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Document 32016D0154

Decisão (UE) 2016/154 da Comissão, de 22 de julho de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.13869 (C 68/2002) (ex NN 80/2002) Reclassificação como capital das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da Rede de Alimentação Geral de energia elétrica concedido pela França à EDF [notificada com o número C(2015) 4959] (Texto relevante para efeitos do EEE)

JO L 34 de 10.2.2016, p. 152–190 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

Legal status of the document In force

ELI: http://data.europa.eu/eli/dec/2016/154/oj

10.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 34/152


DECISÃO (UE) 2016/154 DA COMISSÃO

de 22 de julho de 2015

relativa ao auxílio estatal SA.13869 (C 68/2002) (ex NN 80/2002) Reclassificação como capital das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da Rede de Alimentação Geral de energia elétrica concedido pela França à EDF

[notificada com o número C(2015) 4959]

(Apenas faz fé o texto na língua francesa)

(Texto relevante para efeitos do EEE)

A COMISSÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), nomeadamente o artigo 108.o, n.o 2, primeiro parágrafo (1),

Após ter convidado as partes interessadas a apresentarem as suas observações nos termos do referido artigo (2),

e tendo em conta essas observações,

Considerando o seguinte:

(1)

Por decisão de 16 de outubro de 2002, a Comissão iniciou o procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, do TFUE («a decisão de início do procedimento») relativo à vantagem resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades devido pelo estabelecimento público industrial e comercial «Electricité de France (E.D.F.), Service National\» («EDF», que deu lugar à sociedade anónima Electricité de France SA, no final de 2004), aquando da reestruturação do seu balanço em 1997, relativamente a uma parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da rede de alimentação geral de energia elétrica («RAG») e reclassificadas como capital.

(2)

Nas suas observações, comunicadas à Comissão por carta de 11 de dezembro de 2002, as autoridades francesas contestaram que a EDF tivesse beneficiado de uma vantagem fiscal, alegando, nomeadamente, que a dotação complementar de capital visava corrigir uma subcapitalização e era, por isso, justificada.

(3)

Por carta de 21 de janeiro de 2003, a Comissão transmitiu às autoridades francesas as observações recebidas de uma única parte interessada, convidando-as a apresentar os seus comentários, mas estas abstiveram-se de o fazer.

(4)

Em 12 de fevereiro de 2003, realizou-se uma reunião de caráter técnico entre a Comissão e as autoridades francesas, a que se seguiu um pedido de informações da Comissão, datado de 4 de julho de 2003.

(5)

Em 11 de novembro de 2003, a França forneceu novas informações e em 17 de novembro de 2003 teve lugar uma nova reunião de caráter técnico entre a Comissão, as autoridades francesas e representantes da EDF. As autoridades francesas forneceram informações complementares em 20 de novembro de 2003.

(6)

Por decisão de 16 de dezembro de 2003 (3), a Comissão declarou que a medida de auxílio de que a EDF tinha beneficiado era incompatível com o mercado interno e exigiu que esse auxílio fosse recuperado com juros. O auxílio foi reembolsado em fevereiro de 2004.

(7)

Por acórdão de 15 de dezembro de 2009, o Tribunal Geral anulou a decisão da Comissão (4) e a França voltou a pagar à EDF o montante de auxílio que tinha sido restituído em 2004.

(8)

Por acórdão de 5 de junho de 2012, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso apresentado pela Comissão contra o acórdão do Tribunal Geral (5).

(9)

Por decisão de 2 de maio de 2013, a Comissão alargou o procedimento formal de investigação («decisão de alargamento») (6).

(10)

As autoridades francesas transmitiram as suas observações à Comissão no dia 1 de julho de 2013.

(11)

Por carta de 13 de agosto de 2013, a Comissão comunicou à França as observações apresentadas em 29 de julho de 2013 por uma única parte interessada, ou seja a EDF, convidando-a a apresentar os seus comentários. Em 11 de outubro de 2013, a França apresentou os seus comentários sobre as observações da EDF.

(12)

Em 18 de outubro de 2013, a EDF enviou à Comissão um estudo elaborado por uma empresa de consultoria (a Oxera), datado de 15 de outubro de 2013. Em 22 de outubro de 2013, a Comissão transmitiu esse estudo à França, convidando-a a apresentar os seus comentários. O convite foi, todavia, acompanhado da reserva de que o estudo tinha sido enviado mais de dois meses e meio após a data-limite fixada pela decisão de alargamento, além de ter sido elaborado após a decisão de investimento na EDF invocada pela França. Em 6 de novembro de 2013, as autoridades francesas apresentaram os seus comentários sobre o estudo.

(13)

Em 14 de novembro de 2013 realizou-se uma reunião entre a Comissão e as autoridades francesas, tendo a Comissão solicitado, em 15 de novembro, novas informações e especificações sobre as observações por elas apresentadas, as quais foram enviadas em 23 de dezembro.

(14)

Em 22 de novembro de 2013, a EDF transmitiu à Comissão um parecer jurídico encomendado pela empresa, em complemento e apoio às suas observações de 29 de julho de 2013.

(15)

A pedido da EDF, foi realizada uma reunião com a Comissão, com a presença das autoridades francesas, em 12 de março de 2014.

(16)

Em 13 de maio de 2014, a Comissão solicitou às ditas autoridades que apresentassem eventuais comentários ao parecer jurídico transmitido pela EDF, bem como esclarecimentos e informações suplementares, que estas forneceram por carta de 19 de junho de 2014.

1.   DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DA MEDIDA

1.1.   BENEFICIÁRIA: A EDF, EVOLUÇÃO DO SEU ESTATUTO E DO SEU CAPITAL

(17)

A EDF foi criada pela Lei n.o 46-628, de 8 de abril de 1946, relativa à nacionalização da eletricidade e do gás («Lei n.o 46-628») que, nos termos do seu artigo 1.o, nacionalizou a produção, o transporte, a distribuição, a importação e a exportação de eletricidade em França. Esta lei confiava a gestão das empresas de eletricidade nacionalizadas a um estabelecimento público nacional industrial e comercial, denominado «Electricité de France (E.D.F.), Service National».

(18)

O artigo 16.o da Lei n.o 46-628 dispunha que o saldo líquido dos bens, direitos e obrigações transferidos para a EDF constituía o seu capital, pertencia à nação, era inalienável e, em caso de perdas de exploração, devia ser reconstituído com base nos resultados dos exercícios posteriores. Nos termos do artigo 1.o do Decreto n.o 56-493, de 14 de maio de 1956, relativo às dotações de capital concedidas à EDF, estas estavam sujeitas às regras estabelecidas pelo artigo 16.o da lei supracitada. Por força do artigo 2.o do mesmo decreto, essas dotações implicam um pagamento de juros e dividendos ao Estado.

(19)

Ao abrigo da Lei n.o 46-628, a EDF era, desde a sua criação e ainda em 1997, um estabelecimento público industrial e comercial, não regido pelas disposições aplicáveis às sociedades anónimas. Um estabelecimento público industrial e comercial não possui capital social, ao contrário de uma sociedade anónima de direito público, que é detida pelos seus acionistas (7). Não obstante os termos «capital» e «dotação de capital» utilizados nos textos em causa, a EDF não dispunha de capital social devido ao seu estatuto de pessoa coletiva de direito público. A Lei n.o 2004-803, de 9 de agosto de 2004, relativa ao serviço público de eletricidade e de gás e às empresas de eletricidade e gás («Lei n.o 2004-803») uma alteração futura deste estatuto. No artigo 24.o, a Lei n.o 2004-803 especificava que a EDF, cujo capital devia pertencer em mais de 70 % ao Estado, seria regida pelas leis aplicáveis às sociedades anónimas, salvo disposições legislativas em contrário. O artigo 47.o da lei previa ainda a posterior transformação do estabelecimento público EDF numa sociedade anónima, sob reserva da publicação de um decreto relativo ao seu novo estatuto. O artigo 46.o especificava que o balanço da sociedade EDF em 31 de dezembro de 2004 seria elaborado a partir do balanço em 31 de dezembro de 2003 e da conta de resultados do exercício de 2004 do estabelecimento público EDF.

(20)

A transformação da EDF em sociedade anónima foi efetivada em aplicação do Decreto n.o 2004-1224, de 17 de novembro de 2004, relativo aos estatutos da sociedade anónima Electricité de France. Os estatutos anexados ao decreto dispõem que a EDF passaria a ser uma sociedade anónima regida pela legislação e a regulamentação aplicáveis às sociedades comerciais, nomeadamente o Código Comercial, desde que este não fosse derrogado por disposições mais específicas, incluindo os próprios estatutos.

(21)

O artigo 6.o dos estatutos da EDF fixa o capital social da sociedade, no início totalmente pertencente ao Estado, em 8,129 milhares de milhões de euros, divididos em 1 625 800 000 ações de 5 EUR cada. O capital social da nova sociedade anónima EDF foi fixado, em novembro de 2004, no montante correspondente à soma do capital e das dotações de capital do estabelecimento público económico e comercial EDF até então acumulados, ou seja, 8,1 mil milhões de euros. Este montante tinha sido atingido em aplicação da Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997, relativa a diversas medidas de ordem económica e comercial («Lei n.o 97-1026»), permanecendo inalterado desde 1997.

(22)

Tal como é estipulado pela Lei n.o 2004-803 e pelos estatutos da EDF, o Estado devia — e deve — deter sempre mais de 70 % do capital da sociedade. Em novembro de 2005, novas ações da EDF admitidas a cotação na Euronext foram objeto de oferta com preço aberto («OPO»), concretizando, assim, a abertura do capital da EDF a outros acionistas que não o Estado.

1.2.   A CRIAÇÃO DE PROVISÕES CONTABILÍSTICAS DESTINADAS À RENOVAÇÃO DA REDE DE ALIMENTAÇÃO GERAL DE ENERGIA ELÉTRICA

(23)

Nos termos do seu artigo 36.o, a Lei n.o 46-628 transferiu para a EDF todas as concessões de eletricidade nacionalizadas, enquanto o seu artigo 37.o previa que a concessionária teria de respeitar um caderno de encargos tipo relativamente a estas concessões. Em 1958 as diversas concessões de transporte de eletricidade assim transferidas pelo Estado para a EDF foram unificadas numa concessão única, denominada «rede de alimentação geral» («réseau d'alimentation générale» («RAG»).

(24)

Na ausência de regras contabilísticas específicas para as concessões, desde 1946 que a EDF considerou ser proprietária do património da RAG, inscrevendo-o no ativo do seu balanço. Em aplicação do artigo 8.o do caderno de encargos aprovado pelo Decreto n.o 56-1225, de 28 de novembro de 1956, a EDF deverá executar a seu cargo todos os trabalhos de manutenção e renovação necessários para manter as instalações concedidas em bom estado de funcionamento.

(25)

Em 1987, na sequência de uma alteração feita em 1982 ao plano geral de contabilidade que previa regras específicas para os bens que deviam ser restituídos ao Estado no termo da concessão, a EDF alterou a sua prática contabilística em relação aos ativos da RAG, até então considerados como bens próprios, e classificou-os na rubrica do balanço «bens atribuídos em concessão». A EDF aplicou a estes ativos as regras contabilísticas especiais estabelecidas em França para os bens concessionados que devem ser restituídos ao Estado no termo da mesma e criou, com isenção fiscal, provisões destinadas à renovação da RAG.

(26)

Num relatório de 1994 (8), o Tribunal de Contas considerou que, face a um concessionário único e permanente do Estado, legalmente designado, como a EDF, era difícil distinguir os bens constituintes da RAG que teriam de ser restituídos ao Estado no termo da concessão dos bens próprios da RAG pertencentes à EDF. Por outras palavras, a alteração contabilística introduzida pela EDF em 1987 e que se traduziu na constituição de provisões com isenção fiscal não se afigurava justificada aos olhos do Tribunal de Contas. A empresa e as administrações de tutela deram rapidamente início a trabalhos de regularização da situação da EDF.

(27)

Em 1997, a EDF tinha nas suas contas dois tipos de provisões criadas com isenção fiscal, destinadas à renovação da RAG: as provisões ainda não utilizadas, num montante de 38,5 mil milhões de francos franceses (FRF), e os direitos do concedente, correspondentes às operações de renovação já realizadas, num montante de 18,345 mil milhões de FRF.

1.3.   A RECLASSIFICAÇÃO DAS PROVISÕES CONTABILÍSTICAS

(28)

A Lei n.o 97-1026 clarificou o estatuto dos bens que constituem a RAG, dispondo o seguinte no seu artigo 4.o:

«I.

As instalações da rede de alimentação geral de energia elétrica são consideradas propriedade da Electricité de France a partir do momento em que lhe foi atribuída a concessão dessa rede.

II.

Para efeitos da aplicação das disposições do [parágrafo] I, em 1 de janeiro de 1997, o contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da rede de alimentação geral constantes do passivo da Électricité de France deve ser inscrito, excluídas as diferenças de reavaliação correspondentes, na rubrica “Dotações de capital” […]».

(29)

A lei era aplicável a qualquer operação referente ao capital da EDF. Na verdade, na versão que estava em vigor em 1997, o artigo 16.o da Lei n.o 46-628 previa que o capital da EDF era inalienável e pertencia à nação. Deste modo, as dotações de capital da EDF resultantes da reclassificação das provisões destinadas à renovação da RAG são do domínio da lei, no direito francês.

(30)

A Lei n.o 97-1026 estabelece a propriedade dos ativos da RAG, reorganizando, assim, o balanço da EDF. As provisões constituídas pela EDF entre 1987 e 1996 para a renovação da RAG tendo em vista uma restituição desses ativos ao Estado, independentemente de serem utilizadas ou não, tornavam-se irrelevantes caso se considerasse que a propriedade dos ativos da RAG pertencia à EDF.

(31)

Uma carta do ministro da Economia, das Finanças e da Indústria, do secretário de Estado do Orçamento e do secretário de Estado da Indústria, dirigida à EDF em 22 de dezembro de 1997 (a seguir denominada «carta do ministro da Economia»), explica, no seu anexo I, a reestruturação dos capitais permanentes da EDF, em aplicação do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026:

«—

Reclassificação dos “direitos do concedente” (18 345 563 605 FRF):

Consolidação em dotações de capital do contravalor dos ativos corpóreos da RAG concessionados, no montante de 14 119 065 335 FRF.

Reagrupamento das diferenças de reavaliação da RAG de 1959 (2 425 milhões de FRF) e 1976 (imobilizações não amortizáveis: 97 milhões de FRF) com a rubrica “Diferenças de reavaliação da RAG”, cujo montante passa assim de 1 720 milhões de FRF para 4 145 milhões de FRF.

Reagrupamento das provisões regulamentadas relativas à reavaliação das imobilizações amortizáveis de 1976 (1 704 milhões de FRF), passando a rubrica de 877 milhões de FRF para 2 581 milhões de FRF.

Reclassificação das provisões destinadas à renovação que se tornaram injustificadas (38 520 943 408 FRF) no encerramento de contas, em aplicação do parecer do Conselho Nacional da Contabilidade n.o 97-06, de 18 de junho de 1997, relativo às alterações contabilísticas».

(32)

No âmbito da reorganização do balanço da EDF, as autoridades francesas seguiram o Parecer n.o 97-06, de 18 de junho de 1997, do Conselho Nacional da Contabilidade, relativo às alterações dos métodos contabilísticos, das estimativas e das opções fiscais e às correções de erros («parecer do Conselho Nacional da Contabilidade»), o qual estabelece que as correções de erros contabilísticos que, pela sua natureza, dizem respeito à contabilização das operações passadas, «são imputadas ao resultado do exercício durante o qual foram detetados os erros».

(33)

Em conformidade com a Lei n.o 97-1026 e com a carta do ministro da Economia, as diferenças de reavaliação foram transferidas para a rubrica «Capitais próprios» sem incidência fiscal, porque correspondiam a mais-valias de reavaliação realizadas com isenção fiscal ou sob um regime de neutralidade fiscal, na sequência das leis de reavaliação de 1959 e 1976.

1.4.   A INCIDÊNCIA FISCAL DA RECLASSIFICAÇÃO DAS PROVISÕES CONTABILÍSTICAS

(34)

O anexo III da carta do ministro da Economia estabelece igualmente as consequências fiscais da reorganização do balanço da EDF. Verifica-se uma variação de ativo líquido com a reclassificação, no encerramento de contas, das provisões destinadas à renovação não utilizadas, no montante de 38,5 mil milhões de FRF, sujeita ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66 % aplicável em 1997. Deste modo, as provisões ainda não utilizadas, no montante de 38,5 mil milhões de FRF foram normalmente tributadas pelas autoridades francesas. Em contrapartida, a parte das provisões igualmente isenta de impostos e consolidada como dotação de capital correspondente aos direitos do concedente não foi tributada.

(35)

Uma nota da Direção-Geral de Impostos, de 9 de abril de 2002, enviada à Comissão pelas autoridades francesas, afirma que «os direitos do concedente aferentes à RAG representam uma dívida indevida que a incorporação no capital isentou de imposto de forma injustificada» e que «essa reserva devia ter sido transferida, previamente à sua incorporação no capital, do passivo do estabelecimento, em que figurava erradamente, para a secção de capitais próprios, o que implica uma variação positiva do ativo líquido tributável, em aplicação do artigo 38.o-2» do Código Geral dos Impostos. E as autoridades observam que «a vantagem fiscal assim obtida [em 1997 pela EDF] pode ser avaliada em 5,88 mil milhões de FRF (14,119 × 41,66 %)».

2.   DECISÃO DE INÍCIO DO PROCEDIMENTO

(36)

Na sua decisão de início do procedimento, a Comissão concluiu que a criação irregular de provisões adicionais destinadas à renovação da RAG no período de 1987-1996 tinha favorecido a EDF na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. Essa operação tinha-lhe proporcionado uma vantagem económica seletiva, resultante da diferença entre o valor capitalizado do imposto sobre as sociedades não pago sobre as provisões durante o mesmo período e o montante do imposto sobre as sociedades pago pela EDF em 1997, após a entrada em vigor do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026.

(37)

Não obstante o facto de a EDF exercer em França atividades numa série de mercados sujeitos a direitos monopolistas antes da entrada em vigor da Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (9), que liberalizou o setor da eletricidade, a Comissão considerou que as medidas de auxílio em causa concedidas à EDF tinham falseado ou ameaçado falsear a concorrência e afetado as trocas comerciais entre Estados-Membros na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. Isso devia-se principalmente à circunstância de, apesar dos direitos exclusivos de que a EDF gozava no exercício de certas atividades em França, existir algum comércio entre Estados-Membros nestes mercados. Acresce que existia livre concorrência nos mercados conexos onde a EDF tinha já diversificado as suas atividades para além dos seus direitos exclusivos, tanto do ponto de vista geográfico como setorial. Estes efeitos já estavam presentes muito antes da liberalização do setor da eletricidade.

(38)

A Comissão concluiu também que se tratava de um novo auxílio, que nessa fase não parecia permitir considerar que as condições enunciadas no artigo 107.o, n.os 2 e 3, do TFUE estavam preenchidas, acrescentando que as autoridades francesas não tinham invocado a aplicação do disposto no artigo 106.o, n.o 2, do TFUE.

3.   OBSERVAÇÕES DE UM TERCEIRO INTERESSADO

(39)

Por carta de 6 de janeiro de 2003, o Syndicat National des Producteurs Indépendants d'Electricité Thermique (SNPIET) enviou observações à Comissão no quadro do procedimento formal de investigação. Nessas observações sustenta, a respeito do não pagamento, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativo a uma parte das provisões criadas com isenção fiscal para a renovação da RAG, que a EDF não cumpriu, no âmbito das suas atividades, as regras aplicáveis às sociedades industriais e comerciais, contrariamente ao disposto na Lei n.o 46-628 de 8 de abril de 1946.

4.   OBSERVAÇÕES DA FRANÇA SOBRE A DECISÃO DE DAR INÍCIO AO PROCEDIMENTO FORMAL DE INVESTIGAÇÃO

(40)

As autoridades francesas comunicaram as suas observações à Comissão por carta de 11 de dezembro de 2002, contestando o caráter de auxílio estatal do não pagamento, em 1997, do imposto sobre as sociedades respeitante a parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da RAG.

(41)

A título preliminar, as autoridades francesas contestam o montante das provisões destinadas à renovação da RAG indicado pela Comissão. Seguidamente, sustentam que, mesmo na ausência dessas provisões, a EDF não estaria em condições de pagar o imposto sobre as sociedades entre 1987 e 1996 devido aos reportes fiscais fortemente deficitários. Além disso, uma vez que o Estado era simultaneamente proprietário da EDF e entidade autora da concessão da RAG, as autoridades francesas consideraram que os direitos dessa entidade não constituíam para o Estado uma dívida efetivamente exigível. Por conseguinte, aquando da reestruturação do balanço em 1997, afetaram estes direitos do concedente aos capitais próprios da EDF, a fim de corrigir a sua subcapitalização, mas sem os sujeitar ao imposto sobre as sociedades.

(42)

As autoridades francesas entendem que a reestruturação da contabilidade efetuada em 1997 pode ser considerada como uma dotação adicional de capital, num montante equivalente à isenção parcial de imposto, também com o objetivo de corrigir uma subcapitalização. A EDF e o Estado teriam pretendido afetar os fundos quase próprios ao capital, excluindo a cobrança do imposto sobre as sociedades. Ter-se-ia considerado, assim, mais eficaz e neutro afetar diretamente os direitos do concedente como capitais próprios no seu montante total do que efetuar a operação de natureza equivalente que consistiria em afetar como capital um montante líquido após imposto sobre as sociedades, solicitar o pagamento pela EDF do imposto sobre as sociedades correspondente à variação do ativo líquido e, por fim, proceder a uma dotação complementar de capital num montante equivalente ao imposto pago.

(43)

As autoridades francesas consideram que essa dotação complementar era justificada pelas perspetivas de rentabilidade oferecidas pela EDF em 1997, que, de resto, se concretizaram nos anos seguintes. No entender destas autoridades, em condições comparáveis, um investidor privado avisado numa situação de economia de mercado teria procedido a essa injeção de capital.

