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Document 61993TJ0007
Judgment of the Court of First Instance (Second Chamber, extended composition) of 8 June 1995. # Langnese Iglo GmbH v Commission of the European Communities. # Competition - Exclusive purchasing agreements for ice-cream - Relevant market - Possible barriers to entry to the market by third parties - Trade between Member States - Comfort letter - Block exemption - Lawfulness of withdrawal of the exemption - Prohibition of conclusion of exclusive agreements in the future. # Case T-7/93.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 8 de Junho de 1995.
Langnese Iglo GmbH contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Contratos de compra exclusiva de gelados - Mercado em causa - Possibilidade de entraves ao acesso de terceiros ao mercado - Comércio entre Estados-membros - Carta administrativa de arquivamento - Isenção por categoria - Legalidade da revogação do benefício de isenção - Proibição de celebrar contratos futuros de exclusividade.
Processo T-7/93.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 8 de Junho de 1995.
Langnese Iglo GmbH contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Contratos de compra exclusiva de gelados - Mercado em causa - Possibilidade de entraves ao acesso de terceiros ao mercado - Comércio entre Estados-membros - Carta administrativa de arquivamento - Isenção por categoria - Legalidade da revogação do benefício de isenção - Proibição de celebrar contratos futuros de exclusividade.
Processo T-7/93.
Colectânea de Jurisprudência 1995 II-01533
ECLI identifier: ECLI:EU:T:1995:98
ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (SEGUNDA SECCAO ALARGADA) DE 8 DE JUNHO DE 1995. - LANGNESE-IGLO GMBH CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - CONTRATOS DE COMPRA EXCLUSIVA DE GELADOS - MERCADO EM CAUSA - POSSIBILIDADE DE ENTRAVES AO ACESSO DE TERCEIROS AO MERCADO - COMERCIO ENTRE ESTADOS-MEMBROS - CARTA ADMINISTRATIVA DE ARQUIVAMENTO - ISENCAO POR CATEGORIA - LEGALIDADE DA REVOGACAO DO BENEFICIO DE ISENCAO - PROIBICAO DE CELEBRAR CONTRATOS FUTUROS DE EXCLUSIVIDADE. - PROCESSO T-7/93.
Colectânea da Jurisprudência 1995 página II-01533
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Notificação ° Decisão de arquivamento da Comissão ° Natureza jurídica ° Instauração posterior de um processo por infracção ° Condições
(Regulamento n. 17 do Conselho)
2. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Prejuízo para a concorrência ° Efeito sensível ° Alcance da comunicação relativa aos acordos de menor importância
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)
3. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Prejuízo para a concorrência ° Contratos de compra exclusiva ° Critérios de apreciação ° Acesso ao mercado ° Contribuição significativa dos contratos litigiosos para uma eventual compartimentação do mercado resultante de grande número de contratos similares
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)
4. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Afectação do comércio entre Estados-Membros ° Critérios ° Rede de contratos de exclusividade que abrange a totalidade do território de um Estado-Membro
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)
5. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Afectação do comércio entre Estados-Membros ° Conceito ° Obstáculo aos fornecimentos transfronteiriços no seio de um grupo de sociedades ° Inclusão
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)
6. Concorrência ° Acordos, decisões e praticas concertadas ° Prejuízo para a concorrência ° Rede de contratos de exclusividade ° Apreciação dos efeitos e da compatibilidade com as regras de concorrência do Tratado válidas para todos os contratos individuais
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)
7. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Proibição ° Isenção por categoria ° Acordos de compra exclusiva ° Regulamento n. 1984/83 ° Contratos sujeitos a renovações tácitas que podem ultrapassar cinco anos ° Exclusão do benefício da isenção
[Regulamento n. 1984/83 da Comissão, artigo 3. , alínea d)]
8. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Proibição ° Isenção por categoria ° Acordos de compra exclusiva ° Regulamento n. 1984/83 ° Revogação do benefício da isenção no caso de ausência de concorrência efectiva ou de obstáculo importante ao acesso de outros fornecedores aos diferentes pontos de venda ° Legalidade
[Tratado CEE, artigo 85. , n. 3, alínea b); Regulamento n. 1984/83 da Comissão, artigo 14. , alíneas a) e b)]
9. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Proibição ° Isenção por categoria ° Acordos de compra exclusiva ° Regulamento n. 1984/83 ° Revogação do benefício da isenção ° Condições ° Necessidade de que se verifique a alteração da situação de facto relativamente a um elemento essencial para a isenção ° Inexistência
[Tratado CEE, artigo 85. , n. 3; Regulamentos do Conselho n. 17, artigo 8. , n. 3, alínea a), e n. 19/65, artigo 7. ; Regulamento n. 1984/83 da Comissão, artigo 14. ]
10. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Proibição ° Isenção ° Condições ° Melhoria da produção ou da distribuição dos produtos ° Apreciação à luz do interesse geral e não do das partes no acordo
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 3)
11. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Obrigações da Comissão ° Indicação dirigida à empresa que estabeleceu uma rede de acordos de exclusividade incompatível com as regras da concorrência de acordos que, devido à sua pequena importância, podem ser mantidos ° Inexistência
(Regulamento n. 17 do Conselho)
12. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Cessação das infracções ° Poder da Comissão ° Proibição de uma empresa celebrar, no futuro, acordos de exclusividade ° Exclusão ° Ausência de base legal ° Violação do princípio da igualdade de tratamento
(Tratado CEE, artigo 85. , n. 3; Regulamento n. 17 do Conselho, artigo 3. ; Regulamento n. 1984/83 da Comissão, artigo 14. )
1. Uma carta administrativa que dá conhecimento a uma empresa, que notificou um modelo de acordos de fornecimento celebrados com os seus distribuidores retalhistas, da opinião da Comissão de que, tendo em conta os elementos em seu poder, não tinha que intervir relativamente aos acordos em causa e que o processo podia, por isso, ser arquivado, não constitui uma decisão de certificação negativa nem uma decisão de aplicação do artigo 85. , n. 3, do Tratado, na acepção dos artigos 2. e 6. do Regulamento n. 17, dado que não foi enviada nos termos do disposto no mesmo regulamento. Não impede, por isso, que a Comissão, a quem foi apresentada uma queixa que tem de analisar, usando da faculdade que se reservou, dê início a um processo para apreciar a compatibilidade destes acordos com as regras da concorrência, caso lhe pareça que determinados elementos de direito ou de facto nos quais se baseava a sua primeira apreciação se alteraram sensivelmente.
2. Uma rede de contratos de compra exclusiva não é automaticamente susceptível de entravar, restringir ou falsear a concorrência de modo sensível pela simples circunstância de serem ultrapassados os limites previstos na comunicação da Comissão relativa aos acordos de menor importância. É perfeitamente possível, em casos concretos, que os acordos concluídos por empresas que excedam os limites indicados apenas afectem o comércio entre Estados-Membros ou a concorrência em medida insignificante e, por consequência, não sejam abrangidos pelo disposto no n. 1 do artigo 85. do Tratado.
3. Para saber se contratos de compra exclusiva são proibidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado, há que analisar se do conjunto dos contratos similares celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico em que se enquadram os contratos em causa resulta que esses contratos têm por efeito cumulativo fechar o acesso a esse mercado aos novos concorrentes nacionais e estrangeiros. Se não for esse o caso, os contratos individuais que compõem o feixe de acordos não podem constituir um obstáculo à concorrência na acepção do artigo referido. Pelo contrário, se se revelar que o mercado é dificilmente acessível, convém em seguida apreciar em que medida os acordos litigiosos contribuem para o efeito cumulativo produzido, sendo certo que apenas são proibidos os contratos que contribuem de modo significativo para uma eventual compartimentação do mercado.
Quando se trata de apreciar a incidência das redes de contratos de exclusividade sobre o acesso ao mercado, há que ter em consideração o número de pontos de venda vinculados por contrato aos produtores em comparação com o número daqueles que o não estão, as quantidades abrangidas por esses vínculos, bem como a proporção entre essas quantidades e as que são vendidas pelos distribuidores não vinculados, e ter em conta o facto de que o grau de dependência que decorre de uma rede de acordos desse tipo, por mais importante que seja, constitui apenas um elemento, entre outros, do contexto económico e jurídico no âmbito do qual deve ser levada a cabo a apreciação.
4. Para que um acordo entre empresas seja susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado, deve permitir que se considere, com um grau de probabilidade suficiente, com base num conjunto de elementos de direito e de facto, que pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, nos fluxos de trocas entre Estados-Membros, e isso de modo a criar o receio de que possa entravar a realização de um mercado único entre Estados-Membros.
A este respeito, o efeito cumulativo que resulta da existência de uma rede de contratos de exclusividade, que se alarga a todo o território de um Estado-Membro e cobre cerca de 30% do mercado de referência, é susceptível de impedir a penetração de concorrentes vindos de outros Estados-Membros e, por isso, de consolidar compartimentações de carácter nacional, entravando, assim, a interpenetração económica pretendida pelo Tratado.
5. O facto de as importações de um outro Estado-Membro, às quais é susceptível de levantar obstáculos uma rede de contratos de exclusividade instalada no território de um Estado-Membro, consistirem em fornecimentos efectuados entre diferentes constituintes do mesmo grupo de sociedade não exclui a aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado.
6. A apreciação dos efeitos sobre a concorrência de uma rede de contratos de exclusividade semelhantes celebrados por um fornecedor e as consequências que daí há que tirar nos termos do artigo 85. , do Tratado aplicam-se a todos os contratos individuais que constituem a rede.
7. Os contratos de compra exclusiva sujeitos a prorrogações automáticas que podem ultrapassar cinco anos devem ser considerados como celebrados por tempo indeterminado e, por isso, não podem beneficiar da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83 a favor de determinadas categorias de acordos de compra exclusiva.
8. O artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, relativo à isenção por categoria de que podem beneficiar determinadas categorias de acordos de compra exclusiva, na medida em que prevê, na alínea a), a possibilidade de retirar o benefício da isenção quando os produtos referidos no contrato não são objecto de uma concorrência efectiva e, na alínea b), a mesma possibilidade quando o acesso de outros fornecedores aos diferentes estádios da distribuição seja fortemente entravado, respeita os limites fixados pelo artigo 7. do Regulamento n. 19/65 ao dispor que a Comissão pode retirar o benefício da aplicação de um regulamento de isenção por categoria desde que verifique que acordos ou práticas concertadas têm determinados efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado. Com efeito, esta última disposição exclui que as proibições constantes do n. 1 do artigo 85. possam ser declaradas inaplicáveis a acordos que dêem a empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.
9. O artigo 7. do Regulamento n. 19/65 não pode ser interpretado no sentido de que a Comissão, no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, relativo à isenção por categoria de que podem beneficiar determinadas categorias de acordos de compra exclusiva, deve respeitar a condição prevista no artigo 8. , n. 3, do Regulamento n. 17, segundo a qual apenas pode retirar o benefício da isenção por categoria se a situação de facto se alterar em relação a um elemento essencial para a isenção.
Efectivamente, esta condição respeita à revogação de decisões formais, adoptadas nos termos do artigo 85. , n. 3, do Tratado e não deverá aplicar-se quando a Comissão decide retirar o benefício de isenção por categoria.
10. A melhoria da produção ou da distribuição dos produtos, que o artigo 85. , n. 3, do Tratado coloca como primeira das quatro condições que devem ser simultaneamente satisfeitas para que possa ser concedida uma isenção a um acordo entre empresas que não respeite as proibições referidas no n. 1 do mesmo artigo, não pode ser identificada com todos os benefícios que os participantes retiram do acordo no que diz respeito à respectiva actividade de produção ou distribuição. É necessário que, do ponto de vista do interesse geral, se verifiquem vantagens objectivas sensíveis, de modo a compensar os inconvenientes que o acordo implica no plano da concorrência.
11. Quando, no âmbito de um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado, a Comissão verifica que uma rede de contratos de compra exclusiva celebrados por uma empresa viola as proibições referidas no n. 1 do mesmo artigo e lhe deve ser retirado o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83 a favor deste tipo de contratos, não é obrigada a indicar quais os acordos, de entre os que constituem a rede, que apenas contribuem de modo não significativo para o eventual efeito cumulativo produzido por acordos similares no mercado e podem, por esse motivo, não estar sujeitos à proibição prevista no artigo 85. , n. 1.
12. A Comissão não tem poderes para proibir uma empresa, à qual ordenou que fizesse cessar a rede de acordos de exclusividade por ela criada, de celebrar no futuro novos acordos da mesma natureza. Este poder não tem, efectivamente, base legal no artigo 85. , n. 1, do Tratado, que, em princípio, não proíbe esses acordos, nem no artigo 3. do Regulamento n. 17, que apenas autoriza a Comissão a proibir contratos existentes, nem no artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, que apenas permite retirar o benefício da isenção por categoria a acordos de compra exclusiva cuja aplicação se mostre produzir efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado.
Por outro lado, seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento, que é um dos princípios fundamentais do direito comunitário, excluir para determinadas empresas do benefício, para o futuro, de um regulamento de isenção por categoria, enquanto outras poderiam continuar a celebrar contratos de compra exclusiva do mesmo tipo dos proibidos pela decisão. Essa proibição seria susceptível de prejudicar a liberdade económica de determinadas empresas e de criar distorções de concorrência no mercado contrárias aos objectivos do Tratado.
No processo T-7/93,
Langnese-Iglo GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por Martin Heidenhain, Bernhard M. Maassen e Horst Satzky, advogados em Frankfurt am Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jean Hoss, 15, Côte d' Eich,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Bernd Langeheine, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alexander Boehlke, advogado em Frankfurt am Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
apoiada por
Mars GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Viersen (Alemanha), representada por Jochim Sedemund, advogado em Colónia, e John E. Pheasant, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Michel Molitor, 14 A, rue des Bains,
interveniente,
que tem por objecto a anulação da Decisão 93/406/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE contra a Langnese-Iglo GmbH (IV/34.072 ° JO 1993, L 183, p. 19),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),
composto por: B. Vesterdorf, presidente, D. P. M. Barrington, A. Saggio, H. Kirschner e A. Kalogeropoulos, juízes,
secretário: H. Jung,
vistos os autos e após a audiência de 16 de Novembro de 1994,
profere o presente
Acórdão
Matéria de facto na origem do recurso
1 Por carta de 6 de Dezembro de 1984, a Bundesverband der deutschen Suesszwarenindustrie eV ° Fachsparte Eiskrem (Associação nacional da indústria alemã de confeitaria ° sector dos gelados, a seguir "Associação") solicitou à Comissão que lhe enviasse uma "declaração formal" sobre a compatibilidade com o artigo 85. , n. 1, do Tratado, dos contratos exclusivos celebrados entre os produtores alemães de gelados e os seus clientes. Por carta de 16 de Janeiro de 1985, a Comissão comunicou à Associação que entendia não poder deferir o pedido de tomar uma decisão aplicável a todo o sector.
2 A empresa alemã Schoeller Lebensmittel GmbH & Co. KG (a seguir "Schoeller"), por carta de 7 de Maio de 1985, notificou à Comissão um "contrato-tipo de fornecimento" que rege as suas relações com os distribuidores retalhistas. Em 20 de Setembro de 1985, a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão enviou ao advogado da Schoeller uma carta administrativa de classificação (a seguir "carta administrativa"), na qual se pode ler:
"Foi solicitado, em 2 de Maio de 1985, em nome da sociedade Schoeller Lebensmittel GmbH & Co. KG, nos termos do artigo 2. do Regulamento n. 17, a emissão de um certificado negativo relativamente a um 'acordo de fornecimento de gelados' .
Nos termos do artigo 4. do mesmo regulamento, e a título preventivo, foi também notificado o contrato. Posteriormente, por carta de 25 de Junho de 1985, foi fornecido um contrato-tipo que deveria servir de referência aos contratos que no futuro a sociedade Schoeller celebrará.
