Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52022AE3173

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») [COM(2022) 177 final — 2022/0117 COD]

    EESC 2022/03173

    JO C 75 de 28.2.2023, p. 143–149 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    28.2.2023   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 75/143


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública («ações judiciais estratégicas contra a participação pública»)

    [COM(2022) 177 final — 2022/0117 COD]

    (2023/C 75/20)

    Relator:

    Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI

    Correlator:

    Christian MOOS

    Base jurídica

    Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

    Competência

    Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

    Adoção em secção

    29.9.2022

    Adoção em plenária

    26.10.2022

    Reunião plenária n.o

    573

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    143/2/6

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a iniciativa da Comissão, que constitui um passo em frente no combate aos processos de silenciamento, que têm vindo a aumentar na Europa desde 2015 (1). O combate às ações judiciais estratégicas contra a participação pública, ou seja, processos judiciais intentados contra a participação pública que são total ou parcialmente infundados e têm como principal objetivo impedir, restringir ou penalizar a participação pública, é fundamental para construir uma sociedade civil informada e reforçar a transparência na vida pública. Uma vez que estas ações também são intentadas por partes de fora da União Europeia (UE), as medidas de proteção contra tais ações contribuem para proteger a democracia europeia de ameaças externas.

    1.2.

    As ações judiciais estratégicas contra a participação pública caracterizam-se frequentemente por um desequilíbrio de poder significativo: os demandantes dispõem de mais recursos financeiros ou institucionais, o que lhes permite instaurar processos com relativa facilidade. Neste contexto, é importante assegurar que os demandados são dotados dos instrumentos adequados para se defenderem numa luta que é, neste momento, desigual.

    1.3.

    Importa salientar que as ações judiciais estratégicas contra a participação pública constituem um abuso do direito e são inaceitáveis em Estados de direito democráticos. Os jornalistas, em especial os independentes, são os mais vulneráveis a esta ameaça, mas este problema pode afetar também todos os outros participantes no debate público.

    1.4.

    É igualmente importante separar as ações judiciais estratégicas contra a participação pública, por um lado, e a proteção dos direitos pessoais e da possibilidade de defesa do bom-nome em casos de difamação, por outro. As referidas ações abrangem processos infundados e destinados a reprimir o debate público e a silenciar os respetivos participantes. Por conseguinte, os pedidos reconvencionais nessas ações não põem em causa o direito a um tribunal nem protegem as pessoas que divulgam conteúdos falsos ou difamatórios.

    1.5.

    O CESE congratula-se com os mecanismos propostos, mas entende que, durante os trabalhos legislativos, seria oportuno ponderar um alargamento da lista. Entre as propostas, merecem destaque a introdução de uma decisão prejudicial que põe termo a um processo considerado não conforme, a consolidação de processos a pedido do demandado na sua jurisdição designada, a fixação de um prazo para o procedimento ou a introdução de um procedimento acelerado, ou a proibição do financiamento da ação por uma pessoa que não o demandante.

    1.6.

    Além da aplicação de nova legislação, cujo processo legislativo completo poderá demorar vários anos, é pertinente rever a legislação nacional para identificar mecanismos que já permitam combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A identificação dos motivos que impedem uma utilização eficaz dos mecanismos existentes pode ajudar a proporcionar uma melhor proteção aos participantes no debate público.

    1.7.

    O acompanhamento das ações judiciais estratégicas contra a participação pública e da eficácia das soluções aplicadas também constitui uma questão importante. Importa analisar quem deve realizar essas avaliações, tendo em conta, nomeadamente, que as referidas ações podem ser intentadas por instituições públicas. Por conseguinte, a delegação desta competência nos Estados-Membros poderá não permitir a consecução adequada dos objetivos pretendidos.

    1.8.

    Simultaneamente, a fim de assegurar a maior eficácia possível na consecução do objetivo da diretiva, é importante avaliar a sua aplicação num período tão curto quanto possível. O CESE entende que um período mais curto é mais adequado do que o período de cinco anos atualmente previsto na proposta.

    1.9.

    Tendo em conta que a diretiva proposta se aplicará apenas a processos transfronteiriços, é igualmente importante procurar assegurar que cada Estado-Membro introduz iniciativas análogas para os processos nacionais. Por estar limitada a processos transfronteiriços, a diretiva proporcionará proteção apenas a determinados participantes no debate público, ignorando, em particular, jornalistas, ativistas ou denunciantes locais. A adoção de medidas abrangentes para combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública exige uma abordagem unificada em processos transfronteiriços e nacionais.