(44)

As autoridades francesas contestam igualmente que a remuneração do Estado tenha sido indevidamente diminuída entre 1987 e 1996, na sequência da criação das provisões em questão. Afirmam que, mesmo que o resultado líquido tivesse sido superior, a remuneração do Estado não teria sido mais elevada porque, durante este período, o nível da remuneração não correspondia a uma percentagem pré-definida do resultado líquido da empresa. Este nível era livremente determinado pelo Estado em valor absoluto e podia não ser fixado em função da situação financeira da empresa. Além disso, esta remuneração não era obrigatoriamente cobrada sobre os lucros líquidos de cada exercício. Nesta perspetiva e tendo em conta os reportes deficitários da EDF, as autoridades francesas sublinham que, de 1987 a 1996, o Estado cobrou afinal um dividendo cujo nível excedeu de forma considerável os limites estabelecidos pelo direito das sociedades.

(45)

As autoridades francesas entendem, além disso, que mesmo que a constituição das provisões destinadas à renovação da RAG se tivesse traduzido numa vantagem, deveria considerar-se que esta foi anulada pelo aumento do imposto sobre as sociedades pago em 1997. Consideram ainda que, no período de 1987-1996, a EDF pagou globalmente ao Estado um montante superior ao imposto sobre as sociedades que teria pago uma sociedade comercial que não tivesse constituído provisões destinadas à renovação da RAG e que tivesse pago ao seu acionista um dividendo igual a 37,5 % do resultado líquido depois de impostos.

(46)

Além disso, as autoridades francesas consideram que, se se concluísse pela existência de uma vantagem indevida, tratar-se-ia de um auxílio existente e não de um auxílio novo, devido ao prazo de prescrição a 10 anos fixado pelo artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho (10), que começa a contar a partir da data de concessão dos primeiros elementos de auxílio. Tendo em conta que o primeiro pedido de informações da Comissão data de 10 de julho de 2001, os eventuais elementos de auxílio concedidos antes de 1991 teriam prescrito. As autoridades francesas consideram que a intervenção do legislador em 1997 não teve por efeito interromper esta prescrição, uma vez que só podem ter este efeito medidas tomadas pela Comissão. As autoridades francesas consideram, por último, que se trataria em todo o caso de um auxílio existente, visto ter sido concedido antes da liberalização do mercado da eletricidade.

(47)

Na sua carta de 20 de novembro de 2003, as autoridades francesas recordam os seus argumentos quanto às diferenças de reavaliação incluídas no montante dos direitos do concedente constante das contas sociais e à aplicação da regra de prescrição. Além disso, afirmam que a taxa do imposto sobre as sociedades que devia ter sido aplicada à reestruturação do balanço da EDF é a de 1996 (taxa de 36,67 %) e não a de 1997 (taxa de 41,66 %). De facto, consideram que esta reestruturação foi realizada com base numa declaração fiscal entregue em 23 de dezembro de 1997, ou seja, após o encerramento do exercício de 1996 mas antes do encerramento do exercício de 1997.

(48)

Por conseguinte, as autoridades francesas contestam a afirmação da Comissão de que, em 1997, a EDF teria beneficiado de uma vantagem decorrente do não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte das provisões criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG.

5.   OS ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS DA UNIÃO EUROPEIA

(49)

No seu acórdão de 15 de dezembro de 2009, o Tribunal Geral anulou a decisão da Comissão de 16 de dezembro de 2003, alegando que competia à Comissão verificar se um investidor privado avisado numa economia de mercado teria procedido a um investimento de montante comparável em circunstâncias semelhantes. O Tribunal Geral considerou que a Comissão deveria ter verificado se a operação satisfazia o critério do investidor privado e concluiu que ela tinha cometido, por isso, um erro de direito e infringido o artigo 107.o do TFUE.

(50)

Por acórdão de 5 de junho de 2012, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso apresentado pela Comissão contra o acórdão do Tribunal Geral, considerando, nomeadamente, que a observação feita pelo Tribunal Geral de que a Comissão tinha a obrigação de verificar se os capitais foram injetados pelo Estado em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, independentemente da forma como esses capitais foram injetados, não enferma de nenhum erro de direito. O Tribunal de Justiça concluiu também que a apreciação do Tribunal Geral de que o critério do investidor privado pode ser aplicável mesmo no caso de terem sido utilizados meios de natureza fiscal também não enferma de nenhum erro de direito.

6.   DECISÃO DE ALARGAMENTO DO PROCEDIMENTO FORMAL DE INVESTIGAÇÃO

(51)

Em consequência da anulação da decisão de 16 de dezembro de 2003, a Comissão teve de adotar uma nova decisão ao abrigo do artigo 266.o do TFUE e do artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999, a fim de encerrar o procedimento em conformidade com as questões de direito definitivamente estabelecidas pelo acórdão do Tribunal de Justiça. Para o efeito, teve de reexaminar as questões relativas aos artigos 3.o e 4.o dessa decisão.

(52)

Por um lado, nem o Tribunal de Justiça nem o Tribunal Geral tinham considerado que a decisão de início do procedimento continha qualquer irregularidade e, por conseguinte, ela podia servir de base a uma nova decisão final. Por outro lado, o Tribunal de Justiça estabeleceu claramente os critérios de aplicabilidade e aplicação do critério do investidor privado numa economia de mercado. Estes critérios baseiam-se, nomeadamente, na existência de elementos objetivos e verificáveis que demonstrem que o Estado-Membro tinha efetivamente decidido proceder a um investimento na empresa pública controlada, com base em avaliações económicas comparáveis às que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria efetuado, antes do investimento, para determinar a rentabilidade futura do mesmo (11).

(53)

Na decisão de alargamento do procedimento formal de investigação, a Comissão referia que, nesta fase do processo administrativo, nenhuma prova, demonstração ou documento corroborava a afirmação das autoridades francesas de que a reforma contabilística de 1997 equivaleria a uma dotação complementar de capital num montante igual à isenção parcial do imposto. Contrariamente às observações das autoridades francesas, também não se afigurava que tal dotação complementar de capital constituísse, não um auxílio, mas um investimento a que um investidor privado avisado numa economia de mercado procederia em circunstâncias comparáveis, justificado pelas perspetivas de rentabilidade oferecidas pela EDF em 1997 e que, de resto, se concretizaram nos anos seguintes.

(54)

Por conseguinte, na decisão de alargamento, a Comissão explicitou, tendo em conta as informações e os documentos disponíveis, a sua análise preliminar da eventual vantagem económica decorrente do não pagamento pela EDF, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativamente a parte das provisões correspondente aos 14,119 mil milhões de FRF de direitos do concedente reclassificados em dotações de capital.

(55)

Neste aspeto, a apreciação global dos factos parecia indicar que esta medida tinha sido tomada pelo Estado como poder público, excluindo assim a aplicabilidade do princípio do investidor privado. Com efeito, as autoridades francesas não apresentaram, em apoio da sua afirmação, qualquer informação ou plano de atividades anterior ou simultâneo à decisão de isentar a EDF do pagamento do imposto, que demonstrasse a rentabilidade dessa operação. Substantivamente, face aos critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça, a Comissão salientou a conveniência de a França estabelecer devidamente a data dos documentos fornecidos, bem como a prova de que eles tinham sido examinados pelos ministros e funcionários competentes, e pelas assembleias parlamentares, antes da adoção da decisão controvertida.

(56)

Sem esses elementos, porém, é no exercício de competências fiscais que a França parecia ter reservado um tratamento fiscal derrogatório à reestruturação dos capitais permanentes da EDF, no que respeita à reclassificação das provisões dos direitos do concedente prevista no artigo 4.o da Lei n.o 97-1026. Esse recurso fiscal não foi previamente afetado à EDF por nenhuma disposição orçamental expressa, nem foram acionados quaisquer controlos ou regras em matéria de investimento que servissem de base jurídica ao alegado investimento.

(57)

Do mesmo modo, na sua decisão de alargamento, a Comissão referiu a título subsidiário que, ainda que o princípio do investidor privado numa economia de mercado fosse aplicável, a aplicação do princípio permitia concluir, nessa fase, que um investidor privado não teria investido 5,88 mil milhões de FRF na dotação de capital da EDF em 1997. Na ausência de elementos apresentados pelas autoridades francesas, parecia-lhe estar excluído que um acionista privado em condições normais de mercado tivesse procedido ao alegado investimento sem ter examinado previamente estudos objetivos e fiáveis, de preferência efetuados por um terceiro imparcial, consultor de investimentos, e não, por exemplo, pela empresa beneficiária, que mostrassem, nomeadamente, o rendimento sobre os capitais investidos, o horizonte de rendimento do investimento e os riscos intrínsecos em termos absolutos e relativamente às modalidades de remuneração associadas a tal investimento.

(58)

A este propósito, a Comissão adicionou aos fatores que um investidor privado avisado teria examinado antes de investir o seu capital, a incerteza quanto ao montante e à evolução dos encargos de financiamento das pensões de reforma que a EDF teria de suportar em 1997, em aplicação do seu regime específico, e a forma como um investidor a avaliaria nessa época.

(59)

Nestas condições, a isenção parcial do imposto sobre as sociedades em 1997 afigurava-se não um investimento produtivo por parte do Estado acionista, mas sim uma medida derrogatória de natureza fiscal, suscetível de ter proporcionado uma vantagem económica à EDF.

(60)

Afigurava-se ainda que a não cobrança do imposto sobre as sociedades devido pela EDF envolvia recursos estatais e podia afetar a concorrência e as trocas comerciais entre Estados-Membros, preenchendo desse modo as outras condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

61)

Não existindo uma base jurídica que permitisse fundamentar a compatibilidade com o mercado interno de um auxílio ao funcionamento que reforçava a posição da EDF face aos seus concorrentes, na sua decisão de 2 de maio de 2013, a Comissão expressou dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado interno. Na decisão de início do procedimento, já tinham sido levantadas dúvidas análogas.

7.   OBSERVAÇÕES DE TERCEIROS INTERESSADOS

(62)

Por carta de 29 de julho de 2013, a EDF apresentou observações sobre a decisão de alargamento, formulando três críticas principais ao raciocínio exposto nessa decisão: i) a decisão ignora os ensinamentos do acórdão do Tribunal Geral e a verdadeira natureza da recapitalização da EDF efetuada pelo Estado; ii) a decisão é excessivamente formalista ao presumir erradamente que é necessário um plano de atividades ligado ao investimento, quando a recapitalização é fruto de uma reflexão maduramente planeada, como mostram numerosos documentos da época e iii) a decisão presume, sem o demonstrar, que nenhum investidor colocado na situação o mais semelhante possível à do Estado teria procedido a um investimento comparável, ao contrário dos elementos factuais que a EDF fornece em apoio das suas observações.

(63)

No entender da EDF, a Comissão continuaria a analisar, assim, a medida adotada pelo Estado francês em 1997 unicamente através do prisma das suas pretensas incidências fiscais, quando o Tribunal Geral rejeitou claramente essa abordagem. Como o Tribunal Geral afirmou, a medida aplicada pelo Estado, quando procedeu à reclassificação dos direitos do concedente em dotações de capital, constitui uma operação de recapitalização da EDF destinada a corrigir o desequilíbrio do balanço da empresa, tendo em vista a abertura dos mercados da energia à concorrência. A carta do Ministro da Economia de 22 de dezembro de 1997 não contém uma decisão fiscal distinta da lei de 1997, mas serve para constatar as suas incidências fiscais. É esta medida de recapitalização, una e indivisível, que importa examinar, e não as alegadas incidências fiscais, que dela são artificialmente dissociadas na decisão de alargamento do procedimento formal de investigação.

(64)

Segundo a EDF, a jurisprudência não exigiria nenhum plano de atividades específico para o investimento, uma vez que ela não estabelece qualquer formalismo nesta matéria, embora exija elementos objetivos e verificáveis anteriores ou contemporâneos à medida investigada. De resto, tal plano de atividades não teria sido indispensável para o Estado em 1997, uma vez que este contava com cinco representantes no Conselho de Administração da EDF, detinha todo o capital da EDF desde 1946 e, à data dos factos, conhecia perfeitamente a empresa e estava associado à sua gestão e à determinação das suas orientações estratégicas a longo prazo. A EDF defende que tal perspetiva a longo prazo seria particularmente pertinente no caso da EDF, devido à intensidade de capital da sua atividade e ao tempo de vida de várias dezenas de anos de instalações (30 a 75 anos, em alguns casos).

(65)

No entender da EDF, foi enquanto acionista e não enquanto poder público que, como atestam numerosos documentos da época, o Estado terá realizado um investimento com base em análises e avaliações prospetivas precisas. Foi assim que, desde 1995, se iniciaram os trabalhos entre a EDF e os seus ministérios de tutela para retirar as devidas consequências do parecer do Tribunal de Contas, mencionado no considerando 26. Estes trabalhos incidiram assim, entre outros aspetos, na reorganização do balanço da empresa e na rentabilidade do capital. Deles resultou a assinatura do contrato de empresa entre o Estado e a EDF para o período de 1997-2000, em 8 de abril de 1997, e a apresentação concomitante, em 2 de abril de 1997, de um projeto de lei com diversas disposições de ordem económica e financeira, cujo artigo 45.o reproduzia exatamente o disposto no artigo 4.o da Lei n.o 97-1026. Os trabalhos preparatórios da Assembleia e do Senado, bem como a própria lei, demonstraram, no entender da EDF, que a intervenção do Estado é aquela que teria qualquer acionista: uma dotação de capital para recapitalizar a EDF.

(66)

aos seus textos, o Estado pautou-se, nas suas análises e reflexões, por quatro preocupações principais:

tomar em consideração o novo contexto concorrencial de abertura progressiva dos mercados na sequência da Diretiva 96/92/CE;

normalizar as suas relações financeiras com a EDF em bases do direito comum, pondo fim a ambiguidades que pudessem ter existido no passado;

corrigir o desequilíbrio significativo que afetava a estrutura do balanço da EDF reforçando os seus fundos próprios;

facilitar as comparações a nível internacional para aumentar a credibilidade da empresa junto da comunidade financeira.

(67)

Por último, para a EDF, o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado não só é aplicável em virtude das considerações invocadas, como foi satisfeito neste caso, visto que o Estado agiu como um investidor privado teria agido. A EDF afirma que, segundo o Tribunal de Justiça (pontos 78 e 89 do acórdão), trata-se de determinar se, em condições normais de mercado, a EDF teria podido obter uma vantagem idêntica à que foi posta à sua disposição através de recursos do Estado e se essa vantagem, devido aos seus efeitos, é suscetível de falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

(68)

Muitos documentos da época também demonstrariam, a este respeito, que o Estado examinou e quantificou a rentabilidade do seu investimento, como faria um investidor acionista único da empresa que tivesse uma perspetiva de longo prazo. Foi nesta base que a remuneração do Estado foi fixada no contrato de empresa da EDF para 1997-2000, uma remuneração consentânea, nessa altura, com as dos acionistas de sociedades comparáveis. Por conseguinte, as estimativas dos montantes que a EDF deveria pagar ao Estado entre 1997 e 2000 foram analisadas por este último antes da celebração do contrato.

(69)

Além disso, nas suas observações de julho de 2013, a EDF remeteu antecipadamente para um estudo encomendado à Oxera e que ainda não tinha sido concluído quando apresentou as observações. A EDF alegou que esse estudo iria comparar a taxa interna de rentabilidade esperada do investimento do Estado em 1997 com a taxa exigida pelos mercados de capitais para um investimento semelhante e demonstraria que um investidor privado teria procedido ao investimento nas condições fixadas no contrato de empresa para 1997-2000.

(70.

Em 18 de outubro de 2013, a EDF enviou à Comissão o estudo da Oxera, datado de 15 de outubro de 2013 (12), sem outros comentários. Tal como a empresa tinha antecipado nas suas observações de julho de 2013, o estudo da Oxera concluiu que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria investido no aumento do montante das dotações de capital da EDF. Esta conclusão resulta do facto de a rentabilidade (taxa interna de rentabilidade) que tal investidor poderia esperar em 1997 estar situada num intervalo entre 35 % e 15 %, e numa média de 27 % a cinco anos, em todo o caso superior à rentabilidade de 12,7 % que esse investidor exigiria. O rendimento é calculado tendo em conta o valor, no início e no fim do período, da venda dos direitos que o Estado detinha na EDF.

(71)

A EDF considera que, com exceção da fragilidade dos fundos próprios, em 1997 a empresa possuía bases económicas sólidas, como observavam os analistas dessa época, que não exprimiram quaisquer dúvidas sobre a viabilidade financeira ou as perspetivas comerciais da EDF, no momento em que o Estado realizou o seu investimento. A notação financeira da EDF era excelente (Aaa para a Moody's entre 1992 e 1997, AAA para a Standard & Poor's em 1996-1997) e assim continuaria mesmo que fosse necessário baixá-la um ou dois níveis para ter em conta a garantia estatal de que a EDF usufruía enquanto estabelecimento público industrial e comercial. Conclui-se de vários documentos da época que o nível de remuneração do Estado francês pela EDF era comparável às taxas de rendimento em dividendos das sociedades do CAC40 (4,5 % a 5 % do capital), bem como das empresas do setor energético na Europa (4,7 % e 5,27 %, estimadas respetivamente para 1996 e 1997). Isso demonstraria, aliás, que a EDF teria podido obter o mesmo montante de capital no mercado de capitais, pelo que a medida não era, devido aos seus efeitos, suscetível de falsear a concorrência.

(72)

Em particular, a EDF considera que um investidor privado, detentor da totalidade do capital de uma filial, teria podido realizar, em condições comparáveis, um investimento semelhante na dita filial, convertendo em capital um crédito detido sobre esta, independentemente da natureza do mesmo. Esta análise foi corroborada por um parecer jurídico pedido pela EDF. Ao procurar corrigir uma estrutura financeira desproporcionada devido à fragilidade dos capitais próprios em comparação com a sua dívida financeira, o Estado também teria permitido que a empresa fizesse concorrência a outros grandes operadores do setor na União. Esse mesmo acionista não teria, portanto, permitido que um desequilíbrio significativo perdurasse no balanço da sua filial com bases económicas sólidas, quando tinha ao seu dispor um meio para corrigir facilmente este desequilíbrio através da conversão de um crédito em capital.

(73)

No entender da EDF é, pois, razoável pensar que um investidor privado colocado na situação o mais semelhante possível à do Estado, ou seja, um acionista que detivesse 100 % da empresa e com uma perspetiva a longo prazo, num mercado com elevada intensidade de capital e prestes a ser aberto à concorrência, teria procedido ao mesmo investimento.

8.   OBSERVAÇÕES DA FRANÇA SOBRE A DECISÃO DE ALARGAMENTO DO PROCEDIMENTO

(74)

As autoridades francesas consideram, a título principal, que o Estado agiu enquanto investidor privado avisado numa economia de mercado, quando reclassificou, com isenção fiscal do imposto sobre as sociedades, os direitos do concedente como dotações de capital da EDF. Consideram ainda que, contrariamente à descrição feita na decisão de início do procedimento, de 16 de outubro de 2002, e na decisão de alargamento do procedimento, de 2 de maio de 2013, a medida que a Comissão deve analisar é uma medida única de recapitalização da EDF através da adoção do artigo 4.o da Lei n.o 9-1026 e não a concessão de uma isenção fiscal relativa à reclassificação dos direitos do concedente em dotação de capital, que seria dissociável dos termos da dita lei. As autoridades francesas baseiam-se nas informações constantes de vários documentos de 1996 e 1997, anexados às suas observações, que sustentam e corroboram, no seu entender, essa afirmação, os quais são mencionados nos considerandos 87 a 108. No seu entender, as observações da França também são corroboradas por outros documentos apresentados pela EDF.

(75)

Subsidiariamente, as autoridades francesas recordam que contestam o montante do auxílio e reiteram as suas observações de 20 de novembro de 2003, segundo as quais a taxa de tributação a aplicar ao dito imposto é a de 1996 e não a de 1997, como se refere no considerando 47.

Sobre a aplicabilidade do princípio do investidor privado numa economia de mercado

(76)

As autoridades francesas contestam que a isenção de imposto controvertida decorre da qualidade de poder público do Estado francês, o que torna inaplicável o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado. Elas consideram que o Tribunal de Justiça não exige ao Estado-Membro que apresente um verdadeiro plano de atividades referente à medida controvertida.

(77)

A este propósito recordam, em primeiro lugar, que em 1997 a EDF era um estabelecimento público industrial e comercial colocado sob a tutela do Estado, o qual possuía, por isso, um conhecimento aprofundado da empresa, bem como da sua estratégia industrial e das suas perspetivas financeiras. Entendem, consequentemente, que as informações e avaliações de que o Estado dispunha antes de tomar a medida controvertida, e que demonstram a rentabilidade do investimento, são admissíveis. A Comissão deve efetuar uma análise global que inclua esses elementos, assim como qualquer outro elemento pertinente.

(78)

Em segundo lugar, tendo em conta a natureza e o objeto do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026, as autoridades francesas consideram que o Estado atuou na sua qualidade de acionista ao conceder uma isenção fiscal à reclassificação das provisões dos direitos do concedente. Essa lei foi, assim, precedida pela assinatura, em 8 de abril de 1997, do contrato de empresa entre o Estado e a EDF para o período de 1997-2000, cuja execução pressupunha a adoção de medidas legislativas de reestruturação do seu balanço. Anteriormente, numa carta de 12 de julho de 1996, as autoridades da tutela disseram à EDF que este contrato devia estabelecer um objetivo ambicioso de remuneração do Estado para a EDF. Ora, o título III do contrato previa uma remuneração do Estado resultante de dois elementos: i) uma remuneração das dotações de capital à taxa fixa de 3 % e ii) uma remuneração complementar igual a 40 % do resultado líquido contabilístico da EDF, não podendo o montante global dos dois elementos ser superior a 6 % do montante das dotações de capital.