Em carta de 23 de Agosto de 1985 foi claramente referido que a obrigação de compra exclusiva imposta ao cliente no contrato-tipo notificado, acompanhada da proibição de concorrência, pode ser rescindida pela primeira vez com o pré-aviso mínimo de seis meses no final do segundo ano de contrato, e em seguida com idêntico pré-aviso no final de cada ano.
Resulta dos elementos de que a Comissão tem conhecimento e que, no essencial, se baseiam no que foi referido no pedido, que a duração fixa dos contratos a celebrar no futuro não ultrapassará dois anos. A duração média da totalidade dos 'acordos de fornecimento de gelados' da sua cliente estará assim bem abaixo do período de cinco anos, condição prevista no Regulamento (CEE) n. 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983 (JO L 173 de 30.6.1983, p. 5; EE 08 F02 p. 114), para isenção por categoria dos acordos de compra exclusiva.
Estes elementos mostram bem que os 'acordos de fornecimento de gelados' celebrados pela Schoeller, mesmo tendo em conta o número de acordos de idêntica natureza, não têm, designadamente, como efeito eliminar a concorrência no que toca a uma parte substancial dos produtos em causa. Continua garantido o acesso de empresas terceiras ao sector do comércio a retalho.
Os 'acordos de fornecimento de gelados' da Schoeller que foram notificados são, por isso, compatíveis com as regras de concorrência do Tratado CEE. Assim, a Comissão não tem que intervir relativamente aos contratos notificados pela sua cliente.
Todavia, a Comissão reserva-se o direito de reabrir o processo se se alterarem sensivelmente determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais se baseia a presente apreciação.
Desejamos ainda informar a sua cliente de que os 'acordos de fornecimento de gelados' já existentes estão sujeitos a uma apreciação semelhante e que, por isso, não é necessário notificá-los se a duração fixa de tais acordos não ultrapassar dois anos a partir de 31 de Dezembro de 1986 e se forem em seguida rescindíveis mediante pré-aviso de, no máximo, seis meses no final de cada ano.
..."
3 Em 18 de Setembro de 1991, a Mars GmbH (a seguir "Mars") apresentou à Comissão uma queixa contra a recorrente e a Schoeller, por infracção dos artigos 85. e 86. do Tratado, e solicitou a adopção de medidas provisórias a fim de evitar o prejuízo grave e irreparável que, em seu entender, resultaria do facto de a venda dos seus gelados ser fortemente prejudicada na Alemanha pela aplicação de acordos contrários às regras de concorrência que a recorrente e a Schoeller celebraram com um grande número de retalhistas.
4 Por decisão de 25 de Março de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE (IV/34.072 ° Mars/Langnese e Schoeller ° Medidas provisórias) (a seguir "decisão de 25 de Março de 1992"), a Comissão, no essencial, proibiu a recorrente e a Schoeller, a título de medida provisória, de invocarem os direitos contratuais que resultam dos acordos celebrados por estas sociedades ou a seu favor, na parte em que os retalhistas se comprometiam a comprar, a oferecer para venda e/ou a vender exclusivamente gelados destes produtores, em relação a produtos de gelados "Mars", "Snickers", "Milky Way" e "Bounty", quando estes são oferecidos ao consumidor final em doses individuais. Além disso, a Comissão retirou o benefício da aplicação do Regulamento (CEE) n. 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5, rectificativo JO 1984, L 79, p. 38; EE 08 F2 p. 114, a seguir "Regulamento n. 1984/83"), aos acordos de exclusividade celebrados pela recorrente, na medida necessária à aplicação da proibição acima referida.
5 Foi nestas circunstâncias que, na sequência da decisão de 25 de Março de 1992, e a fim de adoptar uma decisão definitiva sobre os "acordos de fornecimento" em causa, a Comissão adoptou, em 23 de Dezembro de 1992, a Decisão 93/406/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado (IV/34.072 contra a Langnese-Iglo GmbH ° JO 1993, L 183, p. 19 a seguir "decisão"), cuja parte dispositiva é a seguinte:
"Artigo 1.
Os acordos concluídos pela Langnese-Iglo GmbH, nos termos dos quais os retalhistas sediados na Alemanha estão vinculados a adquirir, exclusivamente à referida empresa, gelados em pequenas embalagens (1) para revenda (exclusividade dos locais de venda), infringem o disposto no n. 1 do artigo 85. do Tratado CEE.
Artigo 2.
Na medida em que os acordos referidos no artigo 1. preenchem as condições para a isenção por categoria previstas no Regulamento (CEE) n. 1984/83, é-lhes retirado, pela presente decisão, o benefício da aplicação desse regulamento.
Artigo 3.
A Langnese-Iglo GmbH é obrigada a comunicar o teor dos artigos 1. e 2. aos revendedores com os quais tenha concluído acordos do tipo referido no artigo 1. que ainda vigorem, no prazo de três meses a contar da notificação da presente decisão, informando-os da invalidação dos referidos acordos.
Artigo 4.
A Langnese-Iglo GmbH fica proibida, até 31 de Dezembro de 1997, de concluir acordos do tipo referido no artigo 1.
..."
6 No mesmo dia, foi adoptada uma decisão relativamente à Schoeller [Decisão 93/405/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE contra a Schoeller Lebensmittel GmbH & Co. KG (IV/31.533 e IV/34.072 ° JO 1993, L 183, p. 1)].
Tramitação
7 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Abril de 1992, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão de 25 de Março de 1992 e, por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância no mesmo dia, a recorrente apresentou ainda um pedido de medidas provisórias (processos T-24/92 e T-24/92 R).
8 Por despacho de 16 de Junho de 1992, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, decidindo a título provisório, ordenou medidas provisórias (Langnese-Iglo e Schoeller Lebensmittel/Comissão, T-22/92 R e T-28/92 R, Colect., p. II-1839).
9 Por carta entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Fevereiro de 1993, a recorrente, nos termos do artigo 99. do Regulamento de Processo, informou o Tribunal de Primeira Instância que desistia do recurso e, por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, o processo T-24/92 foi cancelado no registo do mesmo Tribunal.
10 Nos termos do artigo 173. , quarto parágrafo, do Tratado CE, que reproduz as disposições do artigo 173. , segundo parágrafo, do Tratado CEE, a recorrente, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Janeiro de 1993, interpôs o presente recurso, pedindo a anulação da decisão.
11 Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância no mesmo dia, a recorrente apresentou ainda um pedido de suspensão da execução da decisão, nos termos dos artigos 185. do Tratado e 104. do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
12 Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Fevereiro de 1993, a Mars solicitou a sua admissão como interveniente no processo T-7/93 R, em apoio dos pedidos da Comissão. Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Fevereiro de 1993, a Mars solicitou ainda a sua admissão como interveniente no processo T-7/93, em apoio dos pedidos da Comissão.
13 Por despacho de 19 de Fevereiro de 1993, o presidente do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da Mars no processo T-7/93 R e decidiu quanto ao pedido de suspensão da execução apresentado pela recorrente (Langnese-Iglo e Schoeller/Comissão, T-7/93 R e T-9/93 R, Colect., p. II-131).
14 Por despacho de 12 de Julho de 1993, o presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da Mars no processo T-7/93 e deferiu o pedido de confidencialidade apresentado pela recorrente, nos termos do artigo 116. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
15 A Schoeller interpôs também um recurso em que pede a anulação da decisão de que é destinatária (processo T-9/93). Foi também admitida a intervenção da Mars neste processo.
16 Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Contudo, o Tribunal de Primeira Instância, por carta de 26 de Setembro de 1994, convidou as partes a responder por escrito a determinadas questões. A recorrente e a recorrida responderam às questões colocadas em cartas, respectivamente, de 21 e de 19 de Outubro de 1994. Por despacho de 9 de Novembro de 1994, o presidente da Segunda Secção Alargada deferiu um pedido de tratamento confidencial apresentado pela recorrente, nos termos do artigo 116. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, no que toca a determinados dados constantes das respostas das partes às questões colocadas.
17 O tratamento confidencial reservado a determinados dados, pelos despachos de 12 de Julho de 1993 e 9 de Novembro de 1994, já referidos, foi respeitado na audiência. Procede-se da mesma forma no presente acórdão.
18 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 16 de Novembro de 1994.
Pedidos das partes
19 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° anular a decisão da Comissão;
° condenar a Comissão nas despesas;
° condenar a interveniente no pagamento das despesas suportadas pela recorrente em consequência da intervenção.
20 A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° negar provimento ao recurso;
° condenar a recorrente nas despesas do processo, incluindo as do processo de medidas provisórias.
21 A interveniente Mars conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° negar provimento ao recurso;
° condenar a recorrente nas despesas do processo, incluindo as do processo de medidas provisórias.
22 Em apoio do recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos assentes, em primeiro lugar, na notificação irregular da decisão, na medida em que a Comissão omitiu a notificação de determinados anexos; em segundo lugar, na violação do princípio da protecção da confiança legítima, na medida em que a Comissão não respeitou a posição adoptada na carta administrativa; em terceiro lugar, na violação do artigo 85. , n. 1, do Tratado; em quarto lugar, na violação do artigo 85. , n. 3, do Tratado e do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão retirou o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83 à totalidade dos acordos de fornecimento em litígio, e, em quinto lugar, na violação do artigo 3. do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85. e 86. do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir "Regulamento n. 17").
Quanto ao fundamento que consiste na notificação irregular da decisão
23 A recorrente alega que a notificação da decisão está viciada, dado que a Comissão não a notificou de determinados anexos da decisão que nela são referidos. Na sua petição, declara reservar-se o direito de apresentar observações adicionais na hipótese de lhe serem notificados esses anexos.
24 Segundo a Comissão, trata-se dos anexos 1 e 2 aos quadros Eurostat, citados na passagem correspondente da comunicação das acusações de 15 de Julho de 1992 e remetidos juntamente com esta à recorrente a qual, durante a fase administrativa do processo, os não contestou.
25 A Comissão salienta que a decisão não contém anexos e foi notificada tal como ela é. Entende que a decisão, por outro lado, não está viciada por falta de fundamentação.
26 O Tribunal verifica que a recorrente não apresentou réplica, onde poderia formular observações adicionais em apoio da sua acusação e, designadamente, responder à afirmação da Comissão de que os anexos em questão lhe foram remetidos durante a fase administrativa do processo. Além disso, na audiência, a recorrente não voltou a esta questão.
27 Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância considera que o fundamento carece de apoio factual devendo, por isso, ser-lhe negado provimento.
Quanto ao fundamento que consiste na violação do princípio da protecção da confiança legítima
Resumo da argumentação das partes
28 A recorrente alega que o princípio da confiança legítima, que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, se inclui entre os princípios fundamentais da Comunidade (v. acórdãos de 5 de Maio de 1981, Duerbeck, 112/80, Recueil, p. 1095, e de 10 de Janeiro de 1992, Kuehn, C-177/90, Colect., p. I-35), impunha que a Comissão respeitasse a posição que adoptou na sua carta administrativa. Efectivamente, a recorrente entende que, quando a Comissão tenha enviado a empresas uma carta administrativa de arquivamento, só pode, nos termos deste princípio, afastar-se da apreciação feita pelos seus serviços se as circunstâncias de facto se alterarem ou se esta apreciação tiver sido feita com base em indicações incorrectas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1980, L' Oréal, 31/80, Recueil, p. 3775, e, em especial, as conclusões do advogado-geral Reischl, pp. 3796, 3803). No entender da recorrente, é evidente que a Comissão não pode justificar a reabertura do processo pela razão de ter alterado a sua apreciação jurídica. Se fosse esse o caso, a emissão de uma carta administrativa de arquivamento seria desprovida de alcance.
29 A recorrente adianta ainda que as circunstâncias de facto que caracterizam o mercado em causa não se alteraram sensivelmente depois da emissão da carta administrativa. No que respeita à entrada da Mars e da Jacobs Suchard no mercado, a recorrente salienta que a entrada da Mars não constitui justificação objectiva para a reabertura do processo nem para a Comissão se afastar da posição adoptada na carta administrativa, dado que, nos termos da mesma, "o acesso de empresas terceiras ao comércio retalhista fica garantido".
30 Nestas condições, e tendo em conta que a Comissão não está em condições de demonstrar que a carta administrativa foi obtida com fundamento em informações incorrectas ou incompletas, nem que as circunstâncias de direito ou de facto que caracterizam o mercado dos gelados sofreram uma alteração sensível depois da sua emissão, a Comissão está vinculada à apreciação contida na mesma carta.
31 Por último, a recorrente alega que, embora a carta administrativa fosse dirigida à Schoeller, a Comissão e os participantes no processo iniciado pela carta da Associação de 6 de Dezembro de 1984 ° entre os quais a recorrente ° estavam, porém, de acordo em que a notificação feita pela Schoeller em Maio de 1985, que se referia aos acordos de fornecimento de gelados por ela celebrados, e o pedido simultâneo de emissão de um certificado negativo, eram igualmente válidos para todos os membros da Associação. A carta administrativa abrange, por isso, a totalidade dos contratos de exclusividade existentes no mercado de gelados.
32 A Comissão salienta, em primeiro lugar, que a carta administrativa é dirigida à Schoeller. Por essa única razão, não a vincula relativamente à recorrente. Além disso, e segundo a Comissão, decorre do teor e do contexto da referida carta que a mesma se referia à notificação feita pela Schoeller dos seus "acordos de fornecimento de gelados".
33 Em segundo lugar, a Comissão alega que, conforme refere no ponto 151 da decisão, a entrada no mercado da Mars e da Jacobs Suchard constitui uma circunstância material que justifica a reabertura do processo. A este respeito, a Comissão adianta que as cartas administrativas de arquivamento não podem ter um efeito vinculativo mais importante do que as decisões formais que substituem, do ponto de vista funcional, no âmbito da aplicação prática das regras de concorrência. Lembra que, nos termos do artigo 8. , n. 3, alínea a), do Regulamento n. 17, a Comissão pode revogar ou alterar decisões formais de isenção "se a situação de facto se alterar em relação a um elemento essencial para a decisão". A Comissão salienta que a carta administrativa em questão foi o resultado de uma análise provisória e, nos termos de uma prática constante, continha uma reserva expressa que previa a reabertura do processo na hipótese de "... determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais se baseia a presente apreciação se (alterarem) de modo sensível...".
34 Foram justamente as experiências feitas pela Mars que revelaram a compartimentação do mercado e, em consequência, provocaram uma nova análise. Além disso, a Comissão, nos termos das garantias processuais previstas no artigo 3. do Regulamento n. 17, e no artigo 6. do Regulamento n. 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963 relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19. do Regulamento n. 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir "Regulamento n. 99/63"), é obrigada a examinar atentamente todos os elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelo denunciante (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90, Colect., p. II-2223).
Apreciação do Tribunal
35 Sem que seja necessário analisar a questão de saber se a recorrente podia legitimamente pretender que a apreciação levada a cabo pela Comissão na carta administrativa dirigida à Schoeller se aplicasse também à sua situação jurídica sem se proceder a uma audição de testemunhas sobre a questão, como a recorrente propôs, basta verificar que, em qualquer caso, a referida carta administrativa não impedia que a Comissão pudesse analisar a queixa apresentada pela Mars.
36 Efectivamente, resulta da jurisprudência que uma carta administrativa, como a que foi dirigida à Schoeller em consequência da notificação dos seus acordos de fornecimento em 1985, não constitui nem uma decisão de certificação negativa nem uma decisão de aplicação do artigo 85. , n. 3, do Tratado, na acepção dos artigos 2. e 6. do Regulamento n. 17, dado que a carta administrativa não foi emitida em conformidade com as disposições do referido regulamento (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Giry e Guerlain e o., 253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327, Marty, 37/79, Recueil, p. 2481, Lancôme e Cosparfrance, 99/79, Recueil, p. 2511, e acórdão L' Oréal, já referido). Nos processos mencionados, o Tribunal de Justiça acentuou o facto de as cartas administrativas em causa terem sido expedidas sem que fossem cumpridas as exigências de publicidade previstas no artigo 19. , n. 3, do Regulamento n. 17 e não terem sido objecto de qualquer publicação nos termos do artigo 21. , n. 1, do referido regulamento.
