever o nível geral das coimas no contexto da execução de uma outra política da concorrência. Assim, a ADM devia ter podido razoavelmente prever este aumento – na pressuposição que se verificou – na época em que as infracções em causa foram cometidas.

49     Por último, na medida em que a ADM entende que, para assegurar um efeito dissuasor das coimas, é indispensável que as empresas conheçam de antemão o nível das coimas que devem esperar se cometerem infracções às regras comunitárias da concorrência, basta salientar que o carácter dissuasor das coimas não pressupõe de forma alguma que as empresas conheçam de antemão o nível preciso da coima que podem esperar por um dado comportamento anticoncorrencial.

50     Por conseguinte, o fundamento relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da não retroactividade das disposições improcede.

2.     Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

a)     Argumentos das partes

51     A ADM sustenta que a aplicação das orientações viola o princípio da igualdade de tratamento, pois conduz a uma diferenciação entre as empresas que tiverem cometido uma infracção ao direito da concorrência em função, não da data da infracção, mas sim da data da adopção da decisão da Comissão, por ela fixada de forma arbitrária. A título de exemplo, a ADM expõe que às empresas em causa na Decisão 97/624/CE da Comissão, de 14 de Maio de 1997, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° do Tratado CE (IV/34.621, 35.059/F‑3 – Irish Sugar plc) (JO L 258, p. 1), e na Decisão 94/210/CE da Comissão, de 29 de Março de 1994, relativa a um processo nos termos dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE (IV/33.941 – HOV‑SVZ/MCN) (JO L 104, p. 34), foi aplicada uma coima que apenas representava 6,8% e 5% respectivamente do montante das vendas efectuadas no mercado relevante, apesar de a infracção em causa ser contemporânea do acordo sobre o gluconato de sódio.

52     A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

53     É jurisprudência assente que o facto de ter aplicado o método enunciado nas orientações para calcular o montante da coima não é constitutivo de tratamento discriminatório relativamente às empresas que cometeram infracções às regras comunitárias da concorrência durante o mesmo período mas que, por razões relativas à data da descoberta da infracção ou próprias do curso do procedimento administrativo a elas relativo, foram objecto de condenação em datas anteriores à entrada em vigor das orientações (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 69 a 73; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.os 118 e 119).

54     Por conseguinte, pelas razões invocadas nos acórdãos referidos no número antecedente, há igualmente que declarar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.

B –  Quanto à gravidade da infracção

1.     Introdução

55     A ADM considera que a Comissão não apreciou correctamente a gravidade da infracção no âmbito do cálculo do montante da coima. Os fundamentos invocados a este respeito são relativos, em primeiro lugar, à falta ou insuficiência da tomada em conta do volume de negócios relativo à venda do produto em causa, em segundo lugar, à falta ou insuficiência da tomada em conta da dimensão limitada do mercado do gluconato de sódio, em terceiro lugar, à dupla tomada em conta da necessidade de um efeito dissuasor da coima, em quarto lugar, à aplicação de um coeficiente de aumento do montante inicial e, em quinto lugar, ao impacto concreto do acordo no mercado.

56     Antes de decidir do mérito dos diferentes fundamentos invocados a este respeito, há que resumir o método seguido pela Comissão no presente caso quanto à apreciação e à tomada em conta da gravidade da infracção, conforme resulta dos considerandos da decisão.

57     Resulta da decisão que, para apreciar a gravidade da infracção, a Comissão considerou, antes de mais, que as empresas em causa tinham cometido uma infracção muito grave, atendendo à sua natureza, ao seu impacto concreto no mercado do gluconato de sódio no EEE e à extensão do mercado geográfico em causa, que afectou todo o EEE (considerandos 334 a 371 da decisão).

58     Em seguida, a Comissão entendeu que tinha de aplicar às empresas em causa um «tratamento diferenciado a fim de ter em conta a sua capacidade económica real [de] produzir prejuízos significativos à concorrência e [...] fixar a coima a um nível que garanta um efeito dissuasor suficiente». Neste contexto, a Comissão indicou que teria em conta o peso específico de cada empresa, e assim o efeito real do seu comportamento ilegal na concorrência (considerandos 378 e 379 da decisão).

59     Para efeitos da apreciação destes elementos, a Comissão optou por se basear no volume de negócios realizado pelas empresas em causa pela venda do gluconato de sódio a nível mundial durante o último ano do período da infracção, a saber, 1995. Neste contexto, a Comissão considerou que, «[sendo] o mercado [do gluconato de sódio] [...] global, estes números da[vam] a melhor indicação possível da capacidade das empresas participantes [para] causar um dano significativo aos operadores no mercado comum e /ou no EEE» (considerando 381 da decisão). A Comissão acrescentou que, na sua opinião, este método era corroborado pelo facto de se tratar de um acordo, cujo objecto consistia, designadamente, em repartir os mercados à escala mundial e, assim, de subtrair certas zonas do EEE à concorrência. Considerou, além disso, que o volume de negócios de uma parte do acordo também dava uma ideia da sua contribuição para a eficácia do acordo no seu conjunto ou, pelo contrário, da instabilidade de que padeceria se a referida parte não tivesse participado no mesmo (considerando 381 da decisão).

60     Com base nisto, a Comissão decidiu definir duas categorias de empresas, a saber, por um lado, a formada pelos «três principais produtores de gluconato de sódio [que] detinham quotas do mercado mundial superiores a 20%» e, por outro, a formada pelas empresas «cujas quotas de mercado eram sensivelmente inferiores no mercado mundial do gluconato de sódio (menos de 10%)» (considerando 382 da decisão). Assim, a Comissão fixou um montante inicial de 10 milhões de euros para as empresas da primeira categoria que compreendia a Fujisawa, a Jungbunzlauer e a Roquette, cujas quotas de mercado ascendiam a cerca de 36, 25 e 21%, e um montante inicial de 5 milhões de euros para as empresas que pertenciam à segunda categoria, a saber, a Glucona e a ADM, cujas quotas de mercado ascendiam a cerca de 9% cada uma. Tendo a Glucona sido detida em conjunto pela Akzo e pela Avebe, a Comissão fixou para cada uma destas sociedades montantes de base de 2,5 milhões de euros (considerando 385 da decisão).

61     Por último, para assegurar que a coima tivesse um efeito suficientemente dissuasor, por um lado, e para ter em conta o facto de as grandes empresas disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências daí resultantes do ponto de vista do direito da concorrência, por outro, a Comissão procedeu a um ajustamento desse montante inicial. Por conseguinte, tendo em conta a dimensão e os recursos globais das empresas em causa, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 2,5 aos montantes iniciais determinados para a ADM e a Akzo e fixou assim o montante da coima, em função da gravidade da infracção, em 12,5 milhões de euros no caso da ADM e em 6,25 milhões de euros no caso da Akzo (considerando 388 da decisão).

2.     Quanto à falta ou à insuficiência da tomada em conta do volume de negócios da venda do produto em causa

a)     Argumentos das partes

62     A ADM critica a Comissão por não ter tido em conta, ou por tê‑lo feito de forma insuficiente, o seu volume de negócios realizado graças à venda do produto em causa para o cálculo do montante de base da coima.

63     Por um lado, a ADM alega que resulta da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância que o volume de negócios realizado graças ao produto em causa é um elemento importante no cálculo das coimas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549, n.os 92 a 95; de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T‑24/93 a T‑26/93 e T‑28/93, Colect., p. II‑1201, n.° 233; de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127; e de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 176).

64     A ADM considera que a tomada em conta do volume de negócios realizado graças ao produto em causa no EEE é uma base apropriada para avaliar as infracções à concorrência no mercado do produto em causa na Comunidade, bem como a importância relativa dos participantes do acordo em relação aos produtos em causa. Esta conclusão, segundo a ADM, é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Europa Carton/Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 126, e de 14 de Maio de 1998, KNP BT/Comissão, T‑309/94, Colect., p. II‑1007, n.° 108, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641).

65     Além disso, segundo a ADM, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão (T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 442), confirma que uma tomada em conta desproporcionada da dimensão global de uma empresa para fixar a coima é ilegal.

66     De igual modo, a ADM sustenta que, na sua prática decisória dos últimos anos relativos a processos semelhantes aos do presente caso [Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 – Cartão) (JO L 243, p. 1); Decisão 94/815/CE da Comissão, de 30 de Novembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.126 e 33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1); Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.149 ‑ Polipropileno) (JO L 230, p. 1); Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31.553: rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1); e Decisão 94/215/CECA da Comissão, de 16 de Fevereiro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA relativo a acordos e práticas concertadas entre produtores europeus de vigas (JO L 116, p. 1)], a própria Comissão se baseou no volume de vendas realizadas pelo produto em causa no mercado comunitário, tal como, de resto, reconheceu na decisão (considerando 395). Ora, ela observa que, ao ter‑se apoiado nesta decisão nesse critério de cálculo, a Comissão fixou coimas cujo montante se situava entre 2 e 9% do volume de negócios realizado pelas empresas em causa no produto em questão. A ADM salienta que, se a Comissão também tivesse seguido este critério de cálculo no presente caso, ela teria sido levada a impor‑lhe uma coima situada entre 66 000 e 236 000 euros. Pelo contrário, ao não ter utilizado este método de cálculo, a Comissão impôs‑lhe, no presente caso, coimas cujo montante é entre 43 e 153 vezes superior ao das coimas que ela teria imposto com base no mesmo.

67     A ADM considera que a abordagem seguida pela Comissão tem por efeito penalizar um produto nicho com pouco valor de mercado da mesma forma que se penaliza um acordo, decisão ou prática concertada relativamente a um produto com um elevado valor de mercado e economicamente significativo. Entende que a Comissão não teve devidamente em conta o montante limitado do volume de negócios que ela realizou pela venda do gluconato de sódio em nenhuma das etapas do cálculo da coima.

68     A ADM acrescenta que, mesmo tendo em conta as vendas de gluconato de sódio por ela realizadas no EEE durante todo o período em que o acordo perdurou, e não apenas no decurso de um único ano, a coima fixada pela Comissão continua a ser manifestamente desproporcionada. Com efeito, o seu volume de negócios realizado pela venda do gluconato de sódio no EEE entre o mês de Junho de 1991 e o mês de Junho de 1995 (ou seja, a duração alegada pela Comissão) só ascende a cerca de 7,83 milhões de euros pelo gluconato de sódio e, por conseguinte, a coima representa 216% deste montante. Entre o mês de Junho de 1991 e o mês de Outubro de 1994 (ou seja, a totalidade do período durante o qual a ADM considera ter participado no acordo), o volume de negócios realizado por ela no EEE através do gluconato de sódio é de cerca de 5,96 milhões de euros e a coima aplicada representa 283% deste valor. Seja qual for o período preciso de participação no acordo tido em conta, a coima ultrapassa em mais de 200% o valor total das vendas da totalidade do período durante o qual a ADM participou no acordo. Com efeito, uma coima correspondente a 644% das vendas anuais seria o resultado, de acordo com o método utilizado pelas autoridades americanas, referido pela Comissão, de um acordo que tivesse durado 32 anos (e não menos de quatro anos).

69     Por conseguinte, a ADM entende que a Comissão violou não só os princípios desenvolvidos pela jurisprudência, mas violou igualmente o princípio da proporcionalidade.

70     Por outro lado, a ADM considera que as orientações indicam que é «necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores» e que, além disso, prevêem, no caso de carteis, uma ponderação eventual destinada a reflectir o «impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência».

71     Ora, segundo a ADM, o impacto económico, seja na concorrência seja nos outros operadores, só pode ser avaliado relativamente ao montante das vendas do produto em causa. Apenas a tomada em consideração destas vendas permite avaliar a extensão do prejuízo potencial para os consumidores ou para a concorrência em termos de benefício anticoncorrencial ou outros proveitos ilegais.

72     Por conseguinte, considera que, ao não ter tido em conta o volume de negócios proveniente da venda do produto em causa, a Comissão não aplicou correctamente as suas próprias orientações.

73     Por último, a ADM adianta que, ao não ter fornecido motivos específicos em apoio da sua decisão de não ter em conta as vendas que a ADM realizou no mercado do produto em causa no EEE, a Comissão violou o dever de fundamentação.

74     A Comissão pede que estes fundamentos sejam julgados improcedentes.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

75     A ADM alega a violação, em primeiro lugar, do princípio da proporcionalidade, em segundo lugar, das orientações e, em terceiro lugar, do dever de fundamentação.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

76     Conforme é reconhecido pela jurisprudência assente, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, e isto sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54 e acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33; acórdão HFB e o./Comissão, referido no n.° 65, supra, n.° 443).

77     De igual modo, é jurisprudência assente que, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção podem, consoante o caso, constar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, logo, a influência que esta possa ter tido no mercado. Daqui decorre, por um lado, que, para a determinação do montante da coima, é lícito tomar em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como a quota de mercado das empresas do mercado em causa, que é susceptível de indicar a amplitude da infracção. Daí resulta, por outro lado, que não se pode dar nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado da coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global (v., neste sentido, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.os 120 e 121; acórdãos Parker Pen/Comissão, referido no n.° 63, supra, n.° 94; SCA Holding/Comissão, referido no n.° 63, supra, n.° 176; Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 188; e HFB e o./Comissão, referido no n.° 65, supra, n.° 444).

78     Daqui resulta que, embora não se possa negar, como a ADM salienta, que o volume de negócios do produto em causa possa constituir a base apropriada para avaliar as infracções à concorrência no mercado do produto em causa na Comunidade, bem como a importância relativa dos membros do acordo relativamente aos produtos em causa, não é menos verdade que este elemento não constitui, nem de longe, o único critério segundo o qual a Comissão deve apreciar a gravidade da infracção.

79     Por conseguinte, ao contrário do que a ADM sustenta, limitar‑se, como ela parece propor, a apreciação à correspondência entre a coima aplicada e o volume de negócios do produto em causa para apreciar o seu carácter proporcional seria atribuir a este elemento uma importância desproporcionada.

80     De qualquer forma, o simples facto, invocado pela ADM, de o montante da coima ultrapassar o montante do volume de negócios que ela realizou pela venda desse produto durante o período abrangido pelo acordo, ou de o ultrapassar de forma significativa, não basta para demonstrar o carácter desproporcionado da coima. Com efeito, deve apreciar‑se o carácter proporcional deste nível de coima relativamente a todos os elementos que a Comissão deve ter em conta na apreciação da gravidade da infracção, a saber, a própria natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado em causa e a dimensão do mercado geográfico. A justeza da decisão relativamente a alguns destes critérios será, seguindo os argumentos da ADM, analisado adiante.

81     Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade por o montante da coima aplicada ultrapassar o montante do volume de negócios que a ADM realizou no EEE pela venda do produto em causa durante o período do acordo deve ser julgado improcedente.

 Quanto à violação das orientações

82     Tal como o Tribunal de Primeira Instância já teve ocasião de julgar as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima, a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (v., neste sentido, acórdãos LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 283, confirmado em sede de recurso pelo acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 258, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 187).

83     Por conseguinte, as orientações não prevêem que os volumes de negócios das empresas em causa – seja o volume de negócios global seja o relativo à venda do produto em causa – constituem o ponto de partida do cálculo das coimas e, menos ainda, que constituem os únicos critérios relevantes para determinar a gravidade da infracção.

84     Em compensação, a Comissão pode tê‑lo em conta como um elemento relevante entre outros. Em particular, é este o caso quando, em conformidade com o terceiro a sexto parágrafo do ponto 1 A das orientações, a Comissão adapta o montante para garantir um nível suficientemente dissuasor das coimas. Neste contexto, a Comissão tem em conta a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores e a necessidade de assegurar à coima um carácter suficientemente dissuasor (ponto 1 A, quarto parágrafo) e procede a uma ponderação dos montantes determinados em função do peso específico e assim do impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza (ponto 1 A, sexto parágrafo).

85     Em particular, a Comissão sustentou nas suas alegações que, para apreciar, no âmbito do tratamento diferenciado entre as empresas em causa, a incidência real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, deve ter em conta o volume de negócios resultante da venda do produto em causa.

86     Conforme resulta dos considerandos 378 a 382 da decisão, contrariamente ao que a ADM sustenta, a Comissão, neste contexto, teve efectivamente em conta os volumes de negócios das partes em causa resultantes da venda do produto em questão. Com efeito, tal como já se observou nos n.os 58 e 60, supra, para aplicar o referido tratamento diferenciado entre as empresas em causa, a Comissão baseou‑se nos volumes de negócios realizados por estas através da venda do gluconato de sódio a nível mundial durante o último ano do período da infracção, ou seja, o ano de 1995.

87     Ora, no caso em apreço, estamos perante um cartel que reúne as empresas que detêm a quase totalidade das quotas de mercado do produto em causa a nível mundial. Além disso, o cartel tinha por objecto a fixação de preços e a repartição do mercado através da atribuição de quotas de venda. Num caso destes, no âmbito do tratamento diferenciado entre as empresas em causa, a Comissão pode validamente apoiar‑se no volume de negócios realizado pelos membros deste acordo pela venda do gluconato de sódio das mesmas a nível mundial. Com efeito, uma vez que o objectivo deste tratamento diferenciado é avaliar a capacidade económica efectiva dos autores de uma infracção de causarem um prejuízo à concorrência pelo comportamento ilícito e, assim, ter em conta o seu peso específico dentro do cartel, a Comissão não foi para além da sua margem de apreciação ao considerar que a quota de mercado mundial dos membros respectivos do acordo era um valor indicativo apropriado.

88     Por conseguinte, improcede o fundamento relativo à violação das orientações.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

89     De acordo com jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colect., p. I‑9919, n.° 87).

90     No que se refere a uma decisão que aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, o alcance do dever de fundamentação deve ser designadamente determinado à luz do facto de a gravidade das infracções dever ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, referido no n.° 76, supra, n.° 54).

91     No presente caso, a Comissão não calculou o montante da coima com base no volume de negócios relativo ao produto em causa no EEE. Ora, contrariamente ao que a ADM afirma, a Comissão não era obrigada a calcular o montante da coima a aplicar a uma empresa com base no volume de negócios relativo ao produto em causa no EEE (v. n.os 86 e 87, supra). Por conseguinte, não se pode criticar a Comissão por não ter indicado os motivos pelos quais não se serviu desse factor para calcular o montante da coima aplicada.

92     Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve igualmente ser julgado improcedente.

3.     Quanto à falta ou à insuficiência da tomada em consideração da dimensão limitada do mercado do produto em causa

a)     Argumentos das partes

93     A ADM considera que, contrariamente ao que afirmou no considerando 377 da decisão, a Comissão não tomou, ou, pelo menos, não tomou correctamente em consideração, para o cálculo da coima, a dimensão limitada do mercado do produto em causa.

94     Em primeiro lugar, a ADM observa que a Comissão fixou o montante inicial para todas as empresas em causa em 40 milhões de euros, de entre os quais 5 milhões de euros só para a ADM (considerando 385 da decisão). Ora, o montante de 40 milhões de euros corresponde a mais de 200% das vendas do gluconato de sódio realizadas no EEE em 1995 por todas as empresas envolvidas. Além disto, alega que a coima final fixada pela Comissão correspondia, antes da redução pela cooperação, a 438% e, após esta redução, a 294% do montante das vendas de gluconato de sódio no EEE em 1995 (considerandos 396 e 440 da decisão).