(79)

O Estado teria examinado essa remuneração sob a forma de perspetivas de dividendos, que teria quantificado, no caso da remuneração complementar, em 3,5 mil milhões de FRF, que podiam chegar a 6 mil milhões de FRF nesse período, como prova uma carta das autoridades de tutela para a EDF, datada de 22 de abril de 1997. Essa estimativa baseava-se nas perspetivas económico-financeiras que a EDF tinha comunicado aos serviços do Ministério das Finanças em 19 de fevereiro de 1997 e nas hipóteses contidas no contrato de empresa. O relatório de setembro de 1997 apresentado pelo relator do Senado sobre a Lei n.o 97-1026 também incluía análises dos serviços do ministério sobre a incidência esperada sobre a remuneração do Estado acionista para 1998, ou seja, 2,6 mil milhões de FRF, dos quais 1,5 mil milhões de FRF de juros fixos e 1,1 mil milhões de FRF de remuneração complementar. O Estado teria, assim, estimado as projeções futuras da remuneração antes de proceder à adoção da medida em causa, como qualquer acionista que deseje participar no aumento de capital da sua empresa.

(80)

Em terceiro lugar, as autoridades francesas consideram que a reclassificação como provisões dos direitos do concedente e, de forma mais geral, a reestruturação do balanço da EDF e o reforço dos fundos próprios paliaram a fragilidade da estrutura financeira da empresa. Se essa fragilidade perdurasse, é provável que a EDF tivesse de enfrentar um aumento da taxa de juros aplicada à sua dívida e dificuldades com os parceiros comerciais devido a uma perceção negativa do risco de contraparte. Essa preocupação do Estado acionista decorreria da exposição de motivos do artigo 4.o do projeto de lei que deu lugar à Lei n.o 97-1026, bem como do discurso do ministro competente que apresentou o projeto de lei ao Senado em 2 de outubro de 1997.

(81)

Os relatórios do deputado e do senador relatores sobre o projeto de lei apresentados à Assembleia Nacional e ao Senado, respetivamente, insistem aliás no efeito positivo da reestruturação do balanço da EDF sobre os rácios de dívida em relação aos capitais próprios: o primeiro relatório considerou que estes (24,2 mil milhões de FRF) eram insuficientes face às dívidas de empréstimos (131,9 mil milhões de FRF) e ao ativo líquido (696,4 milhões de FRF); o reforço dos capitais próprios renderia à EDF uma estrutura de balanço mais conforme com a sua realidade patrimonial, permitindo simultaneamente comparações mais pertinentes com os concorrentes europeus; o segundo relatório insistia, além disso, no efeito positivo que para a EDF teria uma credibilidade acrescida junto da comunidade financeira e dos seus potenciais parceiros. Ora, para as autoridades francesas, o reforço da estrutura financeira de uma empresa corresponde a uma preocupação de um investidor privado avisado numa economia de mercado, colocado numa situação comparável.

(82)

Daí resultaria, segundo essas autoridades, que o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado era aplicável, visto que o Estado teria agido enquanto acionista ao reclassificar, sem cobrança de imposto, as provisões dos direitos do concedente como dotações de capital da EDF.

Sobre a aplicação do princípio do investidor privado numa economia de mercado

(83)

Em primeiro lugar, as autoridades francesas recordam que o contrato de empresa entre o Estado e a EDF prevê uma remuneração do Estado resultante de dois elementos: i) uma remuneração das dotações de capital à taxa fixa de 3 % e ii) uma remuneração complementar igual a 40 % do resultado líquido contabilístico da EDF, o que demonstraria que o Estado dispunha de informações sobre o rendimento esperado dos capitais investidos. Como provaria, aliás, o supracitado relatório do deputado da Assembleia Nacional, tendo em conta a existência de uma taxa fixa sobre as dotações de capital, a reclassificação como capital das provisões dos direitos do concedente fez aumentar em valor absoluto a remuneração do Estado, devido ao alargamento da base tributável.

(84)

Em segundo lugar, as autoridades francesas consideram que a rentabilidade do investimento na EDF em 1997 devia ser encarada numa perspetiva a longo prazo, tendo em conta os futuros pagamentos ao Estado e à luz do aumento do valor da empresa. Ora, aos resultados líquidos positivos após impostos e remuneração do Estado (1,4 mil milhões de FRF para além dos 2,5 mil milhões de FRF pagos em 1998 de remuneração do Estado) ter-se-iam juntado os importantes recursos gerados no período de 1997-2000, quase 70 mil milhões de FRF, como previa o contrato de empresa. Como sublinha a carta da EDF de 19 de fevereiro de 1997, o Estado tinha fixado um objetivo de aumento do valor patrimonial da empresa nesse montante, o qual seria resultante do desendividamento, da constituição de ativos e dos investimentos de desenvolvimento, que forneciam perspetivas de valorização do capital da EDF.

(85)

Por último, na apreciação dos riscos do investimento, o Estado acionista teria tido em conta as características da atividade predominante da EDF, principalmente desenvolvida em França e assente num princípio de tarifação regulamentada que devia cobrir os custos da empresa. Estas características diminuiriam o risco associado ao investimento e, por conseguinte, a exigência de rentabilidade. Uma nota da EDF de 27 de julho de 1996, comunicada ao Senado em 15 de setembro de 1997, demonstraria, além disso, que as remunerações dos acionistas nas empresas estrangeiras diferiam sensivelmente em função do ambiente institucional e regulamentar do setor em cada país.

(86)

Daí resultaria, segundo as autoridades francesas, que o Estado se comportou como um investidor privado avisado numa economia de mercado, quando reclassificou as provisões dos direitos do concedente como dotações de capital sem cobrar imposto sobre as sociedades. Esta conclusão seria, além do mais, confirmada pelas observações da EDF, incluindo os estudos e análises em que se baseiam, referidas nos considerandos 62 a 73. No que se refere, em particular, ao estudo económico da Oxera apresentado pela EDF, as autoridades francesas entendem que a Comissão deve efetuar a mesma análise, a fim de determinar se a recapitalização da EDF pelo Estado, em 1997, tem ou não o caráter de um investimento prudente.

Os documentos enviados pela França em apoio das suas observações

(87)

Em apoio da sua resposta à decisão de alargamento, as autoridades francesas enviaram à Comissão nove documentos, em anexo às suas observações de 1 de julho de 2013. Estes nove documentos são apresentados em apoio da sua afirmação, já contida nas observações de 11 de dezembro de 2002, segundo a qual uma dotação complementar de capital equivalente ao produto do imposto não recebido era justificada pelas perspetivas de rentabilidade oferecidas pela EDF em 1997, que, de resto, se concretizaram nos anos seguintes. Sem prejuízo dos elementos avançados pela França nas suas observações, importa proceder a uma análise sistemática dos principais elementos contidos nesses documentos.

(88)

Os documentos incidem quer sobre a preparação ou a execução do contrato de empresa entre o Estado e a EDF para o período de 1997-2000, quer sobre a discussão do projeto de lei que deu lugar à Lei n.o 97-1026. Datados de 1996 a 1997, estes documentos são, assim, contemporâneos da alegada decisão de investimento. Mais concretamente, estes documentos são o contrato de empresa 1997-2000 (13), ofícios dos ministros de tutela à empresa (14), cartas da empresa às administrações do ministério ou do Senado (15) e documentos e dois relatórios da Assembleia Nacional e do Senado preparatórios do debate sobre o projeto de lei (16). Especificamos, seguidamente, o conteúdo dos documentos.

(89)

Por ofício de 12 de julho de 1996 dirigido ao Presidente da EDF, os ministros de tutela congratulam-se pelos resultados do contrato-programa 1993-1996 entre a EDF e o Estado e, face ao seu termo iminente em 31 de dezembro de 1996, iniciam a preparação do contrato-programa 1997-2000. O ofício especifica ainda que a definição dos equilíbrios financeiros do contrato-programa 1997-2000 se devia inserir num novo quadro que normalizasse a situação contabilística e fiscal da EDF, na sequência dos trabalhos realizados desde 1995. Este ofício solicitava o início dos trabalhos e debates entre os serviços responsáveis e a EDF, ao mesmo tempo que participava à empresa os três objetivos primordiais que deviam ser tidos em conta no futuro contrato.

em primeiro lugar, os ministros exigiam que: «Os ganhos de produtividade obtidos pela empresa devem permitir-lhe prosseguir a sua política de redução das tarifas, contribuindo para a competitividade da indústria francesa e para o aumento do poder de compra do consumidor doméstico»;

a EDF também devia manter, simultaneamente, o seu esforço de desendividamento e fixar para si própria um objetivo ambicioso de remuneração do Estado, com um mecanismo que incentivasse a EDF a melhorar os seus resultados;

por último, o contrato-programa devia estabelecer igualmente as orientações estratégicas do desenvolvimento da EDF a nível internacional, hierarquizando as suas prioridades.

(90)

No seguimento dos trabalhos de preparação do contrato, em 19 de fevereiro de 1997 o Diretor Financeiro da EDF enviou à Direção do Tesouro uma nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997. A nota continha as principais hipóteses do cenário financeiro associado ao contrato de empresa entre a EDF e o Estado para o período de 1997-2000, incluindo nomeadamente as contas de resultados anuais e os quadros de financiamento previsionais para esse período.

(91)

A nota previa uma redução anual das tarifas (– […] (17) %, – […] %, – […] %, – […] %), investimentos industriais de desenvolvimento no valor de […] FRF, dos quais […] FRF a nível internacional, e investimentos de […] FRF na atividade principal, no período de 1997-2000. Também era referida uma remuneração fiscalmente dedutível das dotações de capital de 3 %, sobre uma base tributária estimada em 50 mil milhões de FRF após reestruturação do balanço, e de 40 % do resultado, depois da parte fixa de remuneração e do imposto sobre as sociedades. A dívida no final do ano também devia passar de […] FRF, no fim de 1996, para […] FRF, no fim de 2000. Do mesmo modo, o saldo da dívida menos os ativos devia passar de […] FRF, no fim de 1996, para […] FRF, no fim de 2000.

(92)

A nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997, enviada às autoridades de tutela no dia seguinte, é o único dos documentos apresentados pelas autoridades francesas em anexo às suas observações que contém previsões e projeções sistemáticas e quantificadas dos resultados económicos e financeiros de exploração da EDF. Com base nestas previsões de fevereiro de 1997, o Estado acionista podia esperar uma remuneração do capital investido de 2,1 mil milhões de FRF, em 1997, 2,5 mil milhões, em 1998, 2,4 mil milhões, em 1999 e 2,4 mil milhões, em 2000, ou seja, uma média anual de 2,35 mil milhões de FRF. A conta de resultados previsional da EDF em 1997-2000, apresentada na nota, era a seguinte:

Quadro 1

Conta de resultados previsional da EDF 1997-2000 (milhares de milhões FRF correntes)

 

1997

1998

1999

2000

Receitas

186,3

184,2

185,7

187,5

Despesas

177,0

177,2

179,1

180,9

das quais combustíveis e aquisições de energia

36,9

36,8

37,8

38,5

das quais despesas de exploração

88,3

91,2

93,6

95,7

Resultados da atividade principal

9,3

7,0

6,6

6,6

Resultados antes da remuneração do Estado

6,8

6,5

6,1

6,1

Remuneração das dotações de capital

1,5

1,5

1,5

1,5

Remuneração complementar

0,6

1,0

0,9

0,9

Imposto sobre as sociedades

3,9

2,6

2,4

2,3

Lucros/prejuízos

0,9

1,4

1,3

1,4

Fonte: Nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997«Contrat d'EntreprisePerspectives Economico-Financières»

(93)

Tal como se especifica na nota da EDF, a remuneração paga ao Estado era fiscalmente dedutível. Isso constitui uma derrogação ao princípio segundo o qual o imposto sobre as sociedades é cobrado sobre o resultado da empresa após amortização e juros, o que diminui o resultado líquido e, por conseguinte, o montante eventualmente destinado ao pagamento de dividendos. Esta derrogação ad hoc aumentava potencialmente a remuneração paga ao Estado acionista, mas diminuía na mesma medida o imposto a pagar ao Estado cobrador de impostos. Na sua resposta de 23 de dezembro de 2013, as autoridades francesas especificam que a remuneração das dotações de capital foi assimilada a um dividendo de direito comum a partir de 2001 e, por conseguinte, o caráter fiscalmente dedutível dessa remuneração foi eliminado. Esta regra de assimilação foi aplicada em relação ao contrato de grupo entre a EDF e o Estado para o período de 2001-2003, que sucedeu ao contrato de 1997-2000.

(94)

O contrato de empresa entre o Estado e a EDF para o período de 1997-2000 foi celebrado e assinado pelos ministros de tutela e pelo Presidente e Diretor-Geral da EDF, em 8 de abril de 1997. O contrato especificava as principais orientações que a EDF devia imprimir à sua ação a médio prazo, continha os compromissos recíprocos dos signatários e recordava que estes compromissos eram tomados ao abrigo de hipóteses de referência amplas, só podendo ser postos em causa por uma alteração significativa do meio em que a empresa operava. O contrato comportava diversos compromissos subordinados a três títulos: reafirmar as missões fundamentais da empresa pública (título I), preparar hoje o futuro da empresa (título II) e inserir a empresa num quadro financeiro e institucional renovado (título III). Dois anexos ao contrato especificavam os indicadores de desempenho seguidos para a execução (anexo I) e os movimentos tarifários previstos por ano entre 1997 e 2000 (anexo II).

(95)

Os principais compromissos e orientações contratuais relacionados com o objeto da presente decisão são a seguir descritos, nomeadamente:

o Estado reafirmava a vontade de manter o estatuto da empresa, que, entre outros elementos, tinha dado provas da sua eficácia e devia continuar a ser uma referência estável na evolução futura, conforme permitia a Diretiva da União Europeia sobre a organização do mercado interno da eletricidade (18). Pelo seu lado, a EDF devia participar no ordenamento do território e na solidariedade nacional, nomeadamente através da aplicação uma política ambiciosa de apoio à atividade económica e ao emprego, colocando-se ao serviço das coletividades para as ajudar a criar emprego e melhorando a situação dos seus clientes mais desfavorecidos (título I);

o desenvolvimento da EDF devia favorecer «o reforço da competitividade das empresas francesas»; deste modo, os ganhos de produtividade a que a empresa se comprometia deviam ser prioritariamente afetados à redução do nível médio dos seus preços. Os ajustamentos tarifários deviam gerar reduções médias em francos a preços constantes de […] %, em abril de 1997, […] %, em abril de 1998 e, depois, […] %, em abril de 1999 e […] %, em abril de 2000. Concomitantemente, o desenvolvimento da EDF devia ter em vista a conquista de novos mercados, privilegiando em particular a Europa (título II);

o balanço da EDF tinha de ser reestruturado com a dupla finalidade de reforçar a situação líquida da empresa e estabilizar a relação financeira com o Estado em bases mais próximas do direito comum; o Governo comprometeu-se, assim, a propor ao Parlamento uma medida legislativa para reestruturar o balanço da EDF em 1997, devendo essa reestruturação ter efeito a partir de 1 de janeiro de 1997. O contrato previa uma remuneração do Estado acionista composta por dois elementos: uma remuneração das dotações de capital com uma taxa de juro de 3 % e uma remuneração complementar equivalente a 40 % do resultado contabilístico líquido, não devendo a soma dessas componentes ser superior a 6 % do montante das dotações de capital, sem incluir uma estimativa quantificada do valor absoluto dos montantes previstos. Além disso, em relação ao período de 1997-2000, a EDF comprometia-se, nomeadamente, a afetar […] FRF a investimentos industriais a nível internacional, a reduzir a sua dívida bruta para […] FRF, até finais de 2000, diminuindo-a em […] FRF, de modo a inseri-la numa trajetória conducente à sua liquidação total até estar concluída a renovação do parque de produção. Por último, o contrato previa que um excedente de recursos resultante de uma eventual ultrapassagem dos objetivos devia ser afetado «prioritariamente a uma redução suplementar das tarifas», antes da remuneração do Estado acionista ou da motivação do pessoal da empresa (título III).

(96)

Uma carta dos ministros cossignatários do contrato de empresa ao presidente da EDF, de 22 de abril de 1997, confirma o caráter consensual e definitivo das hipóteses de referência e das projeções financeiras contidas na nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997, subjacentes ao contrato de empresa 1997-2000. Com efeito, a carta refere expressamente a concertação prévia entre a EDF e os poderes públicos na elaboração do cenário financeiro e retoma o objetivo de redução média de […] % das tarifas da EDF em quatro anos.

(97)

A carta de 22 de abril de 1997 menciona as disposições do Decreto de 14 de maio de 1956 alterado e as modalidades de remuneração ao Estado descritas no título III do contrato de empresa. Em conformidade com estas disposições, a carta explicita que «decorre do cenário de referência um montante de remuneração complementar de 3,5 mil milhões de francos no período» de 1997-2000 e que estas condições permitiam pagar ao Estado um montante total de 5,1 mil milhões de FRF em 1997, incluindo os juros fixos e o pagamento do imposto sobre as sociedades. Estes montantes correspondem aos indicados na nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997. A correspondência dos montantes da remuneração complementar calculada sobre os resultados da empresa comprova que os vários tipos de montantes (receitas, taxas, resultados líquidos, etc.) previstos na conta de exploração previsional da EDF para o período de 1997-2000 foram examinados, validados e adotados pelas autoridades de tutela.

(98)

A carta dos ministros de tutela, de 22 de abril de 1997, salienta também que os grandes equilíbrios do contrato se inseriam no quadro contabilístico e fiscal da reestruturação do balanço da EDF, que devia entrar em vigor, uma vez adotadas as disposições legislativas necessárias, no dia 1 de janeiro de 1997. A este respeito, a carta especifica que «[a]s regras pormenorizadas de execução dessa reestruturação, tanto a nível contabilístico como a nível fiscal, serão objeto, com base no regime agora aprovado, de conversações complementares entre as tutelas e a empresa».

(99)

Com efeito, pouco tempo antes deste ofício, o Governo tinha apresentado na Assembleia Nacional um projeto de lei adotado em conselho de ministros, no dia 5 de abril de 1997, que estabelece diversas disposições de ordem económica e financeira, nomeadamente o artigo 45.o, que previa a reclassificação das provisões contabilísticas da EDF. A exposição de motivos desse projeto explicava que os ajustamentos contabilísticos previstos permitiriam à EDF dispor de um balanço mais conforme com a sua situação económica real, com um nível de capitais próprios proporcional ao seu volume de atividades. O projeto de lei não foi examinado devido à dissolução da Assembleia Nacional, em 21 de abril de 1997.

(100)

Após o envio ao Parlamento do projeto de lei que estabelece medidas urgentes de caráter fiscal e financeiro, posteriormente adotado enquanto Lei n.o 97-1026, a Assembleia Nacional e o Senado designaram os seus relatores. O relatório n.o 204 da Assembleia Nacional descreve os motivos que levaram à necessidade de especificar o estatuto patrimonial das instalações de transporte de eletricidade da EDF, o qual poria termo às práticas contabilísticas contestadas pelo Tribunal de Contas no seu relatório especial n.o 1993 sobre as concessões da EDF, de 10 de outubro de 1994. Explica ainda as alterações contabilísticas que serão necessárias e fornece as seguintes estimativas quantificadas das respetivas consequências em diversas rubricas do balanço:

Quadro 2

Efeitos da reorganização dos capitais próprios da EDF resultante do artigo 4.o da Lei MUFF sobre as contas de 1996 (milhares de milhões de FRF)

 

Final de 1996

Efeito do artigo

Capitais próprios

24,2

79,8

dos quais (elementos do passivo):

 

 

Capital

2,6

2,6

Dotações de capital

36,6

50,7

Diferenças de reavaliação

2,1

6,2

Reserva regulamentares

0,15

0,15

Resultados transitados (19)

20,2

18,3

Resultados do exercício após remuneração do Estado

1,9

1,9

Fonte: Ministério da Economia e Finanças

(101)

O relatório da Assembleia Nacional salienta os efeitos do projeto de lei que tornam mais pertinentes as comparações com os rácios de endividamento de outros concorrentes europeus (Áustria, Grã-Bretanha, Suécia, Espanha e Alemanha): após a reestruturação do balanço, o rácio entre a dívida líquida e os capitais próprios da EDF passaria de 480 % para 148 %.

(102)

Além disso, o relatório da Assembleia Nacional realça a alteração das relações financeiras entre o Estado e a EDF. Explica o regime jurídico e a remuneração das dotações de capital concedidas à EDF, ao abrigo do Decreto n.o 56-493 de 14 de maio de 1956, alterado pelo Decreto n.o 86-1360 de 30 de dezembro de 1986. Este regime previa uma remuneração à taxa fixa máxima de 8 % e uma remuneração complementar sobre o resultado da EDF após imposto e juros fixos. Os pagamentos efetuados pela EDF relativamente ao período de 1991 a 1996, apresentados no relatório, atingiriam 3,41 mil milhões de FRF por ano, em média, durante esse período; em relação aos capitais próprios no final de 1996, estes pagamentos produziriam uma rentabilidade corrente média de 14,1 % para o Estado acionista (20), encontrando-se resumidos no quadro seguinte:

Quadro 3

Relações financeiras entre o Estado e a EDF (em milhões de FRF correntes)

 

1991

1992

1993

1994

1995

1996

Juros sobre as dotações de capital (BG — linha 407)

1 816

1 816

1 816

1 816

1 816

1 816

Remuneração complementar das dotações de capital (BG — linha 116)

500

665

965

1 938

1 500

4 002

Total

2 316

2 481

2 781

3 754

3 316

5 818

Fonte: Relatório da Assembleia Nacional, p.77, «Total» calculado pela Comissão

(103)

O relatório da Assembleia Nacional especifica, a respeito das alterações previstas no balanço da EDF, que «[d]ado que as dotações de capital estão sujeitas a uma taxa de juro fixa, o aumento das mesmas, em resultado do presente artigo, implica um risco de agravamento dos encargos da EDF. Prevê-se, por isso, uma alteração das condições de remuneração no contrato entre o Estado e a empresa para 1997-2000, assinado em 8 de abril de 1997. A taxa de juro fixa é reduzida para 3 %, a fim de compensar o aumento da sua base de incidência». O relatório faz notar ainda que, apesar dos benefícios concedidos desde 1990, a EDF não tinha pago imposto sobre as sociedades e que o aumento das provisões associada à concessão da RAG permitiria apurar de uma só vez os resultados contabilísticos e fiscais deficitários acumulados. O relatório indica, por isso, que, segundo o ministério da tutela, o estabelecimento público (EDF) deveria pagar 3 mil milhões de FRF em 1997 e 2,5 mil milhões de FRF em 1998 a título de imposto sobre as sociedades.