37 Deve ainda salientar-se que se trata de uma carta administrativa que levou ao conhecimento da empresa interessada, ou seja, a Schoeller, a opinião da Comissão de que não tinha que intervir relativamente aos contratos em causa, dado que esses contratos, tendo em conta as circunstâncias no caso concreto, eram compatíveis com as regras de concorrência do Tratado, e que, por isso, o processo podia ser arquivado. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância entende que o facto de a Comissão, no seu Décimo Quinto Relatório sobre a Política de Concorrência de 1985, se ter referido à emissão dessa carta administrativa, acrescentando alguns comentários, não altera a respectiva natureza jurídica. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância salienta que a própria recorrente, durante a fase escrita do processo, reconheceu que, nos termos do ponto VII da nota complementar do formulário A/B, uma carta administrativa mais não faz do que indicar o que os serviços da Comissão pensam do assunto em causa, com base nos factos de que nesse momento têm conhecimento.
38 Por último, o Tribunal de Primeira Instância verifica que resulta das alegações da Comissão na audiência que, nessa época, esta apenas procedeu a uma análise provisória das condições do mercado baseada, essencialmente, nas informações fornecidas pela Schoeller, incluindo no que respeita aos dados que levaram à delimitação do mercado então entendida como relevante e ao cálculo do grau de dependência, entendido como a percentagem de pontos de venda vinculados por contratos de exclusividade e do volume das vendas realizadas através desses pontos de venda. Neste contexto, na carta administrativa, a Comissão reservou-se, aliás, o direito de reabrir o processo se determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais se baseou a sua apreciação se viessem a alterar de modo sensível. Essa reserva está, aliás, em conformidade com a prática administrativa da Comissão na matéria.
39 Quanto à questão de saber se, após a emissão da carta administrativa, ocorreram alterações de facto sensíveis, o Tribunal de Primeira Instância verifica, por um lado, que resulta do processo que dois novos concorrentes, a Mars e a Jacobs Suchard, fizeram posteriormente a sua entrada no mercado. Acresce que, no que toca à interveniente Mars, está assente que se trata de um concorrente especial, que apenas propõe uma gama limitada de produtos e que adoptou uma estratégia comercial diferente das dos seus principais concorrentes. O Tribunal de Primeira Instância verifica, por outro lado, que, após a entrega da queixa da Mars, a Comissão teve conhecimento da existência de obstáculos adicionais ao acesso ao mercado, designadamente no comércio de bens alimentares, devido, por um lado, à obrigação imposta pela recorrente aos retalhistas de reservarem exclusivamente para os seus produtos a utilização dos congeladores que põe à sua disposição bem como, por outro, à concessão de bónus em contrapartida da exclusividade das vendas.
40 O Tribunal de Primeira Instância entende que estes elementos constituíam circunstâncias novas que, designadamente à luz dos problemas concretos com que a interveniente se defrontou, justificavam uma análise mais aprofundada e mais precisa das condições que regem o acesso ao mercado do que a que foi efectuada aquando da emissão da carta administrativa. Consequentemente, o Tribunal entende que esta carta não impede a Comissão de reabrir o processo a fim de, no caso concreto, apreciar a compatibilidade dos acordos de fornecimento litigiosos com as regras da concorrência.
41 Esta solução está, além disso, em conformidade com a obrigação da Comissão de examinar atentamente os elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelo denunciante, tendo presentes as garantias processuais previstas no artigo 3. do Regulamento n. 17 e no artigo 6. do Regulamento n. 99/63, a fim de apreciar se os referidos elementos deixam transparecer um comportamento de natureza a falsear a concorrência no interior do mercado comum e a afectar o comércio entre Estados-Membros (v. acórdão Automec/Comissão, já referido, n. 79).
42 Daqui decorre que este fundamento deve ser julgado improcedente.
Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 85. , n. 1, do Tratado
43 O fundamento divide-se em quatro partes. A recorrente censura a Comissão por ter efectuado uma delimitação do mercado de referência demasiado estreita e por ter ignorado os efeitos dos acordos de fornecimento sobre a concorrência. Afirma que, ao contrário do que entende a Comissão, os acordos de exclusividade não são susceptíveis de afectar de modo sensível o comércio entre Estados-Membros e, por último, que a Comissão não é competente para, nos termos do artigo 3. do Regulamento n. 17, proibir a totalidade dos acordos de exclusividade existentes, incluindo os que não se enquadram na proibição constante do artigo 85. , n. 1, do Tratado.
Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à delimitação do mercado
44 No ponto 90 da decisão, a Comissão delimita o mercado dos produtos como sendo o dos gelados industriais em embalagens individuais presentes em todos os canais de distribuição, com excepção dos serviços de venda ao domicílio.
Resumo da argumentação das partes
45 A recorrente alega que esta delimitação do mercado é demasiado estreita. Lembra que a Comissão, em várias ocasiões, alterou de maneira considerável a delimitação do mercado dos produtos em causa. No entender da recorrente, o mercado em questão deve ser delimitado unicamente em função da questão de saber se, e em que medida, determinados produtos são "considerados similares pelo utilizador em razão das suas propriedades, preço e uso". A este respeito, refere-se aos artigos 3. e 14. do Regulamento n. 1984/83 bem como aos artigos 3. e 6. do Regulamento (CEE) n. 1983/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva (JO L 173, p. 1; EE 08 F2 p. 110, a seguir "Regulamento n. 1983/83"), e ao acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, Recueil, p. 215).
46 No entender da recorrente, daqui resulta que o mercado em causa, no caso presente, abrange todos os gelados produzidos industrial ou artesanalmente, os gelados vendidos em embalagens contendo várias doses individuais, ditos "multipacks", bem como parte dos gelados acondicionados para grandes consumidores, destinados a ser vendidos em bolas. Os gelados vendidos em doses individuais na via pública são perfeitamente permutáveis do ponto de vista do consumidor. Destinam-se a satisfazer uma necessidade idêntica do consumidor, o qual, a este respeito, reage de modo impulsivo.
47 A diversidade dos canais de distribuição, o local do consumo, o modo pelo qual os gelados são vendidos e as outras particularidades da distribuição dos gelados tidas em consideração pela Comissão não são, consequentemente, determinantes para a delimitação do mercado em causa.
48 No entender da recorrente, é frequente o consumidor encontrar diferentes tipos de gelados no mesmo local, sem poder determinar de que tipo se trata. Uma parte dos gelados em embalagem individual proveniente de "multipacks" é consumida no próprio local de compra, ou seja, na via pública. A recorrente considera, por isso, errada a afirmação da Comissão de que os "multipacks" se destinam apenas "à satisfação de uma necessidade em casa" e que, em conjunto com os gelados em embalagens familiares, constituem um mercado distinto.
49 Quanto aos gelados acondicionados para grandes consumidores, destinados à venda em doses individuais, conhecidos sob o nome de gelados "scooping", a recorrente alega que não é relevante a afirmação da Comissão de que o gelado "scooping" só adquire as suas características próprias devido ao serviço acrescentado que constitui a sua divisão em doses. Reconhece a recorrente que é certo que o modo como estes gelados são comercializados apresenta algumas particularidades. Contudo, é falso daí concluir que os gelados "scooping" e os gelados em embalagem individual pertencem a mercados diferentes. Além disso, a mera divisão em doses individuais a que procede o comerciante no comércio tradicional não pode ser comparada a um serviço de restauração na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect., p. I-935). Os gelados "scooping" vendidos na via pública são permutáveis com os gelados em embalagem individual. A este respeito, a recorrente afirma que cerca de 50% dos gelados industriais fornecidos aos grandes consumidores são servidos em doses individuais e vendidos na via pública.
50 Quanto aos gelados artesanais, a recorrente argumenta ser frequente que no mesmo local sejam oferecidos ao consumidor gelados artesanais e gelados industriais. É, por isso, errado sustentar que existe um mercado especial de gelado artesanal, dado que, no entender da Comissão, este não constitui objecto de transacção no mercado. Do facto de estes gelados não serem distribuídos por intermediários do comércio especializado tradicional não se pode concluir que se não encontrem numa situação de concorrência com os gelados industriais em embalagem individual. O gelado artesanal faz por isso parte do mercado dos produtos em causa.
51 Por último, a recorrente alega que a delimitação que sustenta do mercado em causa é confirmada por um inquérito representativo efectuado em Junho e Julho de 1992. Segundo tal inquérito, os diversos tipos de gelado comprados por simples impulso não se enquadram, do ponto de vista do consumidor, em mercados diferentes.
52 A Comissão toma como ponto de partida para a delimitação do mercado o ponto de vista do consumidor. Deste modo, no entender da Comissão, é necessário desde logo excluir os gelados oferecidos como parte do serviço de restauração, dado que este mercado, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão Delimitis, já referido), constitui um mercado distinto. Trata-se aí, no entender da Comissão, de parte dos gelados industriais destinados aos grandes consumidores e dos gelados artesanais.
53 A Comissão salienta em seguida que, tendo em conta o nexo específico, que existe entre a possibilidade de refrigeração e o consumo, inerente aos produtos, o local de consumo do gelado reveste importância decisiva para determinação da possibilidade de substituição recíproca dos produtos face ao direito da concorrência, tanto mais que a necessidade nasce frequentemente de modo impulsivo e efémero.
54 Nestas circunstâncias, no entender da Comissão, devem também excluir-se os "multipacks", os gelados em embalagem familiar e os gelados em embalagem individual fornecidos pelos serviços de venda ao domicílio, destinados a ser armazenados em congeladores privados, dado que esses produtos não estão disponíveis para satisfação de uma necessidade fora do domicílio. A este respeito, a Comissão alega que da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta que mesmo produtos idênticos podem pertencer a mercados de produtos distintos se satisfizerem uma procura específica (v. acórdãos de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Recueil, p. 223, de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Recueil, p. 461, e de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461).
55 Contudo, no entender da Comissão, o ponto de vista do consumidor não constitui o único elemento determinante. Na sua opinião, devem igualmente ser tidos em conta tanto os diferentes canais da distribuição através dos quais os gelados são oferecidos ao consumidor como as diferentes condições de concorrência que caracterizam as diversas fases da distribuição, dado que os acordos de fornecimento litigiosos dizem respeito ao acesso dos produtores e/ou dos grossistas ao comércio a retalho. Efectivamente, dado que o artigo 85. , n. 1, do Tratado proíbe qualquer restrição à concorrência em qualquer fase do comércio entre o produtor e o consumidor final (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125), o ponto de vista do consumidor não pode, no caso concreto, constituir o único argumento decisivo para avaliar os efeitos dos acordos de fornecimento sobre a concorrência.
56 Nestas condições, e no entender da Comissão, devem excluir-se do mercado dos produtos, por um lado, os gelados artesanais, dado que estes gelados não constituem objecto de transacção no mercado em que a oferta é composta por produtores de gelados industriais e grossistas e onde a procura é representada por retalhistas, e, por outro, os gelados chamados "scooping", dado que o comércio a retalho desempenha funções de distribuição diferentes relativamente a este tipo de gelado e aos gelados em embalagem individual e os canais de distribuição destes dois grupos de produtos só marginalmente se sobrepõem. A este respeito, a Comissão afirma que a estrutura da procura pode ser tomada em consideração para a delimitação do mercado (v. acórdão Michelin/Comissão, já referido).
57 Quanto aos gelados acondicionados para grandes consumidores, a Comissão acrescenta que eles apresentam, além disso, particularidades diferentes que justificam a sua exclusão do mercado de referência.
58 A interveniente Mars considera que se deve subdividir o mercado delimitado pela Comissão em dois submercados: por um lado, o comércio tradicional e, por outro, o comércio retalhista de produtos alimentares, dado que o presente processo, no essencial, apenas respeita ao mercado dos gelados em embalagem individual, que são distribuídos no comércio tradicional, uma vez que o acesso a este sector está fechado a novos concorrentes em consequência da existência de contratos de exclusividade.
59 No entender da Mars, deve igualmente notar-se que mais de 60% de todos os gelados em embalagem individual são distribuídos através do comércio tradicional. A este respeito, a Mars acrescenta que a Comissão demonstrou também importantes diferenças estruturais entre os dois submercados, susceptíveis de justificar uma subdivisão nos termos do direito alemão. No entender da Mars, os mesmos produtos, quando são vendidos por canais de distribuição diferentes, podem ser classificados em mercados diferentes.
Apreciação do Tribunal
60 A fim de analisar a correcção da definição do mercado adoptada pela Comissão no ponto 90 da sua decisão, o Tribunal de Primeira Instância lembra liminarmente que a delimitação do mercado em causa é essencial para a análise dos efeitos dos contratos de exclusividade sobre a concorrência e, designadamente, para a análise das possibilidades de novos concorrentes nacionais e estrangeiros se implantarem no mercado dos gelados ou de aumentarem a sua parte nesse mercado (v. acórdão Delimitis, já referido, n.os 15 e 16).
61 A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância salienta em seguida que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve ser tomado em consideração o ponto de vista do consumidor. Deste modo, num processo relativo à aplicação do artigo 86. do Tratado, o Tribunal de Justiça decidiu que as possibilidades de concorrência só podem ser apreciadas em função das características dos produtos em causa devido às quais esses produtos estão especialmente aptos a satisfazer necessidades constantes e são pouco intermutáveis com outros produtos (v. acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido). Quanto ao conceito de mercado dos produtos, o Tribunal de Justiça decidiu, mais em especial, que este conceito implica que possa existir concorrência efectiva entre os produtos que dele fazem parte, o que supõe um grau suficiente de possibilidade de substituição para o mesmo uso entre todos os produtos que fazem parte do mesmo mercado (v. acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido). Além disso, no que diz respeito à possibilidade de tomar em consideração outros elementos, o Tribunal de Primeira Instância salienta que resulta da jurisprudência que, se for caso disso, não é possível limitar-se à simples análise das características objectivas dos produtos em causa, mas é também necessário ter em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (v. acórdão Michelin/Comissão, já referido, n. 37).
62 Cabe, por isso, ao Tribunal de Primeira Instância analisar a correcção da delimitação do mercado do produto adoptada pela Comissão à luz destas considerações. A este respeito, deve recordar-se que, no ponto 83 da decisão, a Comissão afirma que os gelados "scooping" e os gelados artesanais vendidos para consumo imediato na via pública, ou seja, fora do serviço de restauração, bem como os gelados em embalagens individuais vendidos no mesmo local constituem, do ponto de vista do consumidor, produtos equivalentes.
63 O Tribunal de Primeira Instância considera, por um lado, que a Comissão excluiu correctamente os gelados oferecidos como parte do serviço de restauração, ou seja, uma parte do gelado industrial para grandes consumidores e dos gelados artesanais, dado que esse mercado, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão Delimitis, já referido, n. 16), constitui um mercado distinto, uma vez que o consumo de gelados nos restaurantes, regra geral, é caracterizado por uma prestação de serviços e é menos vezes sujeito a considerações de ordem económica do que a respectiva aquisição, por exemplo, num estabelecimento de produtos alimentares.
64 Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considera que, tal como a Comissão sustentou, devem ser excluídos os gelados armazenados nos congeladores privados, no domicílio dos consumidores, dado que esses gelados não são susceptíveis de satisfazer uma necessidade fora do domicílio, em especial da necessidade surgida por mero impulso, e apenas em determinado grau são intermutáveis com os produtos vendidos na via pública (v. acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.os 48 e 49). Trata-se de gelados em embalagem familiar, produtos que, regra geral, são adquiridos a fim de serem armazenados no domicílio, e gelados em embalagens individuais fornecidos ao domicílio. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância entende que a Comissão considerou correctamente o local de consumo como factor determinante, no caso presente, para a delimitação do mercado, dado que se trata de produtos cuja duração da conservação fora da refrigeração é muito limitada e cujo consumo deve, por isso, ter obrigatoriamente lugar na proximidade imediata da última possibilidade de conservação através do frio.
