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Document 61975CJ0048

    Acórdão do Tribunal de 8 de Abril de 1976.
    Jean Noël Royer.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de première instance de Liège - Bélgica.
    Direito de residência e ordem pública.
    Processo 48-75.

    Edição especial inglesa 1976 00221

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1976:57

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    8 de Abril de 1976 ( *1 )

    No processo 48/75,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunal de première instance de Liège, destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

    Jean Noel Royer, domiciliado em Lisieux (França),

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de várias disposições de direito comunitário relativas à livre circulação dos trabalhadores, ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços, especialmente os artigos 48.o, 53. o, 56.o e 62.o do Tratado CEE, bem como as directivas do Conselho 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, e 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher, presidente de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, M. Sørensen e A. J. Mackenzie Stuart, juízes,

    advogado-geral: H. Mayras

    secretário: A. Van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por decisão de 6 de Maio de 1975, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 29 de Maio seguinte, confirmada por acórdão da Cour d'appel de Liège de 22 de Dezembro de 1975, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 30 de Dezembro seguinte, o tribunal de première instance de Liège colocou, ao abrigo do artigo 177o do Tratado CEE, uma série de questões relativas à interpretação dos artigos 48.o, 53.o, 56.o, 62.o e 189o do Tratado CEE, bem como das directivas do Conselho 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, p. 850; EE 05 F1 p. 36), e 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO 1968, L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88).

    2

    Estas questões foram suscitadas no âmbito de uma acção penal instaurada contra um nacional francês acusado de entrada e residência ilegais em território belga.

    3

    Resulta do processo que o acusado foi condenado, no seu país de origem, por proxenetismo e perseguido por diversos roubos à mão armada sem, no entanto, segundo as informações disponíveis, ter sido condenado por tais factos.

    4

    Dado que a sua esposa, igualmente de nacionalidade francesa, explorava um «café-dancing» na região de Liège, na qualidade de empregada da sociedade proprietária do estabelecimento, o acusado ali foi ao seu encontro, omitindo, no entanto, o cumprimento das formalidades administrativas de inscrição no registo da população.

    5

    Como as autoridades competentes detectaram a sua presença, adoptaram contra ele uma medida de expulsão do território e instauraram-lhe processos por residência ilegal que levaram a uma primeira condenação judicial.

    6

    Na sequência de uma breve estada na Alemanha, o acusado regressou ao território belga para se juntar à esposa, omitindo novamente o cumprimento das formalidades legais em matéria de controlo dos estrangeiros.

    7

    Tendo sido novamente interceptado pela polícia, foi preso, mas esta medida não foi, no entanto, confirmada pela autoridade judicial.

    8

    No entanto, antes de o acusado ser posto em liberdade, foi-lhe notificado um decreto ministerial de expulsão adoptado com base no facto de «o comportamento pessoal de Royer levar a considerar a sua presença perigosa para a ordem pública» e de o interessado «não ter respeitado as condições impostas para a residência dos estrangeiros nem possuir autorização de estabelecimento no Reino».

    9

    Na sequência deste decreto de expulsão, o acusado parece ter efectivamente deixado o território belga, tendo a acção por entrada e residência ilegais seguido os seus trâmites perante o tribunal de première instance.

    Quanto às disposições comunitárias aplicáveis

    10

    Na fase em que o processo se encontra, o órgão jurisdicional nacional ainda não qualificou definitivamente a situação do acusado à luz das disposições do direito comunitário que lhe são aplicáveis.

    11

    A este propósito, os factos acolhidos pelo órgão jurisdicional nacional e a escolha das disposições de direito comunitário cuja interpretação solicitou permitem encarar várias hipóteses, consoante o acusado esteja sujeito às disposições do direito comunitário devido a uma actividade profissional por ele próprio exercida, ou a um emprego que ele próprio tenha procurado, ou ainda na qualidade de cônjuge de uma pessoa que beneficie das disposições do direito comunitário por causa da sua actividade profissional, pelo que a sua situação poderia ser regulada em alternativa:

    a)

    quer pelo capítulo do Tratado relativo aos trabalhadores e, especialmente, pelo artigo 48.o, cuja execução foi assegurada pelo Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), e pela Directiva 68/ /360 do Conselho,

    b)

    quer pelos capítulos relativos ao direito de estabelecimento e' aos serviços, designadamente os artigos 52.o, 53.o, 56.o, 62.o e 66.o, postos em execução pela Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO 1973, L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132).