    1.10.

    Importa também instar os Estados-Membros a reverem as suas legislações nacionais de forma a descriminalizar a difamação. Quaisquer processos relativos aos direitos pessoais devem ser de natureza civil. A possível responsabilidade criminal conduz a uma situação em que os participantes no debate público possam ter mais receio de partilhar as suas opiniões ou de denunciar atos ilícitos.

    1.11.

    O CESE salienta que, além das disposições jurídicas, é extremamente importante aplicar medidas educativas adequadas e realizar ações de formação, tanto para os profissionais da justiça (em particular, os juízes e os advogados das partes) como para os participantes no debate público, incluindo jornalistas, ativistas sociais, defensores dos direitos humanos, denunciantes ou cidadãos comuns.

    2.   Observações na generalidade

    2.1.

    A liberdade de expressão, a par da liberdade dos meios de comunicação social que lhe é inerente, constitui um dos valores fundamentais que os Estados democráticos devem garantir ao abrigo do Estado de direito.

    2.2.

    O direito à liberdade de expressão, consagrado no artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, engloba a liberdade de opinião e de comunicação de informações e ideias sem ingerência dos poderes públicos e independentemente da existência de fronteiras. Ao mesmo tempo, destaca-se o respeito pela liberdade e pelo pluralismo dos meios de comunicação social. Muitos outros atos legislativos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho (2) relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (Diretiva Denúncia de Irregularidades) e atos jurídicos adotados pelos Estados-Membros, contêm garantias semelhantes, o que indica o seu caráter universal e o papel importante que desempenham.

    2.3.

    Ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico alterou drasticamente a forma do debate público. Até há pouco tempo, os principais meios de comunicação para a realização deste debate eram a televisão, a rádio e a imprensa, cujos conteúdos eram criados sobretudo por jornalistas profissionais e por denunciantes. Hoje em dia, as redes sociais assumem um papel importante, permitindo a qualquer pessoa apresentar as suas opiniões e dirigi-las a um vasto público, inclusive sob anonimato.

    2.4.

    No contexto da evolução dos meios de comunicação social e das mudanças tecnológicas, é fundamental criar mecanismos que assegurem uma verdadeira proteção da liberdade de expressão para todos os participantes no debate público, não só os jornalistas profissionais, mas também os ativistas ambientais (3) e sociais, os defensores dos direitos humanos, as organizações não governamentais, os denunciantes (4) em sentido lato, os cidadãos ativos, os sindicatos e todas as outras pessoas e organizações que se pronunciem publicamente sobre questões de importância social.

    2.5.

    É de salientar não só a importância da liberdade dos meios de comunicação social, mas também a necessidade de garantir o seu pluralismo. O CESE reitera as conclusões que constam do seu Parecer — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (5). O debate aberto, sem qualquer restrição, constitui a base de uma sociedade participativa, sem a qual a democracia não pode funcionar corretamente (6). A exclusão de qualquer uma das vozes do debate público pode conduzir, e conduziu no passado, a tensões sociais e à violência. Os meios de comunicação social não devem ser entendidos de forma restritiva como um grupo especializado de entidades envolvidas em atividades de comunicação social a título profissional, mas também como a participação ativa de pessoas que partilham opiniões ou manifestam a sua posição, independentemente do seu formato: Internet, fóruns, blogues ou podcasts. Este aspeto é particularmente importante nos países em que os meios de comunicação social públicos são controlados por partidos políticos no poder ou nos países com meios de comunicação privados controlados por um número reduzido de proprietários, que tentam dominar a mensagem e limitar a diversidade dos debates públicos.

    2.6.

    Na UE, a redução dos espaços cívicos compromete a capacidade das organizações da sociedade civil de desempenharem um papel vital no funcionamento e na proteção da democracia e do Estado de direito. As «ações judiciais estratégicas contra a participação pública» são utilizadas como instrumento para silenciar uma sociedade civil crítica. O CESE congratula-se com a resolução do Parlamento Europeu sobre medidas para combater a redução dos espaços cívicos (7) e encara a proposta de diretiva não apenas como uma das medidas que fazem parte do conjunto de instrumentos da UE, mas também como um passo decisivo para pôr termo a estas práticas.

    2.7.