65 Em seguida, e o no que respeita aos gelados vendidos em "multipacks", deve lembrar-se que este tipo de gelado é, regra geral, oferecido pelo comércio de produtos alimentares para armazenagem no domicílio, e pelos serviços de venda ao domicílio. No entender da Comissão, consequentemente, não está disponível, regra geral, para a satisfação de uma necessidade surgida de modo impulsivo fora do domicílio. O Tribunal de Primeira Instância verifica que a recorrente não adianta elementos de facto suficientes para contrariar a afirmação da Comissão, dado que apenas alega que uma parte dos gelados em embalagens individuais provenientes de "multipacks" são consumidos no local de compra, podendo ser a via pública, sem contudo apresentar dados quantitativos a este respeito. Daqui decorre que a Comissão excluiu correctamente do mercado de referência os gelados vendidos em "multipacks".
66 Resulta dos pontos 84 e segs. da decisão que, na opinião da Comissão, devido às relações concorrenciais diferentes que caracterizam os vários estádios da comercialização e aos canais de distribuição paralelos através dos quais os produtos em causa são oferecidos ao consumidor, é igualmente necessário excluir, por um lado, todos os gelados artesanais, ou seja, os gelados artesanais vendidos na via pública à margem dos serviços de restauração, pela razão de não constituírem objecto de transacção num mercado que apenas respeita à venda a retalhistas, e, por outro lado, os gelados industriais acondicionados para grandes consumidores, pelo motivo de este tipo de gelados apresentar diversas particularidades relativamente aos gelados industriais em embalagens individuais.
67 Quanto aos gelados artesanais, o Tribunal de Primeira Instância verifica que resulta do processo que este tipo de gelado é geralmente oferecido no local ou na proximidade do local de produção. Não é assim abrangido pelos acordos de fornecimento litigiosos, dado que os gelados artesanais não são oferecidos nem procurados pelas várias formas do comércio a retalho, o que não é contestado pela recorrente. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância entende que a apreciação dos efeitos sobre a concorrência, designadamente quanto ao acesso aos retalhistas, que os acordos de fornecimento litigiosos são susceptíveis de acarretar, não pode ser alterada se se incluírem estes gelados no mercado do produto. Assim, a Comissão excluiu-os com razão do mercado do produto.
68 Quanto aos gelados industriais acondicionados para grandes consumidores, destinados a ser vendidos em doses individuais, ou seja, os gelados "scooping", deve lembrar-se que a sua exclusão do mercado do produto é justificada, nos pontos 87 a 89 da decisão, por três considerações. Em primeiro lugar, a decisão refere que o comércio retalhista desempenha funções comerciais diferentes, que são ditadas pelas características diferentes dos produtos e que conduzem a que os canais de distribuição destes dois grupos de artigos apenas se sobreponham marginalmente. Em segundo lugar, a decisão salienta que a transformação suplementar, a divisão em porções, que os gelados "scooping" exigem, tem como efeito que os gelados em embalagem individual e os gelados "scooping" só sejam oferecidos em conjunto, em quantidades apreciáveis, no sector da restauração. Além disso, o comércio de produtos alimentares e o comércio tradicional especializado, que de longe distribuem a maior parte do gelado industrial em embalagem individual, não estão geralmente equipados para a venda de gelado acondicionado para grandes consumidores. Em terceiro lugar, a decisão afirma que, do ponto de vista da técnica de produção, existem diferenças entre as duas categorias de produtos.
69 Ora, o Tribunal de Primeira Instância verifica que a Comissão não adianta elementos de facto susceptíveis de demonstrar que existem estruturas diferentes da procura para as duas categorias de produtos, na acepção do acórdão Michelin/Comissão, já referido, que possam, por si próprias, justificar uma delimitação do mercado que exclua os gelados "scooping" vendidos na via pública. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância entende que, apesar de existirem diferentes canais de distribuição, esta circunstância, no caso presente, não basta por si só para excluir os gelados acondicionados para grandes consumidores divididos em porções individuais para consumo fora do serviço de restauração. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que a recorrente alegou correctamente que a mera divisão em porções individuais, feita pelo comerciante no comércio tradicional, não constitui um "serviço de restauração" na acepção do acórdão Delimitis, já referido. Além disso, a Comissão não demonstrou que a operação de divisão em porções afecte a escolha do consumidor entre um gelado "scooping" e um gelado em embalagem individual, nos pontos de venda onde estes gelados são oferecidos em simultâneo, ou seja, na via pública. Efectivamente, a Comissão afirma mesmo que os dois tipos de gelados, do ponto de vista do consumidor, constituem produtos equivalentes (v. acima n. 62). Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considera que o facto de poder existir uma diferença entre os dois produtos no que toca à técnica de produção não basta, por si só, para distinguir dois mercados distintos quando essa diferença não é tida em consideração pelo consumidor de maneira determinante.
70 O Tribunal de Primeira Instância verifica seguidamente que resulta do processo e, designadamente, das informações fornecidas pela recorrente relativas às vendas realizadas no comércio tradicional, em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal, que cerca de 22% do volume deste tipo de gelado é vendido na via pública fora do serviço de restauração, ou seja, no comércio tradicional especializado. Trata-se de cerca de metade do total das quantidades de gelados vendidas no comércio tradicional. Com efeito, resulta também das respostas da recorrente que se encontra também equipamento necessário à venda dos gelados "scooping" não apenas nos quiosques, mas também nas padarias/pastelarias, confeitarias, gelatarias, cinemas, piscinas, estações de serviço e nos pequenos estabelecimentos do sector do comércio de produtos alimentares, podendo estes pontos de venda oferecer também gelados em embalagem individual. A Comissão, pela sua parte, reconheceu, pelo menos implicitamente, durante a fase escrita do processo, que parte dos gelados acondicionados para grandes consumidores é oferecida, sob a forma de gelado "scooping", para consumo imediato fora do serviço de restauração.
71 Consequentemente, coloca-se a questão de saber se a Comissão não deveria incluir a parte dos gelados acondicionados para grandes consumidores servidos em doses individuais vendidas em concorrência com os gelados em embalagem individual na via pública em diversos tipos de pontos de venda, dado que as duas categorias de produtos são susceptíveis de substituição recíproca do ponto de vista do consumidor. Contudo, deve recordar-se que resulta do ponto 141 da decisão, que não foi impugnado pela recorrente, que os gelados para grandes consumidores são distribuídos no comércio tradicional através de contratos de exclusividade. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância considera que a decisão de não incluir os gelados "scooping" no mercado de referência não alterou substancialmente a apreciação efectuada quanto aos efeitos dos acordos de fornecimento litigiosos sobre a concorrência, designadamente no que toca à questão de saber se o acesso ao mercado estava fechado ou consideravelmente dificultado pela existência desses acordos. O Tribunal de Primeira Instância considera, por isso, que não se deve anular a decisão por não incluir os gelados "scooping" no mercado do produto.
72 Daqui decorre que, sem que seja necessário proceder à audição das testemunhas oferecidas pela recorrente, deve ser negado provimento à primeira parte do fundamento que assenta na errada delimitação do mercado.
Quanto à segunda parte do fundamento, relativa ao efeito dos contratos de compra exclusiva sobre a concorrência
Resumo da argumentação das partes
73 Referindo-se à carta administrativa, a recorrente alega que os acordos de fornecimento "... mesmo tendo em conta o número de acordos de natureza idêntica, não têm por efeito, designadamente, eliminar a concorrência no que toca a uma parte substancial dos produtos em causa..." e são, portanto, compatíveis com o artigo 85. , n. 1, do Tratado.
74 Em apoio desta afirmação, a recorrente alega que, para analisar se os contratos de exclusividade celebrados por ela própria e pelos seus concorrentes têm por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado, há que, nos termos da jurisprudência, ter desde logo em consideração o número de pontos de venda vinculados a tais contratos em comparação com os que o não estão, as quantidades do produto distribuídas pelos pontos de venda assim vinculados e a duração desses contratos (v. acórdão Delimitis, já referido).
75 No que respeita ao grau de dependência, a recorrente alega que, independentemente da questão de saber se é de adoptar a delimitação do mercado feita pela Comissão ou a que ela própria propôs e partindo dos elementos em que se baseou a decisão, o mercado em causa é inferior a 30%, valor considerado aceitável pela Comissão na sua carta administrativa e no Décimo Quinto Relatório sobre a Política de Concorrência de 1985, n. 19.
76 Consequentemente, considera a recorrente que a Comissão, no ponto 130 da decisão, considerou sem razão que o grau de dependência se eleva a (...) % o que só pode explicar-se pelo facto de a Comissão se ter afastado da acepção em que este conceito era tomado até agora. Para avaliar o grau de dependência, a Comissão teve apenas em conta quantidades de gelados vendidas pela recorrente no comércio tradicional.
77 No que respeita à duração média dos acordos de fornecimento, a recorrente afirma que ela não atinge mais do que dois anos e meio, ou seja, metade da duração de cinco anos julgada aceitável pelo Regulamento n. 1984/83. Efectivamente, os gerentes dos pontos de venda rescindem os respectivos contratos, regra geral, o mais cedo possível, a fim de poderem negociar melhores condições.
78 Por outro lado, a recorrente afirma que a existência de um conjunto de contratos semelhantes, embora a sua relevância sobre as possibilidades de acesso ao mercado seja importante, não basta por si só para concluir que o mercado em causa é inacessível, segundo a posição adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido. O que é determinante é o conjunto das circunstâncias de direito e de facto. Segundo a recorrente, isto é igualmente válido quando se trata de contratos de exclusividade celebrados por uma empresa que tem forte posição no mercado. Além disso, a recorrente acrescenta que a sua quota de mercado está nitidamente abaixo da parte de mercado que lhe é atribuída no ponto 95 da decisão.
79 Quanto ao conjunto das circunstâncias de facto e de direito que deveriam ter sido tomadas em consideração, a recorrente alega que a decisão ignora determinados elementos essenciais relativos à liberdade de acesso aos pontos de venda.
80 Em primeiro lugar, segundo a recorrente, existem numerosos pontos de venda não vinculados por contratos de exclusividade. Grande número destes pontos de venda é imediatamente acessível a qualquer concorrente. A isto acresce a possibilidade de criar novas vias de escoamento para os produtores que estejam dispostos a fazer os investimentos necessários. OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC : 693A0007.1
81 Em segundo lugar, a Comissão não teve igualmente em devida conta o facto de o mercado de gelados ter beneficiado de um rápido crescimento durante os últimos anos, o que é especialmente verdade no território da antiga República Democrática Alemã. Contudo, a criação de novos mercados exige que o produtor possa oferecer uma gama alargada de gelados, fornecer as prestações exigidas em matéria de distribuição e colocar à disposição dos pontos de venda do comércio especializado tradicional congeladores necessários para armazenagem dos produtos.
82 As dificuldades com que a Mars se defrontou para penetrar no mercado não se devem, por isso, aos contratos de exclusividade celebrados pela recorrente e os seus concorrentes, mas à estratégia adoptada pela Mars, que consiste, entre outras coisas, em evitar os investimentos necessários e apenas alargar a sua actividade aos pontos de venda que já vendem gelados.
83 Em terceiro lugar, no que diz respeito aos outros alegados obstáculos ao acesso ao mercado, referidos pela Comissão no ponto 135 da decisão, ou seja, a tecnologia necessária para a produção de gelados em embalagem individual e as preferências dos consumidores que resultam do esforço publicitário efectuado durante os anos anteriores, a recorrente alega, por um lado, que a Mars dispõe, sem dúvida, de todos os meios necessários, tecnológicos e outros, para a produção de gelados e, por outro, que pode tirar vantagem da sua forte notoriedade que é maior que a da recorrente.
84 Tendo em conta estas circunstâncias, o acesso ao comércio especializado tradicional, no entender da recorrente, não é dificultado nem fechado pela rede de contratos de exclusividade existente.
85 Nos pontos 71 a 74 da decisão, a Comissão conclui, desde logo, que a obrigação de compra exclusiva imposta pela recorrente aos revendedores constitui uma restrição da concorrência tanto entre produtos da mesma marca como entre produtos de marcas diferentes. No entender da Comissão, a oferta de produtos provenientes de outros fornecedores não pode, consequentemente, ser tida em conta pelo revendedor, dada a proibição contratual a que está vinculado. Na opinião da Comissão, as obrigações de compra exclusiva tornam difícil ou entravam a criação das estruturas de distribuição independentes necessárias ao acesso de novos concorrentes ao mercado em causa ou ao reforço de uma posição já estabelecida no mercado. A obrigação contratual de comprar exclusivamente os produtos objecto do contrato implica, ipso facto, a proibição de distribuir produtos concorrentes. A combinação de uma e outra, no presente caso, reforça a restrição à concorrência.
86 A Comissão conclui em seguida, no ponto 104 da sua decisão, que o volume de negócios da recorrente e a parte de mercado que representam os acordos de fornecimento litigiosos são largamente superiores aos limites previstos na sua comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não são abrangidos pelo disposto no n. 1 do artigo 85. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (JO 1986, C 231, p. 2, a seguir "comunicação relativa aos acordos de pequena importância"). Estes factos bastam para concluir que os acordos de fornecimento limitam sensivelmente as possibilidades de os concorrentes alemães e os dos outros Estados-Membros se estabelecerem no mercado de referência ou de aumentarem a parte de que já são detentores e, por consequência, são abrangidos pela proibição do artigo 85. , n. 1, do Tratado. No entender da Comissão, no presente caso, não é necessária a análise dos efeitos que resultam das redes de acordos de natureza idêntica celebrados por outras empresas no mercado de referência.
87 Nos articulados e na audiência, a Comissão acrescentou que, segundo jurisprudência, apenas quando a rede de acordos de natureza idêntica aos da empresa cujos contratos são objecto da análise à luz do direito da concorrência não preenche por si só a condição do efeito sensível é que os efeitos cumulativos das redes paralelas devem ser tomados em consideração (v. acórdãos de 12 de Dezembro de 1967, Brasserie de Haecht, 23/67, Colect. 1965-1968, p. 703, e Delimitis, já referido).
88 A interveniente Mars reconhece que o grau de dependência se situa entre 25% e 30%, quer se adopte a delimitação do mercado efectuada pela Comissão ou a efectuada pela recorrente. Contudo, este valor não reflecte as verdadeiras condições do mercado no comércio tradicional, dado que os cálculos se baseiam numa média.
89 No entender da Mars, há que analisar especificamente a situação do comércio tradicional, dado que mais de 60% de todos os gelados em embalagem individual são distribuídos por intermédio deste mercado e apenas nesta parte do mercado em causa é que a recorrente celebrou acordos de fornecimento.
90 No comércio tradicional, conforme os estudos efectuados pela interveniente, o grau de dependência relativamente ao ano de 1990 eleva-se a mais de 70%. Além disso, há que ter em conta as partes do mercado da recorrente e o grau de concentração. Segundo a Mars, a recorrente atingiu, em 1992, uma parte do mercado de 60% no que toca à venda de gelados em embalagem individual no comércio tradicional. A parte da Schoeller atingiu 33,4%. Estes dois grandes produtores dispõem, portanto, de uma parte comum de mercado de mais de 90%. No entender da Mars, não há qualquer dúvida de que a recorrente e a Schoeller ocupam uma posição dominante neste mercado. Por essa razão, não pode duvidar-se seriamente de que os contratos de exclusividade celebrados pela recorrente são abrangidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado.
91 Acresce que um novo concorrente que chegue ao mercado é confrontado com o problema de que, para um retalhista vinculado a um contrato de exclusividade, se trata de uma "decisão de tudo ou nada". Poucos comerciantes estão dispostos a renunciar à gama de produtos do concorrente dominante e a optar pelos produtos menos conhecidos do novo concorrente.
