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Document 52022IE3403

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma visão estratégica da transição energética tendo em vista a autonomia estratégica da UE (parecer de iniciativa)

    EESC 2022/03403

    JO C 75 de 28.2.2023, p. 102–114 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    28.2.2023   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 75/102


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma visão estratégica da transição energética tendo em vista a autonomia estratégica da UE

    (parecer de iniciativa)

    (2023/C 75/15)

    Relatores:

    Thomas KATTNIG

    Lutz RIBBE

    Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI

    Decisão da Plenária

    20.1.2022

    Base jurídica

    Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

     

    Parecer de iniciativa

    Competência

    Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

    Adoção em secção

    4.10.2022

    Adoção em plenária

    26.10.2022

    Reunião plenária n.o

    573

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    197/9/12

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    No final de 2021, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) decidiu desenvolver uma visão abrangente para a transição energética. Em 18 de janeiro de 2022, o CESE decidiu que todas as secções e a CCMI deveriam contribuir com pareceres de iniciativa sobre vários aspetos da transição energética para um parecer global sobre uma visão estratégica da transição energética para permitir o desenvolvimento sustentável.

    No entanto, a situação atual na Ucrânia, após a invasão militar pela Federação da Rússia, colocou a transição energética no topo da lista de prioridades, dadas as suas consequências sem precedentes no aprovisionamento energético da UE e nos preços da energia.

    À luz da crise atual, e tendo em conta o objetivo de pôr termo à dependência da UE em relação ao gás russo até 2030, o presente parecer apresenta uma visão abrangente para a transição energética, a fim de construir e promover a autonomia estratégica da UE no domínio da energia.

    Tendo em vista desenvolver uma visão estratégica a longo prazo, o presente parecer-quadro resume:

    as conclusões e recomendações dos pareceres de iniciativa setoriais (1);

    as conclusões dos pareceres sobre o REPowerEU e o plano REPowerEU e as próximas propostas legislativas; e

    as conclusões e recomendações de pareceres anteriores do CESE.

    1.2.

    O CESE chama a atenção para o risco de a combinação de efeitos económicos e sociais da atual crise energética colocar o sistema democrático sob pressão caso não sejam encontradas soluções adequadas. Por conseguinte, o CESE apoia a aplicação de medidas imediatas para dar resposta às questões mais prementes, em particular para garantir a segurança do aprovisionamento a preços tão acessíveis quanto possível, tanto para os consumidores individuais como para a indústria, que estão a ser duramente afetados pelos aumentos drásticos dos preços.

    1.3.

    As alterações climáticas são cada vez mais uma dura realidade na Europa. Além disso, a atual crise energética, agravada pela invasão agressiva da Ucrânia pela Rússia, demonstra claramente que, embora tanto as medidas como os objetivos propostos no âmbito da União Europeia da Energia e do Pacto Ecológico sejam, na sua essência, corretos, não são suficientemente ambiciosos, e ainda não bastam para conduzir a Europa a uma autonomia energética estratégica segura, sustentável e competitiva. Acima de tudo, ainda são abordados de forma demasiado receosa, sendo necessária uma mudança de paradigma a este respeito.

    1.4.

    Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio verde a nível nacional.

    1.5.

    Para além da necessidade de se explorar este potencial o mais rapidamente possível, é importante tirar partido do potencial de poupança de energia de forma ainda mais vigorosa. Na situação atual, poupar energia é a melhor forma de conseguir efeitos imediatos.

    1.6.

    Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo não é diversificar as dependências, mas alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica».

    1.7.

    Esta transformação é não só um grande desafio técnico, como também envolve questões estruturais. No futuro, a produção de energia será muito mais descentralizada do que no passado, oferecendo oportunidades aos municípios e regiões e a outras novas partes interessadas, por exemplo, micro, pequenas e médias empresas (MPME) e prossumidores individuais e comunitários. O CESE considera que os decisores políticos ainda não apresentaram indicações ou medidas claras sobre a forma como os consumidores de energia, em particular, se podem tornar novos intervenientes. Salientou em muitos dos seus pareceres que a aceitação da população é uma condição essencial para assegurar uma transformação rápida e que os direitos e as oportunidades de participação são as melhores formas de conseguir essa aceitação. Por conseguinte, não se trata apenas de saber onde e a partir de que fonte a energia é produzida, mas também quem pode ganhar dinheiro com a energia. O CESE reitera o seu apelo à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes (2).

    1.8.