    Alargar as oportunidades de publicação de declarações e alertas e reforçar o ativismo social permite não só alargar o debate público, mas também superar fenómenos socialmente preocupantes, divulgando abusos de poder por entidades estatais ou privadas, nomeadamente a corrupção ou a apropriação indevida de fundos públicos. O CESE salienta que os meios de comunicação social (definidos de forma ampla, incluindo atividades profissionais e amadoras dos participantes em debates públicos), enquanto «quarto poder», têm a função de formar opiniões, mas também de acompanhar as atividades dos agentes públicos e privados. Assim, a proteção do «quarto poder» é extremamente importante para assegurar o cumprimento das normas democráticas e o Estado de direito.

    2.8.

    A utilização de processos judiciais com má-fé para reprimir o debate público é um fenómeno cada vez mais comum nos Estados-Membros. Pessoas, entidades e empresas influentes, com amplos recursos financeiros e organizacionais, usam os seus poderes para silenciar vozes críticas, mediante instrumentos inovadores que contornam o RGPD ou exigindo a divulgação de fontes de informação jornalística, ao passo que os autores dessas críticas, incluindo jornalistas e intervenientes da sociedade civil que agem como denunciantes, muitas vezes carecem de recursos financeiros ou organizacionais para se defenderem da litigância injustificada. Algumas das pessoas singulares e coletivas que utilizam ações judiciais estratégicas contra a participação pública visando cidadãos e intervenientes da sociedade civil da UE são de países terceiros. No atual período de tensão geopolítica crescente, a UE deve dispor de um conjunto de medidas para proteger a sua democracia contra as ameaças externas, incluindo medidas de combate a esse tipo de ações judiciais.

    2.9.

    As ações judiciais estratégicas contra a participação pública não ocorrem ao abrigo do direito a um tribunal; o seu objetivo não é fazer valer os direitos do demandante, mas antes intimidar e enfraquecer a oposição e esgotar os recursos do demandado. As ações judiciais são intentadas frequentemente sem mérito e de forma sucessiva e, na verdade, o seu efeito é intimidar e silenciar no debate público as organizações ou pessoas acusadas, ou mesmo familiares seus, e desencorajar a continuidade das suas atividades. A incapacidade de neutralizar esses efeitos dissuasores pode ter como consequência a monopolização ou o oligopólio dos meios de comunicação social, o que é incompatível com os ideais do Estado de direito democrático.

    2.10.

    Tendo em conta o papel fundamental dos meios de comunicação social, das organizações não governamentais e de outras entidades e denunciantes envolvidos na construção da sociedade civil e na defesa do interesse público, é extremamente importante garantir a sua proteção adequada em caso de violação ou tentativa de violação da liberdade de expressão, especialmente numa situação de desequilíbrio manifesto de poder e de recursos. Uma tal situação pode ter efeitos negativos, nomeadamente levando a que o demandado se recuse a prosseguir a sua participação no debate público e a denunciar abusos, corrupção ou violações dos direitos humanos. Os custos elevados da litigância, acrescidos devido a uma conduta estratégica para protelar o processo, constituem um problema significativo para quem é alvo óbvio de uma ação judicial estratégica contra a participação pública.

    2.11.

    Por vezes, as ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público são acompanhadas de outras ações repreensíveis, como a intimidação, o assédio e ameaças contra o demandado. Também estas são ações destrutivas para a sociedade civil e o interesse público e merecem uma resposta firme e imediata, independentemente dos recursos financeiros ou privilégios das partes envolvidas.

    2.12.

    Simultaneamente, não podemos ignorar o problema das informações falsas ou do discurso de ódio óbvio, que devem ser objeto de verificação e, caso se verifiquem violações, retirados do espaço público. Contudo, o CESE solicita a aplicação rigorosa e correta dos protocolos existentes, decorrentes da execução da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (8), uma vez que este tipo de ação não pode colocar restrições à liberdade de expressão quando as informações e opiniões transmitidas não constituem notícias falsas nem incitam ao ódio (9). Em todo o caso, estas práticas não podem servir de pretexto para limitar o direito à liberdade de expressão.

    2.13.

    O CESE acolhe favoravelmente a proposta de diretiva da Comissão Europeia sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública (10), bem como a Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão (11) sobre a proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública.

    2.14.

    O CESE insta o Parlamento Europeu e o Conselho a adotarem a diretiva sem demora, uma vez que a execução das medidas de proteção dos jornalistas, dos intervenientes da sociedade civil e de outros participantes no debate público é uma questão urgente.

    2.15.