95     Em segundo lugar, ao comparar a coima que a Comissão lhe aplicou no presente caso com as impostas no processo «Fosfato de zinco», Decisão 2003/437/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2001, relativa um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑1/37.027 – Fosfato de zinco) (JO 2003, L 153, p. 1), a ADM considera que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Observa, com efeito que, embora estes dois processos sejam em parte contemporâneos e sejam comparáveis não apenas em termos de dimensão dos mercados em causa, mas igualmente da gravidade e da duração da infracção, a Comissão teve em conta a dimensão limitada do mercado do fosfato de zinco na Europa e, nesse processo, fixou a coima global em 11,95 milhões de euros (ou 75% do montante global das vendas do produto em causa) contra 40 milhões de euros de coima global no processo do gluconato de sódio (que representa mais de 200% das vendas do produto em causa no EEE). Além disso, a ADM observa que, no processo denominado «Fosfatos de zinco», o montante de base tinha sido fixado em 3 milhões de euros para as empresas que possuíam uma quota de mercado superior a 20% e em 0,75 milhões de euros para a empresa que tinha uma quota de mercado nitidamente inferior. Ora, no caso do gluconato de sódio, a Comissão fixou o montante inicial para o cálculo da coima em 10 milhões de euros para as empresas cuja quota de mercado era superior a 20% e em 5 milhões de euros para as que tinham uma quota de mercado nitidamente inferior.

96     Em terceiro lugar, a ADM considera que a decisão padece, quanto a este ponto, de uma violação do dever de fundamentação na medida em que existe, segundo ela, uma contradição entre, por um lado, o considerando 377 e, por outro, os considerandos 394 e 395 da decisão. Com efeito, observa a ADM, no considerando 377, a Comissão afirma ter tido em conta o volume de negócios realizado pelo produto em causa ao mesmo tempo que, nos considerandos 394 e 395, rejeita os argumentos apresentados pela ADM para que o referido volume de negócios seja tido em consideração.

97     A Comissão pede que os fundamentos invocados sejam julgados improcedentes. No que diz respeito à comparação do presente caso com o processo denominado «Fosfatos de zinco», a Comissão sustenta que, neste processo, as coimas inicialmente calculadas foram reduzidas para metade devido ao limite de 10% do volume de negócios global previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e, em segundo lugar, que não teve em conta nenhuma circunstância agravante. De resto, as diferenças que possam subsistir no tratamento destes dois processos justificam‑se pela margem de apreciação de que a Comissão dispõe na matéria.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

98     A ADM invoca a violação, em primeiro lugar, do princípio da proporcionalidade, em segundo, do princípio da igualdade de tratamento e, em terceiro lugar, do dever de fundamentação.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

99     Há que recordar que, por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o montante da coima é determinado com base na gravidade e na duração da infracção. Além disso, em conformidade com as orientações, a Comissão fixa o montante inicial em função da gravidade da infracção tendo em conta a própria natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado e a dimensão do mercado geográfico.

100   Este quadro jurídico não impõe assim, enquanto tal, que a Comissão tenha em conta a dimensão reduzida do mercado dos produtos.

101   Contudo, segundo a jurisprudência, na apreciação da gravidade de uma infracção, compete à Comissão ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo de infracção em causa e as circunstâncias particulares da infracção em questão (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 120). Não se pode excluir que entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção possa figurar, segundo o caso, a dimensão do mercado do produto em causa.

102   Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa constituir um elemento a ter em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função das circunstâncias particulares da infracção em causa.

103   No presente caso, a infracção tem designadamente por objecto um acordo sobre os preços, que, pela sua natureza, é intrinsecamente grave. Além disso, as empresas partes no acordo aprovisionavam em conjunto mais de 90% do mercado mundial e 95% do mercado europeu (considerando 9 da decisão). Por último, o facto é que o gluconato de sódio é uma matéria‑prima utilizada num número de produtos finais muito variado de forma que afecta variadíssimos mercados (considerandos 6 e 8 da decisão). Neste contexto, a dimensão reduzida do mercado em causa, mesmo que demonstrada, tem pouca importância relativamente aos restantes elementos que comprovam a gravidade da infracção.

104   De qualquer forma, há que ter em conta que a Comissão entendeu que a infracção devia ser considerada muito grave na acepção das orientações, que, para estes casos, prevêem que a Comissão pode «prever» um montante inicial que ultrapasse os 20 milhões de euros. Todavia, no caso em apreço, resulta do considerando 385 da decisão que a Comissão só determinou um montante inicial de 10 milhões de euros para as empresas da primeira categoria e de 5 milhões de euros para as pertencentes à segunda categoria, o que corresponde à metade, e a um quarto, do montante, que, ao abrigo da orientações, ela podia ter «previsto» para as infracções muito graves.

105   Esta determinação do montante inicial da coima confirma que, tal como indicou no considerando 377 da decisão, a Comissão teve em conta, designadamente, a dimensão limitada do mercado do produto em causa.

106   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade deve improceder.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

107   Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

108   Importa igualmente recordar que a prática decisória da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, uma vez que este está definido no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, conforme completado pelas orientações (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 209 a 213, e jurisprudência referida).

109   Além disso, a determinação do montante das coimas está abrangida pelo amplo poder de apreciação da Comissão de forma que os operadores não podem investir uma confiança legítima na determinação desses montantes pela Comissão (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 171 e 172, e jurisprudência aí referida).

110   Por último, há que recordar que o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que um comportamento justificava uma coima de um determinado montante não implica de forma alguma que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior (v., designadamente, por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 357; de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 368, e LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 234 e 337).

111   Assim, deve considerar‑se que a simples invocação pela ADM da decisão denominada «Fosfatos de zinco» é em si inoperante, na medida em que a Comissão não era obrigada a apreciar o presente caso da mesma forma.

112   No que se refere à aplicação do princípio da igualdade de tratamento no presente caso, deve salientar‑se que as outras decisões da Comissão adoptadas em matéria de coimas só têm, em princípio, um carácter indicativo, ainda mais porque os dados circunstanciais das outras decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa não são idênticos aos da decisão impugnada (v. neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colect., p. II‑49, n.° 187).

113   Ora, no caso em apreço, há que observar, prima facie, que as circunstâncias do acordo que constituíram o objecto da decisão diferem das que constituíram o objecto da decisão denominada «Fosfatos de zinco». Com efeito, o acordo no mercado dos fosfatos de zinco só englobava o território do EEE, ao passo que o acordo sobre o gluconato de sódio era mundial. Além disso, contrariamente ao presente caso, o acordo no mercado dos fosfatos de zinco só reuniu empresas de uma dimensão reduzida. Assim, os volumes de negócios mundiais das empresas em causa na decisão denominada «Fosfatos de zinco» situavam‑se, no ano de 2000, entre 7,09 e 278,8 milhões de euros, ao passo que no presente caso os volumes de negócios mundiais das empresas em causa no ano de 2000 se situavam entre 314 milhões e 14,003 mil milhões de euros, de entre os quais 13,936 mil milhões de euros da ADM.

114   De qualquer forma, mesmo admitindo que todas as circunstâncias relevantes para efeitos da determinação do montante apropriado da coima no processo que foi objecto da decisão denominada «Fosfatos de zinco» possam ser consideradas comparáveis com as do presente caso, o Tribunal de Primeira Instância considera, ao abrigo do seu poder de plena jurisdição, que o montante de base fixado pela Comissão para a infracção cometida pela ADM no caso em apreço é apropriada atendendo aos elementos indicados pela Comissão na decisão e à apreciação que é feita sobre alguns destes elementos no presente acórdão.

115   Por conseguinte, a ADM não pode validamente basear‑se na decisão da Comissão no processo denominado «Fosfatos de zinco» para demonstrar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento no presente caso.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

116   No que se refere à existência, alegada pela ADM, de uma contradição entre, por um lado, o considerando 377 e, por outro, os considerandos 394 e 395 da decisão, há que observar que, no considerando 377 da decisão, a Comissão indicou que tinha em conta, no âmbito da fixação dos montantes iniciais, a dimensão limitada do mercado do gluconato de sódio. Contrariamente ao que a ADM sustenta, a Comissão não entrou em contradição com esta afirmação quando, no considerando 395 da decisão, rejeitou os argumentos formulados designadamente pela ADM e relativos, no essencial, ao facto de a Comissão dever fixar as coimas em função do volume de negócios realizado pelas empresas em questão no mercado em causa. Com efeito, por um lado, a circunstância de algumas partes, entre as quais a ADM, só realizarem um pequeno volume de negócios no mercado em causa não indica necessariamente que este mercado seja de uma dimensão limitada. Por outro lado, conforme já foi referido no n.° 104, supra, ao determinar, no caso em apreço, apenas um montante inicial de 10 milhões de euros apesar do facto de se tratar de uma infracção, pela sua natureza, muito grave, a Comissão teve em conta a dimensão pequena do mercado. Consequentemente, a decisão não está viciada de contradição quanto a estes pontos.

117   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação da obrigação de fundamentação deve igualmente ser julgado improcedente.

4.     Quanto à dupla consideração do efeito dissuasor da coima

a)     Argumentos das partes

118   A ADM considera que a Comissão teve duas vezes em conta o carácter dissuasor da coima para calcular o seu montante, a saber, por um lado, para qualificar o papel dos participantes no acordo no âmbito da fixação do montante inicial (considerandos 378, 382 e 385 da decisão) e, por outro, para aplicar um aumento de 250% para ter em conta a sua dimensão e os seus recursos globais (considerandos 386 a 388 da decisão). De qualquer forma, se a argumentação da Comissão perante o Tribunal de Primeira Instância fosse correcta, a decisão está, quanto a este aspecto, viciada de uma violação do dever de fundamentação.

119   A Comissão contesta ter tido duas vezes em conta o efeito dissuasor da coima. Pelo contrário, considera ter procedido em duas etapas distintas e consecutivas, baseadas em critérios diferentes, para fixar a coima a um nível suficientemente dissuasor (considerandos 378 e 380 da decisão). Além disso, a Comissão considera ter fundamentado suficientemente a decisão quanto a este aspecto.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

120   A ADM invoca assim a violação, em primeiro lugar, das orientações e, em segundo lugar, do dever de fundamentação.

 Quanto à violação das orientações

121   Tal como a ADM alega com razão, a Comissão invocou a necessidade de fixar as coimas a um nível dissuasor quando aplicou aos participantes no acordo um tratamento diferenciado em função da sua quota de mercado, posicionando assim a ADM na categoria das empresas com uma quota de mercado inferior a 10% (considerandos 378, 382 e 385 da decisão). De igual modo, a Comissão invocou este elemento quando aplicou a alguns membros do acordo, entre os quais a ADM, o coeficiente multiplicador de 2,5 para ter em conta a sua dimensão e os seus recursos globais (considerandos 386 a 388 da decisão).

122   Contudo, para fixar o montante inicial da coima em função da gravidade da infracção, por um lado, a Comissão qualificou a infracção enquanto tal tendo em conta elementos objectivos, a saber, a própria natureza da infracção, o seu impacto no mercado e a dimensão geográfica deste mercado. Por outro lado, a Comissão teve em conta elementos subjectivos, a saber, as circunstâncias relacionadas especificamente com cada membro do acordo, como a dimensão da empresa e os seus recursos globais. Foi no âmbito desta segunda parte da sua análise que prosseguiu, designadamente, o objectivo de assegurar um nível dissuasor da coima.

123   Ora, tal como a Comissão acertadamente sustenta, embora, no âmbito desta segunda parte da sua análise, tenha feito duas vezes referência a este objectivo, na realidade, procedeu a um único cálculo, que dividiu em duas etapas e que tinha por objectivo fixar a coima, para cada um dos membros do acordo, a um nível tal que, tendo em conta as suas circunstâncias específicas, o objectivo da dissuasão pudesse ser atingido atendendo a todos os elementos objectivos e subjectivos da gravidade da infracção.

124   Assim, contrariamente ao que a ADM sustenta, a Comissão não «contou duas vezes» o elemento dissuasor da coima.

125   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação das orientações deve ser julgado improcedente.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

126   Há que observar que a ADM não adiantou nenhum argumento concreto em apoio da sua afirmação tendo‑se limitado a censurar a Comissão por não ter fundamentado o facto de ter contado duas vezes o elemento dissuasor da coima.

127   De qualquer forma, já foi decidido nos n.os 121 a 125, supra, que a Comissão não teve duas vezes em conta o elemento dissuasor da coima. Consequentemente, não tinha que adiantar qualquer fundamento a este respeito.

128   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve igualmente ser julgado improcedente.

5.     Quanto à aplicação de um coeficiente de aumento ao montante inicial

a)     Argumentos das partes

129   A ADM considera que a aplicação de um coeficiente de aumento de 2,5 ao montante inicial constitui uma medida manifestamente desproporcionada que, de resto, tem por base um raciocínio errado e viola o princípio da igualdade de tratamento.

130   Em primeiro lugar, a ADM alega que, tendo em conta que as empresas são entidades económicas racionais, para que a coima tenha efectivamente um carácter dissuasor, é apenas necessário que seja fixada a um nível tal que o seu montante calculado ultrapasse o benefício resultante da infracção. Considera ainda que se as partes se aperceberem de que a perda associada à sanção anula o benefício do acordo, a coima já terá um efeito dissuasor. Esta abordagem, foi, a seu ver, confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 108. Corresponde igualmente às orientações, que prescrevem (no ponto I A, quarto parágrafo) que se deve avaliar o efeito dissuasor relativamente à capacidade dos participantes no acordo em causa de prejudicarem os consumidores e que, por conseguinte, exigem que todo o benefício resultante de um acordo ilegal seja tido em consideração no momento da determinação do efeito dissuasor adequado. Por último, esta abordagem é um conceito comum noutras regulamentações comunitárias.

131   Mesmo que se admita que uma coima que não ultrapasse o nível de eventuais lucros seja insuficiente, uma base racional para garantir que a coima tenha um efeito dissuasor consistiria em avaliar os lucros provenientes do acordo segundo uma percentagem das vendas do produto em causa acrescentando‑lhe um aumento destinado a ter em conta as margens de erro. Esta foi precisamente a abordagem racional aplicada nos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 108) e o Tribunal de Primeira Instância (acórdão HFB e o./Comissão, referido no n.° 65, supra, em especial o n.° 456) reconheceram na sua jurisprudência a existência de uma ligação entre o efeito dissuasor da coima e os lucros susceptíveis de serem resultantes do acordo.

132   A ADM não contesta que o volume de negócios global possa ser tido em conta para o cálculo da coima. No entanto, conferir‑lhe uma importância desmedida conduz a uma coima desproporcionada. A este respeito, a Comissão limita‑se a defender o aumento aplicado através de uma comparação mediante referência ao volume de negócios da ADM. Ora, nenhuma explicação racional pode justificar o facto de o cálculo do aumento com efeito dissuasor ter sido centrado no seu volume de negócios global. A abordagem escolhida pela Comissão não explica por que motivo se tinha de reduzir a nada os lucros realizados pela ADM na venda de produtos, sem qualquer relação com a infracção em causa, com o objectivo de dissuadir as empresas em questão de prosseguirem as suas actividades no âmbito de um acordo sobre o gluconato de sódio.

133   Em segundo lugar, na réplica, a ADM alega a título subsidiário que, mesmo que o Tribunal de Primeira Instância vier a decidir, contrariamente às conclusões acima expostas, que o aumento com carácter dissuasor era justificado atendendo à dimensão e aos recursos globais da ADM, o certo é que, em seu entender, a Comissão não podia validamente acrescentar ao aumento com efeito dissuasor de 7,5 milhões de euros um aumento suplementar da coima de 35% destinado a ter em conta a duração da infracção. Este aumento só se podia justificar em parte, logicamente, se o aumento com efeito dissuasor se tivesse baseado nos lucros eventuais do acordo. Ora, na sua opinião, quanto mais longa for a duração do acordo, mais importantes os lucros eventuais se tornam e, consequentemente, um aumento destinado a ter em conta a duração do acordo é apropriado. O método correcto de cálculo da coima teria consistido em aplicar o aumento apenas ao montante de base de 5 milhões de euros. A própria Comissão parece ter tentado chegar a este resultado, pois, no considerando 392 da decisão, ela declarou que «o montante inicial determinado com base na gravidade (considerando 385) [foi] assim aumentado em 35%». O considerando 385 da decisão faz contudo unicamente referência ao ponto de partida inicial de 5 milhões de euros.

134   Em terceiro lugar, a ADM considera que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento, ao ter em conta, para o aumento do montante inicial da coima, o facto de as empresas de grande dimensão disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídicas e económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências daí resultantes do ponto de vista do direito da concorrência (considerando 386 da decisão).

135   Com efeito, entende que as empresas implicadas na infracção são todas grupos multinacionais cujos volumes de negócios mundiais são superiores a 300 milhões de euros e que, por conseguinte, têm todas aconselhamentos jurídicos internos e externos que lhes permitem determinar os riscos de entrar num acordo ilegal e avaliar as consequências da infracção.

136   Além disso, a decisão está insuficientemente fundamentada quanto a este aspecto.

137   A Comissão considera que o argumento relativo ao aumento suplementar da coima de 35% destinado a ter em conta a duração da infracção é um fundamento novo que deve ser julgado inadmissível ao abrigo do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Para além disso, a Comissão pede que os outros fundamentos invocados sejam julgados improcedentes.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

138   A ADM invoca assim a violação, em primeiro lugar, do princípio da proporcionalidade, em segundo lugar, do princípio da igualdade de tratamento e, em terceiro lugar, do dever de fundamentação.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

139   No âmbito deste fundamento, a ADM faz duas críticas diferentes.

140   Por um lado, a ADM alega, no essencial que, tendo em conta que as empresas são entidades económicas racionais e para que a coima tenha efectivamente um carácter dissuasor, é apenas necessário que esta seja fixada a um nível tal que o seu montante calculado ultrapasse o benefício resultante da infracção. A este respeito, importa recordar que a dissuasão é uma das principais considerações que deve guiar a determinação do montante das coimas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 173, e de 14 de Julho de 1972, BASF/Comissão, 49/69, Colect., p. 281, Recueil p. 713, n.° 38, e jurisprudência referida no n.° 90, supra).

141   Ora, se a coima fosse fixada a um nível que se limitasse a anular o benefício do acordo, não teria um efeito dissuasor. Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que as empresas têm racionalmente em conta, no âmbito do seu cálculo financeiro e da sua gestão, não apenas o nível das coimas que correm o risco de lhes ser aplicadas em caso de infracção, mas igualmente o nível de risco de detecção do acordo. Além disso, se se reduzisse a função da coima à simples anulação do lucro ou do benefício realizado, não se teria devidamente em conta o carácter ilícito do comportamento em causa à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, ao reduzir a coima a uma simples compensação do prejuízo causado, estaria a negligenciar‑se, além do efeito dissuasor que só pode visar comportamentos futuros, o carácter repressivo de uma medida destas relativamente à infracção concreta efectivamente cometida. Assim, tanto o efeito dissuasor como o efeito repressivo da coima justificam que a Comissão possa aplicar uma coima que, em função das circunstâncias do caso concreto, permita mesmo ultrapassar substancialmente o montante do benefício auferido pela empresa em causa.

142   De igual modo, no caso de uma empresa que, como a ADM, está presente num grande número de mercados e dispõe de uma capacidade financeira particularmente importante, a tomada em conta do volume de negócios realizado no mercado em causa pode não ser suficiente para assegurar que a coima tenha um efeito dissuasor. Efectivamente, quanto maior for uma empresa e mais disponha de recursos globais que lhe confiram a capacidade de agir de forma independente no mercado, mais ela deve estar consciente da importância do seu papel quanto ao bom funcionamento da concorrência no mercado. Logo, as circunstâncias de facto relacionadas com o poder económico de uma empresa que cometeu uma infracção devem ser tidas em consideração na fixação do montante da coima, a fim de garantir o seu efeito dissuasor.