    O CESE reitera a sua convicção, expressa em pareceres anteriores, de que não só se impõe utilizar os fundos no âmbito da política de coesão social e regional e a ajuda à reconstrução para apoiar a ação climática e a transição energética, como é também necessário configurar uma política climática e energética que promova a coesão social e regional.

    2.   Observações na generalidade

    2.1.

    O CESE chama a atenção para o risco de a combinação de efeitos económicos e sociais da atual crise energética colocar o sistema democrático sob pressão caso não sejam encontradas soluções adequadas. Por conseguinte, o CESE apoia a aplicação de medidas imediatas para dar resposta às questões mais prementes, em particular para garantir a segurança do aprovisionamento a preços tão acessíveis quanto possível, tanto para os consumidores individuais como para a indústria, que estão a ser duramente afetados pelos aumentos drásticos dos preços.

    2.2.

    As consequências da crise climática estão a ter um impacto maciço na Europa e no mundo. O CESE reitera o seu firme apoio aos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico, ao reforço da autonomia estratégica no aprovisionamento de energia e à transição para uma economia sustentável e com impacto neutro no clima. A «guerra energética» iniciada pela Rússia torna ainda mais clara a necessidade de acelerar vigorosamente a transformação iniciada com o Pacto Ecológico. O plano REPowerEU e outras iniciativas propostas pela Comissão permitem adaptar o Pacto Ecológico em conformidade, mas ainda não são suficientemente ambiciosas.

    2.3.

    É importante ter em conta a dimensão social em todas as medidas previstas no âmbito da transição energética. Por um lado, tal mostra-se necessário para não comprometer a aprovação, pela sociedade, das alterações necessárias e para assegurar uma transição justa. Por outro lado, esta transformação possibilitará igualmente desenvolvimentos positivos na economia regional, incluindo novos postos de trabalho (3), o que promoverá a aceitação. Enquanto representante da sociedade civil, o CESE tem frequentemente formulado orientações sobre a forma como se deve envolver os cidadãos, para que estes possam beneficiar da «transformação justa». Infelizmente, estas orientações têm sido, na sua maioria, ignoradas, o que pode conduzir a maiores dificuldades de aceitação.

    2.4.

    O CESE considera que a competitividade da economia europeia, em especial do setor industrial e das MPME enquanto motores da inovação sustentável, deve e pode ser salvaguardada. Os modelos inteligentes de utilização de energia — por exemplo, as centrais elétricas virtuais — oferecem oportunidades de crescimento consideráveis para as empresas de menor dimensão. Uma vez que as MPME são uma parte essencial da solução para uma economia competitiva, circular, inclusiva e com impacto neutro no clima na UE, importa criar e manter as condições adequadas com formas específicas de apoio e condições-quadro. Tal é necessário para assegurar e criar crescimento económico e emprego de elevada qualidade.

    2.5.

    Embora a UE seja pioneira na redução das emissões de CO2, outros intervenientes devem participar na ação climática. A União Europeia deve intensificar os seus esforços diplomáticos, iniciar novas formas de cooperação e utilizar instrumentos, como acordos de comércio e cooperação, para persuadir países terceiros a envidarem mais esforços para responder a esta crise. Ao mesmo tempo, a UE deve efetuar um debate sobre a oportunidade de transferir as cadeias de abastecimento industrial para a Europa, a fim de reduzir a dependência dos fornecedores chineses — por exemplo, no setor dos módulos fotovoltaicos e das baterias — e, ao mesmo tempo, assegurar uma cadeia de abastecimento plenamente sustentável, incluindo em termos de política social e de respeito pelos direitos humanos.

    2.6.

    A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal não deve ser a diversificação das dependências, mas sim, se possível, a «autonomia e a independência energética estratégica». O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus.

    2.7.

    A situação dos mercados da energia em agosto de 2022 deixou claro que nenhuma fonte de energia é sempre fiável a 100 %. Por exemplo, durante vários meses, um número considerável de centrais nucleares francesas não esteve ligado à rede por motivos relacionados com a manutenção, com o impacto das alterações climáticas ou com outros problemas. A produção de eletricidade a partir do carvão não só teve um impacto significativo na crise climática como também está a sofrer os seus efeitos diretos: devido aos níveis baixos de água do Reno causados pela seca, as centrais a carvão deixaram de poder ser abastecidas. Por razões semelhantes, a energia hidroelétrica também se tornou menos estável, como demonstra, por exemplo, o caso de Itália. Além disso, o gás natural, quer seja transportado sob a forma gasosa ou líquida, não só é nocivo para o clima como também comporta enormes riscos geopolíticos. Por outras palavras, no momento de considerar a futura política energética da UE, a energia eólica e a energia solar destacam-se como fontes energéticas estratégicas e viáveis no cabaz energético diversificado e seguro a que todos os Estados-Membros aspiram atualmente. Para compensar as variações destas duas fontes de energia, importa dispor, antes de mais, de instalações de armazenamento e, em segundo lugar, de hidrogénio verde, que permite armazenar a energia eólica e solar a longo prazo. A questão decisiva para a autonomia estratégica da Europa diz respeito à quantidade de hidrogénio verde que pode ser produzida na Europa e à quantidade que deve ser importada. Neste momento de transição, devemos apontar para a fonte relativamente mais fiável e mais eficiente do ponto de vista climático.