    O CESE saúda a decisão do Governo da Irlanda de participar na adoção e na aplicação da diretiva proposta. Nos termos do artigo 3.o e do artigo 4.o-A, n.o 1, do Protocolo n.o 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Irlanda pode decidir notificar e concretizar a sua intenção de participar na adoção e na aplicação da diretiva em apreço.

    2.16.

    Além das recomendações que constam da regulamentação da Comissão relativa às ações judiciais estratégicas contra a participação pública, o CESE exorta o Governo da Dinamarca a adotar legislação nacional que garanta o mesmo nível de proteção que o previsto na proposta de diretiva para as pessoas que participam no debate público no que diz respeito às ações judiciais estratégicas. Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Dinamarca não participará na adoção da diretiva e não ficará por ela vinculada nem sujeita à sua aplicação.

    2.17.

    Na opinião do CESE, as medidas adotadas não podem restringir indevidamente o direito à justiça e só devem ser aplicadas em caso de abuso e de má-fé.

    2.18.

    O CESE considera que as medidas jurídicas que impedem a instauração de processos judiciais infundados e abusivos devem ser complementadas com medidas educativas e uma rede de organizações para prestação de apoio jurídico às pessoas e entidades contra as quais são intentadas tais ações. Em particular, pelo papel importante que desempenham, os profissionais da justiça — juízes e advogados de defesa em processos judiciais — necessitam de formação adequada, uma vez que as suas decisões e ações são cruciais para o objetivo em causa e garantem a liberdade de expressão.

    3.   Observações na especialidade

    3.1.

    A propagação do fenómeno negativo das ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público (ações judiciais estratégicas contra a participação pública) constitui um problema grave. Por conseguinte, as medidas tomadas pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu para combater este fenómeno são de extrema importância e essenciais para proporcionar proteção adequada aos participantes em debates públicos, nas situações em que o direito a instaurar um processo judicial tenha sido utilizado de má-fé para criar um efeito dissuasor de modo a silenciar os demandados e a desencorajá-los de prosseguirem as suas atividades.

    3.2.

    Todos os participantes no debate público devem estar protegidos de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, independentemente da sua natureza nacional ou transfronteiriça. O CESE concorda que as ações judiciais intentadas na jurisdição de um Estado-Membro contra uma pessoa residente noutro Estado-Membro são geralmente mais complexas e onerosas para o demandado. No entanto, o mesmo problema pode também surgir com ações judiciais noutra cidade ou na sequência de táticas processuais para tornar os processos no mesmo país mais longos e mais onerosos. Restringir a regulamentação apenas aos casos com incidência transfronteiriça pode dar azo a uma diferenciação injustificada nos direitos das pessoas e organizações cujas atividades têm um impacto local e que, por conseguinte, dispõem geralmente de recursos financeiros, humanos e organizacionais limitados.

    3.3.

    Para assegurar a correta aplicação da diretiva, é necessário definir uma base jurídica adequada e não ambígua para as medidas a adotar. Importa salientar que o principal objetivo dos mecanismos de combate às ações judiciais estratégicas contra a participação pública não é assegurar a boa tramitação dos processos (que pode desenrolar-se adequadamente em conformidade com os procedimentos nacionais), mas proteger os direitos dos demandados que possam não dispor de meios legais e financeiros adequados. O CESE entende que é necessário dotar os demandados, que geralmente se encontram numa posição mais frágil do que os demandantes, de mecanismos que lhes permitam defender-se contra ações infundadas que constituem um abuso do direito a um tribunal.

    3.4.

    O CESE salienta que a imposição de uma condição de caráter transfronteiriço implica a necessidade de examinar, caso a caso, (1) se ambas as partes do processo estão domiciliadas ou estabelecidas no outro Estado-Membro, (2) se o ato de participar num debate público sobre uma questão de interesse público é relevante para mais do que um Estado ou (3) se foram intentadas noutro Estado-Membro ações judiciais paralelas ou anteriores pelo demandante ou por demandantes correlacionados contra o mesmo demandado ou demandados correlacionados. A segunda condição, em particular, pode conduzir a uma apreciação discricionária e a uma limitação da proteção concedida ao demandado.

    3.5.