    12

    No entanto, do cotejo destas disposições parece resultar que elas assentam nos mesmos princípios no que respeita quer à entrada e permanência no território dos Estados-membros das pessoas sujeitas ao direito comunitário, quer à proibição de qualquer discriminação contra elas exercida com base na nacionalidade.

    13

    Em especial, o artigo 10.o do Regulamento n.o 1612/68, o artigo 1.o da Directiva 68/360 e o artigo 1o da Directiva 73/148 tornam extensiva, em termos idênticos, a aplicação do direito comunitário, em matéria de entrada e de residência no território dos Estados-membros, ao cônjuge de qualquer pessoa sujeita a estas disposições.

    14

    Por seu lado, a Directiva 64/221 aplica-se, nos termos do seu artigo 1.o, aos nacionais de um Estado-membro que permaneçam ou se dirijam para outro Estado-membro da Comunidade, quer para exercerem uma actividade assalariada ou não, quer na qualidade de destinatários de serviços, bem como ao cônjuge e aos membros da família.

    15

    Resulta do exposto que disposições materialmente idênticas do direito comunitário se aplicam a um caso como aquele que nos ocupa se, ao abrigo de qualquer das disposições citadas, existir, directamente por parte do interessado, ou por parte do seu cônjuge, um elemento de conexão com o direito comunitário.

    16

    É no âmbito destas considerações preliminares e sem prejuízo do direito que cabe ao órgão jurisdicional nacional de qualificar a situação submetida à sua apreciação, à luz das disposições do direito comunitário, que será dada resposta às questões colocadas pelo tribunal de première instance.

    Quanto ã primeira, segunda, terceira e quarta questões (fonte dos direitos atribuídos pelo Tratado em matéria de entrada e de residência no território dos Estados-membros)

    17

    Na primeira, segunda, terceira e quarta questões pede-se, no essencial, que seja determinada, designadamente no que respeita ao artigo 48.o do Tratado e às directivas 64/221 e 68/360, a fonte do direito ao abrigo do qual os nacionais de um Estado-membro podem entrar no território de outro Estado-membro e aí residir, bem como o efeito, sobre o exercício deste direito, dos poderes exercidos pelos Estados-membros em matéria de polícia dos estrangeiros.

    18

    A este propósito, pede-se mais exactamente que seja esclarecido:

    a)

    se este direito é atribuído directamente pelo Tratado ou por outras disposições do direito comunitário, ou se só nasce por efeito de um título de residência concedido pela autoridade competente de um Estado-membro que reconheça a situação individual de um nacional de outro Estado-membro no que respeita às disposições do direito comunitário;

    b)

    se do teor dos n.os 1 e 2 do artigo 4.o da Directiva 68/360 se deve inferir uma obrigação de os Estados-membros concederem um título de residência uma vez que o interessado possa provar que está abrangido pelas disposições do direito comunitário;

    c)

    se a omissão, por parte de um nacional de um Estado-membro, do cumprimento das formalidades relativas ao controlo de estrangeiros, constitui, em si, um comportamento que ameaça a ordem e segurança públicas e se tal comportamento pode, por conseguinte, justificar uma decisão de expulsão ou de privação provisória de liberdade;

    d)

    se uma medida de expulsão adoptada na sequência de tal omissão está relacionada com a «prevenção geral» ou se é determinada por considerações de «prevenção especial», ligadas ao comportamento pessoal da pessoa sobre quem incide.

    19

    Nos termos do artigo 48.o, a livre circulação dos trabalhadores é assegurada na Comunidade.

    20

    De acordo com o n.o 3 do mesmo artigo, a livre circulação compreende o direito de acesso ao território dos Estados-membros, o direito de aí se deslocar livremente, de aí residir a fim de exercer uma actividade laboral e de aí permanecer depois de nele ter exercido tal actividade.

    21

    O artigo 52.o determina que serão progressivamente suprimidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro, devendo esta supressão estar completa no final do período de transição.

    22

    Nos termos do artigo 59. o, são suprimidas, nas mesmas condições, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade.

    23

    Estas disposições, que se traduzem numa proibição de os Estados-membros colocarem restrições ou obstáculos à entrada e à residência de nacionais dos outros Estados-membros no seu território, têm como efeito a atribuição directa de direitos a qualquer pessoa abrangida no âmbito de aplicação pessoal dos citados artigos, tal como foram posteriormente clarificados pelas disposições adoptadas em aplicação do Tratado através de regulamentos ou directivas.