(104)

O relatório da Assembleia Nacional refere o exame de uma alteração parlamentar ao texto legislativo apresentado e rejeitado em comissão. Essa alteração pretendia especificar que as provisões contabilísticas desclassificadas deviam ser transformadas em capitais próprios através de uma contabilização que não passasse pela conta de resultados da EDF, de modo a não revelar lucros muito elevados, que o Estado pudesse sentir-se tentado a tributar parcialmente. Para esse efeito, a alteração visava incluir o processo contabilístico na lei e explicitar que o Estado não podia aplicar nenhuma imposição suplementar à EDF aquando da transferência de propriedade dos bens da RAG. O relatório refere que «a inscrição na lei do processo contabilístico de transformação das provisões em capitais próprios foi excluída a pedido do Conselho de Estado, por não ter uma natureza legislativa», e menciona diversas opiniões, veiculadas no debate parlamentar, que defendiam a que o Estado deveria poder aplicar outras imposições à EDF, que a empresa deveria pagar o imposto sobre os seus lucros e que a questão realmente em causa era «saber quanto ia o Governo cobrar à EDF e como».

(105)

Por sua vez, o relatório elaborado pelo Senado com vista ao debate do projeto de lei afirma que não se justifica a criação de provisões contabilísticas destinadas à renovação dos ativos da RAG a partir de 1987. O discurso proferido pelo ministro responsável perante o Senado, em 2 de outubro de 1997, quando o projeto de lei foi apresentado, salientou a natureza «fictícia» em termos fiscais das perdas da EDF e do não pagamento do imposto sobre as sociedades que as provisões implicavam, tranquilizando o Senado quanto ao facto deste dispositivo não pôr minimamente em causa o monopólio de que a EDF dispunha. O relatório do Senado descreve as consequências do artigo em exame sobre as rubricas do balanço da EDF, antes e após a reclassificação das provisões, utilizando uma quantificação semelhante à analisada no relatório da Assembleia Nacional e a seguir exposta no quadro 2. O relatório esclarece que a reorganização do balanço facilitaria a comparação com os balanços dos concorrentes da EDF, conferindo a esta última uma credibilidade acrescida junto da comunidade financeira, a qual se revestia de particular importância visto que o custo de renegociação da sua dívida dependia sobretudo do rácio dívida líquida/capitais próprios.

(106)

A título de «clarificação» das relações financeiras da EDF com o Estado, o relatório do Senado especifica que «em contrapartida das receitas fiscais que o estabelecimento público proporcionará a partir de agora ao Estado, o contrato de empresa assinado em 8 de abril de 1997 para os anos de 1997 a 2000 prevê uma ligeira redução dos pagamentos da EDF ao Estado». Em consequência da imputação positiva da provisão para renovação da RAG, no valor de 38,5 mil milhões de FRF, que obrigava a EDF a pagar o imposto sobre as sociedades, o relatório do Senado explicita que «as relações financeiras entre o Estado e a EDF foram revistas em baixa».

(107)

Por fim, entre os outros documentos apresentados pela França inclui-se uma carta de transmissão da Direção Financeira da EDF à administração do Senado, datada de 15 de setembro de 1997. Em anexo a esta carta figurava um quadro com uma estimativa quantificada dos efeitos do artigo 4.o do projeto de lei, designadamente sobre o balanço, uma cópia da instrução de 27 de julho de 1993 sobre as concessões de distribuição de eletricidade e uma nota interna da EDF com reflexões sobre as experiências de outros países no tocante à remuneração dos acionistas do setor elétrico, de 27 de julho de 1996. Este último documento explica os princípios essenciais aplicáveis às remunerações do acionista, a disparidade e os valores de rentabilidade referentes a certas empresas do setor: 60-80 % dos lucros nos Estados Unidos, 40 % no caso da National Power e da Power Gen, 78 % no caso da Union Fenosa e 30 % no da Endesa, que proporcionou uma rentabilidade de 28 % ao Estado espanhol no período de 1991-1996, tendo em conta os dividendos e a apreciação da cotação das ações.

(108)

Embora a EDF tenha enviado dois outros documentos ao Senado, na sua carta de 15 de setembro de 1997, este não analisou nem mencionou no seu relatório os princípios, as estimativas quantificadas e a respetiva aplicação à remuneração do acionista pela EDF apresentados na nota de 27 de julho de 1996. Em contrapartida, especifica, tal como o relatório da Assembleia Nacional, que a diminuição da remuneração que a EDF deveria pagar ao Estado a título das dotações de capital efetuadas pelo Estado acionista era efetuada: «para ter em conta o aumento das dotações de capital que o presente artigo pretendia suscitar».

9.   APRECIAÇÃO DAS MEDIDAS: EXISTÊNCIA DE AUXÍLIO ESTATAL

(109)

O artigo 107.o, n.o 1, do TFUE estabelece que: «[s]alvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções». A aplicação destas condições cumulativas à isenção fiscal que a França concedeu à EDF é a seguir examinada.

9.1.   VANTAGEM SELETIVA A UMA EMPRESA

(110)

Dado que a Lei n.o 97-1026 determinou que a EDF era considerada proprietária da RAG, cuja concessão lhe tinha sido concedida, importa verificar se esta lei não implica uma transferência de propriedade da RAG.

(111)

Segundo as informações fornecidas pelas autoridades francesas, é razoável considerar que a EDF era proprietária da RAG antes da referida lei entrar em vigor. Esta conclusão baseia-se nos seguintes elementos: as características dos diversos tipos de contratos de concessão existentes no direito francês, as características específicas da concessão inicial à EDF, que não continha qualquer cláusula precisa de retrocessão, o procedimento de aquisição dos ativos em causa, relativamente aos quais a EDF teve que pagar um direito semelhante a uma indemnização de expropriação, e as condições de financiamento da manutenção e do desenvolvimento da RAG à custa da EDF. Por conseguinte, a «clarificação» sobre a propriedade da RAG, efetuada pela Lei n.o 97-1026, não parece constituir em si mesma uma vantagem económica a favor da EDF.

(112)

Por conseguinte, é necessário examinar se a Lei n.o 97-1026 retirou todas as consequências fiscais da «clarificação» que efetua sobre a propriedade da RAG e, caso não o tenha feito, se não terá conferido uma vantagem económica de natureza fiscal à EDF.

9.1.1.   A renúncia à cobrança do imposto devido pela EDF constitui, prima facie, uma vantagem seletiva

(113)

No período de 1987-1996, a EDF procedeu à criação de provisões com isenção fiscal, destinadas à renovação da RAG, cuja irregularidade foi salientada pelo Tribunal de Contas francês. O artigo 4.o da Lei n.o 97-1026, que atribui à EDF a propriedade da RAG, tornou essas provisões irrelevantes, obrigando à reclassificação das mesmas noutras rubricas do balanço.

(114)

A carta do Ministro da Economia, que estabelece as consequências fiscais da reestruturação do balanço da EDF, mostra que as autoridades francesas impuseram às provisões destinadas à renovação da RAG que não foram utilizadas a taxa de 41,66 % de imposto sobre as sociedades aplicável em 1997.

(115)

Em contrapartida, a parte destas provisões correspondente às operações de renovação já realizadas, também denominada direitos do concedente, foi reclassificada como dotações de capital no valor de 14,119 mil milhões de FRF. Esta reclassificação de provisões não foi sujeita ao imposto sobre as sociedades. A administração fiscal reconhece o caráter ilegal desta operação, como se conclui da nota da Direção-Geral dos Impostos de 9 de abril de 2002, dirigida à Comissão e reproduzida no considerando 35.

(116)

De acordo com o parecer do Conselho Nacional da Contabilidade, as correções dos erros devem ser contabilizadas no resultado do exercício durante o qual esses erros são detetados. Por outro lado, embora as provisões não utilizadas que foram criadas com isenção fiscal, num montante de 38,5 mil milhões de FRF, tenham sido sujeitas ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66 % em 1997, não existe nenhuma razão objetiva para a outra parte das provisões criadas com isenção fiscal não ter sido tributada à mesma taxa.

(117)

Os direitos do concedente deviam ter sido tributados ao mesmo tempo e à mesma taxa que as outras provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal. Isto significa que os 14,119 mil milhões de FRF de direitos do concedente deviam ter sido adicionados aos 38,5 mil milhões de FRF de provisões não utilizadas para serem tributados à taxa de 41,66 % aplicada à reestruturação do balanço da EDF. Ao não pagar a totalidade do imposto sobre as sociedades devido na altura da reestruturação do seu balanço, a EDF economizou 5 882 849 762 FRF a título do imposto devido.

(118)

Os efeitos desta medida fiscal favoreceram a EDF em 1997, pois o montante de 5,88 mil milhões de FRF de isenção fiscal incluído no montante de 14,119 mil milhões de FRF estava inscrito no balanço da EDF como direitos do concedente, reclassificados pelo Estado aquando da entrada em vigor da Lei n.o 97-1026, com efeitos retroativos, em 1 de janeiro de 1997. As consequências fiscais da lei são expostas na carta do Ministro da Economia, com efeitos na mesma data de 1 de janeiro de 1997.

(119)

As autoridades francesas afirmam que, mesmo que não existissem dotações em provisões destinadas à renovação da RAG, a EDF não teria podido pagar o imposto sobre as sociedades de 1987 a 1996 devido aos reportes fiscais deficitários. Este argumento não faz sentido. A vantagem fiscal data de 1997 e não dos anos anteriores. Além disso, esses reportes fiscais deficitários foram em parte provocados pelas dotações em provisões irregulares Os reportes fiscais teriam desaparecido progressivamente entre 1987 e 1996, pelo que, em 1997, o montante do imposto devido pela EDF teria sido claramente superior ao que foi, mesmo não tendo em conta o não pagamento de imposto relativo à reclassificação dos direitos do concedente.

(120)

As autoridades francesas consideram igualmente que, embora a constituição das provisões destinadas à renovação da RAG se tenha traduzido numa vantagem, deve considerar-se que esta foi anulada pelo aumento do imposto sobre as sociedades pago em 1997. Ora, como as próprias autoridades francesas indicam na sua nota de 9 de abril de 2002, reproduzida no considerando 35, embora as provisões destinadas à renovação não utilizadas fossem normalmente tributadas, os direitos do concedente foram reclassificados como dotações de capital sem serem sujeitos ao imposto sobre as sociedades. O imposto pago pela EDF em 1997 é, por conseguinte, inferior ao imposto normalmente devido.

(121)

As autoridades francesas afirmam igualmente que, no período de 1987-1996, a EDF pagou globalmente ao Estado um montante superior ao imposto sobre as sociedades que teria pago uma sociedade comercial que não tivesse constituído provisões destinadas à renovação da RAG e tivesse pago ao seu acionista um dividendo igual a 37,5 % do resultado líquido após impostos. Além disso, a taxa do imposto sobre as sociedades que devia ter sido aplicada à reestruturação do balanço da EDF é a de 1996 e não a de 1997.

(122)

Por um lado, como se disse nos considerandos 32 e 116, o Conselho Nacional da Contabilidade considera que os erros contabilísticos devem ser corrigidos durante o exercício contabilístico em que foram detetados. Uma vez que as provisões destinadas à renovação da RAG se tornaram irrelevantes na sequência da Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997, seria no exercício contabilístico de 1997 que deviam ser reclassificadas e, logo, tributadas à taxa do imposto sobre as sociedades aplicável durante esse exercício. Por outro lado, as próprias autoridades francesas aplicaram a taxa do imposto sobre as sociedades em vigor em 1997 à parte das provisões que foi tributada, como se recorda no considerando 34.

(123)

O não pagamento pela EDF, em 1997, de 5 882 849 762 FRF de imposto sobre as sociedades constitui uma vantagem económica para esta empresa, que pôde utilizar esse montante para reforçar os seus capitais próprios sem recorrer a recursos financeiros externos. Se o imposto devido tivesse sido efetivamente pago e o acréscimo dos capitais próprios financiado pelos resultados de exploração da empresa, esta teria sido obrigada a comprimir os custos, aumentar as receitas ou abdicar das despesas de investimento. Ao poder dispor de verbas que deveriam ter sido pagas ao Estado francês a título do imposto sobre as sociedades, a EDF beneficiou de uma medida que lhe foi exclusivamente aplicável e que a favoreceu em relação às empresas francesas em situação semelhante, obrigadas a pagar imposto sobre as sociedades em relação às reclassificações de provisões indevidas, nos termos do artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos em vigor em 1997, como se explica no considerando 35.

(124)

Todavia, nas suas observações de 11 de dezembro de 2002, a França invocou a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado. Tal como recordam os órgãos jurisdicionais da União, nomeadamente nos acórdãos mencionados nos considerandos 7 e 8, não poderia considerar-se, no caso em apreço, que uma dotação de capital suplementar correspondente ao imposto devido favoreceria a EDF proporcionando-lhe uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, se fosse determinado que um acionista privado hipotético teria investido na EDF um montante igual, em condições e numa situação semelhantes, à luz do critério do investidor privado avisado numa economia de mercado.

(125)

O Tribunal de Justiça, no ponto 99 do seu já citado acórdão de 5 de junho de 2012, especificou que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não tinha antecipado a aplicabilidade do critério do investidor privado avisado numa economia de mercado no caso em apreço, nem o resultado da eventual aplicação do dito critério. Importa examinar, portanto, sucessivamente, a aplicabilidade e a aplicação deste princípio aos factos em causa, tendo em conta os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça.

9.1.2.   Sobre a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado

(126)

Para determinar a eventual aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, há que determinar, no âmbito de uma apreciação global, se a isenção fiscal foi concedida pela República Francesa na qualidade de acionista ou na qualidade de poder público. O Tribunal de Justiça discrimina, no seu acórdão de 5 de junho de 2012, vários elementos a ter em conta nessa apreciação global. Os elementos, que a seguir se examinam de forma mais ampla relativamente às circunstâncias em causa:

em caso de dúvida, incumbe ao Estado-Membro demonstrar, inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis, que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista (21); esses elementos devem evidenciar claramente que o Estado-Membro em causa adotou prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica, a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na empresa pública controlada (22);

podem, nomeadamente, ser exigidos elementos que demonstrem que essa decisão se baseia em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado-Membro teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento (23); a Comissão pode recusar-se a examinar elementos de prova elaborados depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão (24);

a este respeito podem ser relevantes a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se insere, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida está sujeita (25);

a aplicação do critério do investidor privado avisado deve permitir determinar se um investidor privado teria fornecido, em condições semelhantes, um montante igual ao imposto devido a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável à da EDF (26).

(127)

Nas suas observações de 11 de dezembro de 2002, mencionadas no considerando 42, as autoridades francesas afirmaram que se teria considerado mais eficaz e neutro para a EDF afetar diretamente os direitos do concedente como fundos próprios no seu montante total, sem pagar o imposto sobre as sociedades. Contudo, nenhum dos documentos anteriores ou contemporâneos da alegada decisão de não cobrar imposto, apresentados pela França ou pela EDF em apoio das suas observações sobre a decisão de alargamento do procedimento, menciona direta ou indiretamente a alegada decisão de investimento, as suas consequências, vantagens e inconvenientes, nem a decisão análoga de aumentar o montante das dotações de capital através da não cobrança do imposto. Os documentos apresentados pelas autoridades francesas e mencionados nos considerandos 87 a 108 não mencionam nem, muito menos, analisam as vantagens e os inconvenientes para o Estado da decisão de não cobrar o imposto sobre as sociedades relativo à parte das provisões dos direitos do concedente reclassificada como dotação de capital da EDF ao abrigo da Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997.

(128)

Incumbe à França, em caso de dúvidas sobre a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, como as formuladas pela Comissão, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista. Ora, face aos elementos fornecidos, afigura-se que se deve considerar que a decisão de proceder a um investimento renunciando à cobrança do imposto em princípio devido pela EDF foi tomada tacitamente, sem um ato jurídico fundamentado que permita conhecer ou verificar o conteúdo exato dessa decisão, as razões e a base jurídica em que se baseia e por que autoridade competente, e a data em que foi tomada. Face aos elementos aduzidos pelo Tribunal de Justiça para verificar a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, a saber, nomeadamente, a necessidade de dispor de elementos objetivos e verificáveis, uma medida efetivamente aplicada ou avaliações económicas prévias, a ausência de referências ou provas materiais deve ser encarada como um primeiro indício da não aplicabilidade desse princípio.

(129)

Não havendo documentos comprovativos da alegada decisão, importa descrever a eventual medida de investimento que o Estado francês teria aplicado. Neste caso, o Tribunal de Justiça considerou que o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado deve permitir determinar se um acionista privado teria injetado, em condições semelhantes, 5,88 mil milhões de FRF numa empresa que se encontrasse numa situação comparável à EDF. Um investimento por parte da França implicaria que esta renunciasse a esse montante tendo em vista a obtenção de um lucro superior aos recursos inicialmente utilizados. Por conseguinte, a análise deve ser feita em relação ao montante do imposto sobre as sociedades devido.

(130)

Nesse aspeto, a ausência de estudos, referências ou análises específicas da rentabilidade do investimento no montante da isenção fiscal faz com que seja difícil isolar os efeitos do alegado investimento nas informações transmitidas pela França ou pela EDF. Não se trata, porém, de uma dificuldade inultrapassável, desde que se considere, ao analisar a maioria dos fatores pertinentes para verificar a aplicabilidade e a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, que a injeção de capital na EDF, equivalente ao imposto não cobrado, beneficiava dos direitos associados a todas as dotações. Deste modo, se as dotações fossem remuneradas a uma certa taxa, esta deveria ser e, de facto, foi aplicada ao montante de imposto não cobrado. Em contrapartida, nos casos em que se optou por considerar o efeito marginal ou incremental, as informações transmitidas pela França ou pela EDF não permitem concluir de imediato que o montante das dotações aumentou num valor equivalente ao imposto não cobrado.

(131)

A não cobrança do imposto levou ao aumento da dotação de capital da EDF e, consequentemente, dos seus fundos próprios, no valor de 5,88 mil milhões de FRF suplementares, no cômputo total de 14,119 mil milhões de FRF de provisões reclassificadas. Estas provisões, que não correspondiam a uma injeção prévia de numerário do Estado acionista, foram reclassificadas como dotações de capital, transitando para a rubrica correspondente dos capitais permanentes da EDF, entre os outros capitais próprios (capital, dotações, etc. — Quadro 2). Sem a isenção fiscal, os fundos próprios da EDF, que deveriam atingir 79,8 mil milhões de FRF em 1997, não teriam ultrapassado os 72,1 mil milhões de FRF, segundo os documentos analisados na época (considerando 100, Quadro 2). Em vez de 50,7 mil milhões de FRF, as dotações do Estado injetadas no capital da EDF não excederiam 44,8 mil milhões de FRF.

Alegada decisão de investimento: elementos de análise

(132)

Em primeiro lugar, como salientam as autoridades francesas, uma vez que a integração do montante do imposto não pago aumentava a matéria coletável das dotações e que esta era remunerada a taxa fixa (3 %), o valor absoluto da remuneração a pagar ao Estado foi aumentado pela isenção ou não cobrança do imposto (considerando 83). Todavia, o aumento da dotação de capital correspondente à isenção fiscal não se traduziu num aumento proporcional da remuneração do Estado. A este respeito, é ponto assente que a remuneração das dotações do Estado injetadas no capital da EDF está prevista desde o Decreto n.o 56-1360, de 30 de dezembro de 1956 (considerandos 18 e 103). Foram, assim, previstas remunerações, aliás diferentes, nos contratos de empresa que precederam e se sucederam ao que estava em vigor no período de 1997-2000, como indicado nos considerandos 93 e 102. O princípio de remuneração era pré-existente à alegada decisão e manteve-se depois desta.

(133)

Além disso, o exame dos factos mostra que a isenção fiscal em causa pode ter reduzido a remuneração do investimento do Estado. O relatório elaborado pela Assembleia Nacional em setembro de 1997 mostra, sem ambiguidade, que o aumento do montante total da dotação levou à redução da remuneração da mesma para não «agravar os encargos da EDF» (considerando 103). O relatório do Senado corrobora esta redução pretendida pelos poderes públicos (considerando 108).

(134)

Entre 1991 e 1996, a remuneração que a EDF pagou ao Estado em relação a um menor montante de dotações de capital foi melhor do que a prevista entre 1997 e 2000 em relação a um montante mais elevado. A remuneração média anual em valor absoluto, de 3,41 mil milhões de FRF, para o período de 1991-1996 em que o montante das dotações era de 36,6 mil milhões de FRF, foi muito superior à remuneração de 2,35 mil milhões de FRF prevista para uma base de incidência alargada de 50,7 mil milhões de FRF, no período de 1997-2000 (considerandos 92 e 102-103, quadro 3). Daqui resulta que o rendimento marginal corrente do aumento do montante da dotação de capital, no valor de 5,88 mil milhões de FRF, esperado para o período de 1997-2000 pelo Estado acionista, podia ser considerado negativo em comparação com o período de 1991-1996.

(135)

Na verdade, as autoridades francesas fizeram com que a remuneração absoluta e relativa paga ao Estado francês a título da dotação de capital diminuísse em valor absoluto e em valor relativo à medida que a base de incidência da dotação se fosse alargando, como os relatórios elaborados pela Assembleia Nacional e pelo Senado mostram inequivocamente. Por conseguinte, ao aumentar o montante da dotação total menos bem remunerada do que a dotação existente antes da Lei n.o 97-1026, a decisão de conceder uma isenção fiscal não parece constituir necessariamente um investimento.

(136)

Em segundo lugar, a forma de encarar e de fixar a remuneração do aumento das dotações de capital não é aquela que poderia captar um investidor privado avisado numa economia de mercado.