    2.8.

    Os acontecimentos das últimas décadas e, sobretudo, os do passado recente, são demonstrativos do risco de ciberataques e atos de sabotagem a infraestruturas críticas, como a rede de energia ou as centrais elétricas. A falha ou a perturbação destas infraestruturas pode causar uma escassez de oferta devastadora e ameaçar a segurança pública. As infraestruturas críticas como as redes de gás e eletricidade, os cabos de dados submarinos, as instalações no mar, bem como os parques eólicos terrestres e os terminais de GNL, as centrais a carvão ou nucleares, os transportes e o tráfego, assim como os serviços de saúde, financeiros e de segurança, podem ser alvos de ciberataques ou sabotagem. É do interesse de toda a Europa proteger melhor esta infraestrutura crítica. A UE deve estar mais bem preparada para potenciais ataques deste tipo. Por conseguinte, o CESE solicita uma avaliação crítica imediata das medidas adotadas até à data, bem como a elaboração de uma estratégia global para proteger a UE contra ameaças como as catástrofes naturais, a sabotagem e os ciberataques. Neste contexto, recomenda que qualquer investimento estrangeiro em setores estratégicos na União esteja em conformidade com a política de segurança da UE.

    2.9.

    O CESE congratula-se com a criação de um Fundo Social para o Clima (4). No entanto, está convicto de que o fundo não proporciona apoio financeiro suficiente para enfrentar de forma responsável os efeitos socioeconómicos. O enorme desafio que representa conceber um mecanismo de compensação eficaz e equitativo num espaço económico heterogéneo composto por 27 Estados-Membros requer medidas de acompanhamento de maior alcance e recursos ao nível nacional e da UE.

    2.10.

    A escalada dos preços da energia demonstrou que o mercado energético atual é apenas parcialmente sustentável. A própria presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, referindo-se aos preços transfronteiriços baseados nos custos cotados nas bolsas europeias de eletricidade, afirmou que esse sistema deixaria de funcionar se o volume de eletricidade verde continuasse a aumentar. É necessário fazer perguntas fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, a preços acessíveis e fiável, bem como o direito à energia. O CESE considera que a forma como o mercado da energia é concebido e regulamentado deve ser adaptada às novas realidades das energias renováveis predominantes, criando simultaneamente as condições necessárias para a indústria, as MPME e os intervenientes individuais, bem como para a criação de novas oportunidades de participação para os prossumidores, as comunidades de cidadãos para a energia, etc., e reforçando simultaneamente a proteção adequada dos consumidores. Na reconfiguração do mercado, deve ser dada especial atenção à prevenção dos obstáculos estruturais ao acesso ao mercado por parte dos pequenos intervenientes. Tal aplica-se, por exemplo, ao acesso à energia de compensação e, se necessário, aos mercados de capacidades, que podem ser necessários para garantir a segurança do aprovisionamento.

    2.11.

    A fim de assegurar que os preços da energia sejam socialmente aceitáveis e, mais uma vez, competitivos, abrindo simultaneamente o caminho para uma liderança contínua da UE na utilização das energias renováveis, o CESE apela para a simplificação e agilização dos procedimentos de licenciamento no domínio das energias renováveis, uma vez que estes são vistos como o principal obstáculo a uma implantação mais rápida das fontes de energia renováveis. Ao mesmo tempo, é necessário melhorar significativamente as condições-quadro para as medidas de descentralização, as cooperativas de energia e todas as formas de «prossumo».

    2.12.