    24

    Esta interpretação foi reconhecida por todos os actos de direito derivado adoptados para a execução das citadas disposições do Tratado.

    25

    Assim, o artigo 1.o do Regulamento n.o 1612/68 determina que os nacionais de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, têm «o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado-membro», enquanto o artigo 10.o do mesmo regulamento torna «o direito de se instalar» extensivo aos membros da família do beneficiário.

    26

    O artigo 4.o da Directiva 68/360 determina que os Estados-membros reconhecerão «o direito de permanência no seu território» às pessoas a que se refere, acrescentando que este direito é «confirmado» pela entrega de um título de permanência especial.

    27

    Por sua vez, a Directiva 73/148 declara no seu preâmbulo que a liberdade de estabelecimento só pode ser completamente realizada «se for reconhecido um direito de residência permanente às pessoas que dele possam beneficiar» e que a livre prestação de serviços implica que seja garantido ao prestador e ao destinatário «o direito de permanência durante o período da prestação».

    28

    Estas disposições mostram que as autoridades legislativas da Comunidade tinham consciência de que, através do regulamento e das directivas em questão, sem criarem novos direitos a favor das pessoas protegidas pelo direito comunitário, clarificaram o campo de aplicação e as modalidades do exercício de direitos atribuídos directamente pelo Tratado.

    29

    Afigura-se, assim, que a reservà formulada pelos artigos 48.o, n.o 3, e 56.o, n.o 1, do Tratado, relativa à salvaguarda da ordem pública, da segurança pública e da saúde pública, deve ser entendida não como um pressuposto para a aquisição do direito de entrada e de residência, mas como uma possibilidade de, em casos individuais e mediante uma justificação adequada, restringir o exercício de um direito decorrente directamente do Tratado.

    30

    Estas considerações permitem dar as seguintes respostas às questões específicas colocadas pelo órgão jurisdicional nacional:

    31

    a)

    Resulta do exposto que o direito de os nacionais de um Estado-membro entrarem no território de outro Estado-membro e aí residirem para os fins tidos em vista pelo Tratado — designadamente para aí procurarem ou exercerem uma actividade profissional, assalariada ou independente, ou para aí se juntarem ao cônjuge ou à família — constitui um direito directamente atribuído pelo Tratado ou, se for caso disso, pelas disposições adoptadas para a sua execução.

    32

    Assim, deve concluir-se que este direito é adquirido independentemente da concessão de um título de residência pela autoridade competente de um Estado-membro.

    33

    Por conseguinte, a concessão deste título deve considerar-se não como um acto constitutivo de direitos, mas como um acto de um Estado-membro destinado a confirmar a situação individual de um nacional de outro Estado-membro, à luz das disposições do direito comunitário.

    34

    b)

    Nós termos dos n. os 1 e 2 do artigo 4o da Directiva 68/360, e sem prejuízo do que é dito no artigo 10.o da mesma directiva, os Estados-membros «reconhecerão» o direito de permanência no seu território às pessoas que possam apresentar os documentos indicados na mesma directiva, sendo este direito «confirmado» pela emissão de um documento de residência especial.

    35

    As citadas disposições da directiva destinam-se a determinar as modalidades práticas que regulam o exercício de direitos atribuídos directamente pelo Tratado.

    36

    Por conseguinte, resulta do exposto que o direito de residência deve ser reconhecido pelas autoridades dos Estados-membros a qualquer pessoa abrangida nas categorias designadas no artigo 1.o da directiva que possa provar, mediante a apresentação dos documentos referidos no n.o 3 do artigo 4.o, pertencer a uma dessas categorias.

    37

    Assim, há que responder à questão colocada que o artigo 4.o da Directiva 68/360 impõe aos Estados-membros a obrigação de conceder o título de residência a qualquer pessoa que prove, através dos documentos adequados, pertencer a uma das categorias mencionadas no artigo 1.o da mesma directiva.

    38

    c)

    Do exposto deve ainda deduzir-se que a simples omissão, por parte do nacional de um Estado-membro, das formalidades legais relativas ao acesso, deslocação e residência dos estrangeiros, não pode justificar uma decisão de expulsão.

    39

    Tratando-se do exercício de um direito adquirido por força do próprio Tratado, tal comportamento não poderá, em si, ser considerado um atentado à ordem ou à segurança públicas.