(137)

Com efeito, como mostram as referências feitas, tanto nas cartas dos ministros de tutela como nos relatórios parlamentares mencionados nos considerandos 97, 103 e 106, as autoridades francesas, no exame realizado em 1997 da remuneração do Estado francês após a reestruturação do balanço da EDF, tomaram em consideração quer a remuneração das dotações de capital do Estado acionista stricto sensu, quer o montante de imposto que o Estado esperava cobrar a partir de 1997, após vários anos de reportes fiscais negativos que chegavam ao Estado na sua qualidade de poder público cobrador de impostos. Como se indica no considerando 93, a remuneração das dotações era, por sua vez, dedutível do imposto sobre as sociedades, em derrogação ao direito comum.

(138)

O conceito examinado e validado pelas autoridades francesas em 1997 era, portanto, o da aplicação de uma imposição global à EDF, que cumulasse o imposto e a remuneração do acionista. O montante do imposto global cobrado à EDF, independentemente da isenção controvertida, que se refere às prerrogativas fiscais, e a remuneração paga ao Estado enquanto acionista estão muito misturados nos documentos transmitidos pelas autoridades francesas. No entanto, afirmam que esses documentos demonstram a existência de uma decisão de investimento. Pelo contrário, esta tomada em consideração sistemática do pagamento dos impostos devidos pela EDF ao Estado cobrador, incluindo através da regularização e do apuramento do imposto não recebido antes da Lei n.o 97-1026, para examinar e estabelecer a remuneração do Estado acionista, parece indicar que foi pela ação do Estado enquanto poder público, e não como investidor, que a isenção fiscal controvertida foi concedida.

(139)

Essa indicação é, aliás, reforçada pela natureza dos objetivos que o Estado fixou para a EDF em 1997, devido a preocupações e objetivos de poder público, e não de acionista. Tais preocupações estão patentes na fixação das tarifas da EDF, tal como foi acordada no contrato de empresa para o período de 1997-2000, e da qual dependia a remuneração do Estado acionista. Com efeito, o Estado exigia que a EDF contribuísse para o reforço da competitividade da indústria francesa e do poder de compra das famílias francesas. Estas considerações são não só alheias às que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria adotado, mas também contrárias aos interesses financeiros desse investidor hipotético. O mesmo acontece com o objetivo fixado para a EDF no contrato de empresa 1997-2000 de aplicar uma política ambiciosa de apoio à atividade económica e ao emprego, pondo-se ao serviço das coletividades locais (considerandos 89 e 95).

Avaliações económicas para determinar a rentabilidade do alegado investimento

(140)

O contrato de empresa entre o Estado e a EDF assinado em 8 de abril de 1997 incluía avaliações prévias do cenário financeiro, entre as quais previsões da rentabilidade do investimento em dotações de capital da EDF para o Estado acionista (considerando 92). Estes documentos e as análises avançadas pelas autoridades francesas referem-se aos efeitos esperados da reclassificação de todas as provisões constituídas pela EDF, independentemente de serem tributadas ou não e de terem ou não resultado da aplicação da Lei n.o 97-1026. A única avaliação sistemática apresentada pelas autoridades francesas, contida na nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997 (considerando 92), tem um caráter geral e limita-se à remuneração regulamentar aplicada às dotações de capital, incluindo as anteriores à reestruturação do balanço da EDF, sem incluir, por exemplo, a remuneração do capital para além das dotações ou a remuneração dos fundos próprios.

(141)

Nenhum documento transmitido pela França ou pela EDF demonstra que a decisão de investimento alegadamente tomada, ou seja, fornecer uma maior dotação de capital à EDF sem cobrar imposto sobre a reclassificação, tinha sido objeto de exame, estudos ou análises específicas. No entanto, tendo em conta os montantes em causa, um investidor privado avisado numa economia de mercado teria provavelmente efetuado uma análise financeira e económica do investimento antes de decidir se, tendo em conta a rentabilidade regulamentar das dotações de capital, o montante de 5,88 mil milhões de FRF da isenção fiscal era necessário para a empresa assegurar a rentabilidade a longo prazo do seu investimento total e para remunerar suficientemente o acionista. Este género de estudo económico prévio, que o Tribunal de Justiça menciona no ponto 84 do seu acórdão, entre os elementos que permitem concluir favoravelmente quanto à aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, não existe neste caso.

(142)

É particularmente significativo constatar que, para além da remuneração que seria atribuída ao Estado no período de 1997-2000, não foi efetuado qualquer estudo de remuneração nem de rendimento a mais longo prazo, quando a França alega precisamente ter feito um investimento a longo prazo. Ora, um investidor privado avisado numa economia de mercado não deixaria de proceder a uma análise da rentabilidade de um investimento para além do ano 2000.

(143)

Embora seja razoável pensar que um tal investidor privado teria tido em conta os efeitos da redução da taxa de endividamento da EDF, importa observar que a vantagem para a EDF de contrair empréstimos a menor custo graças a um melhor rácio de endividamento sobre os fundos próprios é genericamente referida em alguns documentos apresentados pela França (considerandos 101 e 105) e pela EDF. Não há, porém, nenhum elemento que refira as vantagens e a rentabilidade para o Estado acionista de uma diminuição do custo de empréstimo da EDF ou de um menor rácio de endividamento. De acordo com as estimativas quantificadas efetuadas nessa época e apresentadas no considerando 101, o rácio entre a dívida líquida e os fundos próprios da EDF deveria chegar a 148 % com a nova dotação de capital global, no valor de 50,7 mil milhões de FRF, incluindo os 5,88 mil milhões de FRF da isenção controvertida. Sem essa isenção fiscal, o rácio rondaria 163 %, ou seja, cerca de três vezes menos do que o rácio de 480 % anterior à Lei de n.o 97-1026. Analisada isoladamente dos outros efeitos da reclassificação das diversas provisões, o contributo da isenção fiscal para a melhoria deste rácio é pouco significativo e a sua tradução concreta em termos de diminuição do custo de empréstimo para a EDF muito duvidosa (considerandos 170 a 172). Em todo o caso, os documentos apresentados pelas autoridades francesas não mencionam nem analisam como investimento nem a remuneração do acionista resultante de um rácio de 148 % nem, muito menos, a resultante de um rácio de 163 %. A este respeito, não há nenhuma avaliação económica prévia comparável às que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria efetuado, como refere o Tribunal de Justiça no ponto 84 do seu acórdão.

(144)

Nesse aspeto, o estudo económico apresentado pela EDF em apoio das suas observações (considerandos 69-70) não prova que a França agiu como investidor e não como poder público. O estudo foi efetuado depois da alegada decisão de investimento tomada em 1997 e não foi examinado pelas autoridades competentes para tomar tal decisão. Essa é a única razão para que o estudo não possa ser admitido como prova, em conformidade com as indicações do Tribunal de Justiça (considerando 126, ponto 104 do acórdão de 5 de junho). O facto de o estudo ter sido baseado em dados autênticos disponíveis na época não basta para invalidar esta conclusão. O estudo foi propositadamente encomendado na sequência do alargamento do procedimento, em maio de 2013, e as conclusões a que ele iria chegar já eram aparentemente conhecidas pela EDF em julho de 2013, apesar de ser datado de outubro de 2013. Há ainda outras razões que invalidam os resultados quantificados a que o estudo chegou, privando assim de fundamento as conclusões que a EDF dele retira em apoio das suas observações, isto é:

O estudo baseia-se em dados que são, quase todos, dessa época e aplica abordagens metodológicas universalmente reconhecidas na avaliação do valor das empresas, com as importantes reservas a seguir formuladas. Contudo, não deixa de constituir uma avaliação económica particularmente complexa, após uma pesquisa de dados relativamente aprofundada, que demorou cerca de três meses a realizar e validar. Essa elaboração inclui escolhas metodológicas sucessivas e múltiplas, e que são, por vezes, contestáveis. Sem essa elaboração, é completamente impossível, a partir dos dados de base, dispersos e de proveniências diversas, formar uma ideia sumária ou uma previsão possível dos resultados quantificados quanto à rentabilidade que o Estado francês poderia alegadamente esperar em 1997, que o estudo apresenta. Ora, o Tribunal de Justiça exige que a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado se baseie nas evoluções previsíveis no momento em que a decisão foi tomada (n.o 105 do acórdão de 5 de junho de 2012). Contrariamente às pretensões da EDF, o próprio facto de, a partir dos dados disponíveis em 1996-1997, os serviços competentes do Estado francês não terem efetuado nem encomendado um estudo com essa amplitude e complexidade indica que as autoridades francesas não basearam a sua decisão na mera rentabilidade que o acionista podia esperar do alegado investimento.

O estudo analisa o comportamento do Estado francês à luz do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado com base em informações e hipóteses muito diferentes das apresentadas nos considerandos 87 a 108 e que, segundo as autoridades francesas, motivaram e justificaram a decisão alegadamente tomada. Ora, não foi a EDF que tomou a decisão de investimento e, no entender do Tribunal de Justiça (n.os 82 e 83 do seu acórdão de 5 de junho de 2012), é à França que incumbe apresentar os elementos que evidenciem a natureza e o contexto da decisão tomada. Uma vez que a França alega que foi com base nas informações e nos dados apresentados que tomou a sua decisão, o estudo e, logo, a EDF, substituem-se de facto ao alegado investidor e pretendem conhecer melhor do que o Estado francês as considerações e informações que teriam efetivamente motivado a decisão já tomada e as hipóteses que ele teria utilizado. Consequentemente, o estudo baseia-se em especulações e conjeturas sobre os dados, informações e hipóteses que as autoridades francesas teriam podido tomar em consideração, entre outras que não podem ser excluídas, em 1997, e por isso não tem força probatória em 2015 (nem tinha em outubro de 2013, quando foi efetuado) para explicar e esclarecer a decisão efetivamente tomada pelas autoridades francesas em 1997 e que estas autoridades explicam com dados e hipóteses diferentes.

Esse valor probatório está tanto mais ausente porquanto, para chegar aos resultados apresentados no considerando 70, o estudo se apoia em hipóteses quer arbitrárias ou arriscadas, quer não confirmadas pelos factos, quer ainda contrárias às informações constantes dos documentos apresentados pelas autoridades francesas e que, segundo estas, demonstram a aplicabilidade e a aplicação positiva, neste caso, do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado. Assim, em primeiro lugar, o estudo conjetura que, após 2000, a remuneração paga ao Estado acionista não seria regida por decreto e traduzida num contrato de empresa entre o Estado e a EDF, mas sim fixada por referência aos dividendos que outras empresas do setor pagavam em 1996-1997 (27). Ora, a remuneração das dotações de capital da EDF era regida por decreto desde 1956 (considerando 102) e foi fixada regulamentarmente e refletida nos contratos de empresa plurianuais antes de 1997 e muito depois dessa data, em função de considerações que nada tinham a ver com os dividendos pagos por empresas do setor que operavam noutros mercados que não o francês (considerandos 94 e 95). Do mesmo modo, em segundo lugar, o estudo reintroduz, sem justificação, na conta de resultados da EDF, provisões provenientes das contas sociais da EDF num montante de 11,6 mil milhões de FRF (excluindo impostos) e 7,3 mil milhões (após imposto) (28), aumentando artificialmente na mesma medida o valor da EDF, sem ter em conta as informações disponíveis e as evoluções previsíveis em 1997 no que respeita aos encargos a suportar pela EDF devido ao regime de pensões do seu pessoal (considerandos 168-169).

Em terceiro lugar, o aumento do valor da EDF resultante do crescimento dos rendimentos e resultados é calculado, no estudo, a partir das «expectativas de mercado» existentes em 1997 (29). Ora, as autoridades francesas dispunham de projeções dos rendimentos e resultados específicas e quantificadas em relação à EDF, para o período de 1997 a 2000, validadas no âmbito da elaboração do contrato de empresa para o mesmo período, e afirmam ter-se baseado nessas projeções e informações para tomarem a sua decisão (considerandos 78-79, 90, 94, 96), além de possuírem, em 1997, um conhecimento aprofundado da empresa e das suas perspetivas financeiras (considerando 77). O recurso a «expectativas de mercado» por parte de terceiros para fazer uma estimativa do valor da EDF nestas condições nem está demonstrado nem é consentâneo com os argumentos avançados pela França para explicar e sustentar a decisão que as suas autoridades teriam alegadamente tomado. Acresce que as autoridades francesas afirmam que a atividade principal da EDF era exercida em França, com tarifas regulamentadas (considerando 85). Além disso, essas tarifas estavam fixadas num nível baixo, a fim de reforçar a competitividade da indústria francesa e o poder de compra das famílias francesas (considerandos 89 e 95). O estudo não consegue explicar, e muito menos justificar validamente, por que razão a remuneração, os dividendos e os resultados de empresas constituídos em sociedades anónimas cotadas em bolsa, sem uma presença significativa em França e que operavam em mercados com condições concorrenciais e regulamentares diferentes (por exemplo, a Endesa, a Gas Natural e a Union Fenosa em Espanha, a RWE, a EON e a Verbund na Alemanha, a Fluxys na Bélgica, etc.), podiam determinar os resultados, a remuneração e os dividendos da EDF, uma das hipóteses de que dependem os resultados apresentados no considerando 70 (30).

Finalmente, em quarto lugar, o estudo afirma, sem qualquer justificação, que um aumento da dotação de capital da EDF em 1997 equivalia à aquisição de um ativo financeiro líquido, pelo menos potencialmente (31). Porém, em 1997 a EDF era um estabelecimento público industrial e comercial, não dotado de capital social (considerando 19), e em relação ao qual as autoridades francesas e a EDF afirmavam, na época, que manteria o mesmo estatuto no futuro (considerandos 95 e 105). O caráter arriscado desta afirmação, todavia decisiva para os resultados do estudo, é mais circunstanciadamente demonstrado nos considerandos 179 a 181.

Natureza e objeto da medida, contexto em que ela se insere e regras a que está sujeita

(145)

O Tribunal sublinha que a natureza da medida tomada é um dos elementos pertinentes a ter em conta para constatar a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia do mercado (ponto 86 do acórdão). A decisão de injetar um montante suplementar de dotação de capital na EDF, sem cobrar imposto sobre a reclassificação das provisões irregulares referentes à RAG, é, simultaneamente, uma decisão contabilística de reafetação entre rubricas do balanço da EDF (considerandos 100 e 105) e uma decisão de caráter fiscal, visto que as autoridades competentes consideram que o imposto sobre as sociedades devia ser cobrado antes da reclassificação (considerando 35), mesmo tendo sido pago imposto sobre outras provisões contabilísticas reclassificadas. Não está, por conseguinte, provado, ao contrário do que alegam as autoridades francesas, que estas duas vertentes, contabilística e fiscal, se encontrem indissociavelmente ligadas numa única medida adotada pela Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997.

(146)

O artigo 4.o, n.o 2, da lei dispunha que o contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da RAG constantes do passivo do balanço da EDF devia ser inscrito, excluídas as diferenças de reavaliação correspondentes, na rubrica «Dotações de capital» (considerando 28). Poderia deduzir-se desta disposição que a lei previa que, salvo eventuais diferenças da avaliação, nenhuma reorganização contabilística ou fiscal devia reduzir o montante do contravalor a inscrever como dotação no capital da EDF. Todavia, nos termos do artigo 34.o da Constituição Francesa a decisão de cobrar ou não o imposto à EDF não é do domínio da lei, pelo que a Lei n.o 97-1026 não podia decidir validamente sobre essa questão. Esse artigo limita as competências legislativas do Parlamento em matéria fiscal à fixação da matéria coletável, da taxa e das modalidades de cobrança das imposições de todos os tipos. A EDF pagou, assim, o imposto das sociedades relativo a certas provisões contabilísticas, mas não a outras, na sequência da mesma operação de reclassificação efetuada pela lei.

(147)

Os documentos preparatórios apresentados pelas autoridades francesas e mencionados no considerando 104 mostram, aliás, que o Conselho de Estado entendia, em 1997, que as disposições de natureza não legislativa deviam ser retiradas do texto do projeto de lei; além disso, um projeto de alteração do projeto de lei do Governo que visava limitar os pagamentos que o Estado podia exigir à EDF nos termos da lei, foi igualmente retirado. Por último, os ministros responsáveis consideraram, em abril de 1997, que as normas de execução da reestruturação da EDF a nível contabilístico e fiscal deviam ser objeto de conversações suplementares entre as autoridades de tutela e a empresa (considerando 98).

(148)

Estes elementos, especificados e quantificados no ofício executório enviado pelos ministros de tutela à EDF, em 22 de dezembro de 1997, após a adoção da lei (considerando 31), indicam que os aspetos relativos à execução fiscal são dissociáveis das disposições da Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997. Estes ministros, na carta enviada à EDF, explicam a reestruturação dos capitais permanentes da EDF, em aplicação do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026 de 10 de novembro de 1997, e parecem decidir tacitamente as consequências fiscais dessa reestruturação, sem qualquer menção a um investimento rentável ou a disposições imperativas da lei.

(149)

Quanto ao contexto da medida, que o Tribunal de Justiça refere como um dos elementos pertinentes para apreciar a eventual aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, as reuniões preparatórias e os documentos de apoio relativos a esse período, que conduziram ao contrato de empresa entre o Estado e a EDF, assinado em 8 de abril de 1997, mostram que a reclassificação das provisões se inseria no contexto da próxima liberalização parcial dos mercados de eletricidade na União, decidida desde 1996. Além disso, o desejo de internacionalizar adicionalmente as atividades da EDF está presente no contrato de empresa 1997-2000 e nos documentos preparatórios, tal como nos documentos parlamentares. O próprio contrato de empresa pressupõe que, para ser executado, é necessária uma medida legislativa de regularização, como a prevista na Lei n.o 97-1026, estabelecendo desse modo uma continuidade de facto entre os objetivos do contrato e os do legislador. Todavia, nem o contrato celebrado em abril de 1997, nem os documentos preparatórios e a correspondência com as autoridades de tutela da EDF tomam posição sobre o montante exato do imposto.

(150)

Este contexto, descrito pelos elementos expostos pela França nas suas observações, não permite porém determinar com certeza que a medida corresponde ao comportamento de um acionista que efetua um investimento. Com efeito, a necessidade de corrigir as irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas em outubro de 1994 também faz parte deste contexto. Enquanto, por um lado, se procurava corrigir uma irregularidade contabilística que tinha permitido que a EDF não pagasse o imposto sobre as sociedades durante anos, as autoridades francesas sublinhavam que o dispositivo não poria em causa o monopólio da EDF (considerando 105) e que se deveria manter o quadro estável permitido pela liberalização do mercado (considerando 95). É verdade que a liberalização abria perspetivas de expansão nos mercados nacionais de outros Estados-Membros e que, no contrato de empresa para 1997-2000, estavam previstas ações destinadas a promover uma maior internacionalização da EDF. Nem por isso é menos certo que a preocupação dos poderes públicos em beneficiar as empresas nacionais através de medidas de apoio financeiro, no limiar de uma liberalização, não se limita às empresas públicas, nem caracteriza o comportamento de um acionista avisado de uma empresa pública.

(151)

Por último, o Tribunal de Justiça afirma que o exame das regras a que a medida controvertida está sujeita é pertinente para determinar o seu caráter, quer de investimento do Estado acionista quer de prerrogativa de poder público. A classificação da medida numa ou noutra destas categorias pode ter, portanto, em conta o respeito pelas regras que lhe são aplicáveis. Importa examinar, assim, as regras aplicáveis ao investimento de recursos fiscais em empresas como a EDF. Na medida em causa, o produto do imposto sobre as sociedades não cobrado seria inscrito nas receitas gerais do orçamento do Estado francês em 1997. Como previa o artigo 18.o do Decreto-lei n.o 59-2, de 2 de janeiro de 1959, que estabelece uma lei orgânica relativa às leis de finanças, aplicável à data dos factos, o conjunto das receitas que permitem executar o conjunto das despesas, todas as receitas e todas as despesas do Estado são imputadas a uma única conta, denominada orçamento geral. Em consequência, as receitas do imposto são inscritas no orçamento e em proveito do Estado, e não em proveito das empresas públicas.

(152)

Este orçamento está sujeito ao princípio constitucional da universalidade, por força do qual todas as receitas e todos os créditos são inscritos em dois blocos distintos, sem que seja estabelecida qualquer ligação particular, por exemplo, entre uma receita do imposto sobre as sociedades e uma despesa tal como uma dotação de capital em benefício de uma empresa pública como a EDF. É certo que a pré-afetação de um recurso fiscal a uma pessoa coletiva que não o Estado, a título de subvenção ou de investimento, é possível no direito francês, desde que essa afetação seja objeto de disposições expressas. O artigo 18.o do Decreto-lei n.o 59-2 dispunha assim que, à parte os empréstimos e adiantamentos, nomeadamente, a afetação de receitas do Estado é excecional e só pode resultar de uma disposição de lei de finanças, de iniciativa governamental.

(153)

Ora, a Lei n.o 97-1026, de 10 de novembro de 1997, não era uma lei de finanças e, por isso, não podia afetar um recurso fiscal ao capital da EDF. Por outro lado, não se afigura que tenham sido adotadas disposições específicas de iniciativa governamental, em matéria de legislação financeira aplicável ao orçamento de 1997, para pré-afetar o produto do imposto devido pela EDF às despesas do Estado francês a título de um investimento no capital da EDF, no âmbito do mesmo orçamento. Esta regra, que possibilita o investimento de um recurso fiscal cujo beneficiário é o Estado numa pessoa coletiva distinta do Estado, como a EDF, não parece, assim, ter sido aplicada.

(154)

A esmagadora maioria dos elementos atrás referidos indicam claramente que a França não tomou, previamente ou simultaneamente à concessão da vantagem económica resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades, a decisão de proceder, através da isenção fiscal, a um investimento na EDF. Em consequência, o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado não parece ser aplicável a esta medida. As considerações seguintes, a respeito da aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, revestem-se, portanto, de um caráter subsidiário.

9.1.3.   Sobre a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado

(155)

No seu acórdão de 5 de junho de 2012 sobre o caso em apreço, o Tribunal de Justiça considerou que a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado deve permitir determinar se um acionista privado teria fornecido, em condições semelhantes, um montante igual ao imposto devido a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável à da EDF (ponto 95 do acórdão). A eventual diferença entre o custo de investimento suportado pelo investidor privado e o que incumbe ao Estado acionista também pode ser tida em conta para saber se os requisitos fixados pelo princípio estão preenchidos (ponto 96 do acórdão).