    O CESE subscreve a opinião de que a proteção respeitante às ações judiciais estratégicas contra a participação pública não deve aplicar-se apenas em matéria civil. Há que prestar especial atenção às posições das organizações internacionais (Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, Conselho da Europa) no sentido de retirar do direito penal a difamação. As medidas tomadas até à data não produziram os resultados esperados, uma vez que, em alguns Estados-Membros, a difamação continua a ser uma infração, punível com pena de multa e de prisão. É impossível participar livremente no debate público sob pena de ação penal. O CESE recomenda a adoção de medidas eficazes e eficientes para assegurar que os Estados-Membros retiram a difamação do direito penal, pois o facto de ainda assim o ser não passa de um resquício de um passado vergonhoso que ameaça a liberdade de opinião e de expressão.

    3.6.

    Independentemente da sua aplicação ulterior, as sanções penais têm um objetivo dissuasor. Como tal, estas são ainda mais suscetíveis de travar o debate público do que os processos civis. Abandonar a proteção no âmbito do direito penal pode resultar numa transição deliberada das ações da esfera civil para a esfera penal, não havendo proteção adicional do demandado neste último caso.

    3.7.

    O CESE salienta que os autores de ações judiciais estratégicas contra a participação pública podem ser não só organismos ou instituições de direito privado, mas também órgãos estatais, como o Ministério Público, e que, por conseguinte, a diretiva em apreço deve ser aplicável a todas estas instituições. O CESE solicita que, também nesses casos, esteja assegurada a proteção adequada das pessoas singulares e coletivas que participam no debate público e das suas fontes. Neste contexto, deve ser dada especial atenção ao acompanhamento das ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A delegação desta atribuição nos Estados-Membros, onde os poderes públicos também podem ser demandantes em ações judiciais estratégicas contra a participação pública, suscita questões legítimas. Deve ponderar-se integrar organizações independentes nestas atividades ou introduzir um procedimento de acompanhamento a nível supranacional.

    3.8.

    É importante não considerar apenas os jornalistas ou defensores dos direitos humanos como os potenciais alvos de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, embora seja de entender estas profissões como particularmente vulneráveis a tais ações. O grupo-alvo deve ser definido consoante a sua função (com base nas atividades realizadas) e não a sua formação ou profissão. Desta forma, é possível proteger não só as pessoas que não estão diretamente envolvidas nas atividades dos meios de comunicação social, mas também, por exemplo, os cidadãos ativos que divulgam abusos ocorridos nas suas comunidades locais ou outros tipos de denunciantes num contexto mais amplo.

    3.9.

    Concorda-se com as garantias processuais propostas no projeto de diretiva — garantias, indeferimento liminar de processos judiciais manifestamente infundados, vias de recurso para processos judiciais abusivos, proteção contra decisões judiciais de países terceiros. No entanto, há que ponderar a possibilidade de tomar outras medidas que complementem e facilitem o trabalho do poder judicial, por exemplo, facilitando ou ordenando a consolidação de várias ações contra o mesmo demandado no caso de ações intentadas pelo mesmo demandante ou por demandantes correlacionados.

    3.10.

    Na opinião do CESE, seria igualmente útil introduzir um certo grau de automaticidade, sob a forma de «decisão prejudicial», ao abrigo da qual os processos judiciais sejam considerados não conformes se for evidente que se trata de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, permitindo inclusivamente não instaurar o processo em casos óbvios. Tal reduziria os custos (não só privados, mas também públicos) e limitaria o número de casos que pudessem ir avante.

    3.11.

    Importa também estudar soluções suplementares, com base em mecanismos existentes, nomeadamente:

    a consolidação de processos a pedido do demandado na sua jurisdição designada;

    a fixação de um prazo para o procedimento ou introdução de um procedimento acelerado (à semelhança dos processos eleitorais);

    a proibição do financiamento da ação por uma pessoa que não o demandante (financiamento por terceiros).

    3.12.

    Tendo em conta o número crescente de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, o CESE recomenda que as novas regras de proteção contra essas ações, contidas na diretiva, sejam aplicadas pelos Estados-Membros a processos em curso ou iniciados aquando da entrada em vigor das novas regras.

    3.13.

    Simultaneamente, é necessário rever a legislação nacional relativa às medidas atuais para combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A eficácia dos mecanismos em vigor poderá permitir melhorar as medidas previstas e proporcionar uma proteção efetiva às pessoas em risco. Se já existirem instrumentos na legislação nacional que possam, pelo menos em parte, dar resposta ao problema em causa, será necessário identificar os motivos que impedem a aplicação adequada desses instrumentos. Essa análise poderá melhorar a situação dos participantes no debate social ameaçados por ações judiciais estratégicas contra a participação pública, independentemente da diretiva proposta, mas também poderá constituir um estudo interessante no âmbito da elaboração e da aplicação de nova legislação.