92 O simples facto de a Mars, segundo as suas próprias afirmações, dispor de uma parte de mercado de cerca de 17% no comércio alimentar retalhista relativamente aos "multipacks", para os quais não existem contratos de exclusividade, percentagem que é, assim, dez vezes maior que a sua parte de mercado relativa a gelado em barra no comércio tradicional (cerca de 1,7%), constitui prova suficiente de que o acesso ao comércio tradicional está fechado.
93 Respondendo à afirmação da recorrente de que o mercado em causa está em expansão, a Mars afirma que, de modo geral, para apreciar a possibilidade de uma empresa que faz a sua entrada no mercado aceder ao comércio especializado tradicional, não se pode tomar como base a possibilidade teórica da criação de mercados. A este respeito, no entender da Mars, deve lembrar-se que os pontos de venda mais interessantes do ponto de vista económico estão precisamente vinculados por contratos de exclusividade.
Apreciação do Tribunal
94 A título liminar, deve salientar-se que a Comissão, nos pontos 71 a 73 da decisão, considerou correctamente que a cláusula contida nos acordos de fornecimento, que prevê que o retalhista se compromete a apenas vender no seu ponto de venda produtos directamente adquiridos à recorrente, contém não só uma obrigação de compra exclusiva como também uma proibição de concorrência, susceptíveis de implicar uma restrição à concorrência, na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado, quer entre produtos da mesma marca quer entre produtos de marcas diferentes.
95 Nestas condições, cabe ao Tribunal de Primeira Instância averiguar se a Comissão demonstrou suficientemente, de facto e de direito, que os acordos de fornecimento litigiosos têm, conforme afirma, um efeito sensível sobre a concorrência no mercado.
96 A este respeito, o Tribunal verifica, desde logo, que a recorrente detém uma forte posição no mercado de referência. Conforme decorre do processo, a recorrente, filial da Deutsche Unilever GmbH, que faz parte do grupo internacional Unilever, o qual se conta entre os maiores produtores mundiais de bens de consumo, atingiu em 1990 e 1991 um volume de negócios, no sector dos gelados, de mais de mil milhões de DM. Segundo os pontos 27, 33 e 95 da decisão, a parte do mercado de referência ocupada pela recorrente atingia em 1991 cerca de (...)% (mais de 45%) tanto no comércio de géneros alimentícios como no comércio tradicional. A este respeito, deve recordar-se que, embora a recorrente tenha contestado deter essa parte de mercado, pois entende que deve delimitar-se o mercado de maneira mais alargada, incluindo todos os gelados produzidos industrial ou artesanalmente, não contestou, contudo, expressamente, a parte do mercado de gelados industriais em embalagem individual que a Comissão lhe atribui no âmbito da delimitação do mercado a que procedeu. Quanto à importância quantitativa dos acordos litigiosos no mercado de referência, o Tribunal de Primeira Instância verifica que resulta do processo que, em todo o mercado de referência, conforme foi definido pela Comissão, cerca de (...)% (mais de 15%) dos pontos de venda estão vinculados à recorrente e que o volume das vendas realizadas pela recorrente por intermédio destes pontos representa igualmente (...)% (mais de 15%) do volume total de vendas no mercado.
97 No entender da Comissão, estes últimos dados bastam para concluir que os acordos limitam de modo sensível as possibilidades de os concorrentes alemães e os dos outros Estados-Membros se estabelecerem no mercado de referência ou de aumentarem a parte que nele detêm, sem que seja necessário analisar o efeito cumulativo produzido pelas redes paralelas montadas pelos outros fornecedores de gelados, dado que a parte do mercado coberta pelos acordos litigiosos, que representa já cerca de (...)% (mais de 15%) do mercado de referência, bem como o volume de negócios realizado pelas empresas participantes, são nitidamente superiores aos limites previstos na comunicação relativa aos acordos de pequena importância.
98 Ora, deve recordar-se que esta comunicação apenas tem em vista definir os acordos que, no entender da Comissão, não têm efeito sensível sobre a concorrência ou sobre o comércio entre Estados-Membros. O Tribunal de Primeira Instância considera, porém, que daí não pode concluir-se com segurança que uma rede de contratos de compra exclusiva seja automaticamente susceptível de entravar, restringir ou falsear a concorrência de modo sensível pela simples circunstância de serem ultrapassados os limites previstos nessa comunicação. Aliás, resulta da própria redacção do n. 3 da referida comunicação que é perfeitamente possível, em casos concretos, que os acordos concluídos por empresas que excedam os limites indicados apenas afectem o comércio entre Estados-Membros ou a concorrência em medida insignificante e, por consequência, não sejam abrangidos pelo disposto no n. 1 do artigo 85. do Tratado.
99 Quanto à questão de saber se contratos de compra exclusiva são proibidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado, há que analisar, conforme a jurisprudência, se o conjunto dos contratos similares celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico em que se enquadram os contratos em causa resulta que esses contratos têm por efeito cumulativo fechar o acesso a esse mercado aos novos concorrentes nacionais e estrangeiros. Se a análise mostrar que não é esse o caso, os contratos individuais que compõem o feixe de acordos não podem constituir um obstáculo à concorrência, na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado. Pelo contrário, se a análise revelar que o mercado em causa é dificilmente acessível, convém em seguida apreciar em que medida os acordos litigiosos contribuem para o efeito cumulativo produzido, sendo certo que apenas são proibidos os contratos que contribuem de modo significativo para uma eventual compartimentação do mercado (v. acórdão Delimitis, já referido, n. 23 e 24).
100 Deve ainda lembrar-se, tal como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Brasserie de Haecht, já referido, que a apreciação dos efeitos de um contrato exclusivo implica a necessidade de ter em consideração o contexto económico e jurídico no seio do qual ele se situa e onde pode, em conjunto com outros, contribuir para um efeito cumulativo sobre a concorrência.
101 Quanto à incidência das redes de contratos de exclusividade sobre o acesso ao mercado, resulta ainda da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, que ela depende, nomeadamente, do número de pontos de venda vinculados por contrato aos produtores em comparação com o número daqueles que o não estão, das quantidades abrangidas por esses vínculos, bem como da proporção entre essas quantidades e as que são vendidas pelos distribuidores não vinculados. Por outro lado, o grau de dependência que decorre de uma rede de acordos de compra exclusiva, embora tenha certa importância para apreciação da compartimentação do mercado, constitui, porém, apenas um elemento, entre outros, do contexto económico e jurídico no âmbito do qual deve ser apreciado um contrato ou, como no presente caso, uma rede de contratos (v. acórdão Delimitis, já referido, n.os 19 e 20).
102 Quanto ao grau de dependência, o Tribunal de Primeira Instância considera que este deve ser determinado no caso concreto tendo em conta as possibilidades de acesso aos retalhistas em todo o mercado de referência, tal como foi previamente delimitado pela Comissão, ou seja, tanto no comércio tradicional como no comércio de produtos alimentares, dado que a delimitação do mercado tem como função definir o âmbito em que devem ser apreciados os efeitos que os acordos litigiosos produzem sobre a concorrência.
103 A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância verifica em primeiro lugar que, como foi acima referido (n. 96), se se tiver em conta o volume de vendas de gelados em embalagem individual no mercado de referência, obtém-se um grau de dependência de cerca de (...)% (mais de 15%), imputável aos contratos de compra exclusivos celebrados pela recorrente, e que, se se tiver em conta a relação entre o número de pontos de venda vinculados à recorrente e o número total de pontos de venda, o grau de dependência eleva-se a cerca de (...)% (mais de 15%).
104 Quanto ao efeito cumulativo que resulta de outros acordos semelhantes no mercado, o Tribunal de Primeira Instância verifica, em segundo lugar, que os contratos de compra exclusivos semelhantes celebrados pela Schoeller, o outro principal produtor de gelados na Alemanha, abrangem, por seu lado, cerca de (...)% (mais de 10%) do mercado de referência independente, se se considerarem as percentagens dos números de pontos de venda vinculados ou o volume de vendas realizado por estes pontos de venda.
105 Assim, deve concluir-se que as redes de contratos de compra exclusiva postas a funcionar pelos dois principais produtores afectam cerca de (...)% do mercado, o que ultrapassa o grau de dependência de 30% considerado aceitável pela Comissão na carta administrativa que enviou à Schoeller, e tal como depois comentou no n. 19 do Décimo Quinto Relatório sobre a Política de Concorrência de 1985.
106 Contudo, como foi referido acima (n. 101), o grau de dependência apenas constitui um elemento, entre outros, do contexto económico e jurídico em que deve ser apreciada uma rede de contratos. Além disso, devem ser analisadas as condições em vigor no mercado e, designadamente, as possibilidades reais e concretas de novos concorrentes nele se infiltrarem, apesar da existência de uma rede de contratos de compra exclusiva.
107 Quanto a estes elementos, a Comissão salientou a existência de obstáculos adicionais importantes ao acesso ao mercado, tanto no comércio de produtos alimentares como no comércio tradicional. A este respeito, resulta dos pontos 135 a 138 da decisão que o acesso ao mercado de novos concorrentes é dificultado pela existência de um sistema de comodato de grande número de arcas congeladoras, postas à disposição dos retalhistas pela recorrente tanto no comércio de produtos alimentares como no comércio tradicional [cerca de (...) no total, dos quais (...) no comércio tradicional e (...) no comércio de produtos alimentares, conforme o ponto 58 da decisão], devendo os retalhistas utilizá-las em exclusivo para os produtos da recorrente.
108 O Tribunal de Primeira Instância entende que a Comissão considerou justamente que se trata de um elemento que contribui para entravar o acesso ao mercado. Efectivamente, esta circunstância tem necessariamente como consequência que qualquer novo concorrente que chegue ao mercado deve convencer o retalhista a trocar a arca congeladora instalada pela recorrente por outra, o que implica a renúncia ao volume de negócios realizado com os produtos do antigo fornecedor, ou conseguir que o retalhista aceite instalar uma arca congeladora adicional, o que pode revelar-se impossível, designadamente pela falta de espaço nos pequenos pontos de venda. Além disso, se o novo concorrente só puder oferecer uma gama de produtos limitada, o que é o caso da interveniente, pode ser-lhe difícil convencer o retalhista a rescindir o contrato com o antigo fornecedor.
109 Acresce que resulta do processo ter a recorrente garantido, no comércio de produtos alimentares, pelo menos até à época de 1992, através da concessão de bónus (...)% das vendas de gelados em embalagem individual, mantendo a exclusividade.
110 Além disso, resulta do processo que, no comércio tradicional, existe grande número de retalhistas individuais cujo volume de negócios médio é relativamente fraco. O estabelecimento de um sistema de distribuição rentável supõe, por isso, que um novo concorrente reúna grande número de retalhistas concentrados numa área geográfica definida que possam ser abastecidos por intermédio de armazéns regionais ou entrepostos centrais. A falta de intermediários independentes tem como efeito que este fraccionamento da procura representa um obstáculo adicional ao acesso ao mercado. Por último, a Comissão teve correctamente em consideração que os produtos da recorrente beneficiam de marcas que gozam de grande notoriedade.
111 Face a todas estas circunstâncias, e tendo também em conta a duração efectiva dos acordos litigiosos, que é de cerca de dois anos e meio, o Tribunal de Primeira Instância considera que resulta da análise do conjunto dos contratos semelhantes celebrados no mercado de referência, bem como dos outros elementos do contexto económico e jurídico em que estes contratos se inscrevem, tal como foram analisados acima nos n.os 107 a 110, que os acordos de compra exclusiva celebrados pela recorrente são susceptíveis de afectar de modo sensível a concorrência na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado.
112 Tendo em atenção a forte posição que a recorrente ocupa no mercado de referência e, designadamente, a parte de mercado que detém, o Tribunal de Primeira Instância considera que estes acordos contribuem de modo significativo para a compartimentação do mercado.
113 Tendo em conta todas as considerações que antecedem, o Tribunal de Primeira Instância considera, por isso, que a Comissão entendeu correctamente que os acordos litigiosos implicam uma restrição sensível à concorrência no mercado de referência. Por essa razão, não há que proceder, a este respeito, à audição das testemunhas oferecidas pela recorrente e pela interveniente.
114 Deve, assim, negar-se provimento à segunda parte do fundamento.
Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à ausência de efeitos sobre o comércio entre Estados-Membros
Resumo da argumentação das partes
115 A recorrente alega que os acordos de fornecimento não são susceptíveis de exercer influência negativa sensível sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros. Efectivamente, a obrigação de compra exclusiva só é susceptível de ter essa influência no caso de reimportação por intermediários estrangeiros, os quais, segundo a recorrente, não existem, e, provavelmente, não existirão no futuro.
116 Quanto à obrigação de não concorrência que esses acordos comportam, a recorrente alega ainda, por um lado, que a Comissão não apresentou qualquer prova de existirem noutros Estados-Membros empresas que pretendessem vender os seus produtos no mercado alemão e, por outro, que os poucos fornecimentos transfronteiriços de gelados são, na sua maior parte, fornecimentos internos a um grupo de empresas que, por isso, não constituem trocas entre Estados-Membros na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado. A este respeito, referindo-se ao ponto 75 da decisão, a recorrente acrescenta que uma empresa alemã que fabrique produtos que se destinam ao mercado alemão em locais de produção sitos em França não se torna, por isso, uma empresa francesa.
117 Na decisão, a Comissão conclui que a obrigação de compra exclusiva e a obrigação de não concorrência que os acordos litigiosos implicam constituem uma restrição à concorrência susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, dado que estes acordos podem provocar o encerramento do mercado alemão a gelados provenientes de outros Estados-Membros como, no caso presente, os gelados da Mars, que são fabricados em França.
118 Por último, no entender da Comissão, resulta da jurisprudência que ela não tem de provar que os acordos afectaram, de facto, de modo sensível as trocas entre Estados-Membros. Recorda que o artigo 85. , n. 1, do Tratado não exige esta "prova que, na maior parte dos casos, só dificilmente pode ser fornecida; mas exige que seja provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito" (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1978, Miller/Comissão, 19/77, Recueil, p. 131).
Apreciação do Tribunal
119 Convém desde logo recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, para que um acordo entre empresas seja susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado, deve permitir que se considere, com um grau de probabilidade suficiente, com base num conjunto de elementos de direito e de facto, que pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, nos fluxos de trocas entre Estados-Membros, e isso de modo a criar o receio de que possa entravar a realização de um mercado único entre Estados-Membros (v., em último lugar, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T-77/92, Colect., p. II-549, n. 39, e igualmente o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Colect., p. 2545, n. 22).
120 A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que o efeito cumulativo que resulta da existência de uma rede de contratos de exclusividade, que se alarga a todo o território de um Estado-Membro e cobre cerca de (...)% do mercado de referência (v. acima n. 105), é susceptível de impedir a penetração de concorrentes vindos de outros Estados-Membros e, por isso, de consolidar compartimentações de carácter nacional, entravando, assim, a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (v., no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1972, Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Recueil, p. 977).
121 O Tribunal de Primeira Instância considera, por isso, que a decisão conclui correctamente, no ponto 75, que os acordos litigiosos conduzem ao encerramento do mercado alemão em relação aos gelados de outros Estados-Membros, por exemplo aos gelados da Mars fabricados em França.
122 Quanto ao argumento da recorrente de que, da parte da Mars, se trata de fornecimentos transfronteiriços internos de um grupo de empresas que não constituem trocas entre Estados-Membros, deve recordar-se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esses fornecimentos podem afectar o comércio entre Estados-Membros. Assim, no acórdão de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão (240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n. 49), o Tribunal de Justiça decidiu, mesmo na ausência de compartimentação de mercados, os acordos de preços entre empresas estabelecidas num Estado-Membro e que abranjam apenas o mercado desse Estado afectam as trocas entre os Estados-Membros na acepção do artigo 85. do Tratado desde que digam respeito, mesmo que apenas em parte, a um produto proveniente de um Estado-Membro e ainda que os participantes adquiram o produto a uma sociedade do seu grupo.