    40

    Assim, qualquer decisão de expulsão adoptada pelas autoridades de um Estado-membro contra um nacional de outro Estado-membro abrangido pelo Tratado, baseada exclusivamente no facto de o interessado não ter cumprido as formalidades legais relativas ao controlo dos estrangeiros ou de não possuir um título de residência, é contrária às disposições do Tratado.

    41

    A este propósito, deve, no entanto, esclarecer-se que, por um lado, os Estados-membros continuam a ter a faculdade de afastar do seu território um nacional de outro Estado-membro sempre que imperativos de ordem e segurança públicas forem postos em causa por outros motivos que não a omissão das formalidades relativas ao controlo dos estrangeiros, sem prejuízo dos limites impostos, pelo direito comunitário, ao seu poder de apreciação, tal como foram precisados pelo Tribunal no seu acórdão de 26 de Outubro de 1975 (processo 36/75, Rutili).

    42

    Por outro lado, o direito comunitário não impede que os Estados-membros estabeleçam uma conexão entre o desconhecimento das disposições nacionais relativas ao controlo dos estrangeiros e quaisquer sanções adequadas, distintas das medidas de expulsão do território, que forem necessárias para garantir a eficácia dessas disposições.

    43

    Quanto à questão de saber se um Estado-membro tem a faculdade de adoptar medidas de privação provisória de liberdade em relação a um estrangeiro abrangido pelo Tratado, para efeitos de expulsão do território, impõe-se, em primeiro lugar, fazer notar que nenhuma medida desta natureza poderia ser tomada em linha de conta nos casos em que uma decisão de expulsão do território fosse contrária ao Tratado.

    44

    Por outro lado, a legitimidade de uma medida de privação provisória de liberdade adoptada em relação a um estrangeiro que não tivesse justificado estar abrangido pelo Tratado, ou que pudesse ser expulso do território por motivos diferentes da omissão das formalidades relativas ao controlo dos estrangeiros, depende das disposições do direito nacional e dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado-membro em causa, uma vez que o direito comunitário enquanto tal não prevê, nesta fase e a este propósito, obrigações específicas para os Estados-membros.

    45

    d)

    Nos termos do n.o 1 do artigo 3o da Directiva 64/221, «as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa».

    46

    Esta disposição obriga os Estados-membros a fazerem a sua apreciação, no que respeita às exigências da ordem e segurança públicas, com base na situação individual de qualquer pessoa protegida pelo direito comunitário e não com base em apreciações globais.

    47

    Todavia, de tudo o que antecede afigura-se que o facto de ter omitido o cumprimento das formalidades legais relativas ao acesso, deslocação e residência dos estrangeiros não pode, em si, constituir um atentado à ordem e à segurança públicas na acepção do Tratado.

    48

    Por conseguinte, tal comportamento não pode, em si, dar lugar à aplicação das medidas previstas no artigo 3. o da citada directiva.

    49

    Assim, em consequência do exposto, afigura-se que esta parte das questões colocadas ficou desprovida de objecto.

    50

    Deve, portanto, responder-se às questões colocadas que o direito de os nacionais de um Estado-membro entrarem no território de outro Estado-membro e aí residirem é atribuído directamente pelo Tratado a qualquer pessoa abrangida pelo campo de aplicação do direito comunitário, designadamente pelos seus artigos 48.o, 52.o e 59 o, ou, se for caso disso, pelas disposições adoptadas para a sua execução, independentemente da concessão de qualquer título de residência pelo Estado de acolhimento.

    51

    A simples omissão, por parte do nacional de um Estado-membro, das formalidades relativas ao acesso, deslocação e residência dos estrangeiros não constitui, em si, um comportamento ameaçador da ordem e da segurança públicas, não podendo, por conseguinte, justificar por si só uma medida de expulsão ou uma medida de detenção provisória destinada a esse fim.

    Quanto à quinta questão (execução das medidas de expulsão e direito de recurso)

    52

    Na quinta questão, pergunta-se, no essencial, se uma decisão de expulsão ou a recusa da concessão de um título de residência ou de estabelecimento pode, com base nas exigências do direito comunitário, dar lugar a medidas de execução imediatas, ou se tal decisão só produz efeitos uma vez esgotados os recursos interpostos perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

    53

    Nos termos do artigo 8.o da Directiva 64/221, qualquer pessoa sujeita a uma medida de expulsão do território deve poder interpor contra esta decisão os recursos facultados aos nacionais para impugnação dos actos administrativos.

    54

    Se tal não for feito, o interessado deve ter, pelo menos, a possibilidade, ao abrigo do artigo 9 o, de deduzir os seus meios de defesa perante uma autoridade competente diferente daquela que adoptou a medida restritiva da sua liberdade.