143   Além disso, tal como a Comissão observou sem impugnação da ADM, o montante da coima fixado para a ADM após a aplicação do coeficiente multiplicador de 2,5 representa apenas uma parte ínfima, a saber, 0,0538% do seu volume de negócios anual global e não pode, igualmente deste ponto de vista, ser considerado desproporcionado.

144   Por outro lado, na réplica, a ADM alega que a Comissão não podia em caso algum acrescentar ao montante de 7,5 milhões de euros, que já compreendia um aumento para efeito de dissuasão, um aumento suplementar da coima de 35% destinado a ter em conta a duração da infracção. A este respeito, há que recordar, antes de mais, que, por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento apresentado anteriormente, directa ou tacitamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este, deve ser declarado admissível. Solução análoga se impõe para uma alegação invocada em apoio de um fundamento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, Colect., p. II‑2085, n.° 156).

145   No presente caso, na petição, a ADM invocou o carácter excessivo do coeficiente multiplicador de 2,5 ao considerar, no essencial, que este ultrapassava o necessário para que a coima tivesse um efeito dissuasor. Na réplica, alega, e a título subsidiário relativamente a essa alegação que, de qualquer forma, a Comissão devia ter aplicado o aumento de 35% pela duração do acordo, não ao montante obtido após a aplicação do coeficiente multiplicador de 2,5 mas sim ao determinado antes da aplicação desse coeficiente. Sendo assim, a ADM invoca uma crítica que apresenta uma conexão estreita com a que foi invocada na petição, tendo procedido assim a uma simples ampliação do fundamento anteriormente invocado. Por conseguinte, há que examinar esta crítica quanto ao mérito.

146   Quanto ao mérito da alegação da ADM, foi com razão que a Comissão aplicou o coeficiente multiplicador baseado na duração da infracção ao montante de base já aumentado pelo coeficiente multiplicador de 2,5. A este respeito, tal como se acaba de referir (v. n.os 140 a 143, supra), o coeficiente multiplicador de 2,5 é um factor de dissuasão que assegura, num primeiro momento, o carácter suficientemente dissuasor da coima relativamente às características da empresa em causa. Ora, nada impedia a Comissão de aumentar, em seguida, o valor assim obtido por um segundo factor que tem em conta, por sua vez, as características do comportamento ilícito. Com efeito, quanto mais as empresas estiverem prontas a cometer infracções muito graves, durante um longo período, maior se torna a necessidade de dissuasão.

147   No que se refere à remissão feita no considerando 385 para o considerando 392 da decisão, a Comissão admitiu perante o Tribunal de Primeira Instância que se tratava de um erro. Contudo, este erro não afecta a legalidade da decisão, pois resulta claramente da forma como o aumento relativo à duração foi calculado e da remissão para o montante inicial determinado com base na gravidade da infracção – que inclui o aumento devido ao coeficiente multiplicador de 2,5 – que, na realidade, a Comissão pretendia mencionar o montante de base fixado para a gravidade da infracção após esse ajustamento. De resto, isto resulta igualmente da sequência lógica da análise da Comissão que, nos considerandos 378 a 388 da decisão, teve em conta, etapa por etapa, as circunstâncias específicas relacionadas com as diferentes empresas em causa. Torna‑se, pois, evidente que a remissão efectuada no considerando 392 dizia respeito, na realidade, não apenas ao considerando 385, mas sim aos considerandos 385 a 388. Neste contexto, deve igualmente ter‑se em conta o facto de as orientações precisarem a este respeito que a tomada em conta da duração da infracção deve permitir «calcular o eventual montante adicional da coima a aplicar» (ponto 1 B, segundo parágrafo).

148   Consequentemente, a ADM não tem razão ao criticar a Comissão por ter acrescentado ao aumento para as necessidades de dissuasão um aumento suplementar da coima de 35% destinado a ter em conta a duração da infracção.

149   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade dever ser julgado improcedente.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

150   A ADM alega que as empresas implicadas na infracção pertenciam todas a grupos multinacionais que, devido a este facto, beneficiavam todas de aconselhamento jurídico interno e externo que lhes permitia determinar se era arriscado entrar num acordo ilegal e avaliar as consequências da infracção.

151   A este respeito, há que observar que, na decisão, a Comissão teve certamente em vista duas razões para aplicar ao montante inicial da coima de algumas empresas do acordo, entre as quais a ADM, um coeficiente multiplicador de 2,5. Com efeito, a Comissão invocou a necessidade, por uma lado, de assegurar que a coima tivesse um efeito suficientemente dissuasor e, por outro, de ter em conta o facto de as empresas de grande dimensão disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídicas e económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências daí resultantes do ponto de vista do direito da concorrência (considerando 386 da decisão).

152   Contudo, resulta do considerando 388 da decisão que foi essencialmente para assegurar que a coima tivesse um carácter dissuasor que a Comissão decidiu aplicar à ADM o coeficiente multiplicador de 2,5. Ora, tal como já foi mencionado nos n.os 139 a 143, supra, foi com razão que a Comissão teve em conta a necessidade de assegurar à coima um efeito suficientemente dissuasor e, mais particularmente, que considerou, conforme indica o considerando 387 da decisão, que tinha de aumentar o montante inicial calculado em função da importância relativa do mercado em causa para ter em conta a dimensão e os recursos globais das empresas em questão. Além disso, dado que a ADM e a Akzo tinham, em 2000, cada uma um volume de negócios mundial de cerca de 14 mil milhões de euros enquanto os outros membros do acordo tinham um volume de negócios que oscilava apenas entre cerca de 300 milhões e 3 mil milhões de euros, não se pode contestar que, para realizar este objectivo, a Comissão podia validamente distinguir duas categorias de membros do acordo em função da sua dimensão e dos seus recursos globais e aumentar o montante de base da coima da ADM e da Akzo com um coeficiente multiplicador de 2,5.

153   No que diz respeito aos conhecimentos e às infra‑estruturas jurídicas e económicas das empresas em causa, o Tribunal de Primeira Instância considera que estas podem ser tidas em conta para um aumento do montante da coima. No presente caso, a ADM não contesta dispor destes conhecimentos e infra‑estruturas jurídicas e económicas. De resto, pode considerar‑se que uma empresa como a ADM, que tem um volume de negócios em 2000 de cerca de 14 mil milhões de euros, pode dispor destes conhecimentos e infra‑estruturas. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão teve em conta a existência destes conhecimentos e infra‑estruturas para aumentar o montante de base da coima da ADM. Esta apreciação não pode ser posta em causa pelo argumento da ADM segundo o qual as empresas da outra categoria dispunham igualmente de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídicas e económicas susceptíveis de justificar igualmente um aumento da sua coima. Com efeito, mesmo que esta circunstância se verificasse e que a Comissão não tivesse razão em não ter tido em conta esta circunstância relativamente a esta segunda categoria, isto não pode, seja como for, ser invocado pela ADM para obter uma redução do aumento que lhe foi aplicado.

154   Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento deve igualmente improceder.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

155   A ADM afirma, sem adiantar mais argumentos, que a decisão não está suficientemente fundamentada no que diz respeito à aplicação do coeficiente multiplicador de 2,5. A este respeito, deve notar‑se que, no considerando 386 da decisão, a Comissão evocou as duas razões já mencionadas no n.° 151, supra, para aplicar o coeficiente multiplicador. Em seguida, no considerando 387 da decisão, explicou que, devido aos valores indicados no considerando 48 desta mesma decisão, havia que classificar os membros do acordo em duas categorias. Por último, no considerando 388 da decisão, indicou que considerava que a aplicação do coeficiente multiplicador de 2,5 era apropriada para assegurar que a coima tivesse um carácter dissuasivo.

156   No que diz respeito à importância do coeficiente multiplicador aplicado à ADM, a Comissão podia limitar‑se a invocar a dimensão desta empresa, conforme resulta de forma aproximativa do volume de negócios global realizado pela mesma, e a salientar a necessidade de assegurar que a coima tivesse um carácter dissuasor. Não cabia à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo subjacente a essa escolha (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.° 80).

157   Daí resulta que a Comissão fundamentou suficientemente a decisão quanto a este aspecto e o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve igualmente improceder.

6.     Quanto à existência de erros de apreciação relativos ao impacto concreto do acordo no mercado

a)     Introdução

158   Em primeiro lugar, deve recordar‑se que a gravidade da infracção deve ser determinada em função de diversos elementos (v. n.° 76, supra). Neste contexto, o impacto concreto do acordo no mercado em causa pode ser tido em conta como um dos critérios relevantes.

159   Nas suas orientações (ponto 1 A, primeiro parágrafo), a Comissão indicou que, para avaliar a gravidade de uma infracção, tem em consideração, além do carácter da própria infracção e da dimensão do mercado geográfico de referência, o «impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

160   No que diz respeito ao presente caso, resulta dos considerandos 334 a 388 da decisão que a Comissão fixou efectivamente o montante da coima, determinado em função da gravidade da infracção, tendo em conta esses três critérios. Em particular, considerou, neste contexto, que o acordo teve uma «incidência real» no mercado do gluconato de sódio (considerando 371 da decisão).

161   Ora, segundo a ADM, a Comissão cometeu vários erros de apreciação na avaliação do impacto concreto do acordo no mercado em causa. Segundo a ADM, estes erros afectam o cálculo do montante das coimas.

b)     Quanto ao facto de a Comissão ter escolhido uma abordagem errada para demonstrar que o acordo teve um impacto concreto no mercado

 Argumentos das partes

162   A ADM entende que a Comissão não produziu prova da existência de um impacto concreto do acordo no mercado do gluconato de sódio, e isto, designadamente, devido a erros cometidos na sua abordagem para proceder a esta demonstração.

163   Em primeiro lugar, segundo a ADM, a Comissão limitou‑se a constatar que o acordo tinha efectivamente sido executado e deduziu desta circunstância que o acordo devia igualmente ter tido um impacto concreto no mercado. Ora, a ADM salienta que tal como resulta do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações e como a própria Comissão admitiu no considerando 341 da decisão, a execução de um acordo não pode ser confundida com o impacto concreto do mesmo no mercado em causa.

164   De igual modo, a ADM é da opinião de que a Comissão não podia validamente apoiar‑se na duração relativamente longa do acordo para concluir pela existência de um impacto concreto do mesmo no mercado em causa. Com efeito, segundo a ADM, ao fazê‑lo, a Comissão não fez prova da existência de um impacto concreto, tendo unicamente procedido, de forma ilegal, a uma presunção nesse sentido.

165   Por último, quanto à evolução dos preços do gluconato de sódio, a ADM considera que a Comissão não apresentou provas de que o acordo tivesse tido um impacto «quantificável» nesta evolução, como devia ter feito por força do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações. Pelo contrário, segundo a ADM, a Comissão apoiou‑se unicamente no seu gráfico apreendido nas instalações da Roquette durante as diligências de instrução e, quando da confrontação das conclusões da Comissão retiradas deste gráfico com os argumentos fundamentados da ADM, a Comissão observou que estes «argumentos […] não demonstr[av]am de uma forma convincente que a execução do acordo e/ou prática concertada não [tinha] desempenhado nenhum papel nas flutuações dos preços» (considerando 359 da decisão). De igual modo, a ADM critica o facto de, sem negar enquanto tal a validade dos seus argumentos, a Comissão se ter limitado a observar que a evolução dos preços do gluconato de sódio, conforme resultava do referido gráfico, «[enquadrava] também perfeitamente com um conluio existente» (ibidem). Ora, segundo a ADM, ao proceder desta forma, a Comissão não apresentou provas da existência de um impacto concreto do acordo no mercado, tendo, pelo contrário, invertido ilegalmente o ónus da prova em desfavor das partes.

166   A Comissão não contesta que os critérios da execução e do impacto concreto de um acordo no mercado em causa não possam ser confundidos e que lhe cabe apresentar as respectivas provas. Contudo, no seu entender, no presente caso, não inverteu o ónus da prova, mas fez, de forma bastante, a respectiva demonstração.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

167   À luz das críticas formuladas pela ADM quanto à própria abordagem escolhida pela Comissão para demonstrar que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado do gluconato de sódio, há que resumir a análise feita pela Comissão, conforme resulta dos considerandos 340 a 369 da decisão, antes de haver pronúncia sobre o mérito dos argumentos invocados pela ADM.

–       Resumo da análise feita pela Comissão

168   Primeiro, no considerando 340 da decisão, a Comissão introduziu a sua análise da seguinte forma:

«A Comissão considera que a infracção, cometida por empresas que, durante o período visado pela presente decisão, representavam mais de 90% do mercado mundial e 95% do mercado europeu do gluconato de sódio, tinha um impacto real nesse mercado no EEE, pois foi cuidadosamente executada. Como os acordo se destinavam especificamente a restringir os volumes de venda, a praticar preços superiores aos que existiriam em caso contrário e a limitar a venda a determinados clientes, tiveram que afectar o esquema normal dos comportamentos no mercado e, portanto, tiveram que ter um efeito no mesmo.»

169   No considerando 341 da decisão, «[foi feita] uma distinção, na medida do possível, entre a questão da aplicação dos acordos e a questão dos efeitos dos mesmos sobre o mercado», mas que era «contudo inevitável que certos elementos factuais utilizados para chegar a conclusões sobre esses dois pontos se sobrep[usessem]».

170   Assim sendo, em primeiro lugar, a Comissão analisou a execução dos acordos (considerandos 342 a 351 da decisão). Segundo ela, a aplicação do acordo estava demonstrada por diferentes elementos relativos àquilo que ela considerava ser a pedra angular do acordo, a saber, as quotas de venda. Além disso, a Comissão invocou o facto de que «[o] acordo se caracterizava pela preocupação constante de fixar preços alvo e/ou mínimos» e acrescentou que, em seu entender, «[e]sses preços [tinham que] ter tido um efeito sobre o comportamento dos participantes, sem bem que nem sempre tenham sido alcançados por estes últimos» (considerando 348 da decisão). A Comissão concluiu que «não se pod[ia] duvidar da eficácia da execução do [acordo e/ou prática concertada]» (considerando 350 da decisão).

171   Em segundo lugar, a Comissão apreciou o impacto da infracção no mercado do gluconato de sódio. A este respeito, em primeiro lugar tomou por referência a apreciação do mercado em causa nos considerandos 34 a 41 da decisão. Em seguida, ao remeter para a apreciação previamente efectuada nos considerandos 235 e 236 da decisão, a Comissão sustentou o seguinte ao invocar as duas tabelas (a seguir «gráficos») apreendidas nas instalações da Roquette (considerando 354 da decisão):

«A evolução dos preços conforme resulta dos [gráficos] encontrados na Roquette durante a inspecção demonstra que o objectivo prosseguido pelos membros do acordo foi alcançado, pelo menos em parte. Os dois [gráficos], que ilustram a evolução dos preços em [francos franceses (FRF)] no mercado europeu do gluconato de sódio de 1977 a 1995, revelam um queda em 1985. Esta alteração resultou provavelmente do desaparecimento do anterior acordo e do aumento que se seguiu devido à utilização das capacidades de produção. No fim de 1986, o nível dos preços tinha praticamente diminuído para metade relativamente ao início de 1985. É muito provável que a aplicação dos acordos que instituíram o novo acordo a partir de 1986 tenham contribuído sensivelmente para o grande aumento (duplicação) do preço verificado em 1987 e 1989. Após uma queda em 1989, menos acentuada que em 1985, o nível de preços permaneceu, até 1995, cerca de 60% mais elevado que em 1987.»

172   Nos considerandos 235 e 236 da decisão, aos quais é feita referência no considerando 354 da mesma, a Comissão indicou o seguinte:

«(235) Dois documentos apreendidos nas instalações da Roquette durante as diligências de instrução são suficientemente explícitos e constituem elementos de prova dos resultados obtidos pelo acordo sobre o gluconato de sódio. Contêm designadamente um [gráfico] que apresenta o preço médio ‘europeu’ do gluconato de sódio de 1977 a 1995.

(236)          [Um dos gráficos] mostra de forma surpreendente que em 1981 e em 1987, quando o ‘primeiro’ e o ‘segundo’ acordos, decisões ou práticas concertadas foram respectivamente executadas, os preços dispararam em flecha. Os preços caíram bruscamente em 1985, o que corresponde ao fim do ‘primeiro acordo’, altura em que a Roquette dele se retirou. Entre 1987 e 1989, o preço do gluconato de sódio sofreu um forte aumento; na realidade, duplicou. Depois, de 1989 a 1995, permaneceu superior em cerca de 60% relativamente ao período vazio de 1987. Há que observar que, ao contrário do período de 1981 a 1986, o preço do gluconato de sódio pôde ser mantido a um nível muito elevado até 1995.»

173   Em seguida, a Comissão resumiu, analisou e rejeitou os diferentes argumentos que as partes em causa apresentaram durante o procedimento administrativo para refutarem a conclusão que ela tinha retirado dos gráficos apreendidos nas instalações da Roquette. No que diz respeito aos argumentos da ADM, que alegou particularmente que essa mesma evolução dos preços teria ocorrido mesmo não existindo acordo, a Comissão enunciou o seguinte (considerandos 359, 365 e 369 da decisão):

«(359) [...] Os argumentos desenvolvidos pela ADM não demonstram de forma convincente que a execução do acordo não teve qualquer influência na flutuação dos preços. Embora seja verdade que o cenário proposto pela ADM se pode verificar na ausência do acordo, este enquadra‑se perfeitamente com um conluio existente. O aumento das capacidades verificado em meados dos anos 80 pode ter sido simultaneamente a causa e o resultado do desaparecimento do primeiro acordo (1981 a 1985). No que se refere à evolução a partir de 1987, ela é plenamente compatível com reactivação do acordo realizada durante esse período. Por conseguinte, o facto de o preço do gluconato de sódio ter começado a aumentar não se pode explicar totalmente pelo simples jogo da concorrência, mas deve ser interpretado à luz do acordo celebrado entre os participantes sobre os ‘preços mínimos’, a repartição das quotas de mercado, bem como o sistema de informação e de vigilância. Todos estes factores contribuíram para o sucesso do aumento dos preços.

[…]

(365)          [Um dos gráficos] encontrado na Roquette confirma que entre 1991 e 1995, ou seja, o período durante o qual a ADM participou no acordo, os preços mantiveram‑se estáveis ou diminuíram ligeiramente. Nada indica que os preços tenham caído fortemente e menos ainda que não eram rentáveis. A saída da ADM do mercado explica‑se mais verosimilmente pelos graves problemas técnicos com que ela se deparou imediatamente depois de ter aderido ao acordo e que perduraram. Por este motivo, nunca foi capaz de preencher as suas quotas de venda

[…]

(369)          Por último, é inconcebível, que, tendo as partes decidido por mais de uma vez encontrarem‑se por todo o mundo para se atribuírem quotas de venda, fixar preços e repartir entre si os clientes durante um período tão longo quanto o que está em causa, tendo, entre outros, em conta os riscos incorridos, que, segundo elas, o acordo tenha tido apenas uma incidência mínima ou limitada sobre o mercado do gluconato de sódio.»

–       Apreciação

174   Em primeiro lugar, há que recordar que, segundo os termos do n.° 1 A, primeiro parágrafo, das orientações, no seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem em conta, designadamente «o […] impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

175   A este respeito, há que analisar o significado exacto dos termos «quando este [ou seja, o impacto concreto] for quantificável». Em particular, trata‑se de determinar se, na acepção destes termos, a Comissão só pode ter em conta o impacto concreto de uma infracção no âmbito do seu cálculo das coimas se e na medida em que puder quantificar este impacto.