123 O Tribunal de Primeira Instância considera que esta jurisprudência se aplica também aos fornecimentos transfronteiriços de um operador económico que não participa em acordos de exclusividade.
124 Daqui decorre que improcede a terceira parte do fundamento.
Quanto à quarta parte do fundamento, relativa à pretensa obrigação da Comissão de separar os contratos individuais de maneira a que uma parte deles não seja abrangida pela proibição do artigo 85. , n. 1, do Tratado
Resumo da argumentação das partes
125 A recorrente alega que o artigo 3. do Regulamento n. 17 não dá competência à Comissão para proibir contratos de exclusividade que não se enquadrem no artigo 85. , n. 1, do Tratado. Em seu entender, resulta do acórdão Delimitis, já referido, que determinado número ou determinada categoria de contratos de exclusividade, qualquer que seja o modo como se define este número ou esta categoria, não são abrangidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado. Por isso, foi erradamente que, no ponto 107 da decisão, a Comissão proibiu a totalidade dos contratos existentes, sem analisar nem determinar qual a parte dos contratos que se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado.
126 Na opinião da recorrente, é também incorrecto dizer que o artigo 85. , n. 2, do Tratado se opõe, por razões de segurança jurídica, a uma separação dos contratos que fazem parte de uma rede de acordos, o que é claramente demonstrado pelo despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Junho de 1992, proferido no processo que antecedeu a interposição do presente recurso (v. n. 8 acima).
127 Por seu lado, a Comissão alega que, de acordo com a conclusão que consta do ponto 107 da decisão, o efeito sensível sobre a concorrência averiguado no caso concreto diz respeito a todos os acordos de fornecimento celebrados pela recorrente. Perante uma rede de acordos da mesma natureza celebrados por um só e mesmo fabricante, o efeito sensível está presente ou não, sem que seja possível daí extrair determinados elementos. O artigo 85. , n. 1, do Tratado não permite separar contratos individuais ou redes de acordos de modo a que uma parte "não sensível" possa ser subtraída à proibição que esse artigo impõe, tendo, por outro lado, uma tal repartição carácter arbitrário.
128 A Comissão acrescenta, por outro lado, que o artigo 85. , n. 2, do Tratado se opõe à separação por razões de segurança jurídica, em especial no caso de redes de acordos.
Apreciação do Tribunal
129 Deve desde logo salientar-se que resulta da jurisprudência que uma rede de contratos de compra exclusiva celebrados por um único fornecedor pode escapar à proibição do artigo 85. , n. 1, desde que não contribua de modo significativo, com o conjunto dos contratos semelhantes existentes no mercado, incluindo os dos outros fornecedores, para fechar o acesso ao mercado a novos concorrentes nacionais e estrangeiros (v. acórdão Delimitis, já referido, n.os 23 e 24). O Tribunal de Primeira Instância considera que isto implica que, perante uma rede de acordos semelhantes celebrados por um único produtor, a apreciação efectuada quanto aos efeitos dessa rede sobre a concorrência se aplica a todos os contratos individuais que constituem a rede. Além disso, deve acrescentar-se que a Comissão é obrigada a analisar os dados reais do caso concreto e não pode basear-se em situações hipotéticas para avaliar da aplicabilidade do artigo 85. , n. 1, do Tratado. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considera, como a Comissão salientou, que a circunstância de, no caso concreto, repartir os contratos litigiosos por diferentes categorias hipotéticas pode ter natureza arbitrária.
130 Prosseguindo, quanto ao despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Junho de 1992, já referido, invocado pela recorrente para demonstrar que as razões de segurança jurídica não são contrárias a uma separação dos seus contratos, deve recordar-se que este despacho, que suspendeu a aplicação da decisão da Comissão de 25 de Março de 1992, salvo no que diz respeito aos pontos de venda exclusivos da recorrente e da Schoeller nas estações de serviço, foi proferido no âmbito de um pedido de medidas provisórias. A medida ordenada, decidida após a ponderação dos diversos interesses das partes em litígio, destinava-se a remediar um risco de prejuízo grave e irreparável tanto para a Mars como para a recorrente. O despacho tinha, por isso, uma finalidade especial e o Tribunal de Primeira Instância considera, consequentemente, que não pode ser invocado para afirmar que a Comissão era obrigada a separar os contratos individuais para apreciar se eram abrangidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado.
131 O Tribunal de Primeira Instância considera, por isso, que um feixe de contratos semelhantes deve ser apreciado no seu conjunto e, consequentemente, que a Comissão actuou correctamente ao não proceder ao fraccionamento dos contratos. Daqui decorre que deve ser negado provimento a esta parte do fundamento.
132 Do que antecede resulta que deve ser negado provimento ao fundamento baseado na violação do artigo 85. , n. 1, do Tratado.
Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 85. , n. 3, do Tratado
133 A recorrente alega que, na hipótese de os acordos litigiosos serem, não obstante, abrangidos pela proibição do artigo 85. , n. 1, do Tratado, podem beneficiar quer de uma isenção por categoria nos termos do Regulamento n. 1984/83, quer de uma isenção individual. O fundamento divide-se em quatro partes. Em primeiro lugar, a recorrente entende que a Comissão considerou erradamente que todos os acordos litigiosos são celebrados por um período indeterminado e que, consequentemente, nos termos do artigo 3. , alínea d) do Regulamento n. 1984/83, a isenção prevista neste regulamento não lhes é aplicável. Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Comissão não pode retirar o benefício da isenção prevista no Regulamento n. 1984/83, nos termos do artigo 14. , alíneas a) e b), do referido regulamento, dado que estas disposições não são aplicáveis ao caso presente, uma vez que a recorrente deduziu a este respeito uma excepção de ilegalidade. Em terceiro lugar, a recorrente alega que, mesmo supondo que as referidas disposições sejam aplicáveis, a Comissão não tinha o direito de retirar o benefício de isenção por categoria, uma vez que estavam preenchidas as condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado. A este respeito, afirma, por outro lado, que os acordos podem beneficiar de isenção individual. Em quarto e último lugar, a recorrente alega que a Comissão, ao retirar o benefício da isenção por categoria a todos os acordos litigiosos, violou o princípio da proporcionalidade.
Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à duração dos contratos litigiosos
Resumo da argumentação das partes
134 Quanto à duração dos contratos de exclusividade, a recorrente afirma liminarmente que, dado que a duração fixa de dois anos prevista em determinados contratos litigiosos corresponde, na prática, apesar da cláusula de prorrogação automática de um ano, à sua efectiva duração, uma vez que os gerentes dos pontos de venda rescindem os respectivos contratos o mais cedo possível para tentarem obter uma melhoria das condições contratuais, a Comissão considerou erradamente que todos os acordos de fornecimento são celebrados por período indeterminado e que, consequentemente, nos termos do artigo 3. , alínea d), do Regulamento n. 1984/83, não lhes é aplicável a isenção prevista no mesmo regulamento. Com efeito, a recorrente considera que, se o gerente de um ponto de venda rescinde o seu contrato e a relação contratual é restabelecida em seguida, existe um novo contrato que fixa um novo prazo determinado.
135 Em qualquer caso, as reservas suscitadas pela Comissão a este respeito, no ponto 112 da decisão, deixarão em breve de ter objecto, segundo a recorrente. Efectivamente, os únicos contratos a levantar problemas são os contratos que prevêem uma duração fixa de dois anos e prorrogação automática de um ano no final de cada período contratual. Durante a fase escrita do processo, a recorrente salientou que está a alterar a sua prática contratual adoptando uma cláusula que prevê que a duração do contrato não pode em caso algum ultrapassar cinco anos.
136 A Comissão alega que, tal como referiu no ponto 112 da decisão, os acordos que pertencem ao tipo "contratos que são concluídos por um período fixo de dois anos, no máximo, sendo em seguida prorrogados automaticamente" são celebrados "por tempo indeterminado" na acepção do artigo 3. , alínea d), do Regulamento n. 1984/83, dado que o seu termo depende de um acontecimento futuro incerto. A possibilidade de rescindir estes contratos em cada ano, dentro de determinado prazo que decorre durante o período da prorrogação automática, não altera a apreciação jurídica. A Comissão entende, assim, que estes acordos de fornecimento não podem beneficiar da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83.
Apreciação do Tribunal
137 Deve lembrar-se que resulta da redacção do artigo 3. , alínea d) do Regulamento n. 1984/83 que a isenção por categoria nele prevista não é aplicável se o acordo em questão for celebrado por tempo indeterminado. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que, na prática, não existe diferença entre, por um lado, um contrato celebrado expressamente por tempo indeterminado, com a possibilidade de as partes rescindirem as suas relações contratuais, modalidade excluída pelo artigo 3. , alínea d), do Regulamento n. 1984/83 do benefício da isenção por categoria prevista no mesmo regulamento e, por outro, um contrato que, como no caso presente, é objecto de renovação tácita, decorridos dois anos, até ser rescindido por um dos contratantes. Em ambos os casos, os contratantes não são obrigados, mas sim livres de, se o desejarem, reconsiderarem a sua relação contratual e analisarem as outras possibilidades que existem no mercado. Ora, esta análise, que o artigo 3. , alínea d), do Regulamento n. 1984/83 tem como finalidade exigir, pode dar oportunidade para novos concorrentes terem acesso aos retalhistas, desvinculados de qualquer compromisso. Além disso, e como a Comissão faz no ponto 113 da decisão, há que ter em conta que o elemento determinante para a apreciação destes contratos do ponto de vista do direito da concorrência consiste em que a sua duração não é certa, dado que depende da iniciativa de uma das partes no contrato.
138 Daqui decorre que os contratos sujeitos a prorrogações automáticas que podem ultrapassar cinco anos devem ser considerados como celebrados por tempo indeterminado e, por isso, não podem beneficiar da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83. Deve, assim, ser negado provimento à primeira parte do fundamento.
Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à inaplicabilidade do disposto no artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83
Resumo da argumentação das partes
139 A recorrente alega que, no que diz respeito aos contratos cuja duração obedeça às exigências do artigo 3. do Regulamento n. 1984/83, e que possam, consequentemente, beneficiar da isenção por categoria prevista no mesmo regulamento, a Comissão não pode retirar o benefício dessa isenção pelo facto de o acesso ao comércio especializado tradicional ser dificultado de maneira importante devido a contratos de exclusividade celebrados pelos seus concorrentes e por ela própria, nem pelo facto de os produtos gelados distribuídos através do canal de comércio especializado tradicional não estarem "sujeitos... à concorrência efectiva" de outros produtos gelados, uma vez que as correspondentes disposições, ou seja, o artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83, são inaplicáveis, por carecerem de fundamento jurídico.
140 Em apoio desta afirmação, a recorrente alega que a base jurídica do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, ou seja, o artigo 7. do Regulamento n. 19/65/CEE do Conselho, de 2 de Março de 1965, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado a certas categorias de acordos e práticas concertadas (JO 1965, 36, p. 533; EE 08 F1 p. 85, a seguir "Regulamento n. 19/65"), prevê que a Comissão só pode retirar o benefício de isenção por categoria quando os acordos que beneficiam dessa isenção "têm... certos efeitos que são incompatíveis com as condições previstas no n. 3 do artigo 85. do Tratado".
141 Contudo, observa a recorrente, o artigo 14. , alínea a), do Regulamento n. 1984/83 exige, além disso, que os produtos em causa estejam sujeitos à "concorrência efectiva" de outros produtos. Ora, o artigo 85. , n. 3, do Tratado exige apenas, para que o acordo possa beneficiar da isenção, que não dê às empresas interessadas "... a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa". Além disso, o artigo 14. , alínea b), do referido regulamento põe como condição que o acordo isento não dificulte de maneira importante "o acesso de outros fornecedores aos diferentes estádios da distribuição...", exigência que se não encontra no artigo 85. , n. 3, do Tratado. Embora, sem dúvida, seja possível interpretar o artigo 14. , alínea a), numa acepção conforme com o artigo 85. , n. 3, do Tratado, isso já não é, porém, possível, no entender da recorrente, no que diz respeito ao artigo 14. , alínea b). Por isso, a Comissão fundamentou erradamente a sua decisão ao referir-se ao disposto no artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, dado que um regulamento da Comissão que excede os poderes que lhe foram conferidos pela disposição em que se baseia é ilegal e, por isso, inaplicável ao presente caso, no todo ou em parte, a menos que possa ser interpretado na acepção daquela disposição (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1971, Tradax, 38/70, Colect. 1971, p. 41).
142 No entender da Comissão, o conteúdo normativo do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83 e o do artigo 7. do Regulamento n. 19/65 são idênticos, de modo que a questão da inaplicabilidade da primeira disposição não se coloca. Por um lado, o disposto no artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83 tem apenas carácter indicativo, na medida em que descreve algumas das situações em que a Comissão pode fazer uso do seu poder de retirar o benefício da isenção previsto no regulamento [v. comunicação respeitante aos Regulamentos (CEE) n. 1983/83 e (CEE) n. 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativos à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado a certas categorias, respectivamente, de acordos de distribuição exclusiva e de acordos de compra exclusiva (JO 1984, C 101, p. 2; EE 08 F2 p. 126)]. Por outro lado, também no entender da Comissão, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se a eliminação da concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa constitui um obstáculo à isenção, isso é igualmente válido para os diferentes estádios da distribuição na acepção do artigo 14. , alínea b), do Regulamento n. 1984/83 (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Itália/Conselho e Comissão, 32/65, Colect. 1965-1968, p. 483, e Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido).
143 Além disso, a Comissão considera que do acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão resulta que a preocupação dos autores do Tratado de manter as possibilidades de concorrência efectiva ou potencial no mercado, nos casos em que são admitidas restrições à concorrência, não exclui os diferentes estádios da distribuição.
Apreciação do Tribunal
144 Deve liminarmente recordar-se que a questão de saber se a Comissão retirou erradamente o benefício de isenção por categoria, nos termos do disposto no artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83, pelo facto de estas disposições não serem aplicáveis ao caso presente, diz apenas respeito aos contratos celebrados por um período máximo de cinco anos e que, por isso, no entender da Comissão, preenchem as condições referidas no artigo 3. , alínea d), do referido regulamento (v. ponto 114 da decisão), uma vez que os contratos que pertencem ao tipo "contratos que são concluídos por um período fixo de dois anos, no máximo, sendo em seguida prorrogados automaticamente", bem como os contratos com duração superior a cinco anos, não estão abrangidos pela isenção prevista no artigo 1. do referido regulamento.
145 O Tribunal de Primeira Instância reconhece desde logo que resulta, por um lado, do artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83, que a Comissão tem capacidade para retirar o benefício da isenção prevista nesse regulamento, que não está por definição condicionada à verificação de que estão efectivamente preenchidas as condições da isenção exigidas pelo artigo 85. , n. 3, do Tratado, quando, após análise individual de cada caso concreto, verifique que os acordos isentados pelo regulamento não preenchem todas as condições exigidas pelo referido artigo 85. , n. 3, do Tratado.
146 Esta regulamentação está em conformidade com o artigo 7. do Regulamento n. 19/65, base jurídica do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, que prevê que a Comissão pode retirar o benefício da aplicação de um regulamento de isenção por categoria desde que verifique que acordos ou práticas concertadas têm determinados efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado.
147 Resulta, por outro lado, da redacção do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83 que as disposições contidas nas alíneas a) e b), precedidas do advérbio "nomeadamente", constituem uma enumeração a título de exemplo, dos casos em que as empresas podem esperar que uma decisão da Comissão lhes retire o benefício da isenção por categoria.