(156)

A apreciação é efetuada com referência aos elementos objetivos e verificáveis e às evoluções previsíveis no momento em que a decisão de investimento foi tomada (pontos 102 e 105 do acórdão). Nessa apreciação só podem ser tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação do Estado na qualidade de acionista, com exclusão dos relacionados com a sua qualidade de poder público (ponto 79 do acórdão).

(157)

Tendo em conta a situação e as características da EDF, que existia como estabelecimento público inteiramente controlado pelo Estado francês há mais de 50 anos, importa tomar como referência um investidor animado por um objetivo de rentabilidade a longo prazo e examinar mais atentamente as informações transmitidas pela França, tal como são descritas nos considerandos 87 a 108. Na verdade, são estes elementos que as autoridades francesas apontam como base da sua própria decisão em 1997.

(158)

Em primeiro lugar, importa examinar a rentabilidade que a EDF proporcionava ao seu acionista em 1997 e que deve ser comparada com valores de referência. Em 1997, a taxa média de remuneração das obrigações a longo prazo (30 anos) da França era de 6,35 %. Mesmo em maturidades mais curtas (10 anos), inferiores às do ciclo de vida das instalações da EDF, a taxa de juro média paga sobre as obrigações do Estado francês era de 5,58 % (32). Estes valores representam simultaneamente o rendimento de ativos financeiros considerados de baixo risco e o custo de financiamento do Estado francês a longo prazo, nessa época. Em 1997, um investimento numa empresa como a EDF apresentava maior risco do que a detenção de obrigações do Tesouro e, por conseguinte, um investidor privado avisado numa economia de mercado teria exigido uma rentabilidade superior à das obrigações do Tesouro.

(159)

Ora, o exame da rentabilidade corrente com que o Estado francês podia contar em 1996-1997, tal como é apresentada nos documentos transmitidos pelas autoridades francesas, não permite concluir que o investimento satisfaz o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado.

(160)

As autoridades francesas transmitiram a conta de resultados previsional da EDF para o período posterior à reestruturação do balanço, tal como foi examinada em 1997 pelas autoridades em causa (considerando 92, quadro 1). As estimativas do quadro são confirmadas por outros documentos da época (considerandos 96-97, 103). Estas estimativas do cenário de referência da EDF para o período seguinte tinham sido validadas pelas autoridades do Estado (considerando 97). A partir desta conta de resultados e dos montantes previstos de recursos investidos pelo Estado na EDF (considerando 100, quadro 2), é possível calcular a rentabilidade que o Estado podia esperar em relação, respetivamente, às dotações de capital, ao capital total (capital inicial e dotações) e aos fundos próprios da EDF (capital total, diferenças de reavaliação, reservas regulamentares e resultados transitados) (33), de acordo com o quadro 4.

Quadro 4

Remuneração previsional dos capitais no balanço da EDF 1997-2000 (Mil milhões FRF)

 

1997

1998

1999

2000

1997-2000

Percentagem fixa de 3 %

1,5

1,5

1,5

1,5

6,0

Percentagem variável

0,6

1,0

0,9

0,9

3,4

Percentagens fixa e variável

2,1

2,5

2,4

2,4

9,4

Rentabilidade dos fundos próprios (79,8 mil milhões FRF) (%)

2,63

3,13

3,01

3,01

2,94

Rentabilidade do capital e das dotações (53,3 mil milhões FRF) (%)

3,94

4,69

4,50

4,50

4,41

Rentabilidade das dotações de capital (50,7 mil milhões FRF) (%)

4,14

4,93

4,73

4,73

4,64

Fonte: Cálculos da Comissão a partir dos quadros 1 e 2

(161)

Decorre dos documentos citados e transmitidos pelas autoridades francesas, que em 1997 a remuneração que o Estado acionista esperava da EDF para o período completo de 1997-2000 era de 9,4 mil milhões de FRF, 6 mil milhões dos quais a título da parte do capital sujeito à taxa fixa de 3 % e 3,4 mil milhões para todo o período a título da parte complementar, após a reclassificação efetuada pela Lei n.o 97-1026. A partir das estimativas validadas na época, em média, a rentabilidade corrente futura que o Estado acionista podia esperar era de 2,94 % sobre o total dos fundos próprios da EDF, 4,41 % sobre o total do capital investido pelo Estado na EDF e 4,64 % sobre o montante das dotações de capital. Esta remuneração, aplicável ao montante da isenção de imposto reclassificada como dotação de capital, era muito inferior à taxa de 6,35 % paga sobre as obrigações emitidas pelo Estado francês em 1997 tendo em vista ao seu próprio financiamento a longo prazo. Um investidor privado avisado numa economia de mercado teria considerado que a rentabilidade corrente esperada do montante de 5,88 mil milhões de FRF, correspondente à isenção fiscal, era insuficiente para justificar o investimento.

(162)

Aliás, o Tribunal de Justiça considerou, no ponto 96 do seu acórdão de 5 de junho de 2012, que é possível, no âmbito da aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, tomar em consideração a diferença entre o custo de investimento suportado por um investidor privado e o suportado pelo Estado. Isso equivale a comparar a rentabilidade que, segundo as autoridades francesas, justificou a operação de reclassificação das provisões dos direitos do concedente no valor da isenção fiscal, com a que teria obtido um acionista privado que efetuasse a mesma operação de recapitalização numa empresa em todos os aspetos semelhante à EDF, excetuando a prerrogativa, inacessível para o investidor privado, de isentar de imposto sobre as sociedades a dotação de capital.

(163)

Uma tal empresa cujo acionista dispusesse de 5,88 mil milhões de FRF com vista à sua recapitalização em condições idênticas às da EDF teria tido uma perspetiva de rendimento de 4,64 % anuais sobre o capital suplementar investido pelo acionista, ou seja, 272 mil milhões de FRF por ano, sem ter em conta o imposto sobre as sociedades. Aplicando a taxa de imposto sobre as sociedades de 41,66 % aplicável em 1997, a perspetiva de rendimento seria de 159 milhões de FRF por ano para a mesma injeção de capital, ou seja, uma taxa de rendimento anual nominal de 2,7 %. Essa taxa aplicável a uma participação no capital de uma empresa com os riscos associados a tal investimento deve ser comparada à taxa de 6,35 % paga sobre as obrigações da França na mesma época. A baixa rentabilidade teria dissuadido, assim, um investidor privado que não dispusesse das prerrogativas fiscais do Estado. Com tão fracas perspetivas de rentabilidade dos capitais investidos, parece ser de excluir que um investidor privado avisado, cuja empresa fosse devedora do imposto sobre as sociedades referente às dotações de capital, teria participado, se estivesse no lugar da França, no aumento do capital da EDF em 1997.

(164)

Há que examinar, portanto, se os elementos e informações contemporâneos da decisão de reclassificar as provisões sem cobrança do imposto, apresentados pela França, contêm indicações suplementares suscetíveis de convencer um investidor privado avisado a efetuar o alegado investimento apesar da rentabilidade visivelmente fraca. Estas indicações podem ter, nomeadamente, a ver com a capacidade da EDF para: i) aumentar os rendimentos da sua atividade a longo prazo; ii) melhorar os seus resultados de exploração através de ganhos de eficiência; iii) aumentar o valor líquido dos ativos produtivos da empresa; ou iv) remunerar de forma regular e suficiente o seu acionista. Estes são fatores que podem criar valor a longo prazo para o acionista, se as perspetivas forem positivas, mas que destroem valor, se as perspetivas forem negativas.

(165)

A este respeito, nenhum dos documentos apresentados pelas autoridades francesas contém uma quantificação, nem mesmo uma avaliação qualitativa, da eventual criação de valor para o acionista, que as autoridades francesas tivessem examinado e tomado em consideração para o período de 1997-2000 ou depois. Apenas são feitas referências genéricas e gerais a uma maior tomada em consideração dos interesses do Estado acionista, o que indica que a valorização da empresa enquanto investimento para o Estado acionista não foi tida em conta para decidir o alegado investimento. Em todo o caso, o exame de quatro fatores potencialmente criadores de valor para o acionista não permite concluir que existe um crescimento previsível a partir dos dados disponíveis em 1997, nomeadamente a conta de exploração previsional 1997-2000 da EDF e as previsões do cenário financeiro adotadas pelas autoridades de tutela (considerando 92, quadro 1, considerando 96).

(166)

Quanto às receitas totais da EDF, o Estado acionista podia esperar um aumento muito fraco, ou seja, 0,64 %. Esta quase estagnação pode ser explicada pelo objetivo fixado pelo Estado de contribuir «para a competitividade da indústria francesa e para o aumento do poder de compra do consumidor doméstico», que se traduziu numa redução, em média, de […] % das tarifas da EDF, ao longo de quatro anos (considerandos 89, 95-96), ou seja, uma redução anual de […] %. A EDF exercia o essencial da sua atividade em França, uma vez que, para o período de 1997 a 2000, estava previsto que mais de 89 % das receitas da empresa proviessem do mercado francês. Por conseguinte, as suas receitas dependiam essencialmente das opções do Estado em matéria de fixação das tarifas da eletricidade. Um investidor privado avisado não deixaria de ter em conta que a fixação de objetivos de política pública contrários aos seus interesses de acionista prejudicaria os seus interesses patrimoniais. Nenhum investidor privado avisado aceitaria uma diminuição da remuneração do seu investimento para favorecer a competitividade das empresas francesas.

(167)

A rubrica da conta de exploração previsional 1997-2000 que descreve os resultados da atividade principal da EDF também devia diminuir 29 % nesse período, passando de 9,3 mil milhões de FRF em 1997 para 6,6 mil milhões de FRF em 2000. Os encargos de exploração, por sua vez, deveriam crescer 2,2 %, sobretudo devido ao aumento das despesas de exploração corrente, visto que os encargos financeiros, a amortização e os juros, excluindo a remuneração do capital, deveriam diminuir. Adicionando as dotações às amortizações e os encargos financeiros aos resultados da atividade principal, a evolução prevista para o período de 1997-2000 era igualmente negativa, uma vez que esse agregado diminuiria de 62,6 milhões para 53,9 mil milhões de FRF, ou seja, 13,9 %. Ora, é a evolução do resultado da atividade corrente antes das amortizações e dos juros que, a prazo, determina se a atividade da empresa tem capacidade para gerar valor e fluxos de caixa positivos. Para além da degradação prevista, na prossecução de objetivos de política económica ou regulamentares, o Estado tinha estabelecido para a EDF o objetivo de afetar os eventuais ganhos de eficiência e produtividade da empresa à diminuição suplementar das tarifas, dando-lhe prioridade em relação à remuneração do acionista (considerando 95). A conclusão a tirar é que a atividade corrente da EDF, subordinada a objetivos de política económica do Estado, não ofereceria uma perspetiva de remuneração futura satisfatória.

(168)

Tal como a Comissão referiu na decisão de alargamento, um investidor privado avisado teria tido em conta a incerteza quanto ao montante e à evolução dos encargos de financiamento com as pensões de reforma a que a EDF devia fazer face em 1997, em aplicação do regime específico aplicável às indústrias da eletricidade e do gás. No caso da EDF, em 1997, os encargos com as pensões de reforma e, por maioria de razão, as responsabilidades extrapatrimoniais a elas referentes, constituíam uma hipoteca que fazia prever saídas suplementares de capital que diminuíam mais ainda o já fraco resultado líquido da empresa.

(169)

A massa das pensões de reforma da EDF representava 12,2 mil milhões de FRF em 1997 e, se a legislação não fosse alterada, deveria aumentar significativamente nos anos seguintes, passando, para o conjunto do regime (incluindo a GDF e as empresas não nacionalizadas) para 20 mil milhões de FRF em 2010 e para 25 mil milhões de FRF em 2020 (34). Aplicando à EDF uma tabela de repartição de 78,4 %, que reflete o peso da sua massa salarial no setor das indústrias abrangidas pelo regime, a parte que caberia à EDF teria sido de 15,7 mil milhões de FRF em 2010 e de 19,6 mil milhões de FRF em 2020, e isto sem ter em conta um eventual aprovisionamento dos compromissos futuros, se a legislação não fosse alterada (35). O previsível aumento dos encargos de pensões era, assim, superior ao resultado líquido, após remuneração do Estado e impostos, esperado para o período de 1997-2000, tal como mostra o quadro 1. Por conseguinte, a avaliação que um investidor privado avisado numa economia de mercado poderia fazer em 1997, se, como o Estado francês, tivesse um conhecimento aprofundado da situação da empresa, tê-lo-ia levado a valorizar os encargos futuros da empresa e a desvalorizar na mesma medida as perspetivas de rentabilidade do investimento.

(170)

Além disso, o investidor privado avisado podia esperar uma redução considerável da dívida da EDF, que deveria passar de […] FRF para […] FRF em quatro anos (considerandos 91 e 95). No entanto, constatou-se que a EDF manteve uma notação financeira de Aaa, conferida pela agência de notação Moody's entre 1992 e 1996, com um rácio de endividamento de 480 %. As autoridades francesas mencionam também, de maneira bastante vaga, que a EDF geraria recursos no montante de 70 mil milhões de FRF no período de 1997-2000 (considerando 84). Todavia, o desendividamento da EDF e o seu efeito automático no valor do ativo líquido da empresa não se deveria traduzir numa melhor remuneração do Estado francês durante o mesmo período, mas, pelo contrário, numa clara diminuição dessa remuneração relativamente ao período de 1991 a 1996 (considerando 134).

(171)

Como refere a EDF, uma eventual redução da notação da EDF por parte de agências como a Moody's ou a Standard & Poor's também não impediria que a empresa mantivesse uma notação excelente (considerando 71). Além disso, entre os objetivos fixados entre 1997 e 2000, figurava a redução do endividamento da EDF no montante de […] FRF, a que deveria seguir-se uma diminuição importante dos encargos totais com juros que a EDF tinha de pagar. Nem a redução da dívida total da EDF nem o custo da mesma, nem ainda as eventuais vantagens que dela poderiam resultar para o Estado acionista, seriam assim comprometidas por uma menor dotação de capital, de 44,8 mil milhões de FRF em vez de 50,7 mil milhões de FRF. Um rácio da dívida sobre os fundos próprios de 163 %, em lugar dos 148 % previstos, devido à isenção fiscal não teria prejudicado os interesses do acionista. Nesta matéria, não existe uma estrutura financeira ideal e o relatório da Assembleia Nacional (considerando 100) refere rácios observados neste setor que variam entre 250 % (Verbund, Áustria) e 10-15 % (Veba, Alemanha e PowerGen, Grã-Bretanha).

(172)

O endividamento permitiu à EDF financiar o seu crescimento e os seus resultados sem fundos suplementares do acionista, aumentando com um «efeito de alavanca» da dívida a rentabilidade dos fundos já investidos pelo Estado. Ora foi dada prioridade ao desendividamento, apesar de a EDF ter uma notação excelente antes da redução prevista da dívida (considerando 71). Além disso, a excelência da notação, que reflete a capacidade da empresa para reembolsar os seus credores antes de 1996 não é incompatível com uma fraca remuneração do acionista. Pelo contrário, a notação dos títulos de dívida emitidos pela EDF seria tanto melhor quanto menor fosse o montante cobrado pelo seu acionista. No horizonte temporal visado pelas projeções apresentadas pelas autoridades francesas, a previsível redução do efeito de alavanca e, em qualquer caso, a fraca incidência do montante do imposto sobre o rácio de endividamento teria levado um investidor privado avisado numa economia de mercado a desvalorizar as perspetivas de rentabilidade do seu investimento ou a não considerar que o investimento em fundos próprios no montante do imposto era justificado pela necessidade de melhorar a situação de endividamento da EDF em 1997.

(173)

Por último, um investidor privado avisado basearia provavelmente a sua decisão de investimento na avaliação da capacidade da empresa para lhe garantir uma remuneração estável e suficiente. Neste aspeto, a remuneração do Estado acionista prevista para o período de 1997-2000 indicada pelas autoridades francesas ficava muito aquém da taxa de 6,35 % paga pelas obrigações do Tesouro francês na mesma época. Além do mais, esta remuneração podia ser, de facto, diminuída para ter em conta o imposto pago ao Estado cobrador (considerandos 103 e 106). A remuneração do acionista também foi consideravelmente diminuída precisamente na altura em que o Estado procedeu ao alegado investimento. Qualquer acionista teria acolhido de forma negativa a redução abrupta e muito significativa da remuneração das dotações de capital, que deveria passar da taxa real de 9,32 %, em média, no período de 1991-1996, para a taxa de 4,64 % prevista para o período de 1997-2000, ou seja, uma diminuição para menos de metade. Em relação aos fundos próprios, a rentabilidade passou de uma taxa de 14,1 %, em média, no final de 1996 para a taxa de 2,94 % prevista para o mesmo período (considerandos 92 e 102, quadros 1 e 3).

(174)

É certo que um investidor privado avisado pode aceitar uma redução da sua remuneração atual na perspetiva de que o crescimento da empresa lhe proporcione uma melhor remuneração futura, ou valorize a empresa de modo a gerar mais-valias em caso de venda de ativos correspondentes a um direito de propriedade sobre esta. Neste aspeto, por um lado, a rentabilidade atual que se podia esperar em 1997 não compensaria a redução abrupta da rentabilidade passada. Por outro lado, a análise de quatro fatores potencialmente criadores de valor para o acionista, identificados nos considerandos 164 a 173, não permite concluir que o acionista consideraria que o crescimento do valor da empresa era previsível, a partir dos dados contidos nos documentos apresentados pelas autoridades francesas.

(175)

Os elementos disponíveis não permitem concluir também que um investidor privado avisado que estivesse no lugar do Estado francês em 1997 apostaria numa mais-valia de capital que viesse compensar a baixa remuneração atual paga ao Estado, à luz da informação existente. As autoridades francesas não efetuaram qualquer estudo do valor da EDF, nem antes nem depois da reclassificação das provisões, em 1997.

(176)

Além do mais, em 1997, a EDF era há mais de cinquenta anos um estabelecimento público industrial e comercial e não uma sociedade anónima. Nos termos do artigo 16.o da Lei n.o 46-628, o seu capital pertencia à nação francesa e não podia ser alienado (considerando 18). Aliás, é forçoso constatar que, mesmo após a reestruturação do balanço da EDF efetuada pela Lei n.o 97-1026, em 1997 a dívida líquida total da EDF, num montante de cerca de 118 mil milhões de FRF, ultrapassava em muito o valor dos seus capitais próprios, que orçavam os 79,8 mil milhões de FRF (considerando 101, quadro 2).

(177)

Nenhum dos documentos apresentados em apoio da alegada decisão de investimento das autoridades francesas refere o projeto de uma eventual privatização da EDF por venda total ou parcial do capital detido pelo Estado, a qual exigiria a adoção prévia de um estatuto de sociedade anónima e o abandono do estatuto de estabelecimento público industrial e comercial. Pelo contrário, a única referência ao estatuto da EDF contida nesses documentos é a reafirmação pelo Estado da sua vontade de manter o estatuto específico da EDF que «devia permanecer uma referência estável na evolução futura» do mercado interno da eletricidade (considerando 95). É com base nestas informações que a França afirma que a decisão de investimento foi tomada e, por isso, estes factos devem continuar a ser o quadro de referência da análise da alegada decisão.

(178)

Nestas condições, não teria sido razoável e avisado por parte de um investidor esperar uma mais-valia de capital que dependeria da intervenção do poder legislativo contra, por um lado, as disposições legais decididas pelas autoridades francesas em 1946 e sistematicamente aplicadas, e, por outro lado, a vontade expressa do Estado, afirmada pelo ministro responsável pelas participações do Estado à data dos factos, em 1997, de manter o estatuto jurídico específico da EDF num mercado interno da energia liberalizado a nível da União. As hipóteses em que assentam as conclusões da EDF quanto à rentabilidade que um investidor privado avisado teria esperado para o seu investimento, com base no valor inicial e futuro das ações da EDF em 1997 (considerandos 69 e 70), não têm em conta o estatuto da EDF em 1997 e são desmentidas pelos documentos apresentados pelas autoridades francesas que referem esta questão.

(179)

Como salientam as autoridades francesas, enquanto estabelecimento público industrial e comercial, em 1997 a EDF não tinha capital social, ao contrário, por exemplo, de uma sociedade anónima cujo capital é detido pelos acionistas (considerando 19), que podem revender as suas ações a qualquer momento. Deste modo, em 1997, o investidor de referência teria determinado um certo número de fatores, ou formulado hipóteses que deviam ser, forçosamente, abordadas com precaução, designadamente: i) em que momento o Estado fixaria o capital social de uma futura sociedade anónima e se nele incluiria ou não os fundos quase próprios, o que determina a capacidade da sociedade para garantir dividendos estáveis; ii) qual seria o número de ações em que esse capital se dividiria, sabendo que o preço mais ou menos elevado determina em parte a sua atratividade no mercado; iii) que forma assumiria uma abertura do capital através da emissão de novas ações e qual seria o seu montante, o que determina o grau de diluição possível da sua participação; por último, iv) em que momento seria a operação executada, o que, devido às fracas perspetivas de valorização patenteadas pelos resultados previsionais da EDF até ao ano 2000 (considerando 167) só seria previsível num futuro distante. Nada nas informações apresentadas pelas autoridades francesas relativamente ao período anterior ao alegado investimento permite considerar que tais dúvidas poderiam ter sido esclarecidas em 1997.

(180)

Nestas condições, a eventual valorização do direito detido pelo Estado no capital da EDF em resultado da dotação de capital controvertida, supondo que essa valorização está provada — o que não é manifestamente o caso — implicaria que um investidor avisado ponderasse, pelo menos, quatro fatores essenciais sobre os quais, ao contrário do legislador e do regulador, não teria qualquer influência nem disporia, em qualquer caso, de informações válidas em 1997. Um investidor privado avisado não teria ignorado a quase ausência de liquidez do seu investimento, ou seja, teria tido em conta essa circunstância no momento de decidir investir ou não. Esta falta de liquidez é suscetível de diminuir o interesse de uma eventual valorização da empresa

(181)

Além disso, como se disse no considerando 144, o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado deve basear-se principalmente em informações e elementos transmitidos pelo Estado-Membro, numa situação em que a decisão já foi tomada, desde que o Estado-Membro alegue que foram esses elementos, e não outros mais hipotéticos, ou mesmo contraditórios face aos elementos apresentados, que tomou em consideração. Ora, o Tribunal de Justiça exige que a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado se baseie nas evoluções previsíveis no momento em que a decisão foi tomada (ponto 105 do acórdão de 5 de junho de 2012). Deste modo, as autoridades francesas afirmaram em 1997 que o estatuto da EDF, o qual não permitia a criação e a revenda de ações da empresa, seria mantido como referência estável, incluindo num mercado europeu liberalizado (considerando 95). Adotar hipóteses que contradigam a afirmação das autoridades francesas equivale a aplicar o critério numa situação que não é a mais semelhante possível à do Estado-Membro, ao contrário do que a jurisprudência exige (considerando 126).