176   Tal como a Comissão alegou com razão, o exame do impacto de um acordo no mercado em causa implica necessariamente que se recorra a hipóteses. Neste contexto, a Comissão deve designadamente examinar qual teria sido o preço do produto em causa no caso de não existir acordo. Ora, no exame das causas da evolução real dos preços, é arriscado especular sobre a parte respectiva de cada uma destas últimas. Há que ter em conta a circunstância objectiva de que, devido ao acordo sobre os preços, as partes renunciaram precisamente à sua liberdade de entrarem em concorrência entre si através dos preços. Assim, a avaliação da influência resultante de factores diferentes dessa abstenção voluntária das partes no acordo baseia‑se necessariamente em probabilidades razoáveis e não quantificáveis com precisão.

177   Consequentemente, a menos que se retire o efeito útil a este critério que pode ser tido em conta para a determinação do montante da coima, não se pode criticar a Comissão por se ter baseado no impacto concreto de um acordo no mercado em causa, apesar de não poder quantificar esse impacto ou fornecer uma apreciação numérica quanto a esse aspecto.

178   Por conseguinte, o impacto concreto de um acordo no mercado em causa deve ser considerado suficientemente demonstrado se a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com uma probabilidade razoável, que o acordo teve um impacto no mercado.

179   No caso em apreço, resulta do resumo da análise efectuada pela Comissão (v. n.os 168 a 173, supra) que esta se apoiou em dois indícios para concluir que existia uma «incidência real» do acordo no mercado. Com efeito, por um lado, invocou o facto de os membros do acordo terem executado cuidadosamente o acordo (v., designadamente, considerando 340 da decisão, reproduzido no n.° 168, supra) e que este perdurou durante um longo período (considerando 369 da decisão, reproduzido no n.° 173, supra). Por outro lado, considerou que os gráficos apreendidos nas instalações da Roquette mostravam uma certa concordância entre os preços fixados pelo acordo e os efectivamente praticados no mercado pelos membros do acordo (considerando 354 da decisão, reproduzido no n.° 171, supra).

180   Contrariamente ao que a ADM sustenta, a Comissão não se limitou a deduzir unicamente da execução efectiva do acordo um impacto concreto no mercado do gluconato de sódio. Com efeito, conforme resulta dos extractos da decisão acima citados, a Comissão procurou, tanto quanto possível, examinar de forma separada a execução do acordo e o seu impacto concreto no mercado, considerando, no essencial, que a execução de um acordo é uma condição prévia e necessária para a demonstração de um impacto concreto da mesma, sem, no entanto, ser uma condição suficiente para essa demonstração (v., neste sentido, considerando 341 da decisão). É certo que, no considerando 341 da decisão, a Comissão admitiu que era «inevitável que certos elementos factuais utilizados para chegar a conclusões sobre esses dois pontos se sobreponham» – razão pela qual a Comissão nem sempre, como a Roquette afirma, utilizou os termos apropriados no âmbito de cada uma das partes da sua análise – mas não deixa de ser verdade que não se pode censurar a Comissão por ter confundido a execução e o impacto concreto do acordo. Por outro lado, pelo seu carácter de condição prévia ao impacto concreto de um acordo, a execução efectiva de um acordo constitui o princípio de um indício da existência de um impacto concreto do acordo.

181   Além disso, não se pode criticar a Comissão por ter considerado que, dado que os membros do acordo representavam mais de 90% do mercado mundial e 95% do mercado do EEE do gluconato de sódio e consagravam esforços consideráveis para a organização, o seguimento e a vigilância dos acordos, a execução do acordo constituía um forte indício da existência de efeitos no mercado, sendo claro (v. n.° 179, supra) que, no presente caso, a Comissão não se limitou a essa análise.

182   Além disso, a Comissão teve razão ao considerar que o peso deste indício aumenta com a duração do acordo. Com efeito, o bom funcionamento de um acordo complexo que incide, como o do presente caso, sobre a fixação de preços, a repartição dos mercados e a troca de informações implica designadamente importantes custos de administração e de gestão. Consequentemente, a Comissão podia razoavelmente considerar que o facto de as empresas terem feito perdurar a infracção e assegurado a eficácia da sua gestão administrativa durante um longo período, apesar dos riscos inerentes a essas actividades ilícitas, indica que os membros do acordo retiraram um certo benefício desse acordo, que o mesmo teve um impacto concreto sobre o mercado em causa, mesmo que este não seja quantificável.

183   No que diz respeito aos gráficos apreendidos nas instalações da Roquette, resulta da análise efectuada pela Comissão (v. n.os 171 e 172, supra) que, sem pretender que estes gráficos constituam uma prova irrefutável da existência de um impacto do acordo nos preços e mesmo sem procurar quantificar esse impacto, a Comissão considerou que era «muito provável» que a aplicação dos acordos tivesse «contribuído sensivelmente» para a evolução dos preços.

184   De seguida examinar‑se‑á se, como sustenta a ADM, a Comissão cometeu erros na apreciação dos elementos factuais nos quais ela baseou as suas conclusões. Todavia, tendo em conta o que já acima se considerou no n.° 178, a ADM afirma sem razão que a Comissão seguiu uma abordagem errada para demonstrar que o acordo tinha influenciado a evolução dos preços do gluconato de sódio. Isto não é posto em causa pelo facto de, em resposta aos argumentos da ADM, a Comissão ter, no essencial, sustentado que não podia excluir que essa evolução poderia igualmente ter ocorrido na falta de acordo, mas que, tendo em conta o paralelismo entre os preços observados e os preços convencionados, essa argumentação não era convincente. Com efeito, sem exigir das empresas em causa, como a ADM sustenta, que elas provem o contrário, ou seja, uma prova que, pelas razões acima indicadas no n.° 177, seria quase sempre impossível de fazer, a Comissão pesou, pelo contrário, cuidadosamente os diferentes argumentos a favor e contra a sua própria conclusão.

185   Resulta do exposto anteriormente que a Comissão não adoptou uma abordagem errada para apreciar o impacto concreto do acordo no mercado do gluconato de sódio.

c)     Quanto à apreciação da evolução dos preços do gluconato de sódio

186   A ADM considera que as provas que a Comissão apresentou na decisão não servem de base à conclusão segundo a qual é «muito provável que a aplicação dos acordos que instituem o novo acordo a partir de 1986 tenha contribuído sensivelmente para o forte aumento (duplicação) do preço verificado entre 1987 e 1989» (considerando 354 da decisão). Neste contexto, adianta duas linhas diferentes de argumentação.

 Quanto ao facto de a Comissão não ter tido informações suficientes e ter ignorado os outros factos invocados durante o procedimento administrativo

–       Argumentos das partes

187   A ADM alega ser improvável que o acordo tivesse tido outros efeitos além dos resultantes das forças do mercado. Com efeito, resulta dos considerandos da decisão que as próprias empresas em causa indicavam que o preço fixado entre 1986 e 1987 não cobria os custos das matérias‑primas, e isto mesmo em 1989, quando o preço estava ao seu nível mais alto. Nesta situação, o preço teria, segundo a ADM, aumentado de qualquer forma, mesmo sem o acordo.

188   A ADM considera igualmente que a Comissão tinha muito poucas informações quanto ao período compreendido entre 1987 e 1989: não tinha tido prova do preço convencionado antes de 9 de Agosto de 1989. Por último, a ADM considera que os preços relativos ao período compreendido entre 1986 e 1987 pressupõem uma estratégia predatória destinada a forçar a sociedade FinnSugar, sociedade à qual a ADM tinha comprado em 1989 a tecnologia para produzir gluconato de sódio (a seguir «FinnSugar»), a abandonar os seus planos de expansão.

189   A Comissão contesta esta apreciação, salientando que, quando o preço de um produto é ruinoso e a oferta é excedentária relativamente à procura, o preço só pode aumentar no caso de uma das empresas no mercado ir à falência e abandonar esse mercado e que nenhuma empresa podia no presente caso aumentar os preços por uma simples decisão unilateral sem perder quotas de mercado. A Comissão considera consequentemente que, mesmo que este aumento se tivesse podido verificar sem o acordo, esse acordo existiu e proporciona a explicação mais plausível dos movimentos de preços verificados.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

190   Constitui jurisprudência assente que, para efeitos da fiscalização da apreciação feita pela Comissão sobre o impacto concreto do acordo no mercado, importa sobretudo analisar a apreciação dos efeitos produzidos pelo acordo sobre os preços (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 148, e, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 173, e Mayr‑Melnhof/Comissão, referido no n.° 110, supra, n.° 225).

191   Além disso, a jurisprudência recorda que, no momento da determinação da gravidade da infracção, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento imputado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Recueil, p. 1663, n.°612, e Ferriere Nord/Comissão, referido no n.° 76, supra, n.° 38) e que, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão tomar como referência a concorrência que teria normalmente existido sem a infracção (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 619 e 620; acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, referido no n.° 110, supra, n.° 235, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 645).

192   Daí resulta, por um lado, que, nos casos de acordos, há que verificar se os acordos sobre os preços permitiram efectivamente às empresas em causa atingirem um nível de preços superior ao que se teria verificado sem o acordo. Daqui resulta, por outro lado, que, na sua apreciação, a Comissão deve ter em conta todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar existente. Resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância proferidos no processo relativo ao cartel do cartão (v., designadamente, acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, referido no n.° 110, supra, n.os 234 e 235) que há que ter em conta a existência, sendo caso disso, de «factores económicos objectivos» que revelem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de forma idêntica à dos preços praticados (v., igualmente, acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 151 e 152; acórdão Cascades/Comissão, referido no n.° 190, supra, n.os 183 e 184).

193   No presente caso, a ADM não contesta os factos que a Comissão tem por provados. Em particular, a ADM não contesta a evolução dos preços tal como a Comissão a descreveu, por um lado, na parte dos factos relativos à evolução dos acontecimentos (considerandos 76 a 80 da decisão) e, por outro, na análise do impacto do acordo no mercado (considerando 354 da decisão) ao apoiar‑se nos gráficos encontrados na Roquette durante as diligências de instrução.

194   Os factos relevantes, conforme resultam dos considerandos da decisão, podem ser resumidos da seguinte forma:

–       na Primavera de 1984 o antigo acordo terminou (considerando 76 da decisão);

–       durante cerca de dois anos (ou seja, até à Primavera de 1986 mais ou menos), o mercado do gluconato de sódio era dominado pelo jogo da livre concorrência (considerando 77 da decisão);

–       em Maio de 1986, foram dados os primeiros passos para a implementação do novo acordo (considerando 79 da decisão);

–       em Fevereiro de 1987, o novo acordo foi celebrado e perdurou, com várias modificações, até 1995 (considerandos 79 e 80 da decisão).

195   Em seguida, a evolução do preço do gluconato de sódio, conforme resulta do considerando 354 da decisão, pode ser resumida da seguinte forma:

–       em 1985, os preços do gluconato de sódio caem, e, em 1986, foram praticamente reduzidos para metade relativamente ao início de 1985;

–       entre 1987 e 1989, os preços do gluconato de sódio duplicaram;

–       em 1989, os preços voltam a cair, mas de forma menos pronunciada do que em 1985, e estabilizaram, até 1995, a um nível situado em cerca de 60% acima do nível de 1987.

196   Em primeiro lugar, daqui resulta que, para apreciar se os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingir um nível de preço de transacção superior ao que teria prevalecido na falta de acordo, a Comissão comparou correctamente os preços do gluconato de sódio existentes entre o fim do acordo anterior e a celebração, em 1987, do novo acordo, período durante o qual o mercado se caracterizava pela livre concorrência, com os preços praticados depois de 1987, tendo em conta o decorrer de um certo tempo necessário para a implementação efectiva do acordo.

197   De igual modo, para comparar a situação dos preços efectivamente praticados com a que teria prevalecido sem o acordo, a Comissão salientou correctamente que, entre 1989 e 1995, os preços se caracterizavam por uma relativa estabilidade. Ora, tal como a Comissão indicou no considerando 42 da decisão, sem impugnação da ADM, o mercado do gluconato de sódio estava, em princípio, sujeito a importantes variações. Por conseguinte, a Comissão podia validamente concluir que, sem o acordo, as partes não teriam podido contar com uma certa estabilidade do preço do gluconato de sódio. A ADM não invocou qualquer argumento para refutar esta conclusão.

198   Em segundo lugar, no que diz respeito à duplicação dos preços ocorrida entre 1987 e 1989, deve considerar‑se que se, como a ADM sustenta, o preço do gluconato de sódio estava, em 1987, num estado ruinoso e a oferta era excedentária, como foi o caso durante os anos 1986 e 1987, é inconcebível que os preços pudessem ter aumentado na falta de um factor externo. Com efeito, se a oferta era excedentária, os preços teriam baixado ou teriam permanecido baixos até que o produto se tornasse novamente raro, devido à saída do mercado de um dos operadores como no caso de uma falência ou de uma aquisição. Ora, no presente caso, a Comissão verificou que os preços aumentaram com a implementação efectiva do novo acordo.

199   Tendo em conta o antecedente, a Comissão podia concluir que dispunha de elementos de prova concretos e credíveis que indicavam que o acordo teve um impacto concreto no mercado que era, na acepção das orientações, «quantificável» através de uma comparação entre o preço hipotético que, segundo uma probabilidade razoável, teria prevalecido na falta de acordo e o preço aplicável na sequência do acordo.

200   Os argumentos invocados pela ADM não permitem infirmar esta conclusão. Em particular, é irrelevante o facto alegado pela ADM de, segundo as declarações dos seus concorrentes, esse preço, mesmo ao seu mais alto nível, não cobrir sequer as matérias‑primas. Com efeito, mesmo pressupondo que esta circunstância estivesse demonstrada, não se pode excluir a possibilidade de o preço aplicável na falta de acordo num mercado de concorrência não falseada se situar igualmente abaixo do custo das matérias‑primas, mas nesse caso a um nível ainda mais afastado do preço do produto. Logo, a Comissão analisou correctamente os argumentos invocados pela ADM e pelas outras partes durante o procedimento administrativo (v., igualmente n.° 183, supra).

201   Por conseguinte, a ADM não tem razão em criticar a Comissão por não ter disposto de informações suficientes e de ter ignorado os outros factores invocados durante o procedimento administrativo.

 Quanto ao facto de a ADM não ter sido membro do acordo no momento do aumento dos preços do gluconato de sódio entre 1987 e 1989

–       Argumentos das partes

202   A ADM alega que o período de aumento dos preços do gluconato de sódio entre 1987 e 1989 foi anterior à sua adesão ao acordo e que, por conseguinte, a Comissão não lhe podia aplicar uma coima mais elevada devido ao impacto económico que o acordo teve num momento em que ela não participava no mesmo.

203   A Comissão contesta o mérito desta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

204   Constitui jurisprudência assente que o comportamento efectivo que uma empresa alega ter adoptado é irrelevante para efeitos da avaliação do impacto de um acordo no mercado, apenas se devendo tomar em conta os efeitos resultantes da infracção no seu conjunto (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.os 150 e 152, e acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 160 e 167).

205   Tal como a Comissão invocou com razão, mesmo que a ADM só tenha aderido ao acordo depois da duplicação dos preços do gluconato de sódio entre 1987 e 1989, durante todo o período da sua participação retirou proveitos das realizações do acordo anteriores à sua adesão, a saber, um forte aumento dos preços e uma estabilidade a um alto nível. Além disso, assegurou a sua perpetuidade.

206   Consequentemente, a Comissão podia validamente considerar o acordo no seu conjunto para determinar o impacto concreto do acordo relativamente a todas as partes implicadas. O momento da adesão da ADM ao acordo não é relevante para a determinação do impacto concreto do acordo.

207   Por conseguinte, improcede a alegação relativa ao facto de a ADM não ter sido membro do acordo no momento do aumento dos preços do gluconato de sódio entre 1987 e 1989.

d)     No que se refere à definição do mercado de referência

 Argumentos das partes

208   A ADM considera que a Comissão cometeu erros na definição do mercado de referência. Salienta que a definição do mercado de referência é necessária para medir o impacto do acordo nesse mercado e que, consequentemente, esses erros têm impacto no cálculo da coima.

209   Em primeiro lugar, a ADM observa que, embora, na decisão, a própria Comissão tenha reconhecido que o gluconato de sódio pode, segundo as aplicações, ser substituído por outros agentes, exclui os substitutos do gluconato de sódio da sua definição de mercado relevante.

210   Ora, ao agir desta forma, a Comissão entrou em contradição com a sua própria prática assente segundo a qual os substitutos parciais podem fazer parte do mercado de referência. De igual modo, segundo a ADM, a Comissão não aplicou correctamente a Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO C 372, de 9 de Dezembro de 1997, p. 5, a seguir «comunicação sobre a definição do mercado»).

211   Com efeito, na sua opinião, as provas indicam que se os compradores do gluconato de sódio se tivessem virado para agentes quelatantes de substituição, teriam reduzido totalmente um ligeiro, mas significativo, aumento do preço, e que, por conseguinte, o mercado é mais amplo do que a Comissão alega. Baseando‑se numa publicação com o título «Chemical Economics Handbook» (B. Davenport e o., SRI International 2000, a seguir «relatório CEH 2000»), observa o seguinte:

–       medidos sob a perspectiva da correlação dos preços, os seguintes agentes são substitutos mais próximos do gluconato de sódio do que o ácido glucónico: o glucoeptonato, o HEDTA (em pó), o aminonotri (ácido), o ácido NTA (seco), o aminonotri (sal NA5) e o ácido EDTA (seco);

–       o glucoeptonato é um substituto mais próximo do ácido glucónico do que do gluconato de sódio;

–       a correlação entre os preços do gluconato de sódio e do glucoeptonato é superior a 96%, o que sugere que estes preços evoluem segundo uma escala virtual fechada;

–       as correlações entre todos os agentes quelatantes evocados no relatório CEH 2000 e o gluconato de sódio são superiores a 60%, o que permite pensar que os preços do gluconato de sódio foram muito sensíveis ao movimento de preços dos outros agentes quelatantes;

–       a correlação dos preços entre o ácido glucónico e os outros agentes quelatantes é superior a 60% com excepção de duas formas de substituição NTA.

212   Invocando a comunicação sobre a definição do mercado (n.° 39), várias decisões da Comissão relativas a operações de concentração, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 100), a ADM alega que um alto grau de correlação entre os preços dos produtos é uma prova de que eles pertencem ao mesmo mercado de produtos para efeitos do direito da concorrência. Ora, resulta do relatório CEH 2000 que existe uma concorrência quanto aos preços de todos os agentes quelatantes e que o gluconato de sódio e o glucoeptonato são geralmente aplicáveis em numerosas aplicações.

213   Segundo a ADM, as conclusões do relatório CEH 2000 são corroboradas pelos testemunhos dos consumidores interrogados pela Comissão durante o seu inquérito, pelas respostas fornecidas pelas empresas em causa à Comissão e pelas comunicações internas dessas empresas.

214   Por conseguinte, segundo a ADM, tanto os elementos de prova identificados pela Comissão – dos quais ela retirou, contudo, conclusões erradas – como o relatório CEH 2000 demonstram que o mercado de referência devia ter sido definido de uma forma mais abrangente, incluindo produtos como os gluconatos e os glucoeptonatos, o ácido glucónico, o ácido glucofetónico, as «águas‑mãe» e os linhosulfonatos.