148 Deve ainda recordar-se que o Tribunal de Justiça, no acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido, decidiu, a respeito da quarta condição exigida para beneficiar da isenção da proibição prevista no artigo 85. , n. 1, do Tratado, que "a preocupação dos autores do Tratado em conservar no mercado, no caso em que as restrições à concorrência são admitidas, as possibilidades de uma concorrência efectiva ou potencial está expressamente referida no artigo 85. , n. 3, alínea b), do Tratado". A condição da manutenção da concorrência efectiva, na acepção do artigo 14. , alínea a), do Regulamento n. 1984/83, está, por isso, incluída nos poderes conferidos pelo artigo 7. do Regulamento n. 19/65.
149 Daqui decorre que deve ser negado provimento ao argumento da recorrente baseado na pretensa inaplicabilidade do referido artigo 14. , alínea a), do Regulamento n. 1984/83.
150 Resulta também da jurisprudência, por um lado, que o princípio da liberdade da concorrência se aplica aos diferentes estádios e aspectos da mesma (v. acórdão de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 23) e, por outro, que a redacção do artigo 85. , n. 1, do Tratado não faz qualquer distinção entre operadores concorrentes no mesmo estádio, ou entre operadores não concorrentes operando em estádios diferentes, e que não pode ser feita distinção onde o Tratado não distingue (v. acórdão Itália/Conselho e Comissão, já referido).
151 Daqui resulta que o artigo 85. , n. 1, do Tratado, aplica-se tendencialmente a todos os estádios do processo económico e também às relações da concorrência entre fornecedores respeitantes, como no caso presente, ao acesso aos diferentes pontos de venda.
152 Uma vez que, nos termos do artigo 85. , n. 3, alínea b), do Tratado, o disposto no n. 1 não pode ser declarado inaplicável a acordos que dêem "a empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa", o Tribunal de Primeira Instância, à luz das considerações que antecedem, considera que a Comissão pode também, se for caso disso, nos termos do artigo 85. , n. 3, alínea b), do Tratado, retirar o benefício de uma isenção por categoria se o acesso de outros fornecedores aos diferentes pontos de venda se encontrar fortemente entravado, na acepção do artigo 14. , alínea b), do Regulamento n. 1984/83.
153 O argumento da recorrente de que o artigo 14. , alínea b), do Regulamento n. 1984/83 não é abrangido pelos poderes conferidos pelo artigo 7. do Regulamento n. 19/65 carece, por isso, de fundamento.
154 Nestas circunstâncias, deve ser negado provimento à segunda parte do fundamento.
Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à questão de saber se os acordos de fornecimento satisfazem as condições do artigo 85. , n. 3, do Tratado
Resumo da argumentação das partes
155 A recorrente alega que o artigo 7. do Regulamento n. 19/65, que faz referência aos artigos 6. e 8. do Regulamento n. 17, deve ser interpretado no sentido de que a Comissão só pode retirar o benefício da isenção por categoria se apresentar prova de que as condições do artigo 85. , n. 3, do Tratado não estavam preenchidas desde o início ou deixaram posteriormente de o estar, o que não sucede no caso presente.
156 Daqui conclui a recorrente que, dado que a Comissão não provou estar preenchida uma das condições da aplicação do artigo 8. , n. 3, do Regulamento n. 17, não poderá retirar o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83.
157 No entender da recorrente, os contratos de exclusividade em questão continuam a estar abrangidos pelo artigo 85. , n. 3, do Tratado e, por isso, são também susceptíveis de beneficiar de isenção individual. Neste contexto, a recorrente esclarece que os acordos de fornecimento que celebrou não estão sujeitos à obrigação de notificação à Comissão. Estes acordos, com efeito, enquadram-se na categoria referida no artigo 4. , n. 2, ponto 1, do Regulamento n. 17, mesmo fazendo a recorrente parte de um grupo internacional.
158 Desde logo, a recorrente afirma, referindo-se ao quinto e sexto considerandos do Regulamento n. 1984/83, que os acordos de fornecimento provocam uma melhoria na distribuição dos produtos. Com efeito, a recorrente refere que foi graças a estes acordos que se tornaram possíveis o abastecimento regular em todo o território e a oferta de uma gama alargada de gelados de alta qualidade. Sem a implementação das redes de distribuição existentes, das quais a dependência exclusiva em que se encontram os pontos de venda relativamente a determinado produtor é uma das componentes essenciais, grande número de pequenos e médios pontos de venda nunca teriam aceite a venda de gelados. Se cada ponto de venda fosse livre de, de tempos a tempos, vender produtos de outros produtores, a eficácia do sistema de distribuição não poderia ser garantida, por não ser possível manter a sua rentabilidade. Em consequência, o constante abastecimento dos pontos de venda de gamas completas de produtos estaria em perigo. A recorrente afirma que a criação de novos mercados para gelados através dos contratos de exclusividade constitui também, ao contrário do que a Comissão entende, um benefício objectivo para o interesse geral.
159 A recorrente considera ainda, referindo-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Recueil, p. 1875), que o abastecimento regular constitui para os utilizadores um benefício bastante para poder ser considerado como uma parte equitativa do lucro que resulta das melhorias provocadas pela restrição de concorrência admitida pela Comissão. Além disso, a recorrente afirma que, se os contratos de exclusividade fossem suprimidos, os custos da distribuição e os preços ao consumidor aumentariam consideravelmente em prejuízo dos consumidores.
160 Por último, no entender da recorrente, a apreciação da existência da concorrência efectiva no mercado em causa não depende da questão de saber se e em que medida o acesso ao comércio especializado tradicional é dificultado fortemente devido à existência de contratos de exclusividade. Mesmo numa tal hipótese, cuja realidade contesta, pode, apesar disso, ser exercida uma concorrência efectiva no mercado de gelados. Com efeito, no entender da recorrente, existe concorrência efectiva em matéria de preços, qualidade e gamas de produtos e serviços no mercado, o que a variação da sua parte de mercado e a da Schoeller claramente mostram.
161 A recorrente entende que, perante estas considerações, o benefício da isenção por categoria também não pode ser retirado mesmo que, ao contrário da sua tese, seja aplicável o disposto no artigo 14. , alíneas a) e b), do Regulamento n. 1984/83.
162 A Comissão entende, pelo contrário, que, nos termos do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, há que retirar o benefício de isenção por categoria previsto nesse regulamento, dado que os acordos de fornecimento não preenchem as condições constantes do artigo 85. , n. 3, do Tratado.
163 A este respeito, a Comissão recorda liminarmente que a isenção por categoria, ao contrário da isenção individual, não está, por definição, condicionada à verificação, caso por caso, de que as condições de isenção exigidas no Tratado estão efectivamente preenchidas. É, portanto, errado sustentar que as condições previstas no artigo 8. , n. 3, do Regulamento n. 17, no que respeita à revogação de uma isenção individual, são determinantes em caso de retirada da isenção por categoria nos termos do artigo 14. do Regulamento n. 1984/83. Segundo a Comissão, e nos termos deste artigo, era necessário analisar se, no presente caso, os acordos de fornecimento tinham efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, o que ela justamente fez.
164 A Comissão afirma, desde logo, que os acordos de fornecimento não contribuem para melhorar a distribuição de produtos na acepção do artigo 85. , n. 3, dado que estes acordos não contêm benefícios objectivos e concretos para o interesse geral, tal como foi definido no acórdão Consten e Grundig/Comissão, já referido, capazes de compensar os inerentes inconvenientes para a concorrência.
165 Tendo em conta a forte posição que a recorrente ocupa no mercado, a Comissão considera que os benefícios derivados dos acordos de compra exclusiva, ou seja, o reforço da concorrência entre produtos de marcas diferentes, não se verificam no caso presente. Pelo contrário, a concorrência no mercado é limitada pela existência de uma rede de acordos de compra exclusiva que constitui importante obstáculo ao acesso ao mercado e, consequentemente, a posição da recorrente em relação aos seus concorrentes encontra-se consideravelmente reforçada. Acresce que a Comissão entende que o abastecimento regular dos consumidores em todo o território não é posto em perigo em caso de desaparecimento dos acordos de exclusividade.
166 A seguir, a Comissão alega que, devido ao facto de os contratos de exclusividade conduzirem a um sistema de distribuição homogénea e transparente, não pode pressupor-se que os utilizadores participam de modo equitativo nos benefícios que resultam dos acordos. Efectivamente, as empresas não são obrigadas a repercutir o lucro que resulta dos referidos acordos na falta de uma pressão exercida por uma concorrência efectiva. Além disso, os acordos limitam as possibilidades de escolha dos consumidores, que apenas encontram a gama de gelados de determinado produtor nos pontos de venda que lhe estão vinculados.
167 Por último, a Comissão entende que a condição negativa constante do artigo 85. , n. 3, alínea b), do Tratado está preenchida, dado que não existe no mercado de referência uma concorrência efectiva. No que diz respeito, por um lado, ao comércio de produtos alimentares, a Comissão alega que as fortes posições ocupadas pela recorrente e pela Schoeller, que em conjunto realizam mais de dois terços do volume de vendas neste canal de distribuição, bem como a concentração da procura, constituem importante obstáculo ao acesso ao mercado. Por outro lado, quanto ao comércio tradicional, o acesso ao mercado é em grande parte dificultado pelo efeito cumulativo do conjunto dos acordos de exclusividade em vigor. Se se analisarem as vendas efectuadas pela recorrente por intermédio dos revendedores vinculados por contratos de exclusividade, incluindo os grossistas, em comparação com as quantidades totais vendidas pela recorrente em 1991, obtém-se, segundo a Comissão, uma percentagem de pontos de venda vinculados pelos contratos de exclusividade de (...)% (mais de 50%).
168 O efeito de compartimentação do mercado que resulta dos contratos de exclusividade pode ser atenuado por uma duração relativamente curta dos contratos, o que não é, contudo, o caso presente, dado que os contratos têm períodos de duração fixos que vão até dois anos com possibilidade de prorrogação por tempo indeterminado. Além disso, a Comissão considera que o sistema de empréstimos de arcas congeladoras posto em prática pela recorrente e pela Schoeller em todo o mercado implica também restrições à concorrência.
169 A interveniente Mars contesta que a celebração de contratos de exclusividade e a instituição de um sistema de distribuição próprio do produtor sejam indispensáveis à eficaz e racional distribuição no mercado de referência de gelado industrial. A Mars afirma que os sistemas de transporte dos produtores, como os organizados pela recorrente e pela Schoeller, constituem uma situação absolutamente excepcional. Os produtos ditos "de impulso" são, regra geral, fornecidos pelo produtor aos entrepostos centrais dos grossistas, que reúnem e entregam as encomendas nos diferentes pontos de venda.
170 A este respeito, a Mars recorda que o grupo Unilever, do qual a recorrente faz parte, pediu à sua filial irlandesa, em carta de 30 de Outubro de 1974, que pusesse termo aos contratos de exclusividade relativos aos pontos de venda e se limitasse à exclusividade da utilização das arcas congeladoras. Isto mostra que os contratos de exclusividade não são necessários.
171 No entender da Mars, a recorrente não tem razão ao afirmar que os grossistas não têm nem vontade nem meios para abastecer o comércio tradicional. Se os grossistas não podem abastecer o número de pontos de venda necessários para que se consiga uma distribuição racional, isso deve-se, em sua opinião, aos contratos de exclusividade litigiosos que vinculam grande número de pontos de venda.
172 O sistema aplicado pela recorrente tem como efeito impedir quase totalmente o acesso de novos concorrentes ao mercado dos gelados designados "de impulso", que produz lucros muito importantes. Por último, e no entender da Mars, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não é pelo facto de uma empresa ter criado um mercado que tem o direito de manter a sua posição no mesmo por meio da celebração de contratos de exclusividade (v. acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido).
Apreciação do Tribunal
173 A título liminar, deve analisar-se o argumento da recorrente de que o artigo 7. do Regulamento n. 19/65 deve ser interpretado no sentido de que a Comissão, no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 14. do Regulamento n. 1984/83, deve respeitar as condições previstas no artigo 8. , n. 3, do Regulamento n. 17, pelo que apenas pode retirar o benefício da isenção por categoria se a situação de facto se alterar em relação a um elemento essencial para a isenção.
174 A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância lembra que, nos termos do artigo 8. , n. 3, alínea a), do Regulamento n. 17, a Comissão pode revogar ou alterar uma decisão de isenção se a situação de facto se alterar em relação a um elemento essencial para a decisão. Tratando-se de uma condição relativa à revogação de decisões formais, adoptadas nos termos do artigo 85. , n. 3, do Tratado, esta disposição não deverá aplicar-se quando a Comissão decide retirar o benefício de isenção por categoria uma vez que, neste caso, não existe decisão formal a revogar. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância reconhece, tal como a Comissão salientou, que uma isenção por categoria não está sujeita, por definição, à verificação caso a caso de que os requisitos de isenção constantes do Tratado estão efectivamente preenchidos (v., a este respeito, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Tetra Pak/Comissão, T-51/89, Colect., p. II-309).
175 Nestas circunstâncias, deve, por isso, declarar-se que o artigo 7. do Regulamento n. 19/65 não pode ser interpretado no sentido de que uma decisão de revogação do benefício de isenção por categoria só pode ter lugar com observância da condição prevista no artigo 8. , n. 3, alínea a), do Regulamento n. 17. Improcede, portanto, o argumento da recorrente neste sentido.
176 A fim de apreciar ainda se a Comissão tinha o direito de retirar o benefício da isenção por categoria, deve examinar-se a análise que a Comissão fez da questão de saber se os acordos litigiosos preenchem ou não as condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, para as quais remetem os artigos 7. do Regulamento n. 19/65 e 14. do Regulamento n. 1984/83. Deve salientar-se que, caso esta análise mostre que os acordos litigiosos não preenchem as condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, este resultado implica também que, ao contrário do que a recorrente afirma, não possam beneficiar de isenção individual.
177 A este respeito, deve desde logo recordar-se que a tomada de uma decisão individual de isenção por parte da Comissão está subordinada, designadamente, à condição de se mostrarem preenchidas cumulativamente pelo acordo em questão as quatro condições enunciadas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, de forma que basta que falte uma das quatro condições para que a isenção deva ser recusada (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1994, T-17/93, Matra Hachette/Comissão, Colect., p. II-595, n. 104).
178 O Tribunal de Primeira Instância lembra ainda que a Comissão detém um largo poder de apreciação na matéria. O poder exclusivo conferido à Comissão, nos termos do artigo 9. do Regulamento n. 17, de conceder uma isenção, nos termos do artigo 85. , n. 3, do Tratado, implica necessariamente apreciações complexas em matéria económica. O controlo judicial dessas apreciações deve respeitar este carácter limitando-se à análise dos factos materiais e das qualificações jurídicas que a Comissão deles deduz. O controlo jurisdicional exerce-se, por isso, em primeiro lugar, sobre a fundamentação das decisões que, face às referidas apreciações, deve esclarecer os factos e as considerações em que se baseiam (v. acórdão Consten e Grundig/Comissão, já referido). É à luz destes princípios, desenvolvidos pela jurisprudência, que há que analisar se a decisão se baseia em factos materiais inexactos, se não está viciada por erros de direito ou de apreciação manifestos (v. acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido, n. 104).
179 Resulta, além disso, da jurisprudência bem assente que, caso seja pretendida uma isenção nos termos do artigo 85. , n. 3, compete, em primeiro lugar, às empresas interessadas apresentarem à Comissão os elementos de prova susceptíveis de mostrar que o acordo preenche as condições impostas pelo artigo 85. , n. 3, do Tratado (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça Remia e o./Comissão, já referido, e de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19).
180 Quanto à análise da primeira das quatro condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, o Tribunal de Primeira Instância lembra que, nos termos desta disposição, os acordos susceptíveis de ser isentos são aqueles "que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico". A este respeito, deve salientar-se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a melhoria não pode ser identificada com todos os benefícios que os participantes retiram do acordo no que diz respeito à respectiva actividade de produção ou distribuição. Esta melhoria deve, designadamente, apresentar vantagens objectivas sensíveis, de modo a compensar os inconvenientes que o acordo implica no plano da concorrência (v. acórdão Consten e Grundig/Comissão, já referido).