    O CESE apoia vivamente a proposta da Comissão sobre o armazenamento de gás e o regulamento relativo à coordenação das medidas de redução da procura de gás. Convida as instituições a:

    complementarem a proposta com um instrumento de investimento a curto prazo destinado a apoiar o investimento em infraestruturas preparadas para o hidrogénio, tais como interligações e instalações de armazenamento,

    ponderarem a utilização de instalações de armazenamento de gás em países terceiros vizinhos,

    estabelecerem planos para cada Estado-Membro, a fim de evitar uma repartição desequilibrada dos encargos a nível regional.

    2.13.

    O CESE salienta que a criação paralela de infraestruturas centralizadas e descentralizadas é problemática e que existe um risco de maus investimentos. Por exemplo, existem utilizações potenciais concorrentes para uma rede de gasodutos de hidrogénio à escala nacional e a expansão das redes de aquecimento urbano a frio. Por conseguinte, o CESE apelou para que se tomem decisões fundamentais acertadas no interesse da segurança dos investimentos (5).

    3.   A transição energética como estratégia global na UE e no contexto internacional

    3.1.

    A agressão russa provocou uma crise geopolítica mundial, que está a ter um impacto exponencialmente crescente tanto no equilíbrio económico como na segurança energética mundial. Pôs em causa décadas de políticas em matéria de energia, defesa e relações externas, obrigando a UE a reavaliar os seus planos e as medidas tomadas até ao momento, demasiado hesitantes em matéria de transformação ecológica e digital, e a ter em conta as ramificações que a invasão russa e as sanções impostas terão na continuação da transição energética do mundo.

    3.2.

    A dependência de importações de energia primária provenientes de países terceiros tornou-se uma ameaça direta à segurança e à estabilidade da UE, motivo pelo qual a Comissão Europeia propôs rapidamente a adoção de um conjunto de medidas que adaptam a política energética europeia à atual situação geopolítica no âmbito do plano REPowerEU. A proposta de regulamento relativo à segurança do aprovisionamento de gás e às condições de acesso às redes de transporte de gás natural reclassifica, por exemplo, o armazenamento de gás como uma infraestrutura energética crítica e impõe a certificação obrigatória dos operadores das instalações de armazenamento de gás e objetivos de enchimento para ajudar a UE a voltar a ter o controlo do seu mercado da energia. O CESE saúda todas estas medidas que devem, efetivamente, contribuir para que a UE recupere o controlo do seu mercado da energia.

    3.3.

    Ao mesmo tempo, tendo em conta as tensões políticas atuais, o CESE considera necessário cooperar ainda mais ativamente com vários países que estão em condições de fornecer energia a curto prazo à Europa, até à entrada em vigor da expansão maciça das energias renováveis prevista pela Comissão. Tais países incluem os Estados Unidos e, em diferentes graus, países sul-americanos e africanos, cujas exportações de combustíveis fósseis, que se tornaram necessárias a curto prazo, devem ser acompanhadas da transferência de conhecimentos e do desenvolvimento de tecnologias de energias renováveis, a fim de acelerar a atenuação das alterações climáticas também nesses países.

    4.   Criar um ambiente propício à transição energética

    4.1.   Investimento público

    4.1.1.

    A fim de satisfazer a crescente procura de eletricidade e cumprir as metas climáticas, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (6). Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis, bem como em infraestruturas de armazenamento, é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego de alta qualidade.

    4.1.2.

    O CESE recomenda, mais uma vez, a aplicação da «regra de ouro» ao investimento público, tal como adotada no Parecer ECO/569 (7), desde que mantida a estabilidade orçamental a médio prazo e preservado o valor do euro, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica, em prol do bem-estar das gerações futuras.

    4.1.3.

    Os mecanismos de financiamento misto com investidores privados só são uma opção se for possível assegurar que a atribuição é transparente, que não existem cláusulas de confidencialidade e que o setor público não incorre em quaisquer custos injustificados em comparação com o financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. Por conseguinte, é ainda mais importante definir claramente os direitos e as obrigações nesses modelos de financiamento misto, clarificar as questões de responsabilidade e prever um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e problemas em matéria de responsabilidade.

    4.1.4.

    No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância da participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades da energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e da criação de incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética. Manifestamente, o papel dos particulares, dos agricultores, dos municípios, das MPME ou das comunidades de cidadãos para a energia no financiamento das medidas é completamente subestimado. O CESE salienta, por exemplo, que mais de 90 % da potência instalada na Alemanha não se deve a grandes empresas fornecedoras de energia. Não existe uma estratégia para explorar todo o potencial e vontade que existe.

    4.1.5.