(182)

No entanto, mesmo que se supusesse, para efeitos desta análise, que um investidor privado avisado poderia ter tomado em consideração uma valorização futura do seu investimento numa data incerta, além da rentabilidade normalmente oferecida, para decidir proceder ao alegado investimento, esse investidor teria tido em conta a capacidade da empresa para gerar dividendos a longo prazo, à semelhança do Estado francês, que controlava a EDF desde 1946. Para calcular o valor do seu direito de propriedade na EDF, o investidor privado avisado teria excluído o valor contabilístico do ativo líquido da empresa, mesmo que apostasse no desendividamento e na geração de recursos invocados pelas autoridades francesas (considerando 84). O valor dos ativos, os montantes de investimento ou o desendividamento não coincidem necessariamente com o valor económico real para fixar um preço de transação. Não convém, por isso, dar demasiada importância ao facto de o reembolso total das dívidas da EDF em 1997 exigir montantes muito superiores aos capitais próprios da EDF (considerando 177). A longo prazo, o valor de uma empresa depende da sua capacidade de gerar valor para o acionista sob a forma de dividendos ou de valorização do capital, e não do valor contabilístico dos seus ativos ou património.

(183)

Entre os diversos métodos utilizados no setor financeiro para calcular o custo de oportunidade ou a rentabilidade exigida de um direito de propriedade transferível a título oneroso no capital de uma empresa, a mais utilizada é a do modelo de avaliação dos ativos financeiros («MEDAF») (em inglês, Capital Asset Pricing Model«CAPM») (36). Como se vê no quadro 5, a aplicação do modelo MEDAF a um investimento no capital da EDF em 1997 determina um valor-alvo de rentabilidade exigida de cerca de 12 %, podendo chegar a 13,4 %, para um ativo líquido como uma ação da EDF. Contudo, esse valor-alvo deve ser entendido como base. Ele pressupõe que, não só um direito de propriedade sobre a EDF como uma ação era possível e transferível, mas também que disporia de um mercado com liquidez, quando o Estado detinha 100 % do capital e a EDF não podia emitir ações. À rentabilidade exigida para um ativo líquido importa acrescentar um prémio entre 0,5 e 1,5 % (37) para refletir a grande incerteza decorrente dos fatores examinados nos considerandos 179 e 180 quanto à liquidez dos títulos da EDF que um investidor privado avisado podia ter em 1997.

(184)

Em todo o caso, a validade da ordem de grandeza de 12 %, sem prémio de liquidez, é semelhante, ainda que inferior, à rentabilidade atual sobre os fundos próprios de 14 %, com a qual a EDF remunerou o Estado francês entre 1991 e 1996 (considerando 102, quadro 3). Normalmente, é na rentabilidade real obtida que se baseia a expectativa de rentabilidade futura. A validade dessa ordem de grandeza de 12 % também é confirmada pela utilização de outros parâmetros, a partir dos números disponíveis na época, incluindo os utilizados no estudo realizado por conta da EDF e mencionado no considerando 70, que determina um valor-alvo situado num intervalo entre 11,9 % e 13,5 %, com uma média de 12,7 %. Dado que os resultados da análise não se alteram se o prémio de liquidez fosse superior à rentabilidade-alvo de cerca de 12 %, ou se, a partir de 1997, fosse aplicada a taxa de 14 % de rentabilidade real num passado recente, não é preciso tomar esse prémio ou a rentabilidade real em consideração.

Quadro 5

Rentabilidade-alvo exigida para um investimento em ações da EDF em 1997: valores de cálculo

Parâmetro

Valor

Fonte

Taxa sem risco

6,35 — 5,58

Média anual em 1997 da taxa diária do empréstimo-guia da República Francesa a 30 e a 10 anos, fonte Banco da França: Taxa de referência das obrigações do Tesouro e OAT, http://www.banque-france.fr/economie-et-statistiques/changes-et-taux)

Beta da EDF (endividada)

0,45 — 0,54 — 0,62

1/Beta da EDF — Vernimmen e outros, op.cit., gráfica p.427. 2/e 3/Estudo da Oxera, quadro 3.8, Beta de sociedades da UE no setor.

Endividamento (%)

60

Estrutura de capital da EDF após reestruturação 1997

Beta da EDF (desendividada)

0,84 — 0,89 — 1,36

1/e 2/Cálculo da Comissão. 3/Estudo da Oxera, quadro de 3.8

Prémio de risco de mercado

6,3 — 7,3

1/Vernimmen op.cit. p.423, citando Mehra Prescott 2/2003 T.2 FR 1973-98. 2/Prémio de risco previsto em França, em média, no período de 1988-1996 (esse prémio era de 10,1 % em 1996). «An examination of Equity Risk Premium Forecasts in the G-6 Countries», Khorana, Moyer & Pattel, I/B/E/S Working Paper, agosto de 1997, p.25.

Intervalo de rentabilidade

11,7 — 12,1 — 13,4

Cálculo da Comissão

Rentabilidade média

12

Cálculo da Comissão

(185)

Para tomar a sua decisão de investimento em 1997, um investidor privado avisado que se encontrasse na situação mais semelhante possível à das autoridades francesas teria tido em conta as estimativas sistemáticas dos resultados futuros da EDF, validadas pelas autoridades competentes e adotadas como cenário financeiro, tal como figuram na conta de exploração previsional da EDF para o período de 1997-2000 (considerandos 90-92 quadro 1, considerando 97). A isenção fiscal era equivalente a 11 % dos 53,3 mil milhões de FRF de capital e dotações de capital da EDF em 1997, após a reestruturação do balanço. Pode presumir-se, assim, que o investimento dava direito a receber 11 % dos dividendos (remuneração das dotações de capital tais como são estimadas nos quadros 1 e 4) e do valor da EDF. Para determinar esse valor, deve aplicar-se um modelo de cálculo do valor da empresa a longo prazo, ou seja, o modelo de atualização dos dividendos (em inglês, «dividend discount model»«DDM») (38).

(186)

Os resultados da análise com o modelo DDM de um investimento de 5,88 mil milhões de FRF, a partir dos dividendos previstos na conta de resultados previsional da EDF em 1997-2000 (remuneração das dotações de capital e remuneração complementar constantes do quadro 1), são apresentados no quadro 6, indicando a taxa de rendimento interno (TRI) dos fluxos financeiros e o valor atual líquido («VAL») para taxas de rentabilidade-alvo de 12 %, 6,35 % e 5,58 %, (39). Estes resultados são calculados para um cenário de referência baseado na prática de análise corrente (quadro 6.1), com três análises de sensibilidade menos plausíveis que afrouxam as hipóteses do cenário de referência e, por isso, simulam uma rentabilidade para o acionista superior à do cenário de referência (quadros 6.2, 6.3 e 6.4).

Quadro 6

Estimativa da rentabilidade (VAL) de um investimento de 5,88 mil milhões de FRF, com base no modelo DDM, a partir da conta de resultados previsional da EDF 1997-2000 (quadro 1) (mil milhões FRF)

6.1   Cenário central (Crescimento dos dividendos previsto no final do período de 1999-2000)

 

 

1.1.1997

31.12.1997

31.12.1998

31.12.1999

31.12.2000

31.12.2000

 

 

Investimento

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Valor DDM

 

 

– 5,88

0,23

0,28

0,26

0,26

2,21

VAL a 12 %

– 3,43

 

 

 

 

 

 

VAL a 6,35 %

– 3,17

 

 

 

 

 

 

VAL a 5,58 %

– 3,12

 

 

 

 

 

 

TRI

– 13 %

 

 

 

 

 

 

NB: O quadro lê-se da seguinte forma: Para os fluxos financeiros previstos entre 1.1.1997 e 31.12.2000, o VAL com uma taxa de atualização de 12 % é de – 3,43 mil milhões de FRF […] e a TRI de – 13 %


6.2   Sensibilidade 1 (ɗ dividendos = 4,51 % taxa anual 1997/2000)

 

 

1.1.1997

31.12.1997

31.12.1998

31.12.1999

31.12.2000

31.12.2000

 

 

Investimento

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Valor DDM

 

 

– 5,88

0,23

0,28

0,26

0,26

3,69

VAL a 12 %

– 2,68

 

 

 

 

 

 

VAL a 6,35 %

– 2,14

 

 

 

 

 

 

VAL a 5,58 %

– 2,05

 

 

 

 

 

 

TRI

– 4,7 %

 

 

 

 

 

 


6.3   Sensibilidade 2 (Cenário central + acréscimo de 11 % de fundos quase próprios)

 

 

1.1.1997

31.12.1997

31.12.1998

31.12.1999

31.12.2000

31.12.2000

 

 

Investimento

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Valor DDM

 

 

– 5,88

0,23

0,28

0,26

0,26

4,93

VAL a 12 %

– 2,06

 

 

 

 

 

 

VAL a 6,35 %

– 1,29

 

 

 

 

 

 

VAL a 5,58 %

– 1,16

 

 

 

 

 

 

TRI

0,3 %

 

 

 

 

 

 


6.4   Sensibilidade 3 (Sensibilidade 1 + acréscimo de 11 % de fundos quase próprios)

 

 

1.1.1997

31.12.1997

31.12.1998

31.12.1999

31.12.2000

31.12.2000

 

 

Investimento

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Dividendo

Valor DDM

 

 

– 5,88

0,23

0,28

0,26

0,26

6,41

VAL a 12 %

– 1,30

 

 

 

 

 

 

VAL a 6,35 %

– 0,26

 

 

 

 

 

 

VAL a 5,58 %

– 0,08

 

 

 

 

 

 

TRI

5,2 %

 

 

 

 

 

 

(187)

Resulta das estimativas do quadro 6 que, se o montante de 5,88 mil milhões de FRF alegadamente investido tivesse gerado o direito a dispor de uma percentagem proporcional dos dividendos e do valor da EDF, a operação apresentaria um valor atual líquido muito negativo (– 3,43 mil milhões de FRF). Para que o investimento tivesse interesse financeiro para um investidor privado numa economia de mercado, na hipótese mais comummente adotada (quadro 6.1), seria necessário que esse investidor se satisfizesse com uma remuneração muito inferior ao custo de oportunidade do capital de 12 % para um investimento em ações líquidas da EDF, ou até inferior à taxa paga sobre as obrigações do Estado francês a 30 anos (6,35 %) e a 10 anos (5,58 %) em 1997. Ora, é evidente que um investidor privado avisado não efetuaria o investimento nestas condições.

(188)

Estas conclusões não se alteram qualitativamente se forem aplicadas, a título de teste de sensibilidade, outras hipóteses que, embora menos plausíveis, valorizam mais o alegado investimento (quadros 6.2 a 6.4) (40). Em todos os casos, a rentabilidade oferecida é inferior a 12 % e também inferior à das obrigações do Estado francês a 30 e a 10 anos em 1997. Por último, o exame de outras variáveis disponíveis sobre os resultados de exploração previsionais da EDF, tais como as previsões de receitas, dos resultados da atividade principal ou do resultado líquido (considerandos 166 a 168) não permitiria que o investidor privado avisado previsse uma inversão total da tendência que permitisse remunerar melhor ou criar valor para o Estado acionista subsequentemente. Estas evoluções previsíveis e previstas em 1997 também corroboram as ditas conclusões e a sua extensão ao período pós-ano 2000, tal como um investidor privado avisado poderia prever em 1997 com base nas informações fornecidas pelas autoridades francesas.

(189)

Mesmo considerando que o investidor privado avisado esperaria ter um ganho de capital superior à rentabilidade habitual da EDF, o que nada indica nas informações e dados transmitidos pelas autoridades francesas, e que, aliás, teria sido excessivamente arriscado esperar tendo em conta o estatuto da EDF em 1997, está fora de questão que procedesse ao alegado investimento. Nestas condições, a aplicação do critério do investidor privado avisado numa economia de mercado demonstra que, mesmo que a isenção fiscal no valor de 5,88 mil milhões de FRF tivesse sido, de facto, uma decisão de investimento tomada pelo Estado acionista, essa operação não teria sido efetuada por um investidor privado avisado que dispusesse das informações avançadas pelas autoridades francesas.

(190)

A este respeito, as observações da EDF, reproduzidas no considerando 71, segundo as quais a isenção fiscal em nada prejudicaria a concorrência, nem proporcionaria qualquer vantagem, porque a EDF poderia, de qualquer modo, encontrar um financiamento equivalente nos mercados de capitais, são contrariadas pelos factos. É ponto assente que a EDF não teria podido emitir ações junto dos mercados para obter esse montante e, ainda que conseguisse encontrar, sem dúvida, um financiador, o empréstimo ou a emissão de obrigações correspondente teriam de ser remunerados, muito provavelmente, com uma taxa superior à que o Estado francês esperava das dotações de capital concedidas à EDF para o período de 1997-2000 e ao custo de refinanciamento equivalente às obrigações do Tesouro em 1997. Se a EDF tivesse conseguido obter um montante equivalente de capital, os custos de financiamento suportados teriam sido mais elevados do que os do alegado investimento. Mesmo neste aspeto, sem ter em conta um reembolso de capital ao qual a EDF não era obrigada, no montante da isenção fiscal ou no montante equivalente em dotações de capital em 1997, a medida teria proporcionado uma vantagem económica à EDF ao reduzir os seus custos financeiros.

(191)

Mesmo que o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado fosse aplicável, face aos documentos enviados pelas autoridades francesas e que, no entender destas, esclareciam as perspetivas de rentabilidade e os riscos associados ao alegado investimento sob a forma de isenção fiscal, a aplicação desse princípio permite concluir que, em 1997, um investidor privado não teria investido no aumento de capital da EDF um montante equivalente ao do imposto devido.

(192)

O não pagamento pela EDF dos 5,88 mil milhões de FRF de imposto sobre as sociedades não se afigura um investimento produtivo por parte do Estado acionista à luz do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, mas sim uma medida derrogatória de isenção fiscal ad hoc que proporcionou à EDF uma vantagem económica equivalente ao montante de imposto não pago. Essa vantagem reforça necessariamente a posição da EDF em relação à dos seus concorrentes, visto que o montante de fundos próprios é um dos fatores que determinam a capacidade e as condições de financiamento externo de uma empresa, ao mesmo tempo que os recursos assim economizados puderam ser utilizados para outros fins, nomeadamente para investir em França ou noutros Estados-Membros onde os concorrentes exerciam a sua atividade em 1997.

(193)

Por conseguinte, cria uma distorção da concorrência na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. A vantagem é seletiva, uma vez que o não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte destas provisões contabilísticas constitui uma exceção ao tratamento fiscal normalmente aplicável a uma operação desse tipo e, neste caso, essa exceção foi aplicável a uma única empresa: a EDF.

9.2.   RECURSOS ESTATAIS

(194)

A noção de auxílio abrange não só prestações positivas como as subvenções, mas também todas as intervenções das autoridades públicas que reduzem os encargos normalmente imputados ao orçamento de uma empresa e que têm efeitos idênticos às subvenções (41). Segundo jurisprudência assente (42), a não cobrança por parte do Estado de um imposto que devia ter sido cobrado equivale ao consumo de um recurso estatal.

(195)

Esta não cobrança da totalidade do imposto sobre as sociedades, devido em relação ao exercício de 1997, decorre diretamente das disposições fiscais adotadas pelas autoridades em aplicação de um ato estatal, a Lei n.o 97-1026 de 10 de novembro de 1997.

9.3.   DISTORÇÃO DA CONCORRÊNCIA E AFETAÇÃO DAS TROCAS ENTRE ESTADOS-MEMBROS

(196)

Desde que foi criada, em 1946, até à entrada em vigor da Diretiva 96/92/CE, a EDF beneficiou no mercado francês de uma situação de monopólio com direitos exclusivos para o transporte, a distribuição e a importação e exportação de eletricidade. Todavia, já estava em concorrência com os produtores dos outros Estados-Membros antes da entrada em vigor dessa diretiva. Além disso, havia livre concorrência nos mercados conexos não sujeitos a direitos exclusivos, onde a EDF já tinha diversificado as atividades para além dos seus direitos exclusivos, tanto do ponto de vista geográfico como setorial. Por conseguinte, os efeitos sobre a concorrência já existiam muito antes da liberalização prevista pela Diretiva 96/92/CE.

(197)

Entre os Estados-Membros, a eletricidade era objeto de trocas comerciais importantes e crescentes em que a EDF participava ativamente. Essas trocas comerciais, reforçadas pela adoção da Diretiva 90/547/CEE do Conselho (43), eram efetuadas com base em acordos comerciais entre os diversos operadores das redes de eletricidade de alta tensão dos Estados-Membros. Nos países europeus da OCDE, as importações de eletricidade aumentaram a uma taxa anual média superior a 7 % entre 1980 e 1990. De 1981 a 1989, a EDF multiplicou por 9 o excedente da sua balança comercial de eletricidade, tendo atingido exportações líquidas de 42 TWh, correspondentes a 10 % da sua produção total. Em 1985, já exportava 19 TWh para os outros Estados-Membros.

(198)

Ainda antes da entrada em vigor da Diretiva 96/92/CE, em fevereiro de 1999, alguns Estados-Membros já tinham adotado unilateralmente medidas de abertura do seu mercado de eletricidade. Designadamente, o Reino Unido abriu o seu mercado a 100 % para os grandes clientes industriais em 1990, a Suécia abriu o seu a 100 % em 1996, a Finlândia começou a abri-lo em 1995, de modo a atingir 100 % em 1997, a Alemanha abriu-o a 100 % em 1998 e os Países Baixos abriram totalmente o seu mercado para os clientes industriais em 1998. Nestas condições, ainda antes da data fixada pela diretiva para a abertura à concorrência, os auxílios estatais concedidos às empresas detentoras de um monopólio num Estado-Membro que participava ativamente nas trocas comerciais intra-União, como é o caso da EDF, eram suscetíveis de falsear as trocas comerciais entre os Estados-Membros na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

(199)

No seu relatório anual de 1997, a EDF afirmou situar-se «entre os primeiros operadores internacionais do setor de eletricidade com, fora da França, mais de 13 mil milhões de FRF investidos, uma capacidade de produção com uma potência instalada equivalente a quase 11 % da capacidade da França e mais de 8 milhões de clientes». O relatório sublinhava igualmente que, em 1997, a EDF «multiplicou e reforçou os seus investimentos na Europa, alargando a sua presença à Áustria e à Polónia» e que «exportou mais de 70 TWh na Europa». Essas exportações concorriam diretamente com fornecedores alternativos nos mercados em causa.

(200)

O contrato de empresa de 1997-2000, assinado em 8 de abril de 1997 entre o Estado e a EDF, previa que a EDF consagraria cerca 12-13 mil milhões de FRF aos seus investimentos internacionais, figurando as regiões da Europa entre as prioridades. Entre 2000 e 2002, a EDF adquiriu um terço do capital da empresa alemã EnBW, aumentou as capacidades de produção e de distribuição da sua filial britânica London Electricity, assumiu o controlo direto da empresa italiana Fenice e instituiu uma parceria com a Fiat para a aquisição da Montedison (transformada em Edison).

(201)

Em 1997, a SDS, filial detida a 100 % pela EDF, reunia as suas atividades ligadas ao fornecimento de serviços a clientes individuais, empresas e autoridades locais. A SDS exercia a sua atividade nos setores de tratamento de resíduos, iluminação pública e serviços ligados à energia, com uma contribuição para as vendas equivalente a 685 milhões de euros em 1998 contra 650 milhões de euros em 1997. Em 2000, a EDF organizou uma parceria com a Veolia Environnement através da empresa Dalkia, líder europeia dos serviços energéticos prestados às empresas e às autarquias. A Dalkia propõe serviços de engenharia e de manutenção no setor energético, gere instalações térmicas e serviços técnicos ligados ao funcionamento dos edifícios e assegura a exploração de redes de calor, cogeração, grupos de produção de energia e de fluidos industriais.

(202)

A EDF desenvolveu igualmente as suas atividades no mercado das energias renováveis. Em 1997, a sociedade holding CHART, uma filial detida a 100 % pela EDF, reunia as suas atividades no domínio das energias renováveis, tais como a geotérmica e a eólica. A sua contribuição para o volume de negócios consolidado era, nessa altura, de 70 milhões de euros.

(203)

Por último, enquanto produtor e distribuidor de eletricidade, a EDF esteve e está ainda em concorrência com fornecedores de outras fontes de energia de substituição como o carvão, o petróleo e o gás, tanto no seu mercado nacional como nos mercados internacionais. Em França, por exemplo, a EDF lançou com sucesso uma campanha para incentivar a utilização da eletricidade para fins de aquecimento, aumentando assim a sua quota de mercado em relação aos seus concorrentes que fornecem fontes de energia de substituição como o petróleo e o gás. No setor do aço, os fornos elétricos estão em concorrência com os fornos a gás e a petróleo. Em consequência, uma medida como aquela que está em causa é suscetível de falsear a concorrência com os fornecedores alternativos, como a Gaz de France.

(204)

Em 1997, a EDF ocupava, portanto, um lugar importante nas trocas de eletricidade entre os Estados-Membros, enquanto, na atualidade, o mercado da eletricidade francês está totalmente aberto e conta com a presença de muitos fornecedores europeus. Verifica-se assim que, em 1997, a EDF já se encontrava bem implantada em alguns mercados de outros Estados-Membros e que o auxílio resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal, destinadas à renovação da RAG, não podia deixar de afetar a concorrência e as trocas comerciais entre Estados-Membros.