215   Os argumentos invocados pela Comissão na decisão não desmentem esta conclusão, segundo a ADM. Com efeito, é irrelevante tentar saber se os substitutos do gluconato de sódio são imperfeitos ou parciais, pois, tal como resulta do n.° 17 da comunicação sobre a definição do mercado, a Comissão tem a obrigação de determinar se um produto de substituição consegue desviar suficientemente as vendas para provocar o falhanço de um aumento dos preços ligeiro, mas significativo, e não se um substituto captaria todas as vendas de um produto, o que aconteceria no caso de um substituto perfeito. Além disso, é falso que a falta de substituto geral do gluconato de sódio, válido para todas as suas aplicações possíveis, corrobore a hipótese de o gluconato de sódio ser um mercado de produto de referência para efeitos do direito da concorrência (considerando 37 da decisão). Em particular, a ADM alega que a Comissão não indicou qual a aplicação específica para a qual o gluconato de sódio não tem substituto.

216   De igual modo, segundo a ADM, a argumentação da Comissão baseada no acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 217), é errada. Em primeiro lugar, observa que, nesse processo, o Tribunal de Justiça utilizou o critério da existência de um grau suficiente de substituição perante o mesmo uso de todos os produtos no mercado. Ora, é este teste que se encontra nas teorias económicas que estão subjacentes à comunicação sobre a definição do mercado e que constituem igualmente o fundamento da sua argumentação. Em segundo lugar, os factos na origem desse acórdão são diferentes dos do presente caso. Com efeito, enquanto, nesse outro processo, as vitaminas C e E não tinham substitutos nas suas utilizações nutricionais, no presente caso, a Comissão não identificou nenhuma aplicação para a qual o gluconato de sódio não tenha substituto. Em terceiro lugar, considera plausível que, embora apenas fossem vendidas quantidades limitadas de vitaminas C e E com vista a utilizações técnicas, os produtos de substituição não tiveram impacto na estratégia em matéria de fixação de preços das vitaminas C e E, desenvolvida pela recorrente nesse outro processo. A limitação da dispersão das vendas aos produtos de substituição destinadas a uma utilização técnica não reduziu de forma alguma o efeito do aumento dos preços devido aos benefícios esperados das vendas, numa escala mais larga e a um preço mais elevado, destinadas a aplicações nutricionais para as quais não havia qualquer substituto.

217   A ADM considera que, de qualquer forma, a importância crucial que a Comissão atribui, no considerando 37 da decisão, bem como na contestação, n.° 78, aos depoimentos dos clientes é contestável. O considerando 37 da decisão define os clientes como «preparadores que fabricam uma diversidade de produtos para diferentes sectores industriais, e exploram assim pelo menos duas propriedades do gluconato de sódio». Ora, nada sustenta esta afirmação. Com efeito, o relatório CEH 2000 sugere que as empresas que compram gluconato de sódio a fim de fabricar outros produtos são geralmente específicas de uma indústria particular. Nenhum dos clientes interrogados parece corresponder à definição da Comissão.

218   A ADM observa igualmente que, no processo Dow Chemical Company, a US Federal Trade Commission concluiu que, apesar das suas aplicações, os agentes quelatantes formam um mercado económico.

219   Em segundo lugar, a ADM indica que, no considerando 38 da decisão, a Comissão constatou que «a grande maioria dos clientes que a Comissão interrogou sobre a questão da possibilidade de substituição responderam que não podiam substituir o gluconato de sódio por outro produto no seu processo industrial». Segundo a ADM, esta conclusão é errada. As provas recolhidas a este respeito pela Comissão junto dos consumidores é selectiva, ambígua e viciada pela natureza das questões colocadas.

220   A este respeito, em primeiro lugar, a ADM sustenta que cinco dos doze utilizadores finais que responderam à pergunta colocada pela Comissão, consideraram que o gluconato de sódio é substituível, tendo um deles precisado que o ácido glucónico era o produto de substituição. Estas respostas foram confirmadas por um distribuidor que indicou espontaneamente que existe um determinado número de substitutos. A ADM salienta que os compradores que responderam à questão e que confirmaram a possibilidade de substituição do gluconato de sódio representavam a maioria das sociedades que operam nos sectores do tratamento de superfícies e da detergência industrial (Solvay, Chemische Werke Kluthe e Henkel), absorviam 50% das vendas de gluconato de sódio e compreendiam dois dos maiores consumidores em termos de volume (Henkel e British Gypsum).

221   Em segundo lugar, alega que apenas um dos outros compradores interrogados fundamentou a sua resposta enquanto que, na sua comunicação sobre a definição do mercado (n.° 40), a própria Comissão salientou que as respostas a este respeito não podiam ser tidas em conta a não ser que fossem suficientemente apoiadas por elementos de facto.

222   Em terceiro lugar, a ADM considera que, no questionário enviado pela Comissão, esta não colocou a questão adequada. Com efeito, esta limitou‑se a perguntar aos compradores se eles podiam substituir o gluconato de sódio, em vez de os interrogar sobre a sua eventual reacção a um ligeiro mas significativo aumento permanente dos preços. Além disso, observa que, entre as respostas negativas, apenas uma estava fundamentada, sem que seja possível determinar claramente se a substituição não era possível devido a dificuldades técnicas menores ou se os compradores nunca poderiam passar para outro produto mesmo na presença de um aumento durável do preço do gluconato de sódio.

223   Em terceiro lugar, a ADM observa que, no considerando 38 da decisão, a Comissão considerou que «o simples facto de os produtores do gluconato de sódio terem estabelecido um acordo, de nele terem participado e lhe terem consagrado os seus recursos durante um longo período e que optaram por não o estender, por exemplo às águas‑mãe, mostra que consideravam que o gluconato de sódio formava um mercado de produtos relevante».

224   Ora, a ADM alega que, contrariamente às afirmações da Comissão, os elementos de prova deixam pressupor que as partes estavam preocupadas com a eventualidade de os clientes se virarem para produtos de substituição não controlados pelos membros do acordo e que tentaram, em vão, estender o acordo às águas‑mães para prevenir qualquer fraude ao acordo. Além disso, o elemento invocado pela Comissão, a saber, a participação no acordo, pode ter numerosas razões e não corrobora enquanto tal a conclusão daí retirada.

225   A Comissão conclui pela improcedência de todos os argumentos da ADM.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

226   Há que observar, a título preliminar que, nos considerandos 34 a 41 da decisão, a Comissão examinou o mercado do produto em causa e definiu este mercado como o do gluconato de sódio nas suas formas sólida e líquida e do seu produto de base, o ácido glucónico. Além disso, em resposta aos argumentos que a ADM invocou durante o procedimento administrativo, admitiu que existia um determinado número de produtos de substituição parcial para o gluconato de sódio, segundo o uso que dele é feito, mas considerou que nada provava que esses produtos exerciam uma pressão efectiva sobre os preços deste último. Considerou, pelo contrário, que numerosos elementos contradiziam a tese defendida pela ADM. Assim, invocou que não havia produtos de substituição completa para o gluconato de sódio e que, tendo em conta que este produto respeita mais o ambiente, determinados utilizadores preferiam‑no a produtos de substituição potenciais. Além disso, confirmou que este ponto de vista era confirmado, por um lado, pelas repostas fornecidas por clientes dos membros do acordo e, por outro, pela própria existência do acordo que se limitou ao gluconato de sódio e constituía assim, do seu ponto de vista, um indício de que os próprios membros consideravam que o mercado estava limitado ao gluconato de sódio (considerandos 37 e 38 da decisão).

227   Além disso, na parte da decisão relativa ao impacto concreto do acordo no mercado, a Comissão remeteu para o exame do mercado resumido no número anterior (considerando 353 da decisão).

228   A ADM alega, no essencial, que a Comissão definiu o mercado dos produtos em causa de forma demasiado restrita ao excluir os produtos de substituição do gluconato de sódio.

229   A este respeito, importa salientar, antes de mais, que a ADM não faz esta crítica sobre a definição errada do mercado dos produtos em causa para demonstrar que a Comissão violou o artigo 81.°, n.° 1, CE. Ela não contesta o facto de ter cometido uma infracção desta disposição pela sua participação no acordo no mercado do gluconato de sódio. O único objectivo que a ADM prossegue, no presente contexto, é o de demonstrar que a Comissão lhe aplicou uma coima demasiado elevada, em particular, porque concluiu, do ponto de vista da ADM, pela existência de um impacto concreto deste acordo no mercado em causa e teve em conta este elemento na fixação do montante da coima.

230   Ora, esta argumentação só procede se a ADM demonstrar que, se a Comissão tivesse definido o mercado dos produtos em causa de outra forma, teria constatado que a infracção não teve impacto concreto no mercado definido como o do gluconato de sódio e dos seus substitutos (v. n.° 178, supra).

231   Com efeito, só uma demonstração deste tipo é susceptível de invalidar a apreciação do montante da coima efectuada pela Comissão em função da gravidade da infracção.

232   Tal como acima se considerou nos n.os 196 e 197, supra, no presente caso, para concluir pela existência de um impacto real da infracção no mercado do gluconato de sódio, a Comissão comparou os preços efectivamente praticados com os preços que teriam existido sem o acordo e apoiou‑se, quanto a este aspecto, numa dupla constatação. Em primeiro lugar, comparou os preços do gluconato de sódio praticados durante o período anterior ao acordo, caracterizado pela livre concorrência, com os preços praticados após algum tempo necessário para a implementação efectiva do acordo em 1989. Em segundo lugar, constatou que, entre 1989 e 1995, os preços permaneceram relativamente estáveis quando, de uma forma geral, este mercado se caracteriza por uma grande flutuação dos preços (considerando 354 da decisão).

233   Numa situação destas, para que a argumentação da ADM relativa a erros na definição do mercado de referência pudesse ir avante, esta devia ter demonstrado que uma comparação da situação dos preços efectivamente praticados no mercado mais amplo correspondente à definição que ela defende com a que, neste mercado mais amplo, teria existido sem o acordo, indica que o acordo não teve impacto neste mercado. Com efeito, tal como acima se considerou no n.° 178, só nestas circunstâncias é que a Comissão não se teria podido apoiar no critério do impacto concreto do acordo no âmbito do seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção.

234   Ora, a este respeito, a ADM limita‑se a afirmar que «as conclusões da Comissão sobre o mercado do produto de referência desempenham um papel central na sua avaliação do impacto económico», que os erros alegadamente cometidos por esta «alteram assim a opinião que a Comissão teve do impacto económico e viciam o seu cálculo das coimas» e, por último, que, se a Comissão tivesse definido o mercado mediante a inclusão dos substitutos do gluconato de sódio, esta última «teria concluído pela ineficácia de qualquer tentativa das partes de controlarem o preço do gluconato de sódio».

235   É certo que a ADM dedica uma parte importante das suas alegações à análise dos dados relativos ao mercado das gelatinas e à discussão das teorias económicas relevantes para a definição de mercado de referência em direito da concorrência.

236   Contudo, a ADM em nada se esforça para refutar a análise que a Comissão fez na sua decisão no que diz respeito ao mercado do gluconato de sódio, fornecendo nem que fosse um esboço de comparação entre o nível dos preços que foram efectivamente praticados durante o período do acordo no mercado mais amplo dos produtos quelatantes com aquele que, com toda a probabilidade, teria existido nesse mesmo mercado mais amplo sem o acordo limitado ao gluconato de sódio.

237   Consequentemente, a ADM não demonstrou ou adiantou elementos que, em bloco, constituíssem um conjunto de indícios coerentes que demonstrassem com uma probabilidade razoável que o impacto do acordo relativo ao gluconato de sódio no mercado mais amplo dos agentes quelatantes era inexistente ou, pelo menos, negligenciável.

238   Por conseguinte, sem que se tenha de examinar se, como a ADM alega, a Comissão cometeu um erro de direito ao excluir, para efeitos da decisão, os substitutos do gluconato de sódio do mercado dos produtos em causa, deve julgar‑se improcedente esta alegação relativa à definição errada do mercado em causa.

239   Atendendo ao exposto anteriormente, há que concluir que a ADM não demonstrou que a Comissão cometeu erros na apreciação do impacto concreto do acordo no mercado.

C –  Quanto à existência de erros de apreciação relativos à duração da infracção

240   A ADM considera que a Comissão cometeu erros de apreciação ao considerar que a infracção perdurou até ao mês de Junho de 1995. Alega, por um lado, que terminou a sua participação no acordo na reunião de 4 de Outubro de 1994 em Londres, e, por outro, que a reunião realizada de 3 a 5 de Junho de 1995 em Anaheim (Califórnia) não pode ser considerada uma sequência da infracção. Consequentemente, segundo a ADM, a coima deve ser reduzida em conformidade.

1.     Quanto ao facto de a ADM ter cessado a sua participação no acordo na reunião de 4 de Outubro de 1994 em Londres

a)     Argumentos das partes

241   Segundo a ADM, a Comissão não tem razão em rejeitar os argumentos por ela apresentados e em ter concluído, nos considerandos 319 a 323 da decisão, que não terminou a sua participação no acordo na reunião de 4 de Outubro de 1994, mas que a sua participação durou antes até Junho de 1995.

242   Em primeiro lugar, fazendo referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão (T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.° 85), e ao acórdão BPB de Eendracht/Comissão, referido no n.° 107, supra (n.° 203), a ADM alega que uma empresa termina a sua participação num acordo quando retira, por si própria, abertamente a sua solidariedade e se retira do acordo. Ora, foi isso que a ADM fez na reunião de 4 de Outubro de 1994.

243   Com efeito, ela invoca que, nessa reunião, os seus representantes informaram os outros participantes que deixariam o grupo se as questões em suspenso sobre as quotas não fossem resolvidas. Não se tendo chegado a acordo, os seus representantes saíram, conforme resulta do documento 6 da Comissão. Salienta que a Comissão reproduziu, por sua própria iniciativa, esta citação da reunião de 4 de Outubro de 1994 (considerando 228 da decisão). Estes factos correspondem não apenas às próprias conclusões da Comissão segundo as quais as reuniões se tornaram progressivamente mais tensas antes desta reunião, mas também às provas que a Jungbunzlauer forneceu à Comissão no que diz respeito a esta reunião.

244   Além disso, a ADM observa que, ao confirmar a sua saída do acordo, deixou de comunicar os valores de venda aos membros do acordo, facto que a Comissão reconheceu no considerando 228 da decisão. Contrariamente à interpretação defendida pela Comissão no considerando 321 da decisão, este acto não constituiu uma simples estratégia negocial no acordo, que ilustrou a sua firme intenção de prosseguir actividades restritivas. Com efeito, sublinha que se tratava de um comportamento objectivo que foi claramente compreendido pelas outras partes e que indicava que ela deixava de pertencer ao acordo.

245   A Comissão pede que esta argumentação seja julgada improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

246   Em primeiro lugar, há que recordar que, segundo a jurisprudência invocada pela própria ADM (v. n.° 242, supra), só se podia concluir pela cessação definitiva da sua participação no acordo se a ADM se tivesse distanciado publicamente do conteúdo das reuniões.

247   Ora, resulta da própria descrição dos factos feita pela ADM que, de resto, concorda com a contida na decisão (v., designadamente, considerandos 228 e 321) que, na reunião de 4 de Outubro de 1994 em Londres, a ADM não se distanciou abertamente dos objectivos do acordo e dos meios executados para atingir estes objectivos, designadamente a repartição das quotas de venda do gluconato de sódio entre os membros do mesmo. Bem pelo contrário, daí resulta que a ADM tentou, em vão, resolver o conflito que estalou entre os membros do cartel e chegar a um compromisso sobre as quantidades de venda. Esta atitude faz antes eco de uma aceitação de princípio da execução do acordo. Por conseguinte, no considerando 321 da decisão, a Comissão podia validamente classificar o comportamento da ADM nessa reunião como estratégia destinada a obter mais concessões da parte dos outros membros do acordo em vez de cessação da sua participação.

248   Além disso, também não resulta de nenhum documento invocado pela ADM que os outros membros do acordo compreenderam o seu comportamento nessa reunião como um distanciamento público do próprio conteúdo do acordo.

249   Com efeito, em primeiro lugar, a carta dirigida em 21 de Maio de 1999 pela Jungbunzlauer à Comissão não contém qualquer descrição do comportamento da ADM durante a reunião de 4 de Outubro de 1994 em Londres. Nesta só vem indicado que, «[q]uando, em 4 de Outubro de 1994 em Londres, a Roquette declarou que já não respeitaria nenhum [dos] acordos [do cartel], estes terminaram».

250   Em segundo lugar, na carta dirigida em 12 de Maio de 1998 pela Fujisawa à Comissão, esta parte não transmitiu nenhuma descrição desta reunião durante a qual, de resto, conforme resulta do considerando 224 da decisão, ela não tomou parte. Bem pelo contrário, nesta carta a Fujisawa indicou que o acordo só terminou em 1995.

251   Em terceiro lugar, a descrição desta reunião pela Jungbunzlauer na carta que dirigiu no dia 30 de Abril de 1999 à Comissão também não contém indicações de que, durante essa reunião, a ADM declarou querer retirar‑se do acordo. Pelo contrário, a Jungbunzlauer indicou, nesta carta, que a ADM tinha pedido que se procedesse a uma reorganização das quantidades de vendas mas não foi apoiada.

252   Depois, na medida em que a ADM invoca que, na sequência desta reunião, deixou de comunicar os seus valores de venda aos outros membros do acordo, há que observar que, tal como resulta dos considerandos 81 a 90 da decisão, o acordo consistiu num mecanismo complexo destinado à repartição dos mercados, à fixação de preços e à troca de informações sobre os clientes. O simples facto, admitindo que estivesse demonstrado, de a ADM ter cessado, depois dessa reunião, de transmitir aos outros membros do acordo os seus valores de venda não demonstra que o acordo tivesse deixado de existir ou que a ADM tivesse deixado de nele participar.

253   Por conseguinte, a ADM não demonstrou que a Comissão cometeu erros de apreciação ao considerar que a ADM não pôs fim à sua participação no acordo na reunião de 4 de Outubro de 1994.

2.     Quanto à natureza da reunião que decorreu de 3 a 5 de Junho de 1995 em Anaheim

a)     Argumentos das partes

254   A ADM considera que, contrariamente ao que a Comissão sustenta (considerandos 232 e 322), a reunião de 3 a 5 de Junho de 1995 não pode ser considerada como o seguimento da infracção. Com efeito, por um lado, esta reunião coincidiu com uma reunião industrial. Por outro, durante esta reunião, os participantes procuraram agrupar as quotas de venda iniciais de forma anónima (considerando 232 da decisão). Ora, o sistema anónimo de troca de informações quanto ao volume proposto não era uma forma ilegal de troca de informações. Com efeito, este sistema implicava que as partes adicionariam os volumes de venda de forma que nenhuma informação específica de uma empresa fosse dada a conhecer a qualquer dos participantes. Não compreendia um mecanismo de vigilância das vendas específicas das empresas, acordos de preços ou repartição de vendas, o que a Comissão considerou como elementos chave do acordo sobre o gluconato de sódio. De qualquer forma, o sistema previsto pelos participantes para atingir o objectivo de determinar a dimensão total do mercado falhou.

255   As indicações obtidas através de um documento obtido junto da Roquette e invocado pela Comissão nos considerandos 233 e 322 da decisão segundo as quais esta reunião teve por objecto as «compensações» bem como o «objectivo de produção mundial» ou os «preços» são vagas e ambíguas. Além disso, não se trata da declaração de uma testemunha, mas de um resumo do acordo preparado por um procurador americano que serviu de base à discussão com as testemunhas da Roquette. Na qualidade de declaração judicial baseada em fontes desconhecidas, este documento tem pouco valor probatório relativamente aos depoimentos das testemunhas oculares.