    A legislação europeia sobre energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulamentação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática. A legislação europeia sobre energia deve, por conseguinte, mencionar expressamente a neutralidade climática como um objetivo da regulamentação da rede.

    4.1.6.

    A Comissão salienta, com razão, que o investimento público pode e deve mobilizar o investimento privado. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma abordagem possível para organizar esse processo, tal como a tributação dos enormes lucros inesperados gerados pela grande crise do petróleo e do gás, de que beneficiaram em particular as grandes empresas petrolíferas e algumas empresas do setor da energia. O CESE está preocupado com o risco de os lucros extremamente elevados das empresas de energia, por um lado, e o aumento da pobreza energética causado pela explosão dos preços da energia, por outro, se transformarem num barril de pólvora social. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de medidas de tributação e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para expandir a produção de energias renováveis e criar as infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque esta possibilidade já está a ser equacionada ou já existe em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

    4.1.7.

    A política de aprovisionamento deve ser acompanhada por infraestruturas que permitam o fluxo significativo de eletricidade e gás no mercado europeu e que garantam a estabilidade da rede. O CESE está convicto de que importa ter especialmente em atenção a classificação da expansão da rede enquanto interesse público superior, a inclusão da ação climática como um objetivo da regulamentação e, em geral, uma melhor sincronização no planeamento das energias renováveis e da rede elétrica. Neste contexto, é imprescindível dispor de orientações concretas a nível europeu.

    4.2.   Fundo de ajustamento às alterações climáticas

    4.2.1.

    O mecanismo da UE em vigor para resposta a catástrofes naturais é o Fundo de Solidariedade da União Europeia (FSUE). No entanto, o orçamento anual disponível do FSUE é insuficiente devido ao elevado custo dos danos (8) provocados pelas recentes catástrofes naturais e tem de ser drasticamente aumentado. O financiamento da UE destinado à transição para energias ecológicas é mais substancial, mas não tem em consideração a urgência das necessidades atuais da UE em matéria de autonomia energética ecológica.

    4.2.2.

    Na opinião do CESE, a UE necessita de um novo mecanismo de financiamento que possa prestar apoio imediato e substancial aos Estados-Membros em situações de emergência deste tipo. Por conseguinte, propõe a criação de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas. Este financiamento deve ser redirecionado dos fundos da UE existentes, nomeadamente do Fundo de Coesão e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), mas gerido de forma otimizada e coerente através deste novo fundo.

    4.2.3.

    Na modernização do quadro de financiamento, o âmbito dos programas existentes pode também ser alargado, os seus recursos aumentados e o Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next GenerationEU) considerado um modelo para um novo instrumento de financiamento. O CESE salienta que pode ser necessário criar novos recursos para dar resposta aos enormes desafios que enfrentamos. No entanto, quaisquer novos «recursos próprios» devem ser concebidos de forma justa, a fim de evitar sobrecarregar ainda mais os grupos desfavorecidos. Além disso, não devem prejudicar o desenvolvimento económico.

    4.2.4.

    É crucial que o funcionamento do fundo de ajustamento às alterações climáticas, mais centrado em respostas céleres e urgentes, seja coerente com as políticas abrangentes da UE em matéria de clima, ambiente e energia, que a longo prazo reduzirão a dependência de respostas de emergência e protegerão a humanidade e o mundo natural.

    4.3.   Promoção das tecnologias

    4.3.1.

    O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde. As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

    4.3.2.

    Desde o início da liberalização, o desempenho do investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. A percentagem de investimento público na investigação e no desenvolvimento de tecnologias de descarbonização é menor na UE do que em todas as outras grandes economias, o que compromete a competitividade da UE em tecnologias futuras essenciais. O CESE convida a Comissão a elaborar um plano estratégico de investimento e incentiva os Estados-Membros a utilizarem os fundos de forma otimizada e eficiente para o desenvolvimento de energias limpas. O mesmo se aplica aos investimentos na rede elétrica.

    4.3.3.

    A descarbonização exigirá uma transformação profunda das atividades industriais (nos próximos 30 anos). Embora já existam muitas tecnologias hipocarbónicas, os seus níveis de maturidade tecnológica (TRL) (9) são baixos. Serão necessários roteiros tecnológicos ambiciosos para expandir e implantar de forma generalizada estas tecnologias revolucionárias, cabendo à UE promover a inovação através dos fundos para o clima e a inovação.

    4.3.4.

    É incontestável que o hidrogénio verde contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (10) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (11).

    4.4.   Apoiar as MPME (12)

    4.4.1.