(205)

As considerações anteriores foram expostas na decisão de alargamento e nem a França nem a EDF contestaram, nas suas observações, que o auxílio era suscetível de afetar essas trocas comerciais.

(206)

Deste modo e na medida em que estão preenchidos os quatro critérios enunciados no artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, o não pagamento pela EDF do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal, destinadas à renovação da RAG, constitui um auxílio estatal. Importa agora analisar a compatibilidade deste auxílio com o mercado interno

10.   APRECIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DO AUXÍLIO COM O MERCADO INTERNO

(207)

O artigo 107.o, n.o 1, do TFUE dispõe que os auxílios que preencham os critérios nele enunciados são, em princípio, incompatíveis com o mercado interno. Segundo jurisprudência constante, compete ao Estado-Membro apresentar as razões e todos os elementos suscetíveis de demonstrar que um auxílio estatal é compatível com o mercado interno (44). No caso em apreço, a República Francesa não apresentou qualquer razão ou elemento de prova a esse respeito.

(208)

As exceções previstas no artigo 107.o, n.o 2, do TFUE não são aplicáveis neste caso, dada a natureza do auxílio, que não se destina a alcançar os objetivos nele enumerados.

(209)

O auxílio em causa também não preenche as condições previstas no artigo 107.o, n.o 3, alíneas a) e c), do TFUE relativamente aos auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de certas regiões, tanto mais que corresponde a um auxílio ao funcionamento. Com efeito, não está subordinado ao investimento ou à criação de emprego, como preveem as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (45).

(210)

O artigo 107.o, n.o 3, alínea c), do TFUE prevê igualmente uma exceção para os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum. No caso em apreço, a medida de auxílio examinada não é abrangida pelo âmbito dessa derrogação. Não pode considerar-se que esta exceção ao direito fiscal aplicável, que só beneficia uma empresa, se destina a facilitar o desenvolvimento de uma atividade. O seu único objetivo é, de facto, ajudar uma empresa reduzindo os seus custos operacionais.

(211)

Quanto às exceções previstas no artigo 107.o, n.o 3, alíneas b) e d), do TFUE, a medida de auxílio em causa não é destinada a fomentar a realização de um projeto de interesse comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia francesa, nem a promover a cultura e a conservação do património.

(212)

Por conseguinte, os critérios de compatibilidade enunciados no artigo 107.o, n.os 2 e 3, do TFUE não se encontram preenchidos. Além disso, no que diz respeito à compensação dos custos de serviço público, as autoridades francesas não invocaram relativamente à vantagem fiscal a aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do TFUE, mas sublinharam o facto de a EDF exercer funções de serviço público, sem apresentar, porém, qualquer avaliação do custo destas funções para a EDF. Por conseguinte, a Comissão não pode apurar se a vantagem fiscal em questão compensa ou não o eventual sobrecusto associado às funções de serviço público que lhe são impostas. Em qualquer caso, mesmo que o não pagamento do imposto devesse ser qualificado como uma compensação pela prestação de um serviço de interesse económico geral, não ficou provado que tal compensação tenha sido previamente definida com base em critérios transparentes e objetivos, e calculada relativamente aos custos de uma empresa eficiente.

(213)

O exame da observância das condições formuladas no acórdão Altmark (46), que permitem eximir do âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, e o exame dos critérios de aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do TFUE, que aliás as autoridades francesas não invocam, não são assim possíveis no caso em apreço.

(214)

Com base nas considerações que precedem, afigura-se que o auxílio examinado constitui um auxílio ao funcionamento, que teve por efeito reforçar a posição concorrencial da EDF face aos seus concorrentes. Nestas condições, é incompatível com o mercado interno.

(215)

A Comissão considera também que, contrariamente à afirmação das autoridades francesas, neste caso não se aplica a regra da prescrição. É certo que a EDF criou as provisões contabilísticas com isenção fiscal de 1987 a 1996. Contudo, importa salientar, por um lado, que, segundo o Conselho Nacional da Contabilidade, as correções de erros que, pela sua própria natureza, digam respeito à contabilização das operações passadas devem ser contabilizadas no resultado do exercício durante o qual os erros são detetados e, por outro, que data de 10 de novembro de 1997 a lei que dispõe que os direitos do concedente sejam reclassificados em dotações de capital sem serem sujeitos ao imposto sobre as sociedades. Por conseguinte, a vantagem fiscal remonta a 1997 e a prescrição não se aplica a um novo auxílio concedido naquela data, pois o primeiro ato da Comissão relativo a esta medida é de 10 de julho de 2001. Além disso, nos termos do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999, o processo contencioso suspende o prazo de prescrição.

11.   CONCLUSÕES

(216)

A Comissão verifica que a França concedeu ilegalmente o auxílio em questão, em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE. Considera que a isenção do imposto sobre as sociedades, no montante de 5 882 849 762 FRF, relativo à reclassificação como dotação de capital, prevista pela Lei n.o 97-1026, das provisões contabilísticas correspondentes às operações de renovação da Rede de Alimentação Geral já realizadas, no valor de 14 119 065 335 FRF, constitui um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno.

(217)

O artigo 108.o, n.o 2, do TFUE, dispõe que, se a Comissão verificar que um auxílio não é compatível com o mercado interno, ela tem competência para obrigar o Estado-Membro em causa a suprimir ou modificar o dito auxílio. Nos termos do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999, «[n]as decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado-Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada» decisão de recuperação«. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário».

(218)

O objetivo da Comissão, ao exigir que o Estado-Membro em causa recupere os auxílios incompatíveis com o mercado interno, é restabelecer a situação anterior (47). Neste aspeto, o Tribunal de Justiça considera que o objetivo é atingido quando os beneficiários reembolsam os montantes ilegalmente concedidos a título de auxílio, perdendo assim a vantagem de que beneficiavam face aos seus concorrentes. Desta forma, a situação anterior à concessão do auxílio é reposta (48).

(219)

No caso em apreço, afigura-se que nenhum princípio geral de direito da União contraria a recuperação dos auxílios ilegais assim identificados e, aliás, nem a França nem os terceiros interessados apresentaram quaisquer argumentos nesse sentido.

(220)

Por conseguinte, a França deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar junto da EDF o auxílio ilegal concedido sob a forma de isenção do imposto sobre as sociedades, no montante de 5 882 849 762 FRF, relativo à reclassificação em capital de parte das provisões no valor de 14 119 065 335 FRF.

(221)

Para fins dessa recuperação, as autoridades francesas devem ainda acrescentar ao montante do auxílio os juros de recuperação, a contar da data em que o auxílio incompatível foi colocado à disposição da empresa, ou seja, a data em que deveria ser exigido o pagamento do imposto sobre as sociedades a título do exercício fiscal de 1997, até à sua recuperação efetiva (49), em conformidade com o disposto no capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão (50).

(222)

No âmbito do dever de leal cooperação que incumbe à França no quadro do processo de recuperação, esse montante deverá ser determinado com mais precisão no decurso do processo, com base nos elementos que serão fornecidos pelas autoridades francesas e que terão em conta, nomeadamente, as taxas de câmbio entre o ECU/EUR e o franco francês (FRF), eventualmente aplicáveis às frações do imposto sobre as sociedades a pagar pela EDF no ano de 1997, e o reembolso dos auxílios à EDF, na sequência da anulação da primeira decisão negativa em 2009. Com efeito, neste caso, não são devidos juros em relação ao período em que auxílio deixou de estar à disposição da empresa, ou seja, o período entre a recuperação efetiva do auxílio pela França e o seu reembolso à EDF. No entanto, os juros eventualmente pagos pela França à EDF deverão ser tomados em consideração.

(223)

As autoridades francesas devem recuperar o montante supramencionado no prazo de 4 meses a contar da data de notificação da presente decisão.

(224)

De acordo com jurisprudência bem assente, caso um Estado-Membro enfrente dificuldades imprevisíveis ou circunstâncias que não foram tidas em consideração pela Comissão, pode comunicar-lhe esses problemas e propor-lhe alterações adequadas, para que ela os avalie. Nesse caso, a Comissão e o Estado-Membro devem colaborar de boa-fé com vista a superar as dificuldades, no pleno respeito das disposições (51) do TFUE.

(225)

Por conseguinte, a Comissão solicita à França que lhe comunique sem demora qualquer problema com que seja confrontada na execução da presente decisão.

ADOTOU A PRESENTE DECISÃO:

Artigo 1.o

1.   A isenção do imposto sobre as sociedades concedido à Electricité de France, num montante de 5 882 849 762 FRF, relativa à reclassificação em capital das provisões correspondentes ao contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da Réseau d'Alimentation Générale, constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

2.   O auxílio mencionado no n.o 1, ilegalmente concedido pela República Francesa, é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2.o

1.   A República Francesa deve recuperar do beneficiário o contravalor em euros do auxílio referido no artigo 1.o.

2.   Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à data da respetiva recuperação efetiva.

3.   Os juros são calculados de acordo com uma base composta, em conformidade com o Capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004.

Artigo 3.o

1.   A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o deve ser imediata e efetiva.

2.   A República Francesa deve assegurar a aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação.

Artigo 4.o

1.   No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a República Francesa deve apresentar à Comissão as seguintes informações:

a)

montante total (capital e juros) a recuperar junto do beneficiário;

b)

descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão; e

c)

os documentos comprovativos de que o beneficiário foi intimado a reembolsar o auxílio.

2.   A República Francesa deve manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para aplicar a presente decisão até estar concluída a recuperação do auxílio referido no artigo 1.o. Deve apresentar imediatamente, a pedido da Comissão, as informações relativas às medidas já adotadas e previstas para lhe dar cumprimento. Deve fornecer também informações pormenorizadas sobre os montantes do auxílio e dos juros já recuperados junto do beneficiário.

Artigo 5.o

A destinatária da presente decisão é a República Francesa.

Feito em Bruxelas, em 22 de julho de 2015.

Pela Comissão

Margrethe VESTAGER

Membro da Comissão


(1)  Com efeitos a partir de 1 de dezembro de 2009, os artigos 87.o e 88.o do Tratado CE passaram a ser os artigos 107.o e 108.o, respetivamente, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»). As duas séries de disposições são idênticas em termos de substância. Para efeitos da presente decisão, deve entender-se que as referências aos artigos 107.o e 108.o do TFUE são, quando apropriado, referências aos artigos 87.o e 88.o do Tratado CE. O TFUE também introduziu algumas alterações de terminologia, como a substituição de «Comunidade» por «União», mercado comum por «mercado interno» e «Tribunal de Primeira Instância» por «Tribunal Geral». A terminologia do TFUE é utilizada na presente decisão.

(2)  JO C 280 de 16.11.2002, p. 8.

(3)  JO L 49 de 22.2.2005, p. 9.

(4)  Acórdão do Tribunal Geral, de 15 de dezembro de 2009, no Processo T-156/04-EDF/Comissão, Col. 2009 II-04503.

(5)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318.

(6)  JO C 186 de 28.6.2013, p. 73.

(7)  Resposta das autoridades francesas de 23.12.2013, pontos 71 e 72.

(8)  Relatório específico sobre as concessões da EDF n.o 1993, de 10 de outubro de 1994.

(9)  Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO L 27 de 30.1.1997, p. 20).

(10)  Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO L 83 de 27 de 27.3.1999, p. 1).

(11)  Acórdão do Processo Comissão/EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, ponto 84.

(12)  «Does the 1997 recapitalisation of EDF by the French State meet the private investor test?». Final Report de 15 de outubro de 2013.

(13)  Contrato de empresa Estado/EDF 1997-2000, assinado em 8 de abril de 1997

(14)  Ofício de 12 de julho de 1996 do ministro da Economia e das Finanças e do ministro da Indústria, dos Correios e Telecomunicações ao presidente da EDF, Ofício do 22 de abril de 1997 do ministro da Economia e das Finanças, do ministro delegado do Orçamento e do ministro da Indústria, dos Correios e Telecomunicações ao presidente da EDF.

(15)  Carta do diretor financeiro da EDF à chefe do serviço de financiamentos e participações do Tesouro, de 19 de fevereiro de 1997; Nota de análise da EDF, de 27 de julho de 1996, sobre a remuneração do acionista, transmitida ao Senado em 15 de setembro de 1997.

(16)  Exposição de motivos do artigo 45.o do projeto de lei que estabelece diversas disposições de ordem económica e financeira, adotado em conselho de ministros em 5 de abril de 1997; Relatório da Comissão das Finanças, da Economia Geral e do Plano, da Assembleia Nacional, apresentado pelo deputado Didier Migaud em 10 de setembro de 1997, sobre o projeto de lei n.o 201 que estabelece medidas urgentes de caráter fiscal e financeiro; Relatório do senador Alain Lambert sobre o projeto de lei que estabelece medidas urgentes de caráter fiscal e financeiro, apresentado em 24 de setembro de 1997; Discurso do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria de apresentação do projeto de lei MUFF perante o Senado, em 2 de outubro de 1997.

(17)  Sigilo profissional.

(18)  O contrato refere-se à Diretiva 96/92/CE. Esta diretiva, tal como as que lhe sucederam, não prevê regras relativas ao estatuto societário de produtores, transportadores ou distribuidores de eletricidade no mercado interno.

(19)  As alterações relativas aos resultados transitados não fazem parte dos efeitos do artigo stricto sensu, mas constituem uma consequência lógica do mesmo

(20)  A rentabilidade para o Estado acionista explica-se pela frágil base de dotações de capital, no valor de 36 mil milhões de FRF (denominador do rácio), e pela importância das provisões contabilísticas. Após a contabilização destas últimas, até 1996, o resultado líquido anual da EDF tornava-se negativo. Os resultados negativos da conta de resultados repercutiram-se sob a forma de consumo de fundos próprios no balanço, fixados em 24,2 mil milhões de FRF (ver Quadro 2, coluna «Final de 1996», que mostra como os fundos próprios da EDF foram amputados por resultados negativos no valor de 20,2 mil milhões de FRF, antes da alteração introduzida pelo artigo 4.o da Lei n.o 97-1026). Dado que não eram cobrados impostos sobre os resultados negativos, a rentabilidade muito positiva para o Estado acionista funcionava em detrimento do Estado cobrador.

(21)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 82.

(22)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 83.

(23)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 84.

(24)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 104.

(25)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 86.

(26)  Acórdão do Processo Comissão-EDF C-124/10P, UE:C:2012:318, n.o 95.

(27)  Estudo da Oxera, pontos 3.3, 3.24-3.25

(28)  Estudo da Oxera, quadro A2.2

(29)  Estudo da Oxera, ponto 3.3.

(30)  Estudo da Oxera, ponto 3.3, 3.15, quadro 3.2, quadro 3.8 para o coeficiente beta, e anexo 5.

(31)  Estudo da Oxera, ponto 3.5, 3.13, 3.20 a 3.23.

(32)  Média anual da taxa diária do empréstimo-guia da República Francesa a 30 e a 10 anos, fonte Banco da França: Taxa de referência das obrigações do Tesouro e OAT, http://www.banque-france.fr/economie-et-statistiques/changes-et-taux.

(33)  A pertinência de um cálculo de rentabilidade relativo ao total de fundos próprios imobilizados na empresa que inclua apenas os capitais investidos sob a forma de dotações de capital é confirmada pelo facto de, no contrato entre o Estado e a EDF para o período de 2001-2003, a remuneração do Estado calculada em percentagem (37,5 %) do resultado líquido estar situada num intervalo entre o valor mínimo (1,5 %) e o valor máximo (4,5 %) da base de cálculo dos capitais próprios. Resposta das autoridades francesas de 23.12.2013, ponto 53.

(34)  Relatório anual da EDF 1997, p.103.

(35)  Nos termos do artigo 2.o da Decisão de 16 de dezembro de 2003 [C(2003) 4637 final] (JO L 49 de 22.2.2005, p. 9), a Comissão decidiu não levantar objeções à reforma do regime de pensões de reforma aplicável às indústrias da eletricidade e do gás a que a EDF estava sujeita. Esta reforma levou à transição para o regime geral da segurança social dos encargos e compromissos com as pensões de reforma do regime específico do pessoal da EDF e das outras empresas que nele participavam.

(36)  Este modelo avalia a rentabilidade-alvo exigida por alguém que invista no capital de uma empresa (k), como sendo resultante de um acréscimo da rentabilidade esperada de um ativo financeiro considerado isento de risco ou de baixo risco, ou seja, uma obrigação do Tesouro no mercado financeiro de referência (rf), um prémio de risco de mercado que reflita o maior risco do investimento em ações (Km – rf) multiplicado por um coeficiente de risco específico da ação da empresa em causa (β), que pode ser, de preferência, o da própria empresa ou, na sua ausência, o de empresas comparáveis utilizadas como referência. O parâmetro β, deve ser estimado para uma empresa não endividada (gearing), a fim de medir o risco intrínseco da (ação da) empresa em relação ao mercado. A fórmula do modelo é k = rf + β × (Km – rf). A Comissão aplicou o modelo MEDAF para estimar a rentabilidade exigida dos investimentos de capital numa empresa, avalizada pelo Tribunal da União Europeia: T-319/12 — Espanha/Comissão, «Ciudad de la Luz», EU:T:2014:604, pontos 48 a 66. Para uma descrição mais vasta, cf. Vernimmen e outros «Corporate Finance» John Wiley & Sons ed. 2nd edition, 2009, cap. 22; para os resultados de inquéritos sobre a frequência de utilização de métodos de avaliação, cf. p. 460. Os fundamentos teóricos e uma aplicação numérica do MEDAF a este caso também figuram no estudo efetuado pela Oxera por conta da EDF (considerando 70), nomeadamente no seu anexo I.

(37)  Vernimmen e outros «Corporate Finance» John Wiley & Sons ed. 2nd edition, 2009, pp 433-4.

(38)  O modelo DDM considera o valor da empresa a partir dos (últimos) dividendos pagos (Dt), da taxa de crescimento dos dividendos (ɗD) e da remuneração-alvo, ou custo de oportunidade do capital (K), de acordo com a fórmula Vr = Dt (1 + ɗD)/(K – ɗD). O modelo DDM também é utilizado no estudo que a Oxera realizou por conta da EDF (pontos 3.27-3.31, quadro 3.4), mas com valores diferentes e, na opinião de algumas pessoas, bastante irrealistas. O estudo da Oxera considera uma taxa de crescimento dos dividendos de 9,3 % por ano. Num cálculo da perpetuidade como o do modelo DDM, ao crescimento da empresa estão associadas taxas de crescimento dos dividendos. Taxas de crescimento de 9,3 %, muito superiores à inflação e à taxa de crescimento do produto interno bruto («PIB») a longo prazo, levariam a que a EDF acabasse por «açambarcar», a prazo, todo o PIB da França.

(39)  Um valor atual líquido negativo para determinada dada taxa de juro (atualização-financiamento) indica que o investimento não é rentável a essa taxa de juro. A taxa de rendimento interno (positivo –«TRI»-), indica a taxa de juro efetiva a que os fluxos financeiros previstos remuneram um investimento.

(40)  A hipótese de um crescimento de 4,51 % para os dividendos da EDF (sensibilidade 1, quadro 6.2) afigura-se otimista, tendo sido obtida através do nivelamento da taxa de crescimento prevista para o período de quatro anos de 1997 a 2000. Além de, na prática habitual, se considerar a taxa de crescimento dos dividendos registada no final do período (cenário central), na realidade, os dividendos a pagar pela EDF iriam diminuir no período de 1997-2000, relativamente a 1991-1996, e em 1999 e 2000, relativamente a 1998. Em qualquer caso, uma taxa perpétua de 4,51 % é elevada em valor absoluto. A hipótese (sensibilidade 2, quadro 6.3) de que o acionista acrescentaria, ou de que o comprador pagaria, (um pro rata) dos fundos quase próprios da EDF, tal como foram estimados em 1997, ao valor objetivo da EDF, tal como foi calculado, não tem em conta o caráter regulamentar de alguns fundos próprios (reservas). Esta hipótese combinada com o modelo DDM também é otimista porque equivale a atribuir ao acionista (um pro rata de 11 %) dos fundos quase próprios (excluindo o capital subscrito) que permitem que a empresa absorva eventuais prejuízos e, a longo prazo, consiga pagar um dividendo e uma remuneração regulares ao acionista. Ela parte do princípio de que os fundos quase próprios da EDF fixados em 1997-2000 ficariam perpetuamente disponíveis, quando o modelo DDM não considera outras fontes de remuneração para além do dividendo. Trata-se, portanto, de uma hipótese pouco justificável. A acumulação das duas hipóteses (sensibilidade 3, quadro 6.4) multiplica os respetivos inconvenientes e debilidades e torna os resultados do cálculo ainda mais improváveis e incertos.

(41)  Acórdãos Gezamenlijke Steenkolenmijnen c/Haute Autorité, 30/59, EU:C:1961:2; Acórdão Banco de Crédito Industrial C-387/92, EU:C:1994:100; Acórdão SFEI, C-39/94, EU:C:1996:285; Acórdão França /Comissão, C-241/94, EU:C:1996:353; Acórdão FFSA /Comissão, T-106/95, EU:T:1997:23.

(42)  Ver, nomeadamente, Acórdão Ladbroke/Comissão, T-67/94, EU:T:1998:7, ponto 109.

(43)  Diretiva 90/547/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1990, relativa ao trânsito de eletricidade nas grandes redes (JO L 313 de 13.11.1990, p. 30).

(44)  Processo C-364/90, Itália/Comissão, EU:C:1993:157, ponto 20.

(45)  Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (JO C 209 de 23.7.2013, p. 1).

(46)  Processo C-280/00, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg; EU:C:2003:415.

(47)  Acórdão, Espanha/Comissão, Processos C-278/92, C-279/92 e C- 280/92, EU:C:1994:325, n.o 75.

(48)  Acórdão, Bélgica/Comissão, Processo C-75/97, EU:C:1999:311, n.os 64-65.

(49)  Ver o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 659/99 (já citado).

(50)  Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO L 140 de 30.4.2004, p. 1).

(51)  Acórdão Comissão/Alemanha, C-94/87, EU:C:1989:46, n.o 9, e Acórdão Comissão/Itália, C-348/93, EU:C:1995:95, n.o 17.


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