256   No que se refere à telecópia que a Glucona enviou no dia 1 de Maio de 1995 ao hotel onde iria decorrer a reunião do mês de Junho de 1995, a ADM invoca que, segundo este documento, a reserva dizia respeito a 6 de Junho de 1995, ao passo que a reunião teve lugar entre 3 e 5 de Junho de 1995. Além disso, salienta que essa reserva podia estar relacionada com outra reunião diferente e que, mesmo que dissesse respeito ao acordo, demonstraria quando muito que a Glucona pensava poder persuadir os outros participantes a reformar o acordo.

257   A Comissão pede que esta argumentação seja julgada improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

258   Em primeiro lugar, deve observar‑se que a ADM não contesta que, tal como a Comissão indicou no considerando 232 da decisão, que, durante essa reunião, na qual todos os membros do acordo estiveram presentes, os participantes discutiram os volumes de venda do gluconato de sódio realizados em 1994. A Comissão observou, em particular, sem que a ADM impugne este elemento, que, segundo esta última, a Jungbunzlauer lhe pediu «que comunicasse os valores totais de vendas de gluconato de sódio realizadas pela ADM em 1994» (considerando 232 da decisão).

259   Ora, há que observar que esta forma de proceder coincidia, no essencial, com a prática constante no acordo destinada a assegurar o respeito das quotas de venda atribuídas e que, conforme resulta dos considerandos 92 e 93 da decisão, consistia no facto de antes de cada reunião, os membros do acordo comunicarem os seus volumes de vendas à Jungbunzlauer, que os reunia e distribuía durante as reuniões.

260   Em segundo lugar, a ADM confirma a descrição dos acontecimentos exposta pela Comissão no considerando 232 da decisão segundo a qual, durante essa reunião, foi proposto um novo sistema de troca de informações relativas ao volume de vendas. Este sistema iria permitir determinar, de forma anónima, ou seja, de forma a que nenhum dos membros conhecesse os valores dos outros, a dimensão total do mercado do gluconato de sódio da seguinte forma:

«[A] empresa A escreveria um número arbitrário que representaria uma parte do seu volume total; a empresa B mostraria então à empresa C a soma dos números da empresa A e da empresa B; a empresa C acrescentaria o seu volume total a esta soma; por último, a empresa A acrescentaria a este montante o resto do seu volume total e comunicaria esse total ao grupo» (considerando 233 da decisão).

261   A ADM não pode validamente alegar que um sistema destes não constitui uma infracção ao artigo 81.° CE, em particular porque não contém um acordo sobre a fixação de preços, a repartição de quotas de venda e um mecanismo de vigilância das vendas específicas das empresas.

262   Com efeito, sem que seja necessário apreciar se, tomado individualmente, este comportamento constitui uma violação das regras da concorrência, há que considerar que a Comissão podia justificadamente considerar que constituía uma nova tentativa dos membros do acordo de «reporem a ordem no mercado» e de manterem as suas práticas anticoncorrenciais executadas ao longo dos anos precedentes, destinadas a assegurar o controlo do mercado por uma acção conjunta, se bem que, eventualmente, sob formas e por métodos diferentes. A circunstância de os membros do acordo terem tentado implementar um sistema de troca «anónima» de informações, conforme descrito no n.° 260, supra, podia ser razoavelmente interpretado pela Comissão como um seguimento natural do comportamento das empresas no âmbito do acordo que, conforme resulta do considerando 93 da decisão, se caracterizava por um «clima de suspeição mútua crescente», mas que tinha contudo por objectivo repartir o mercado. Sob esta perspectiva, a Comissão podia validamente considerar que, ao estabelecer este novo sistema de troca de informações, os membros do acordo demonstraram «ainda estar [resolvidos] a encontrar uma solução que lhes permitisse continuar as suas práticas anticoncorrrenciais» (considerando 322 da decisão) e «manter o seu controlo do mercado através de uma acção conjunta» (considerando 232 da decisão).

263   Em terceiro lugar, a breve anotação que a Roquette fez durante essa reunião e que a Comissão invocou nos considerandos 233 e 322 da decisão («6.95 Anaheim: Discussão: compensação; 44 000 mt de produção alvo a nível mundial; preços») pode razoavelmente ser considerada como confirmadora da tese defendida pela Comissão, mesmo que seja verdade que, tomada individualmente e retirada do seu contexto, esta nota só dá uma ideia imprecisa do conteúdo das discussões mantidas durante a reunião de 3, 4 e 5 de Junho de1995. Além disso, contrariamente ao que a ADM sustenta, na medida em que a Roquette submeteu espontaneamente este documento à Comissão durante o procedimento administrativo, esta podia validamente servir‑se dele para corroborar a sua tese.

264   Em quarto lugar, as diferentes declarações dos membros do acordo, invocadas pela ADM, não põem em causa a posição defendida pela Comissão. Com efeito, a declaração de um empregado da Roquette, anexada à carta desta de 22 de Julho de 1999, nos termos da qual esta reunião «não levou a nada e não serviu para nada», declaração esta que coincide com a da Jungbunzlauer na sua carta de 30 de Abril de 1999, não tem importância, uma vez que confirma que essa reunião não alterou o funcionamento de uma infracção única e contínua (considerando 254 da decisão). Assim, esta carta não demonstra a falta de intenção, por parte dos membros do acordo, de manterem o seu comportamento ilícito.

265   Neste contexto, há que recordar que, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE a um acordo ou a uma prática concertada, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, quando se revele que este tem por objecto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect., pp. 423, 434, Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 204, supra, n.° 99, e de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.° 178; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colect., p. II‑49, n.° 87).

266   Em quinto lugar, a circunstância de essa reunião ter ocorrido no âmbito de uma reunião industrial geral não tem relevância, pois não exclui a possibilidade de as empresas em causa tirarem proveito dessa reunião geral para se reunirem sobre o acordo.

267   Por conseguinte, a Comissão podia validamente considerar que a ADM participou no acordo até Junho de 1995.

268   Atendendo ao exposto anteriormente, há que concluir que a ADM não demonstrou que a Comissão tenha cometido erros de apreciação no que diz respeito à duração da infracção.

D –  Quanto às circunstâncias atenuantes

269   No que diz respeito à apreciação das circunstâncias atenuantes pela Comissão, a ADM aponta erros de apreciação relativos, em primeiro lugar, à cessação da participação no acordo antes do inquérito, em segundo lugar, à falta de necessidade de garantir que a coima tenha um carácter dissuasor e, em terceiro lugar, à adopção de um código de conduta pela ADM.

1.     Quanto à cessação de participação no acordo

a)     Argumentos das partes

270   A ADM sustenta que, no n.° 3, terceiro travessão, das orientações, o facto de «ter posto termo às infracções desde as primeiras intervenções da Comissão (nomeadamente verificações)» é reconhecido como uma circunstância atenuante. Ela considera que, no caso em apreço, devia ter beneficiado desta circunstância atenuante, dado que pôs termo à infracção desde a primeira intervenção das autoridades da concorrência americanas. Além disso, alega que os factos do presente processo são praticamente idênticos aos do processo denominado dos «Aminoácidos» [Decisão 2001/418/CE da Comissão, de 7 de Junho de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo IV/36.545/F3 — Aminoácidos) (JO 2001, L 152, p. 24, a seguir «processo dos aminoácidos»)], no qual a Comissão atribuiu uma redução do montante da coima de 10%. Por outro lado, invoca o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão (T‑31/99, Colect., p. II‑1881, n.° 238), no qual o Tribunal de Primeira Instância decidiu que devia ser atribuída uma redução da coima às empresas que tinham colaborado com a Comissão para pôr termo ao acordo. Por último, contrariamente ao que a Comissão sustenta, existem casos em que os acordos continuaram depois da intervenção das autoridades competentes.

271   A Comissão considera que a ADM não pode, no presente caso, invocar validamente o n.° 3, terceiro travessão, das orientações. Com efeito, segundo a Comissão, no caso de acordos secretos, seria inconcebível que eles tivessem continuidade depois de terem sido descobertos. Consequentemente, a aplicação de uma circunstância atenuante por se ter posto termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão seria inadequada.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

272   O n.° 3 das orientações, intitulado «Circunstâncias atenuantes», prevê uma diminuição do montante de base da coima quando a Comissão se encontra perante circunstâncias atenuantes particulares, como a cessação da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão (nomeadamente verificações).

273   A Comissão reconhece na decisão que a ADM, bem como os outros membros do acordo, puseram fim à infracção desde a intervenção das autoridades americanas, em 27 de Junho de 1995 (considerando 234 da decisão).

274   A este respeito, importa contudo recordar, antes de mais, que, para efeitos de se estabelecer um mercado comum com um alto grau de competitividade, o artigo 3.° CE prevê que a acção da Comunidade inclui um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno. O artigo 81.°, n.° 1, CE, que proíbe todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, constitui um dos principais instrumentos que permitem a execução deste regime.

275   Em seguida, deve recordar‑se que compete à Comissão tanto prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido como investigar e reprimir as infracções individuais. Para este efeito, a Comissão dispõe do poder de aplicar coimas às empresas que, intencionalmente ou por negligência, cometam uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 105).

276   Daqui resulta que, quando aprecia a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso sob apreciação, mas igualmente o contexto em que a infracção se insere e assegurar o carácter dissuasor da sua acção (v., neste sentido, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 106). Com efeito, só a tomada em conta destes aspectos permite garantir uma plena eficácia à acção da Comissão com vista a garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

277   Uma análise puramente textual da disposição que consta do n.° 3, terceiro travessão, das orientações poderia dar a impressão que o simples facto de um infractor cessar a infracção desde as primeiras intervenções da Comissão constitui de uma forma geral e sem reserva uma circunstância atenuante. Ora, tal interpretação desta disposição diminuiria o efeito útil das disposições que permitem a manutenção de uma concorrência eficaz, pois enfraqueceria tanto a sanção que poderia ser imposta na sequência de uma violação do artigo 81.° CE como o efeito dissuasor dessa sanção.

278   Com efeito, diversamente de outras circunstâncias atenuantes, esta circunstância não é inerente nem à particularidade subjectiva do infractor nem aos factos particulares do caso sob apreciação, uma vez que procede principalmente da intervenção exterior da Comissão. Assim, pôr termo a uma infracção unicamente na sequência de uma intervenção da Comissão não pode ser equiparado aos méritos decorrentes de uma iniciativa autónoma da parte do infractor, constituindo apenas uma reacção adequada e normal à referida intervenção. Além disso, esta circunstância consagra apenas o facto de o infractor voltar a ter um comportamento lícito e não contribui para tornar as diligências da Comissão mais eficazes. Por último, o carácter alegadamente atenuante desta circunstância não pode ser justificada pelo mero incitamento a pôr fim à infracção em causa, e isso é tanto mais assim à luz das circunstâncias precedentes. A este respeito, importa observar que a qualificação da continuação de uma infracção depois das primeiras intervenções da Comissão de circunstância agravante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, Sigma Tecnologie/Comissão, T‑28/99, Colect., p. II‑1845, n.os 102 e segs.) já constitui, por si só, um incitamento para pôr fim à infracção, mas que, ao contrário da circunstância atenuante em causa, não diminui a sanção nem o efeito dissuasor da mesma.

279   Assim, o reconhecimento do termo de uma infracção desde as primeiras intervenções da Comissão como circunstância atenuante poria injustificadamente em causa o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE, pela diminuição tanto da sanção como do efeito dissuasor da mesma. Por conseguinte, a Comissão não podia impor‑se a si própria ter de considerar a simples cessação da infracção desde as suas primeiras intervenções uma circunstância atenuante. Logo, há que interpretar restritivamente a disposição que figura no n.° 3, terceiro parágrafo, das orientações, de forma a que essa interpretação não seja contrária ao efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE.

280   Por conseguinte, há que interpretar esta disposição no sentido de que só as circunstâncias particulares do caso concreto, nas quais a hipótese do termo da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão se concretiza, podem justificar a tomada em conta desta última circunstância como circunstância atenuante (v., neste sentido, acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, referido no n.° 270, supra, n.° 213).

281   No presente caso, há que recordar que a infracção em causa é relativa a um acordo secreto que tinha por objecto a fixação de preços e uma repartição dos mercados. Este tipo de acordo é expressamente proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) e c), CE, e constitui uma infracção particularmente grave. As partes devem, consequentemente, ter consciência do carácter ilícito do seu comportamento. O carácter secreto do acordo confirma o facto de as partes terem tido consciência do carácter ilícito das suas acções. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância considera que não resta qualquer dúvida de que esta infracção foi cometida intencionalmente pelas partes em causa.

282   Ora, o Tribunal de Primeira Instância já considerou expressamente que a cessação de uma infracção cometida deliberadamente não poderá ser considerada uma circunstância atenuante quando foi determinada pela intervenção da Comissão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Aristrain/Comissão, T‑156/94, Colect., p. II‑645, n.° 138, e Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colect., p. II‑707, n.° 498).

283   À luz do que antecede, o Tribunal de Primeira Instância entende que, no caso em apreço, o facto de a ADM ter posto fim à infracção depois da primeira intervenção de uma autoridade da concorrência não é susceptível de constituir uma circunstância atenuante.

284   Esta conclusão não é afectada pelo facto de, no presente caso, ter sido na sequência da intervenção das autoridades americanas e não da Comissão que a ADM pôs fim às práticas anticoncorrenciais em causa (considerando 234 da decisão). Com efeito, o facto de a ADM ter cessado a infracção desde as primeiras intervenções das autoridades da concorrência americanas não torna esta cessação mais ponderada do que se ela tivesse tido lugar desde as primeiras intervenções da Comissão.

285   A ADM ainda invoca o acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão (n.° 270, supra, n.° 238) em apoio da sua argumentação, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância decidiu através do mesmo que devia ser atribuída uma redução da coima às empresas que tivessem colaborado previamente com a Comissão para pôr fim ao acordo. A este respeito, basta salientar que esse acórdão não permite concluir que o facto de a recorrente ter posto fim à infracção desde as primeiras intervenções de uma autoridade da concorrência constitui de qualquer forma uma circunstância atenuante. Além disso, na passagem invocada pela ADM, o acórdão enuncia o princípio segundo o qual quando o comportamento da empresa arguida permite à Comissão constatar uma infracção com menos dificuldade e, se for esse o caso, pôr fim à mesma, esta circunstância deve ser tida em conta. Ora, esta circunstância implica uma iniciativa da empresa arguida que vá além da mera cessação da infracção na sequência da intervenção da Comissão. Por conseguinte, esta jurisprudência não é susceptível de pôr em causa a análise acima exposta.

286   No que se refere ao processo dos aminoácidos (v. n.° 270, supra), invocado pela ADM a fim de demonstrar uma violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o Tribunal de Primeira Instância considera antes de mais que um único caso não institui uma prática administrativa. Além disso, tal como foi acima recordado no n.° 110, o mero facto de a Comissão ter apreciado, no âmbito da sua prática decisória anterior, um comportamento de uma certa forma não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação por ocasião da adopção de uma decisão posterior. Por último e de qualquer forma, o Tribunal de Primeira Instância considera que este caso não é susceptível de pôr em causa nem a análise decorrente de um dos objectivos chave da Comunidade acima mencionado nem a jurisprudência resultante dos acórdãos Aristrain/Comissão e Ensidesa/Comissão, referido no n.° 282, supra, na medida em que só traduz a apreciação da Comissão.

287   Assim, pelos motivos expostos, não se pode considerar errada a falta de tomada em consideração, no presente caso, da cessação da infracção desde as primeiras intervenções das autoridades da concorrência americanas como circunstância atenuante.

2.     Quanto à desnecessidade de garantir um carácter decisório à coima

a)     Argumentos das partes

288   A ADM recorda que, no âmbito das diferentes acções intentadas perante os tribunais americanos no que diz respeito aos processos da lisina e do ácido cítrico, já pagou mais de 250 milhões de USD pela violação das regras antitrust. A Comissão devia ter tido em conta estas circunstâncias a título de circunstâncias atenuantes, tal como já tinha feito na sua prática decisória [Decisão 89/190/CEE da Comissão, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.865, PVC) (JO 1989, L 74, p. 1)].

289   A Comissão pede que esta argumentação seja julgada improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

290   A título liminar, deve recordar‑se que o princípio ne bis in idem proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito para se proteger o mesmo bem jurídico. A aplicação deste princípio está sujeita a três condições cumulativas, a saber, a identidade dos factos, a unidade de infractor e a unidade do interesse jurídico protegido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 338).

291   Assim, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância já decidiram por mais de uma vez que, no caso de os factos na base das duas condenações em causa terem a sua origem num mesmo conjunto de acordos, mas se distinguirem, porém, relativamente ao seu objecto e a sua localização territorial, este princípio não se aplica (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer/Comissão, 7/72, Colect., p. 447, n.os 3 e 4, e de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1, n.° 11; acórdãos Trefileurope/Comissão, referido no n.° 242, supra, n.° 191, e de 6 de Abril de 1995, Sotralentz/Comissão, T‑149/89, Colect., p. II‑1127, n.° 29).

292   Ora, no presente caso, por um lado, os pagamentos invocados pela ADM são, em parte, relativos a outros acordos, a saber os dos relativos aos mercados da lisina e do ácido cítrico. Por outro lado, no que diz respeito ao acordo relativo ao gluconato de sódio, nos termos do princípio da territorialidade, não existe conflito no exercício das competências da Comissão e das autoridades da concorrência dos Estados terceiros para aplicarem coimas a empresas que violem as regras da concorrência do EEE e dos referidos Estados terceiros (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 90, e acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Bunchler/Comissão, 44/69, Recueil, p. 733, n.os 52 e 53, Colect., p. 501, bem como, por analogia, em matéria de concentração, para a competência comunitária quanto aos efeitos de um comportamento ilegal em paralelo com as competências das autoridades da concorrência de Estados terceiros, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.os 95 e 98). Consequentemente, a Comissão não tinha a obrigação de ter em conta estas circunstâncias por força do princípio ne bis in idem.

293   Na medida em que a ADM afirma que a Comissão, no passado, já teve em conta este elemento na fixação das coimas a título de circunstâncias atenuantes, basta recordar que, de acordo com a jurisprudência, o simples facto de, em alguns casos, a Comissão ter tido em conta, na sua prática decisória anterior, determinados elementos como circunstância atenuante não implica que tenha a obrigação de proceder da mesma forma num caso determinado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Hercules Chemicals/Comissão, referido no n.° 110, supra, n.° 357, e de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.os 417 e 419).

294   De qualquer forma e apenas por acréscimo, há que notar que, por um lado, a ADM se limita fazer referência a uma única decisão e, por outro, que, interpelada por uma questão escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão demonstrou a este que, na sua prática decisória ora assente, não aplica essa circunstância atenuante a situações equiparáveis às do presente caso.

295   Por conseguinte, a ADM não tem razão em criticar a Comissão por não lhe ter concedido uma diminuição da coima devido a uma alegada desnecessidade de dissuasão.

3.     Quanto à adopção de um código de conduta pela ADM

a)     Argumentos das partes

296   A ADM alega que a Comissão deveria ter tido em conta, no cálculo do montante da coima, a instituição na ADM de um programa rigoroso e permanente de conformidade com as normas da concorrência que incluía, nomeadamente, a adopção de um código de conduta dirigido a todos os empregados da empresa e a criação de um departamento especializado.