    As micro, pequenas e médias empresas (MPME), sejam empresas tradicionais, empresas familiares, operadores de mercado, empresas da economia social, artesanato ou profissões liberais, são uma parte essencial da solução para uma economia da UE competitiva, com impacto neutro no clima, circular e inclusiva, desde que se criem e mantenham as condições ideais. As MPME beneficiam da melhoria do seu próprio desempenho ambiental e da disponibilização de conhecimentos e soluções a outras empresas, ao público em geral e ao setor público. O CESE reconhece e destaca a diversidade e as diferentes necessidades das MPME, ao mesmo tempo que apela para que se conceda atenção especial às empresas mais pequenas e mais vulneráveis.

    4.4.2.

    Salienta a urgência de apoiar as MPME na compreensão e gestão da transição ecológica da melhor maneira possível. O CESE apela à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes. Em contrapartida, é igualmente necessário destacar o importante papel desempenhado pelas MPME em termos de novas tecnologias e soluções inovadoras para a mudança ecológica na indústria da UE, papel esse que deve ser tido em conta nos critérios de acessibilidade dos programas de financiamento.

    4.4.3.

    O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a acelerarem o investimento ecológico nas MPME, assegurando um quadro regulamentar favorável, previsível e encorajador, que inclua procedimentos harmoniosos para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos, bem como facultando o acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades de todos os grupos diversos de MPME.

    4.4.4.

    Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «polos de circularidade» (H4C) em várias regiões. Esta iniciativa deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novas práticas e processos, incluindo a demonstração de novas tecnologias. Os procedimentos de contratação pública em toda a UE devem incluir critérios de qualidade relacionados com o clima, sociais e de outra natureza, o que promove a inovação por parte das MPME e facilita o seu acesso aos contratos públicos. As organizações de MPME, as associações setoriais, as instituições académicas, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes devem ser parte integrante no processo.

    4.4.5.

    O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no sentido de adaptar a formação às necessidades de competências e de aptidões pertinentes para a transição ecológica, nomeadamente através de medidas de requalificação e melhoria das competências tanto dos trabalhadores como dos empresários. Além disso, defende que se preste apoio às atividades de inovação das MPME, incentivando e facilitando a cooperação com outras organizações empresariais, associações setoriais, universidades e organismos de investigação.

    5.   Promoção geral de uma transição justa e inclusiva

    5.1.   Transição justa

    5.1.1.

    Uma «transição justa» implica medidas e intervenções de política social que acompanham a transição para uma economia e um sistema de produção sustentáveis e neutros em termos de carbono. O CESE sublinha que a «transição justa» não tem que ver apenas com o financiamento da transição. Também inclui o objetivo de proteger os direitos dos trabalhadores, de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, de reforçar a participação democrática (incluindo ao nível das empresas) e de manter e aumentar a competitividade das empresas europeias, o que requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

    5.1.2.

    O emprego nos setores-chave que são particularmente afetados pela modernização ecológica e pela revolução industrial rumo a uma Europa com impacto neutro no clima enfrenta grandes perturbações, tornando essencial a reconversão profissional e o investimento em educação com vista a empregos ecológicos de alta qualidade. Neste contexto, o intercâmbio atual de conhecimentos e os direitos educacionais são tão pertinentes como a constante promoção da aceitação das mulheres em profissões técnicas.

    5.1.3.

    As medidas e as várias fases da transição previstas no pacote Objetivo 55 podem conduzir a enormes mudanças na economia e a perturbações sociais. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a prestar mais atenção, no âmbito da avaliação dos planos nacionais integrados em matéria de energia e de clima (PNEC), à adequação das estratégias para uma transição justa e, em particular, a avaliar a consecução dos seguintes objetivos:

    facilitar as transições no mundo do trabalho,

    apoiar os trabalhadores que perdem os seus empregos em resultado da descarbonização (substituindo, no mínimo, cada posto de trabalho perdido por outro posto de valor equivalente),

    desenvolver o potencial económico regional decorrente das energias renováveis e das novas formas de participação e intervenção na produção de eletricidade,

    combater eficazmente a pobreza energética.

    5.1.4.

    O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de formação e as empresas na conceção de formação que dê resposta às necessidades de aptidões e competências pertinentes para a transformação ecológica da economia, nomeadamente através da melhoria de competência e da requalificação profissional tanto dos trabalhadores como dos empresários.

    5.1.5.