    3.14.

    Uma vez que a proposta de diretiva não abrange os casos de incidência nacional, o CESE congratula-se com a Recomendação (UE) 2022/758 sobre a proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública, pelo que insta os Estados-Membros a assegurarem o mesmo nível de proteção previsto na proposta de diretiva. Não obstante, as atividades da UE não devem limitar-se a recomendações, devendo exigir aos Estados-Membros que harmonizem a sua legislação neste domínio, a fim de proporcionar o mesmo nível de proteção no que diz respeito às ações judiciais estratégicas contra a participação pública em todos os Estados-Membros. Tal aplica-se, em particular, às definições jurídicas e ao âmbito de proteção no caso das ações judiciais estratégicas contra a participação pública, a fim de evitar interpretações divergentes e níveis de proteção diferentes nos Estados-Membros.

    3.15.

    Dada a dinâmica do problema das ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público, o CESE recomenda que a aplicação da diretiva seja avaliada após um período máximo de três anos, em vez dos cinco anos previstos atualmente. Assim, os Estados-Membros deveriam fornecer à Comissão informações sobre a aplicação da diretiva dois anos após a sua transposição. A Comissão apresentaria o relatório sobre a aplicação da diretiva um ano depois, ou seja, três anos após a sua transposição.

    3.16.

    O CESE apela à Comissão para que consulte os jornalistas e todas as partes interessadas, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil aquando da elaboração do relatório de avaliação, a fim de complementar as informações fornecidas pelos Estados-Membros com avaliações independentes sobre a aplicação da diretiva.

    3.17.

    É fundamental aplicar as medidas educativas indicadas na Recomendação (UE) 2022/758. Em especial, os profissionais da justiça (juízes e advogados de defesa em processos judiciais) necessitam de formação adequada e, além disso, o público em geral nos Estados-Membros deve beneficiar de atividades educativas mais amplas, pois qualquer pessoa, enquanto participante no debate público, corre o risco de ser alvo de uma ação judicial estratégica contra a participação pública. Essas medidas educativas devem dedicar atenção suficiente às ações judiciais estratégicas contra a participação pública com uma dimensão transnacional, abrangidas pela proposta de diretiva. Além disso, cabe organizar campanhas gerais em todos os Estados-Membros para divulgar e promover os direitos e liberdades de expressão, como complemento e reforço da diretiva.

    3.18.

    Um elemento importante do sistema de combate às ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público deve ser também a prestação de assistência jurídica gratuita às pessoas e organizações em risco. O CESE apoia a criação e o desenvolvimento de centros de aconselhamento jurídico em universidades e também em associações profissionais do direito e outras entidades que possam prestar esse apoio. No entanto, é necessário assegurar que os organismos recomendados pelos Estados-Membros para a realização dessas atividades são credíveis, independentes e profissionais e que as suas atividades são objeto de uma verificação independente adequada pelas autoridades do Estado-Membro em causa.

    Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

    A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Christa SCHWENG


    (1)  Relatório da CASE (https://www.the-case.eu/slapps-in-europe).

    (2)  Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO L 305 de 26.11.2019, p. 17).

    (3)  NAT/824 — Relatório de informação do Comité Económico e Social Europeu — A proteção do ambiente como condição prévia para o respeito pelos direitos fundamentais.

    (4)  SOC/593 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforço da proteção dos denunciantes à escala da UE (JO C 62 de 15.2.2019, p. 155).

    (5)  SOC/635 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (parecer de iniciativa) (EESC 2021/01539) (JO C 517 de 22.12.2021, p. 9).

    (6)  REX/545 — Relatório de informação do Comité Económico e Social Europeu — Apoio ao setor dos meios de comunicação social independentes na Bielorrússia.

    (7)  Resolução do PE sobre a redução do espaço reservado à sociedade civil na Europa (2021/2103(INI)) (JO C 347 de 9.9.2022, p. 2).

    (8)  Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57).

    (9)  SOC/712 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Uma Europa mais inclusiva e protetora: alargar a lista de crimes da UE ao discurso de ódio e aos crimes de ódio, (EESC 2022/00299) (JO C 323 de 26.8.2022, p. 83).

    (10)  COM(2022) 177.

    (11)  Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão, de 27 de abril de 2022, relativa à proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos na participação pública contra processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») (JO L 138 de 17.5.2022, p. 30).


    Top