297   Além disso, a adopção do programa de conformização com as normas da concorrência, a entrada de uma nova direcção e o despedimento dos quadros superiores envolvidos na infracção demonstram um arrependimento sincero da empresa. Por outro lado, a ADM salienta que até então não tinha sido objecto de qualquer condenação no âmbito do direito comunitário da concorrência.

298   A Comissão pede que estes argumentos sejam julgados improcedentes.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

299   Já se considerou que, embora seja importante que uma empresa tome medidas para impedir que sejam cometidas no futuro novas infracções ao direito comunitário da concorrência por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. A Comissão não tem que tomar em consideração esse elemento como circunstância atenuante, tanto mais porque a infracção em causa constitui, como no presente caso, uma violação manifesta do artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) e b), CE (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 373, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.os 280 e 281).

300   Além disso, na medida em que a ADM acrescenta que até então não tinha sido objecto de nenhuma condenação no âmbito do direito comunitário da concorrência, há que salientar que, embora, num caso contrário, as orientações disponham que a Comissão pode ter em conta circunstâncias agravantes contra uma empresa que já tenha cometido uma ou mais infracções do mesmo tipo, daqui não resulta que, quando a infracção em causa é a primeira deste tipo cometida pela empresa em causa, lhe deva ser aplicado um tratamento favorável a título de circunstância atenuante.

301   Por conseguinte, a ADM não tem razão em censurar a Comissão por não lhe ter concedido uma diminuição da coima devido à adopção de um código de conduta.

302   Resulta do conjunto das considerações antecedentes que a ADM não demonstrou que a Comissão cometeu erros na apreciação das circunstâncias atenuantes.

E –  Quanto à cooperação da ADM durante o procedimento administrativo

1.     Introdução

303   No que diz respeito à sua cooperação durante o procedimento administrativo, a ADM invoca dois fundamentos, relativos, por um lado, a erros de apreciação e, por outro, à violação do princípio da igualdade de tratamento.

304   Antes de examinar a justeza destes fundamentos, há que resumir a apreciação da Comissão quanto à cooperação das empresas, conforme resulta dos considerandos 411 a 427 da decisão.

305   Em primeiro lugar, em aplicação do título B da comunicação sobre a cooperação (v. n.° 6, supra), a Comissão concedeu à Fujisawa uma «redução muito importante» de 80% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta de cooperação. Neste contexto, a Comissão reconheceu que foi a Fujisawa que, na acepção desta disposição, denunciou o acordo junto da Comissão antes de esta ter procedido a uma verificação. A Comissão reconheceu igualmente que no momento em que a Fujisawa lhe forneceu a sua declaração dos factos e os documentos relativos ao acordo em 12 de Maio de 1998, ela ainda não dispunha de informações suficientes para provar a existência do acordo denunciado. A Comissão entendeu, em particular, que a Fujisawa foi o primeiro membro do acordo a fornecer elementos determinantes para provar a existência do acordo durante toda a sua duração ao ter‑lhe fornecido uma lista das reuniões do acordo, bem como um resumo das actuações dos principais actores e dos acontecimentos chaves entre 1981 e 1995. Segundo a Comissão, a declaração da Fujisawa permitiu‑lhe ter uma ideia dos princípios subjacentes ao acordo, a saber, a estrutura e o funcionamento do acordo, incluindo os principais acordos celebrados e os mecanismos de aplicação elaborados (considerandos 412 a 418 da decisão).

306   Em seguida, ao rejeitar os argumentos da ADM relativos ao facto de ela preencher as condições previstas no título C dessa mesma comunicação para beneficiar de uma «redução importante» do montante das coimas, a Comissão entendeu que, no momento em que a ADM tinha começado a cooperar com ela, já dispunha de informações suficientes, comunicadas pela Fujisawa, para provar a existência do acordo durante toda a sua duração (considerandos 419 a 423 da decisão).

307   Por último, em aplicação do título D dessa comunicação, a Comissão concedeu uma «redução significativa» de 40% do montante da coima à ADM e à Roquette e de 20% à Akzo, à Avebe e à Jungbunzlauer. Neste contexto, a Comissão teve designadamente em conta o facto de a Roquette ter sido o único membro do acordo a ter enviado documentos que relatavam os conteúdos e as conclusões das reuniões do acordo e que, nas suas declarações, a Roquette e a ADM descreveram o mecanismo do acordo e o papel dos participantes e forneceram precisões sobre essas reuniões. A Comissão indicou que, tanto as declarações da Fujisawa como os documentos da Roquette, bem como as declarações da Roquette e da ADM constituíram a sua principal fonte para a elaboração da decisão (considerandos 424 a 427 da decisão).

2.     Quanto à apreciação errada da cooperação da ADM

a)     Argumentos das partes

308   A ADM considera que a redução de 40% do montante da sua coima, atribuída ao abrigo das disposições do título D da comunicação sobre a cooperação é insuficiente. Na sua opinião, contrariamente ao que a Comissão observou no considerando 422 da decisão, ao enviar à Comissão um resumo sobre o período que decorreu entre 1991 e 1995, foi ela a primeira a fornecer provas decisivas relativas à existência do acordo para o período posterior a 1991. Assim, entende que, foi sem razão que a Comissão lhe recusou uma redução ao abrigo do título C da comunicação sobre a cooperação.

309   Com efeito, antes de mais, a ADM entende que as provas fornecidas pela Fujisawa relativas a este período são limitadas.

310   Em primeiro lugar, observa que a Fujisawa apresentou uma carta de acompanhamento com detalhes relativos ao período anterior a 1990. Já no que se refere ao período de 1991 a 1995, a Fujisawa só evocou duas reuniões, sem fornecer nenhuma informação específica acerca dos acordos sobre os preços ou sobre os volumes. Além disso, uma destas duas reuniões foi a de 6 de Junho de 1995 que, segundo a ADM, teve lugar depois de ter cessado o acordo (v. supra). No que diz respeito à outra reunião, a de Atlanta que se realizou em Junho de 1994, a descrição é vaga.

311   Em segundo lugar, observa que a Fujisawa apresentou uma tabela com uma lista das reuniões elaborada pelos dirigentes desta empresa que assistiram às mesmas. Contudo, devido ao envolvimento muito limitado destes dirigentes durante este período, o testemunho relativo aos factos ocorridos entre 1991 e 1995 contém apenas indicações mínimas ou irrelevantes sobre as reuniões. Com efeito, só indica cinco das treze reuniões que ocorreram durante este período e que foram objecto da comunicação de acusações. Além disso, a descrição do conteúdo dessas reuniões é pouco precisa: os preços convencionados, a repartição das vendas ou os mecanismos de vigilância não são mencionados relativamente a esse período e os nomes dos representantes das outras empresas que assistiram às reuniões só foram por vezes parcialmente recordados.

312   Em segundo lugar, segundo a ADM, os documentos obtidos durante as diligências de instrução realizadas nas instalações das outras empresas antes do início da colaboração da ADM forneceram muito poucas provas relativas ao período posterior ao Verão de 1991. Com efeito, os documentos examinados nas instalações da Glucona provam a existência de reuniões que coincidiram em geral com as reuniões de demonstração do Institute of Food Technology (IFT) ou do Food Ingredients Europe (FIE) às quais os participantes assistiram com toda a probabilidade, mas os documentos não continham detalhes sobre o conteúdo dessas reuniões. Além disso, a Glucona não forneceu mais nenhuma precisão sobre o conteúdo dessas reuniões e limitou‑se a afirmar que a discussão tinha sido sobre «o mercado e as vendas».

313   Ao invés, a ADM apresentou, primeiro, o testemunho de um dos seus antigos empregados que forneceu provas de grande importância sobre as reuniões, o seu conteúdo e os mecanismos do acordo, segundo, a primeira informação da existência de sete reuniões que não foram mencionadas nos testemunhos da Fujisawa e da Glucona nem nos pedidos de informações da Comissão, terceiro, o detalhe do conteúdo das reuniões que não foi indicado no testemunho da Fujisawa nem no da Glucona e a explicação da designação de certos participantes em cada região como «sociedades melhor situadas em matéria de preços», os preços alvo fixados pelo acordo, bem como a influência e o conteúdo do acordo e, em quarto lugar, uma descrição do papel dos participantes nas reuniões.

314   Em terceiro lugar, a ADM alega que estes elementos de prova permitiram à Comissão fazer com que os outros participantes reconhecessem os factos e cooperassem. Com efeito, afirma que, perto do final de 1998, as provas da Comissão eram muito limitadas: apesar das informações fornecidas pelas autoridades americanas, os pedidos de informações e as inspecções surpresa nas instalações das partes. Durante os anos 1997 e 1998, apenas a Fujisawa tinha oferecido a sua colaboração à Comissão (considerandos 54 a 56 da decisão). Por outro lado, as provas fornecidas pela Fujisawa eram incompletas e não foram corroboradas de forma apreciável pelos documentos apreendidos nos locais das outras partes (Avebe, Glucona, Jungbunzlauer e Roquette).

315   A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

316   Na sua comunicação sobre a cooperação, a Comissão definiu as condições nas quais as empresas que cooperam com ela durante o seu inquérito sobre um acordo podem ser isentas da coima ou beneficiar de uma redução do montante da coima que, de outra forma, teriam de pagar (v. título A 3 da comunicação sobre a cooperação).

317   Na medida em que, no essencial, a ADM entende que é sem razão que a Comissão lhe recusa o benefício da redução prevista no título C da comunicação sobre a cooperação, há que verificar se a Comissão não desrespeitou as condições de aplicação do referido ponto.

318   O título C da comunicação sobre a cooperação, intitulado «Redução substancial da coima», dispõe:

«Uma empresa que, preenchendo as condições descritas no ponto B, alíneas b) a e) supra, denuncie um acordo, decisão ou prática concertada secretos depois de a Comissão ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, em qualquer das empresas envolvidas no acordo, decisão ou prática concertada sem que essa verificação tenha podido constituir uma base suficiente para justificar o início do processo com vista à tomada de uma decisão, beneficiará de uma redução de 50% a 75% do montante da coima.»

319   As condições do título B, alíneas b) a e), para as quais o título C remete, visam a empresa que:

«b)      Seja a primeira a produzir elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada;

c)      Ponha termo à sua participação na actividade ilícita o mais tardar no momento em que denuncia o acordo, decisão ou prática concertada;

d)      Apresente à Comissão todas as informações úteis, bem como toda a documentação e provas de que dispõe sobre o caso, mantendo uma cooperação permanente e total durante toda a investigação;

e)      Não tenha coagido outra empresa a participar no acordo, decisão ou prática concertada nem tenha desempenhado um papel de instigação ou determinante na actividade ilícita.»

320   No presente caso, para demonstrar que a Comissão lhe devia ter atribuído uma «redução substancial da coima» ao abrigo do título C da comunicação sobre a cooperação, a ADM alega, no essencial, que as provas fornecidas pela Fujisawa para o período compreendido entre 1991 e 1995 eram limitadas. Ora, esta argumentação não é susceptível de demonstrar que a Comissão violou a comunicação sobre a cooperação ao considerar que, mesmo para o período compreendido entre 1991 e 1995, durante o qual a ADM participou no acordo, não foi ela «a primeira a apresentar elementos determinantes que prov[ass]em a existência do acordo» na acepção do título C, lido conjugadamente como o título B, alínea b), da comunicação sobre a cooperação.

321   Com efeito, a comunicação sobre a cooperação não prevê que, para preencher esta condição, a empresa que denuncia o acordo à Comissão lhe tenha que fornecer todos os elementos determinantes para a elaboração de uma comunicação de acusações ou, menos ainda, para a adopção de uma decisão que declare a existência da infracção. Pelo contrário, segundo a comunicação sobre a cooperação, esta condição já está preenchida quando esta empresa que denúncia o acordo secreto é «a primeira» a fornecer «elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada».

322   Ora, a própria ADM não contesta seriamente que os elementos fornecidos pela Fujisawa, incluindo para o período compreendido entre 1991 a 1995, eram determinantes para provar a existência do acordo limitando‑se a invocar o seu carácter incompleto.

323   De qualquer forma, há que observar que, tal como a Comissão observou com razão no considerando 415 da decisão, na sua carta de 12 de Maio de 1998 que denuncia a existência do acordo, a Fujisawa revelou de imediato a identidade dos membros do acordo. Depois, forneceu à Comissão uma descrição dos principais acordos celebrados entre estas durante o período compreendido entre 1991 e 1995 e os mecanismos de aplicação desses acordos sobre o funcionamento do acordo. Por último, apresentou à Comissão uma lista, se bem que incompleta, das reuniões do acordo com um resumo do conteúdo de algumas de entre elas, incluindo do período compreendido entre 1991 e 1995. O facto alegado pela ADM de, para este período, a Fujisawa não ter entregue informações específicas quanto ao conteúdo dos acordos não permite concluir que os elementos fornecidos por esta empresa não eram determinantes para provar a existência do acordo, dado que este constituía uma infracção única e contínua (considerando 254 da decisão) cujo conteúdo e mecanismos não foram, em particular, alterados depois da adesão da ADM ao acordo (considerandos 80 e 257 a 260).

324   Consequentemente, a Comissão podia validamente considerar que a Fujisawa foi a primeira a fornecer elementos determinantes para provar a existência do acordo.

325   Daqui resulta igualmente que os argumentos da ADM relativos, por um lado, ao facto de os documentos obtidos durante as diligências de instrução junto dos outros membros do acordo terem fornecido muito poucas provas relativamente ao período posterior ao Verão de 1991 e, por outro, ao facto de os elementos de prova apresentados pela ADM terem permitido à Comissão fazer com que os outros participantes reconhecessem os factos e cooperassem também não podem ser acolhidos.

326   Com efeito, atendendo ao carácter cumulativo das condições expostas no título B, alíneas b) a e), conforme são mencionadas no título C da comunicação sobre a cooperação (v. n.os 283 e 286, supra), e dado que uma destas condições, a saber, a prevista no título B, alínea b), conjugada com o título C desta comunicação, não estava preenchida, não há necessidade de examinar se a ADM preenchia as outras condições previstas nas referidas disposições.

327   Por conseguinte, o fundamento relativo à ilegalidade relativamente à apreciação errada da cooperação da ADM deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

328   Este fundamento está organizado em três partes. Em primeiro lugar, a ADM sustenta que a sua colaboração no inquérito foi pelo menos equivalente à de uma parte destinatária de uma decisão anterior da Comissão. Em segundo lugar, considera que a Comissão não podia validamente conceder à Fujisawa uma redução superior à que lhe foi atribuída. Em terceiro lugar, sustenta que a Comissão não podia validamente conceder à Roquette a mesma redução que lhe foi atribuída.

329   A título preliminar, deve recordar‑se que o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (v. n.° 107, supra).

a)     Quanto ao facto de a colaboração da ADM no inquérito ser pelo menos equivalente à de uma parte destinatária de uma decisão anterior da Comissão

 Argumentos das partes

330   A ADM alega que a sua colaboração no inquérito foi pelo menos equivalente, em termos de contribuição material para o inquérito da Comissão, à de uma das partes visadas pela Decisão 94/601, através da qual a Comissão reduziu a coima em dois terços. Consequentemente, pelo menos, a Comissão devia ter‑lhe concedido a redução máxima prevista no título D da comunicação sobre a cooperação, a saber, 50%.

331   A Comissão pede que esta parte do fundamento improceda.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

332   Há que observar que unicamente o facto de a Comissão ter atribuído, na sua prática decisória anterior, uma determinada taxa de redução para um comportamento determinado não implica que ela seja obrigada a conceder a mesma redução na apreciação de um comportamento semelhante no âmbito de um procedimento administrativo ulterior (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Mo och Domsjö/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 147, e Lögstör Rör/Comissão, referido no n.° 33, supra, n.os 326 e 352, e jurisprudência referida).

333   Por outro lado, a ADM não adiantou nenhum elemento preciso destinado a demonstrar que a situação factual neste processo era comparável à do presente caso.

334   Por conseguinte, esta primeira parte do presente fundamento não pode ser acolhida.

b)     Quanto ao facto de a Comissão ter concedido à Fujisawa uma redução superior à reservada à ADM

 Argumentos das partes

335   A ADM critica a Comissão por ter concedido à Fujisawa uma redução superior à que lhe foi atribuída. A ADM observa que, nos dois casos, as empresas propuseram a sua cooperação assim que foram contactadas pela Comissão a propósito do seu inquérito. Ela observa que a única diferença foi que a Fujisawa foi a primeira a ter tido essa ocasião, pois foi a primeira empresa a ter sido contactada pela Comissão. Nestas circunstâncias, a ADM afirma que fez todos os esforços necessários para cooperar com a Comissão mal se deparou com essa ocasião.

336   Ora, o Tribunal de Primeira Instância decidiu no acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão (T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.os 246 a 248, a seguir «acórdão Krupp») que a apreciação do grau de cooperação prestada por empresas não pode depender de factores puramente dependentes do acaso, como a ordem em que são interrogadas pela Comissão.

337   A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

338   A argumentação da ADM baseia‑se no essencial nos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 138 a 248 do acórdão Krupp. A este respeito, deve recordar‑se que, nesse acórdão, bem como, de resto, no seu acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Acerinox/Comissão (T‑48/98, Colect., p. II‑3859, n.os 132 a 141), o Tribunal de Primeira Instância examinou a aplicação pela Comissão do título D da comunicação sobre a cooperação. Decidiu, no essencial que, sob pena de entrar em conflito com o princípio da igualdade de tratamento, a comunicação sobre a cooperação deve ser aplicada no sentido de que, no que diz respeito à redução das coimas, a Comissão deve tratar da mesma forma as empresas que fornecem à Comissão na mesma fase do processo e em circunstâncias análogas informações semelhantes relativas aos factos que lhes foram imputados. O Tribunal de Primeira Instância acrescentou que a mera circunstância de uma dessas empresas ter reconhecido os factos imputados ao responder em primeiro lugar às questões colocadas pela Comissão não pode constituir uma razão objectiva para se lhe reservar um tratamento diferenciado.

339   Há que observar que, nesses dois processos e diversamente do presente caso, era pacífico que a cooperação das empresas em causa não caia no âmbito de aplicação dos títulos B e C da comunicação sobre a cooperação. Conforme resulta do n.° 219 do acórdão Krupp, a Comissão aplicou a todas as empresas destinatárias da decisão impugnada as disposições do título D desta comunicação. Nestes outros processos estava apenas em causa a questão de saber se, ao reservar às recorrentes um tratamento diferenciado relativamente ao concedido a uma outra empresa destinatária no exercício da margem de apreciação de que dispõe para a aplicação do título D desta comunicação, a Comissão cometeu uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

340   Pelo contrário, no presente caso, a ADM procura demonstrar, no essencial, que foi devido a factores puramente aleatórios que a Fujisawa foi a primeira a ter sido incitada a cooperar com a Comissão e que foi por essa razão que lhe foi aplicada uma redução em aplicação do título B da comunicação sobre a cooperação quando, se a Comissão tivesse optado por se dirigir em primeiro lugar à ADM, esta teria podido beneficiar de uma redução mais substancial em aplicação, pelo menos, do título C desta comunicação, pois poderia ter sido a primeira a fornecer as informações transmitidas pela Fujisawa. A ADM não invoca os dois acórdãos mencionados no n.° 338, supra, para demonstrar que a Comissão lhe aplicou o título D da comunicação sobre a cooperação de forma discriminatória relativamente aos outros membros do acordo (v., a este respeito, n.os 347 a 351, infra).