    O CESE reitera a sua convicção, expressa em pareceres anteriores (13), de que não só se impõe utilizar os fundos no âmbito da política de coesão social e regional e da recuperação para apoiar a ação climática e a transição energética, como é também necessário configurar uma política climática e energética que promova a coesão social e regional. Aliás, tais abordagens já existem, como é o caso dos projetos para a construção de parques solares em antigas minas de lenhite em Portugal e na Grécia ou do apoio estrategicamente orientado para os prossumidores na Lituânia. Não obstante, estes exemplos estão longe de ser a prática geral ou a via principal.

    5.2.   Facilitar o investimento privado

    5.2.1.

    Cada Estado-Membro necessita de programas para o desenvolvimento, da base para o topo, das fontes de energia renováveis, que são indispensáveis para a transformação energética e afetam significativamente tanto a qualidade como, acima de tudo, os preços da energia fornecida. Em resultado do aumento dos preços da energia fornecida pelas redes nacionais de eletricidade, já existe uma tendência para satisfazer de forma independente as necessidades energéticas das empresas, para as quais a energia verde se tornou uma questão de sobrevivência. Muitas empresas estão já a investir de forma dinâmica nas suas próprias fontes renováveis de energia e de calor. Os preços mais baixos destas fontes fazem delas opções atrativas para as empresas e para as comunidades locais, que poderiam utilizar a energia excedentária introduzida na rede elétrica. Infelizmente, em muitas partes da Europa, os sistemas não estão preparados para acolher um grande número de novas instalações e, como tal, há que desenvolvê-los. Além disso, muitas vezes, esses investimentos privados não precisariam de visar apenas as necessidades de uma única empresa, podendo proporcionar benefícios às comunidades locais.

    5.2.2.

    O problema do desenvolvimento do setor das energias renováveis reside, aparentemente, num aumento dinâmico da potência neste setor durante um período extremamente curto, o que constitui um grande desafio para os sistemas de energia dos Estados-Membros, apesar dos investimentos significativos na modernização da rede e no aumento da capacidade de transporte dos sistemas. A Europa precisa agora de criar comunidades locais de energia, nas quais os órgãos de poder local desempenham um papel preponderante em matéria de investimento. Trata-se das chamadas cooperativas de energia, constituídas com a participação de moradores e frequentemente financiadas por fundos de investimento locais. Esta forma de participação das sociedades locais na transformação energética assegura o apoio a estas iniciativas e minimiza o risco de resistência da sociedade à localização de instalações de produção, distribuição ou transporte de eletricidade nos territórios.

    5.2.3.

    Importa incluir estas iniciativas nos regulamentos da UE o mais rapidamente possível e prever um sistema de financiamento estatal para este tipo de investimentos. Neste caso, a comercialização de linhas de média e baixa tensão na rede elétrica é essencial para assegurar a participação dos investidores privados na construção da infraestrutura de rede. O número crescente de cidadãos que instalam sistemas fotovoltaicos mostra o grande potencial de investimento da sociedade e dos empresários. Uma legislação adequada neste domínio resolveria tanto os problemas de financiamento como os problemas de ligação desses investimentos ao sistema elétrico.

    5.3.   Pobreza energética

    5.3.1.

    A UE e os seus Estados-Membros devem ter como prioridade absoluta a garantia da igualdade de acesso à energia e a segurança do aprovisionamento energético a preços acessíveis. A escalada dos preços da energia leva a que cada vez mais consumidores e cidadãos da UE sejam afetados pela pobreza energética em toda a Europa. As pessoas que já estavam expostas à pobreza energética assistem a um agravamento da sua situação e os consumidores que, no passado, não tinham dificuldades em pagar as suas faturas de energia estão agora em risco de pobreza.

    5.3.2.

    Tendo em conta a relevância da questão, o CESE insta a UE a promover uma abordagem comum da pobreza energética. Atualmente, cada Estado-Membro pode definir o conceito de pobreza energética de acordo com os seus próprios critérios. A inexistência de uma abordagem comum pode conduzir a uma situação em que a Comissão não é capaz de avaliar a situação de forma adequada e os Estados-Membros não têm o mesmo entendimento do conceito e procedem de forma diferente. A definição constante da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética e os indicadores já estabelecidos pelo Observatório da Pobreza Energética da UE são um bom começo. Atendendo à urgência da questão, o CESE considera que a Comissão e os Estados-Membros têm de promover uma abordagem comum que forneça um entendimento comum específico de pobreza energética e permita a recolha de dados estatísticos.

    5.3.3.