    55

    Convém esclarecer, a este propósito, que os Estados-membros devem tomar providências no sentido de assegurar, a qualquer pessoa sujeita a uma medida restritiva deste tipo, o gozo efectivo da garantia que constitui, para ela, o exercício deste direito de recurso.

    56

    Contudo, esta garantia tornar-se-ia ilusória se os Estados-membros pudessem, através da execução imediata de uma decisão de expulsão, privar o interessado da possibilidade de se valer eficazmente dos meios de recurso que lhe são garantidos pela Directiva 64/221.

    57

    No caso dos recursos judiciais previstos no artigo 8.o da Directiva 64/221, o interessado deve, pelo menos, ter a possibilidade, antes que a medida de expulsão seja executada, de interpor recurso e de obter desta forma a suspensão da execução da medida adoptada.

    58

    Esta conclusão resulta igualmente da ligação estabelecida pela directiva entre o artigo 8.o e o artigo 9. o, dado que o processo previsto por este último é obrigatório, designadamente, sempre que o recurso judicial previsto no artigo 8o«não tem efeito suspensivo».

    59

    Nos termos do artigo 9. o, o recurso para uma autoridade competente deve, salvo por motivo de urgência, preceder a decisão de expulsão.

    60

    Do exposto resulta que, no caso de ser permitido um recurso judicial na acepção do artigo 8.o, a decisão de expulsão não pode ser executória antes que o interessado tenha tido possibilidade de interpor tal recurso.

    61

    No caso de tal recurso não ser permitido ou, sendo-o, não ter efeito suspensivo, a decisão não poderia ser adoptada, salvo por motivo de urgência devidamente justificada, enquanto não tivesse sido dada ao interessado oportunidade de recorrer para a autoridade designada no artigo 9 o da Directiva 64/221 e enquanto essa autoridade não se tiver pronunciado.

    62

    Por conseguinte, deve responder-se à questão colocada que uma decisão de expulsão não pode ser executada, salvo por motivo de urgência devidamente justificada, contra uma pessoa protegida pelo direito comunitário, antes de o interessado ter tido a possibilidade de esgotar os recursos que lhe são garantidos pelos artigos 8.o e 9.o da Directiva 64/221.

    Quanto à sexta, sétima e oitava questões (proibição de novas restrições)

    63

    Na sexta, sétima e oitava questões, pede-se que seja declarado se, por força dos artigos 53 o e 62.o do Tratado, que proíbem a introdução, por um Estado-membro, de novas restrições ao estabelecimento de nacionais dos outros Estados-membros e à liberdade efectivamente alcançada em matéria de prestação de serviços, um Estado pode retomar normas ou práticas menos liberais do que aquelas que anteriormente aplicava.

    64

    Mais especificamente, pede-se que, a este propósito, se esclareça:

    a)

    se disposições nacionais cujo efeito consiste em tornar menos liberais as disposições anteriormente aplicadas se justificam quando se propõem harmonizar o direito nacional com as directivas comunitárias na matéria;

    b)

    se a proibição de novas restrições também se aplica às disposições de carácter formal e processual, não obstante o facto de, para efeitos de execução das directivas, o artigo 189 o do Tratado CEE ter reservado aos Estados-membros «a competência quanto à forma e aos meios».

    65

    a)

    Os artigos 53. o e 62.o implicam a proibição não só de introduzir novas restrições em relação à situação existente no momento da entrada em vigor do Tratado, mas também de renunciar a medidas de liberalização adoptadas pelos Estados-membros em cumprimento de obrigações resultantes do direito comunitário.

    66

    A este propósito, as medidas adoptadas pela Comunidade para a execução das disposições do Tratado, designadamente sob a forma de directivas, podem fornecer uma indicação no que respeita ao alcance das obrigações assumidas pelos Estados-membros.

    67

    É este o caso, em especial, da Directiva 64/221, que precisa um certo número de limites impostos à liberdade de apreciação dos Estados-membros e de obrigações que a estes incumbem em matéria de salvaguarda da ordem pública, da segurança pública e da saúde pública.

    68

    Em contrapartida, não se pode invocar a regra dos artigos 53 o e 62.o nos casos em que fosse demonstrado que certos benefícios concedidos por um Estado-membro aos nacionais de outros Estados-membros não constituem a execução de uma obrigação definida pelo direito comunitário.