341   Ora, há que observar que, ao contrário dos títulos B e C da comunicação sobre a cooperação, o título D da mesma não prevê um tratamento diferente das empresas em causa em função da ordem na qual estas cooperaram com a Comissão. Por conseguinte, nos processos que culminaram nos acórdãos Krupp e Acerinox/Comissão (v. n.° 338, supra), a Comissão teve em conta esse elemento sem que ele esteja expressamente previsto no título D da referida comunicação.

342   Assim sendo, embora, para assegurar o sucesso do regime da cooperação das empresas em causa com a Comissão em matéria de cartéis secretos, esta deve dispor de uma vasta margem de apreciação na organização do procedimento, o certo é que a Comissão não pode agir de forma arbitrária.

343   A este respeito, deve notar‑se que, no presente caso, resulta dos autos e, designadamente, dos considerandos 53 a 64 da decisão que, depois de ter sido informada, durante o ano 1997, pelas autoridades competentes dos Estados Unidos de que a Akzo e a Avebe (Glucona) tinham reconhecido ter participado num acordo internacional no mercado do gluconato de sódio, em 27 de Novembro de 1997, a Comissão enviou a estas partes pedidos de informações relativos à existência de obstáculos à entrada de gluconato de sódio na Europa para a importação. Em particular, a Comissão pediu‑lhes que indicassem os nomes dos produtores de gluconato de sódio mais importantes no plano mundial, as partes de mercado das empresas presentes nesse mercado a nível mundial e europeu e a capacidade de produção desse produto a nível mundial. Na sua resposta de 28 de Janeiro de 1998, a Akzo e a Glucona indicaram por mais de uma vez que os produtores do gluconato de sódio mais importantes nos planos mundial e europeu eram, além delas próprias, a Roquette, a Jungbunzlauer e a Fujisawa. Se a presença da ADM no mercado em causa foi mencionada numa parte dessa resposta, aquela não constou contudo entre os produtores de gluconato de sódio mais importantes.

344   Foi neste contexto que a Comissão enviou, em 18 de Fevereiro de 1998, pedidos de informações sobre os mesmos elementos referidos nos pedidos de informações enviados em 27 de Novembro de 1997 à Akzo e à Avebe (Glucona). Conforme resulta do considerando 55 da decisão, em reposta a esses pedidos, a Fujisawa denunciou o acordo junto da Comissão e transmitiu‑lhe informações a esse respeito.

345   Não se pode excluir que, além do processo perante as autoridades americanas que dizia respeito a todos os membros do acordo, os pedidos de informações que a Comissão enviou, designadamente, à Fujisawa em 18 de Fevereiro de 1998 constituíram para esta última uma indicação suplementar de que a Comissão estava a proceder a investigações no mercado do gluconato de sódio. Contudo, o desenvolvimento do procedimento administrativo, tal como descrito nos n.os 343 e 344, supra, não reflecte um procedimento arbitrário por parte da Comissão e a ADM não apresentou provas neste sentido.

346   Por conseguinte, a ADM não pode criticar a Comissão por tê‑la tratado de forma discriminatória em comparação com a Fujisawa.

c)     Quanto ao facto de a Comissão ter concedido à Roquette a mesma redução que concedeu à ADM

 Argumentos das partes

347   A ADM critica o facto de a Comissão lhe ter concedido a mesma redução da coima que à Roquette. Com efeito, segundo a ADM, contrariamente ao que a Comissão indica, as provas fornecidas pela Roquette não tiveram o mesmo valor que as que ela apresentou, dado que a sua cooperação foi anterior, que forneceu testemunhos de maior importância e que desencadeou a colaboração das outras partes, incluindo a Roquette.

348   A Comissão pede que esta parte do fundamento seja julgada improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

349   Deve observar‑se que a taxa de redução atribuída à Roquette e à ADM, se bem que idêntica, não assenta inteiramente nas mesmas considerações. Com efeito, embora seja verdade que a ADM forneceu elementos de prova antes da Roquette, não deixa de ser verdade que a ADM não contesta que, conforme resulta do considerando 426 da decisão, ao contrário da Roquette, não apresentou documentos da época que relatassem o conteúdo e as conclusões das reuniões do acordo.

350   De qualquer forma, na medida em que a ADM procura demonstrar que a Comissão concedeu uma redução demasiado substancial à Roquette, deve recordar‑se que o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento deve conciliar‑se com o respeito do princípio segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício e contra um acto conforme com as disposições pertinentes, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro (v. acórdãos Cascades/Comissão, referido no n.° 190, supra, n.° 259, e SCA Holding/Comissão, referido no n.° 63, supra, n.° 160).

351   Por conseguinte, esta parte do fundamento e o fundamento no seu conjunto devem ser julgados improcedentes.

F –  Quantos aos vícios que afectam o procedimento administrativo

a)     Argumentos das partes

352   No âmbito deste fundamento, a ADM faz quatro críticas.

353   Em primeiro lugar, a ADM alega que, em violação do seu direito de defesa, não lhe foi dada a possibilidade de apresentar as suas observações durante o procedimento administrativo, a propósito da aplicação do coeficiente multiplicador de 2,5 ao montante inicial, coeficiente esse que não está previsto nas orientações.

354   Em segundo lugar, a ADM censura a Comissão por não ter precisado na comunicação de acusações que o gluconato de sódio era o mercado de produtos de referência. Com efeito, nos n.os 3 a 9 dessa comunicação, a Comissão explicou unicamente que o gluconato de sódio é um dos numerosos agentes quelatantes, que pertence a uma família específica de agentes de quelação e que conta com um certo número de substitutos parciais. Se bem que tenha estabelecido que o gluconato de sódio era o «produto de referência», precisou imediatamente que «os produtos de substituição mais próximos são o glucoeptonato de sódio e o EDTA». Na medida em que a Comissão estabeleceu a existência dos produtos de substituição na comunicação de acusações, ela devia ter precisado claramente as suas constatações no mercado de produtos e as razões pelas quais considerava que esses substitutos não faziam parte do mercado em causa, de forma a permitir às partes apresentar as suas observações. Assim, a Comissão não examinou, no âmbito da comunicação de acusações, a questão essencial da definição do mercado dos produtos pertinentes.

355   Em terceiro lugar, a ADM invoca que a Comissão se baseou na decisão (nota de rodapé n.° 17) numa publicação intitulada «Chemical Economics Handbook» (SRI International 1991) que não foi divulgada às partes.

356   Em quarto lugar, segundo a ADM, a Comissão não indicou na comunicação de acusações que a execução do acordo devia necessariamente ter um impacto económico no mercado.

357   A Comissão pede que as quatro alegações apresentadas no âmbito deste fundamento sejam rejeitadas.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

358   Importa recordar que o respeito do direito de defesa, que constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser observado em todas as circunstâncias, designadamente em toda o procedimento capaz de conduzir a sanções, mesmo que se trate de um procedimento administrativo, exige que as empresas e as associações de empresas em causa tenham a possibilidade, logo na fase do procedimento administrativo, de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T‑11/89, Colect., p. II‑757, n.° 39, e acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 216, supra, n.° 11).

359   De igual modo, segundo a jurisprudência, a comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, mesmo sumários, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que a Comissão lhes imputa. Com efeito, só nestas condições pode a comunicação de acusações preencher a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários e que consiste em fornecer todos os elementos necessários às empresas e associações de empresas para que estas possam fazer valer utilmente a sua defesa antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva (acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 42, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 63).

360   No âmbito das suas primeira e quarta alegação a ADM censura, no essencial, a Comissão por não a ter informado da aplicação de determinados elementos que foram determinantes para a fixação do montante da coima, a saber, o coeficiente multiplicador de 2,5 (considerandos 386 a 388), nem a circunstância de a infracção ter tido um impacto real no mercado (considerando 340 da decisão).

361   A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, quando a Comissão indica expressamente, na comunicação das acusações, que vai apreciar se deve aplicar coimas às empresas em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida «de forma intencional ou por negligência», cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de audiência das empresas. Ao fazê‑lo, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só contra a declaração da existência da infracção mas também contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 44, supra, n.° 21, e LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 38, supra, n.° 199).

362   Daqui resulta que, no que diz respeito à determinação do montante das coimas, o direito de defesa das empresas em causa é garantido perante a Comissão pela possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do carácter anticoncorrencial da infracção (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235, e HFB e o./Comissão, referido no n.° 65, supra, n.° 312).

363   No caso em apreço, deve observar‑se que, na comunicação de acusações enviada à ADM, a Comissão indicou claramente que previa aplicar‑lhe uma coima que determinaria em função designadamente da gravidade e da duração da infracção. Além disso, referiu‑se expressamente às orientações, indicando com essa referência de forma clara que a ADM devia esperar uma avaliação da sua situação em função dessas orientações e devia, consequentemente, defender‑se a este respeito se o considerasse útil.

364   Por outro lado, a Comissão indicou no n.° 345 da comunicação de acusações que tencionava fixar o montante das coimas a um nível suficientemente dissuasor. De igual modo, nos n.os 264 e 346 da comunicação de acusações, precisou, no essencial, que, para apreciar a gravidade da infracção, tencionava tomar em consideração o facto de se tratar de uma infracção muito grave que tinha por objecto restringir a concorrência e que, por outro lado, tendo em conta a própria natureza dos acordos celebrados, tinha necessariamente um impacto sério na concorrência.

365   O respeito do direito de defesa das empresas em causa não obriga a Comissão a indicar de forma mais precisa, na comunicação de acusações, a forma como se serve de cada um dos elementos para a determinação do nível da coima.

366   Por último, importa observar que a repartição dos membros do cartel em grupos constitui uma prática que a Comissão desenvolveu com base nas orientações. Logo, a decisão foi adoptada num contexto bem conhecido da ADM e situa‑se numa prática decisória constante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2003, Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, Colect., p. I‑9975, n.° 77).

367   Consequentemente, a primeira e a quarta alegações não têm razão de ser.

368   No âmbito da sua segunda crítica, a ADM censura a Comissão por não ter precisado, na comunicação de acusações, que o gluconato de sódio era o mercado do produto relevante.

369   Quanto a este aspecto, há que constatar que, nos n.os 3 a 9 da comunicação de acusações, a Comissão descreveu, sob o título «O produto», as características do gluconato de sódio. Embora seja verdade, como a ADM sustenta, que a Comissão indicou na comunicação de acusações que existem determinados produtos de substituição, não é menos verdade que, contrariamente ao que a ADM sustenta, a formulação adoptada pela Comissão não permite a existência de qualquer dúvida sobre o facto de, na fase da comunicação de acusações, esta considerar que estes produtos de substituição não faziam parte do mercado do produto em causa.

370   Com efeito, por um lado, no n.° 9 da comunicação de acusações, indicou designadamente que estes produtos só eram substitutos parciais e que, contrariamente a esses outros produtos, o gluconato de sódio era um «produto de referência» cuja procura ultrapassava de longe a dos outros produtos. Por outro lado, ao analisar o mercado de referência (n.os 39 a 50 da comunicação de acusações), a Comissão fez constantemente referência ao gluconato de sódio sem mencionar os referidos produtos de substituição.

371   Por conseguinte, o segundo fundamento não tem justificação.

372   Por último, na medida em que, no âmbito da terceira alegação, a ADM afirma que, na decisão (nota de rodapé n.° 17) a Comissão se baseou numa publicação intitulada «Chemical Economics Handbook» (SRI International 1991) que não foi divulgada às partes, basta observar que, na nota de rodapé n.° 4 da comunicação de acusações, a Comissão indicou que se apoiava nessa publicação na descrição do produto em causa. Ora, tal como a Comissão invoca, sem que a ADM impugne este ponto, trata‑se de uma obra de acesso ao público, e isto particularmente para os operadores presentes num mercado referido por essa publicação.

373   Por conseguinte, a terceira alegação e, consequentemente, todo o fundamento devem ser julgados improcedentes.

G –  Quanto ao pedido de tomada em consideração de um novo fundamento

374   Na sequência da adopção e da colocação das orientações de 2006 na Internet pela Comissão, a ADM pediu ao Tribunal de Primeira Instância que tivesse em consideração um novo fundamento baseado nessas orientações. A ADM alega que resulta das orientações de 2006 que, na decisão, a Comissão não teve suficientemente em conta o montante muito reduzido das vendas da ADM no mercado em causa e que não avaliou correctamente o carácter dissuasor da coima. Em particular, a ADM considera que o montante máximo da coima a que teria sido sujeita em aplicação das orientações de 2006 e antes a da aplicação da comunicação sobre a cooperação teria sido de 3,8 milhões de euros em vez de 16,88 milhões de euros.

375   A Comissão contesta este pedido da ADM.

376   Visto que a ADM formulou o seu pedido de se tomar em conta as orientações de 2006 após encerramento da fase oral, cabe agora determinar se se deve reabrir a fase oral do processo a fim de ter em consideração o novo fundamento da ADM baseado nas orientações de 2006. A este propósito o Tribunal de Primeira Instância recorda que só tem que reabrir a fase oral se a parte interessada se basear em factos susceptíveis de exercer influência decisiva na decisão da causa que não tivesse podido invocar antes do termo da fase oral [acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, ICI/Comissão, C‑200/92 P, Colect., p. I‑4399, n.os 60 e 61, e do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 2002, British American Tobacco (Investments)/Comissão, T‑311/00, Colect., p. II‑2781, n.° 53].

377   No presente caso, na medida em que a recorrente se baseia nas orientações de 2006 para demonstrar a ilegalidade da decisão, basta recordar que, segundo a jurisprudência, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.os 7 e 8, e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão, T‑177/94 e T‑377/94, Colect., p. II‑2041, n.° 119). Por conseguinte, fica excluída a tomada em conta, na apreciação da legalidade desse acto, de elementos posteriores à data na qual o acto comunitário foi adoptado (v., neste sentido, acórdão Deutsche Bahn/Comissão, referido no n.° 63, supra, n.° 102, e jurisprudência aí referida).

378   Logo, uma vez que o novo elemento invocado pela ADM é manifestamente posterior à adopção da decisão, este elemento não pode, com efeito, afectar a sua validade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1998, IECC/Comissão, T‑133/95 e T‑204/95, Colect., p. II‑3645, n.° 37). A adopção das orientações de 2006 não constitui um elemento novo susceptível de exercer influência decisiva na legalidade da decisão. Consequentemente, não há que reabrir a fase oral com base nesse facto.

379   Esta conclusão é confirmada pela precisão indicada no n.° 38 das orientações de 2006 que indica que as mesmas só se aplicam aos processos relativamente aos quais a comunicação de acusações foi notificada depois da respectiva publicação no Jornal Oficial. Assim, as próprias orientações excluem expressamente a sua aplicação a casos como o presente. Sendo essas orientações posteriores à data da adopção da decisão, e, a fortiori, da comunicação de acusações que a precedeu, não fazem parte do quadro jurídico ou factual relevante para a mesma.

380   Na medida em que a recorrente invoca as orientações de 2006 em apoio do seu fundamento relativo ao carácter desproporcionado da coima, no âmbito do qual o Tribunal de Primeira Instância dispõe de um poder de plena jurisdição, há que observar que a mera circunstância de a aplicação do novo método de cálculo das coimas previstas nas referidas orientações, as quais não são aplicáveis aos factos do presente caso, ser susceptível de conduzir a uma coima de um montante inferior ao aplicado pela decisão não demonstra o carácter desproporcionado desta última. Com efeito, esta constatação apenas constitui a expressão da margem de apreciação de que a Comissão dispõe para estabelecer, com respeito pelas exigências resultantes do Regulamento n.° 17, o método que tenciona aplicar para determinar o montante das coimas e assim conduzir a política da concorrência que é da sua competência. Entre os elementos de apreciação a ter em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância para avaliar o carácter proporcionado do montante das coimas aplicadas num dado momento podem assim figurar, designadamente, as circunstâncias de facto e de direito, bem como os objectivos da concorrência definidos pela Comissão, em conformidade com as exigências do Tratado CE, que prevalecem na altura. Por outro lado, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça, nos n.os 234 a 295 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 38, supra, não aceitou os fundamentos e argumentos dos recorrentes destinados a contestar o método de cálculo resultante das orientações de 1998, na medida em que consistia em tomar como ponto de partida os montantes de base definidos pelas referidas orientações que não são determinados em função do volume de negócios relevante. Por último, há que observar que o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 76 a 81, n.os 99 a 106, e n.os 139 a 149, supra, que, no caso em apreço, a determinação do montante da coima através da aplicação das orientações de 1998 não violava o princípio da proporcionalidade.

381   Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância declara que a adopção das orientações de 2006 não é susceptível de exercer uma influência decisiva na resolução da causa. Logo, não se deve reabrir a fase oral do processo.

  H – Conclusão

382   Não tendo sido aceite nenhum dos fundamentos invocados contra a legalidade da decisão, não há que reduzir o montante da coima ao abrigo dos poderes de plena jurisdição que são atribuídos ao Tribunal de Primeira Instância. Logo, deve negar‑se provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

383   Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Archer Daniels Midland Co. é condenada nas despesas.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Azizi

Índice

Factos na origem do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

A –  Quanto à aplicabilidade das orientações

1.  Quanto à violação dos princípios da segurança jurídica e da não retroactividade das penas

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

B –  Quanto à gravidade da infracção

1.  Introdução

2.  Quanto à falta ou à insuficiência da tomada em conta do volume de negócios da venda do produto em causa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

Quanto à violação das orientações

Quanto à violação do dever de fundamentação

3.  Quanto à falta ou à insuficiência da tomada em consideração da dimensão limitada do mercado do produto em causa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

Quanto à violação do dever de fundamentação

4.  Quanto à dupla consideração do efeito dissuasor da coima

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à violação das orientações

Quanto à violação do dever de fundamentação

5.  Quanto à aplicação de um coeficiente de aumento ao montante inicial

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

Quanto à violação do dever de fundamentação

6.  Quanto à existência de erros de apreciação relativos ao impacto concreto do acordo no mercado

a)  Introdução

b)  Quanto ao facto de a Comissão ter escolhido uma abordagem errada para demonstrar que o acordo teve um impacto concreto no mercado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Resumo da análise feita pela Comissão

–  Apreciação

c)  Quanto à apreciação da evolução dos preços do gluconato de sódio

Quanto ao facto de a Comissão não ter tido informações suficientes e ter ignorado os outros factos invocados durante o procedimento administrativo

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao facto de a ADM não ter sido membro do acordo no momento do aumento dos preços do gluconato de sódio entre 1987 e 1989

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

d)  No que se refere à definição do mercado de referência

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

C –  Quanto à existência de erros de apreciação relativos à duração da infracção

1.  Quanto ao facto de a ADM ter cessado a sua participação no acordo na reunião de 4 de Outubro de 1994 em Londres

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à natureza da reunião que decorreu de 3 a 5 de Junho de 1995 em Anaheim

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

D –  Quanto às circunstâncias atenuantes

1.  Quanto à cessação de participação no acordo

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à desnecessidade de garantir um carácter decisório à coima

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto à adopção de um código de conduta pela ADM

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

E –  Quanto à cooperação da ADM durante o procedimento administrativo

1.  Introdução

2.  Quanto à apreciação errada da cooperação da ADM

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

a)  Quanto ao facto de a colaboração da ADM no inquérito ser pelo menos equivalente à de uma parte destinatária de uma decisão anterior da Comissão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

b)  Quanto ao facto de a Comissão ter concedido à Fujisawa uma redução superior à reservada à ADM

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

c)  Quanto ao facto de a Comissão ter concedido à Roquette a mesma redução que concedeu à ADM

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

F –  Quantos aos vícios que afectam o procedimento administrativo

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

G –  Quanto ao pedido de tomada em consideração de um novo fundamento

H – Conclusão

Quanto às despesas



* Língua do processo: inglês.

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