181 O Tribunal de Primeira Instância salienta que, no caso presente, a análise desta primeira condição é objecto dos pontos 116 a 122 da decisão. Embora resulte do quinto considerando do Regulamento n. 1984/83 que os acordos de compra exclusiva conduzem, em geral, a uma melhoria da distribuição, dado que permitem ao fornecedor planificar a venda dos seus produtos de maneira mais exacta e com maior antecedência e, dessa forma, assegurar ao revendedor um abastecimento regular durante o período de vigência do acordo, e mesmo supondo que a recorrente, por razões de custo, seja obrigada a terminar com o abastecimento de determinados pequenos pontos de venda se for obrigada a renunciar ao seu abastecimento exclusivo, a Comissão considera, apesar disso, que os contratos litigiosos não geram benefícios objectivos e concretos para o interesse geral susceptíveis de compensar os inconvenientes inerentes para a concorrência.
182 Em apoio desta afirmação, a Comissão realça, por um lado, que tendo em conta a forte posição que a recorrente ocupa no mercado de referência, e ao contrário da expectativa expressa pelo sexto considerando do Regulamento n. 1984/83, os acordos em litígio não têm como efeito intensificar a concorrência entre produtos de marcas diferentes. Efectivamente, a Comissão considerou correctamente que a rede de acordos em causa constitui um obstáculo importante ao acesso ao mercado, que tem como efeito limitar a concorrência. Embora a recorrente tenha alegado a este respeito que a criação de novos mercados para gelado traz benefícios objectivos ao interesse geral, tal como este foi definido pela jurisprudência, o Tribunal de Primeira Instância considera, contudo, que a recorrente não adiantou matéria de facto susceptível de contestar seriamente a análise feita pela Comissão no que respeita aos obstáculos ao acesso ao mercado originados pelos acordos de fornecimento e o enfraquecimento da concorrência que consequentemente daí resulta.
183 Por outro lado, decorre do ponto 121 da decisão que a Comissão considerou que o abastecimento dos pequenos pontos de venda eventualmente abandonados pela recorrente por razões de custos, seria garantido quer por outros fornecedores, por exemplo os pequenos produtores locais, quer por intermediários independentes que comercializem vários tipos de oferta.
184 Neste contexto, deve recordar-se que a interveniente Mars salientou que é absolutamente excepcional que os produtos designados "de impulso" sejam distribuídos por um sistema de transporte próprio dos produtores. De facto, é dado como assente entre as partes que só na Alemanha, na Dinamarca e na Itália as empresas do grupo Unilever celebraram contratos de exclusividade relativos aos pontos de venda.
185 É útil salientar que, no que respeita à carta de 30 de Outubro de 1974, invocada pela Mars, na qual o grupo Unilever solicita à sua filial irlandesa que ponha termo aos contratos de exclusividade relativos aos pontos de venda e que se limite à exclusividade na utilização das arcas congeladoras, a recorrente, durante a fase oral do processo, explicou que a melhor forma de proceder à distribuição de gelado nos diversos mercados nacionais dos Estados-Membros foi, no passado, resolvida de diferentes maneiras pelas sociedades do grupo Unilever. A este respeito, a recorrente acrescentou que adoptou a sua própria posição tendo em conta as condições materiais vigentes no mercado alemão.
186 Contudo, a recorrente não demonstrou de modo convincente quais eram as condições particulares na Alemanha que implicaram a necessidade de criar um sistema de distribuição próprio pelos produtores e também não adiantou elementos susceptíveis de contrariar a afirmação da Comissão no que respeita à vontade e capacidade dos grossistas de garantirem uma distribuição de gelado que abranja todo o território. O Tribunal de Primeira Instância entende, por isso, que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os acordos litigiosos não preenchem a primeira condição referida no artigo 85. , n. 3, do Tratado. Considerando-se suficientemente esclarecido pelos documentos do processo, o Tribunal de Primeira Instância considera que não há que proceder à audição de testemunhas sobre a necessidade de um sistema de distribuição próprio dos produtores ou quanto à estratégia comercial da interveniente, conforme a recorrente propôs, nem quanto à vontade e capacidade dos grossistas para abastecer os retalhistas do comércio tradicional ou sobre as restrições à concorrência que os contratos de exclusividade implicam, conforme sugeriu a interveniente.
187 Dado que os acordos litigiosos não preenchem a primeira das condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, deve, assim, ser negado provimento à terceira parte do fundamento, sem que seja necessário apreciar se a Comissão cometeu um erro manifesto no que respeita à apreciação das outras condições previstas na mesma disposição, uma vez que basta que falte uma das quatro condições para que a isenção deva ser recusada.
Quanto à quarta parte do fundamento, relativa à questão de saber se a proibição total dos acordos de fornecimento é contrária ao princípio da proporcionalidade
Resumo da argumentação das partes
188 A recorrente alega que, ao retirar o benefício de isenção por categoria, a Comissão, nos termos do artigo 3. , do Regulamento n. 17, só pode proibir os contratos de exclusividade até então isentos na medida em que esses contratos sejam incompatíveis com o artigo 85. , n. 1, do Tratado e em que não sejam susceptíveis de beneficiar de uma isenção. A circunstância de a Comissão ter retirado totalmente o benefício de isenção por categoria, sem admitir qualquer excepção parcial, é incompatível não apenas com os princípios fixados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, mas também com o princípio da proporcionalidade. Na opinião da recorrente, a Comissão é obrigada a verificar oficiosamente se, de entre os acordos de fornecimento, certo número deles podem, apesar disso, beneficiar de uma isenção individual devido à ausência de efeito cumulativo mencionado pelo Tribunal de Justiça no processo referido.
189 A este respeito, a recorrente remete para o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1992 que, em seu entender, refere uma das numerosas possibilidades que permitem reconduzir uma rede de contratos de exclusividade a um nível admitido pelas regras da concorrência.
190 No ponto 148 da decisão, a Comissão entendeu que, devido à forte posição que a recorrente ocupa no mercado e às protecções múltiplas de que beneficia, a totalidade dos contratos não preenche as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado.
191 Além disso, durante a fase escrita do processo, a Comissão afirmou que a retirada do benefício da isenção por categoria não é uma medida desproporcionada. A este respeito, a Comissão acrescentou que, no âmbito da análise prevista no artigo 85. , n. 3, do Tratado, não é legalmente obrigada a dar indicações sobre eventuais soluções alternativas.
Apreciação do Tribunal
192 Deve, desde logo, lembrar-se que o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para atingir a finalidade pretendida (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171).
193 No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se a Comissão é obrigada a analisar oficiosamente se, após a retirada do benefício da isenção por categoria, determinado número de acordos de fornecimento podem, apesar disso, beneficiar de isenção individual devido à ausência de efeito cumulativo referido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido, deve lembrar-se que cabe em primeiro lugar às empresas interessadas apresentar à Comissão elementos de prova susceptíveis de demonstrar que um acordo preenche as condições impostas pelo artigo 85. , n. 3, do Tratado (v. acima n. 179). Se é certo que a Comissão, por sua parte, pode dar às empresas indicações sobre eventuais soluções alternativas, não é legalmente obrigada a fazê-lo e, menos ainda, a aceitar propostas que considere incompatíveis com as condições do artigo 85. , n. 3 (v. acórdão VBVB e VBBB/Comissão, já referido). O Tribunal de Primeira Instância entende que esta jurisprudência se deve igualmente aplicar ao caso presente, de forma que, num processo de aplicação do artigo 85. do Tratado, a Comissão não é obrigada a indicar quais os acordos que apenas contribuem de modo não significativo para o eventual efeito cumulativo produzido por acordos similares no mercado. Acresce que, como aliás se referiu acima no n. 129, uma tal separação de contratos semelhantes é susceptível de assumir carácter arbitrário, dado que a Comissão é obrigada a analisar de modo concreto a relevância efectiva da rede de contratos sobre a concorrência.
194 Pelas razões já acima expostas, no n. 130, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Junho de 1992 não pode ser invocado em apoio do argumento da recorrente.
195 No caso concreto, a Comissão considerou que a totalidade dos contratos não preenche as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância verifica que a recorrente não adiantou elementos de facto susceptíveis de demonstrar que determinado número de acordos preenchem as condições referidas no artigo 85. , n. 3, do Tratado. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância considera que a recorrente não demonstrou que a decisão da Comissão está viciada de erro manifesto de apreciação ou que constitui violação do princípio da proporcionalidade. Deve, assim, ser negado provimento à quarta parte do fundamento.
196 Tendo em conta todas as considerações que antecedem, deve ser negado provimento ao quarto fundamento.
Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 3. do Regulamento n. 17
Resumo da argumentação das partes
197 No entender da recorrente, o artigo 4. da decisão carece totalmente de base jurídica. Não existe fundamento jurídico que dê competência à Comissão para proibir de futuro a recorrente de celebrar qualquer contrato de exclusividade.
198 Referindo-se ao acórdão Delimitis, a recorrente afirma que é também inconcebível que qualquer contrato de exclusividade que no futuro ela possa celebrar com um ponto de venda do comércio especializado tradicional seja incompatível com o artigo 85. , n. 1, do Tratado, isto independentemente do efeito global de contratos semelhantes celebrados no mercado de referência e dos outros elementos que caracterizam o contexto económico e jurídico no caso presente.
199 A recorrente alega ainda que a proibição de acordos incompatíveis com o artigo 85. ou 86. do Tratado apenas pode ter lugar no âmbito do artigo 3. do Regulamento n. 17. Contudo, esta disposição apenas confere competência à Comissão para proibir acordos existentes e não para proibir acordos futuros. Por outro lado, a recorrente alega que nem o artigo 85. , n. 1, do Tratado, nem o artigo 14. do Regulamento n. 1984/83 constituem base legal para a proibição de contratos futuros.
200 Além disso, a recorrente alega que a decisão, sob este aspecto, constitui uma desigualdade de tratamento, na medida em que os seus concorrentes podem continuar a celebrar contratos de exclusividade que, ou não são abrangidos pelo artigo 85. , n. 1, do Tratado, ou podem beneficiar da isenção por categoria prevista no Regulamento n. 1984/83.
201 No ponto 154 da decisão, a Comissão esclareceu que a proibição de a recorrente, até 31 de Dezembro de 1997, celebrar novos acordos de fornecimento semelhantes aos existentes, declarados incompatíveis com o artigo 85. , n. 1, do Tratado, se justifica pela circunstância de que "a decisão de pôr termo à infracção (que consta do artigo 1. da decisão) seria inútil se a L-I (a recorrente) fosse autorizada a substituir imediatamente os 'contratos de fornecimento' actuais por outros".
202 A Comissão discorda de que o artigo 3. do Regulamento n. 17 não constitua base jurídica válida. O poder conferido por este artigo à Comissão deve, em sua opinião, ser exercido de maneira mais eficaz e mais apropriada às circunstâncias de cada situação concreta (v. despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1980, Camera Care/Comissão, 792/79-R, Recueil, p. 119).
203 Na opinião da Comissão, esse poder abrange o direito de dirigir às empresas determinadas injunções, de fazer ou não fazer, com a finalidade de pôr termo à infracção. As obrigações especiais assim impostas devem, no entendimento da Comissão, ser definidas em função das exigências do restabelecimento da legalidade (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlstroem Osakeyhtioe e o./Comissão, dito "pasta de papel", C-89/85, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307).
204 No caso presente, a proibição justifica-se pela necessidade de impedir a tentativa de contornar a proibição que consta do artigo 1. da decisão. Efectivamente, por meio do Regulamento n. 1984/83, a recorrente, em qualquer momento, poderia requerer o benefício da isenção por categoria relativamente a novos contratos de exclusividade se o artigo 4. da decisão não tivesse sido adoptado. O período durante o qual a proibição deve ser aplicada terá de ser suficientemente longo para permitir a alteração substancial das condições do mercado.
Apreciação do Tribunal
205 Deve, desde logo, lembrar-se que resulta da redacção do artigo 3. do Regulamento n. 17 que, "se a Comissão verificar... uma infracção ao disposto no artigo 85. ou no artigo 86. do Tratado, pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção". O Tribunal de Primeira Instância considera que esta disposição apenas confere à Comissão competência para proibir contratos de exclusividade existentes incompatíveis com as regras de concorrência.
206 Quanto ao restabelecimento de uma rede de contratos de compra exclusiva, deve salientar-se que resulta da jurisprudência relativa à aplicação do artigo 85. , n. 1, que, mesmo no caso de a análise do conjunto dos contratos semelhantes celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico demonstrar que o mercado em causa é dificilmente acessível, os contratos de compra exclusiva de um fornecedor cuja contribuição para o efeito cumulativo seja insignificante não caem no âmbito da proibição do n. 1 do artigo 85. (v. acórdão Delimitis, já referido, n.os 23 e 24).
207 Daqui decorre que, regra geral, o artigo 85. , n. 1, não se opõe à celebração de contratos de compra exclusiva, desde que isso não contribua de maneira significativa para a compartimentação do mercado. Neste contexto, deve ser rejeitado o argumento da Comissão de que a proibição de celebração de qualquer contrato futuro se justifica pela necessidade de impedir a tentativa de, através do Regulamento n. 1984/83, contornar a proibição dos contratos existentes, constante do artigo 1. da decisão recorrida.
208 Com efeito, o Regulamento n. 1984/83, enquanto acto normativo de alcance geral, permite que as empresas beneficiem de isenção por categoria relativamente a certos contratos de exclusividade que, em princípio, obedeçam às condições referidas no artigo 85. , n. 3. De acordo com a hierarquia das normas, a Comissão não tem competência para, através de uma decisão individual, restringir ou limitar os efeitos jurídicos desse acto normativo, a menos que o mesmo forneça expressamente base legal para esse efeito. Embora o artigo 14. do Regulamento n. 1984/83 confira à Comissão poder para retirar o benefício da aplicação do mesmo regulamento se, num caso determinado, a Comissão concluir que um acordo isento tem, apesar disso, determinados efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85. , n. 3, do Tratado, o artigo 14. não prevê, porém, qualquer base legal que permita retirar o benefício de isenção por categoria a acordos futuros.
209 Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considera que é contrário ao princípio da igualdade de tratamento, um dos princípios fundamentais do direito comunitário, excluir para determinadas empresas o benefício, para o futuro, de um regulamento de isenção por categoria, enquanto outras empresas como, no caso presente, a interveniente, poderiam continuar a celebrar contratos de compra exclusiva do mesmo tipo dos proibidos pela decisão. Essa proibição seria, por isso, susceptível de prejudicar a liberdade económica de determinadas empresas e criar distorções de concorrência no mercado contrárias aos objectivos do Tratado.
210 Por todos estes motivos, o Tribunal de Primeira Instância considera procedente o fundamento invocado. Assim, deve ser anulado o artigo 4. da decisão.
211 Das considerações antecedentes decorre que deve ser negado provimento ao recurso, salvo no que diz respeito à anulação do artigo 4. da decisão.
Quanto às despesas
212 Nos termos do artigo 87. , n. 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode determinar que as despesas sejam repartidas ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, caso as partes sejam vencidas, respectivamente, quanto a um ou vários pontos. No caso presente, tendo a recorrente sido vencida quanto ao essencial dos seus fundamentos, deve ser condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas do processo, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias e as da interveniente, com excepção de um quarto das despesas da recorrida. Esta suportará assim um quarto das suas próprias despesas
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)
decide:
1) É anulado o artigo 4. da Decisão 93/406/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE contra a Langnese-Iglo GmbH (IV/34.072).
2) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
3) A recorrente suportará a totalidade das despesas do processo, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias bem como as da interveniente, com excepção de um quarto das despesas da recorrida.
4) A recorrida suportará um quarto das suas próprias despesas.