    69

    b)

    Não se pode ver uma contradição entre a proibição de novas restrições, prevista nos artigos 53.o e 62.o, e o disposto no artigo 189 o, que reserva aos Estados-membros, para efeitos de execução das directivas, «a competência quanto à forma e aos meios».

    70

    Efectivamente, a escolha das formas e dos meios só pode efectuar-se guardando respeito às prescrições e proibições resultantes do direito comunitário.

    71

    No que respeita às directivas destinadas a pôr em prática a livre circulação de pessoas, as instituições competentes da Comunidade atribuíram uma importância especial a uma série de prescrições de carácter formal e processual destinadas a garantir o funcionamento prático do regime instituído pelo Tratado.

    72

    Tal é, nomeadamente, o caso da Directiva 64/221, relativa às medidas especiais justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, na medida em que algumas das garantias previstas nesta directiva em favor das pessoas protegidas pelo direito comunitário — a saber, a obrigação de comunicar a qualquer pessoa sujeita a uma medida restritiva os fundamentos da decisão tomada a seu respeito e de lhe facultar uma via de recurso — têm, precisamente, carácter processual.

    73

    Daqui resulta que os Estados-membros são obrigados a escolher, no âmbito da liberdade que lhes é deixada pelo artigo 189.o, as formas e meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas, tendo em conta o respectivo objectivo.

    74

    Por conseguinte, deve responder-se às questões colocadas que os artigos 53 o e 62.o do Tratado proíbem a introdução, por um Estado-membro, de novas restrições ao estabelecimento de nacionais de outros Estados-membros e à liberdade efectivamente alcançada em matéria de prestação de serviços, impedindo que os Estados-membros retomem disposições ou práticas menos liberais, na proporção em que as medidas de liberalização adoptadas constituam a execução de obrigações decorrentes das disposições e objectivos do Tratado.

    75

    A liberdade deixada aos Estados-membros pelo artigo 189.o quanto à escolha das formas e meios, em matéria de execução das directivas, não afecta de modo algum a sua obrigação de escolher as formas e meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas.

    Quanto às despesas

    76

    As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

    77

    Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, o carácter de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo tribunal de première instance de Liège, declara:

     

    1)

    O direito de os nacionais de um Estado-membro entrarem no território de outro Estado-membro e aí residirem é atribuído directamente pelo Tratado a qualquer pessoa abrangida pelo campo de aplicação do direito comunitário, designadamente pelos seus artigos 48.o, 52.o e 59.o, ou, se for caso disso, pelas disposições adoptadas para a sua execução, independentemente da concessão de qualquer título de residência pelo Estado de acolhimento.

     

    2)

    O artigo 4.o da Directiva 68/360 impõe aos Estados-membros a obrigação de conceder o título de residência a qualquer pessoa que prove, através dos documentos adequados, pertencer a uma das categorias mencionadas no artigo 1.o da mesma directiva.

     

    3)

    A simples omissão, por parte do nacional de um Estado-membro, das formalidades relativas ao acesso, deslocação e residência dos estrangeiros não constitui, em si, um comportamento ameaçador da ordem e da segurança públicas, não podendo, por conseguinte, justificar por si só uma medida de expulsão ou uma medida de detenção provisória destinada a esse fim.

     

    4)

    Uma decisão de expulsão não pode ser executada, salvo por motivo de urgência devidamente justificada, contra uma pessoa protegida pelo direito comunitário, antes de o interessado ter tido a possibilidade de esgotar os recursos que lhe são garantidos pelos artigos 8.o e 9o da Directiva 64/221.

     

    5)

    Os artigos 53.o e 62.o do Tratado proíbem a introdução, por um Estado-membro, de novas restrições ao estabelecimento de nacionais de outros Estados-membros e à liberdade efectivamente alcançada em matéria de prestação de serviços, impedindo que os Estados-membros retomem disposições ou práticas menos liberais, na proporção em que as medidas de liberalização adoptadas constituam a execução de obrigações decorrentes das disposições e objectivos do Tratado.

     

    6)

    A liberdade deixada aos Estados-membros pelo artigo 189.o quanto à escolha das formas e meios, em matéria de execução das directivas, não afecta de modo algum a sua obrigação de escolher as formas e meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas.

     

    Lecourt

    Kutscher

    Donner

    Mertens de Wilmars

    Pescatore

    Sørensen

    Mackenzie Stuart

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Abril de 1976.

    O secretário

    A. Van Houtte

    O presidente

    R. Lecourt


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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