    O CESE salienta a importância de investir em aprovisionamento de energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. Para tal, é importante assegurar que os investimentos em energias renováveis e eficiência energética, bem como renovações abrangentes de edifícios, apoiem os grupos de rendimento mais baixo. Só assegurando que os agregados familiares financeiramente mais vulneráveis dispõem dos meios para realizar os investimentos necessários é que os prossumidores podem alcançar uma «autonomia estratégica» para si próprios ou enquanto parte de uma comunidade — em última análise, a forma mais sustentável de superar a pobreza energética.

    5.3.4.

    Neste contexto, o CESE recorda a sua posição de que se deve evitar a todo o custo uma sociedade da energia de duas classes. É inaceitável que apenas as famílias munidas de uma boa capacidade financeira e técnica possam beneficiar da transição energética e que todas as outras famílias sejam obrigadas a suportar os custos. Por conseguinte, o CESE apoia os incentivos e os instrumentos de aplicação da Diretiva Eficiência Energética, a fim de ajudar os clientes e agregados familiares vulneráveis, e salienta que metas ambiciosas em matéria de aquecimento/arrefecimento urbano podem agravar as condições da habitação social. Por conseguinte, o Comité congratula-se com a proposta de criação de um Fundo Social para o Clima e apela para o cumprimento do princípio da transição justa, a fim de ter em conta as diferentes situações dos Estados-Membros.

    5.3.5.

    Uma vez que a pobreza energética decorre da pobreza em geral, é igualmente fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza. Esta crise realça a necessidade de melhorar continuamente o acesso ao emprego e à inclusão social, a fim de assegurar um nível de vida adequado e promover o crescimento económico nos Estados-Membros.

    5.4.   Zonas rurais

    5.4.1.

    O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio que seria de esperar a uma estratégia combinada para a transição energética e a digitalização nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas através do Pacto Rural da UE.

    5.4.2.

    O CESE tem salientado reiteradamente que a transição energética (a mudança de grandes instalações de produção centralizadas para estruturas mais descentralizadas) oferece verdadeiras oportunidades de novas fontes de rendimento e de novos empregos nas zonas rurais (14). Também aqui o CESE demonstra a sua grande deceção com as ideias apresentadas até à data pela Comissão Europeia e pelos Estados-Membros.

    5.4.3.

    Por conseguinte, cabe conferir maior reconhecimento e preponderância ao papel desempenhado pelas comunidades de energia locais e regionais a fim de alcançar uma transição energética justa e promover, concomitantemente, o desenvolvimento comunitário mediante a criação e a expansão de comunidades de cidadãos para a energia, em que participam de forma voluntária cidadãos, órgãos de poder local e MPME, no intuito de gerar benefícios sociais e económicos.

    5.4.4.

    Em suma, o CESE entende que a implantação de tecnologias digitais nas zonas rurais é um requisito essencial para apoiar a transição energética. O sistema energético rural deve ser descentralizado. Para tal, impõe-se uma maior e melhor interligação, o que, por seu turno, exige a implantação de tecnologias digitais para adaptar a oferta à procura e assegurar fluxos de energia eficientes.

    6.   Observações na especialidade

    6.1.

    A manutenção de uma base industrial sólida na UE garantirá, na sociedade europeia, prosperidade, emprego de qualidade e empenho na luta contra as alterações climáticas. A indústria europeia tem de investir na Europa, tanto em investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) como em ativos fixos tangíveis, a fim de manter a sua posição competitiva. Para tal, é necessário um quadro regulamentar adequado.

    A indústria da energia representa um setor muito vasto da economia. Este segmento tem a particularidade de ser uma alavanca essencial para os outros setores da economia. No entanto, o setor da energia é, em todos os seus aspetos, um setor muito estereotipado em matéria de género, com os homens em posição dominante, o que implica grandes desequilíbrios profissionais entre homens e mulheres, tanto no setor privado como no setor público da energia (15).

    O CESE recomenda:

    reforçar e fazer cumprir a legislação em vigor, tanto a nível europeu como nacional, em matéria de igualdade,

    criar igualdade de condições na formação profissional no setor da energia nos Estados-Membros e a nível europeu — criar um «colégio europeu de CTEM»,

    assegurar a igualdade do mercado de trabalho no setor da energia, explorando oportunidades para as mulheres, evitando simultaneamente que as transições energética e digital se tornem armadilhas para as carreiras e os salários das mulheres, e desenvolvendo o diálogo social e acordos coletivos em matéria de igualdade nas empresas do setor da energia em toda a Europa.

    Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

    A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Christa SCHWENG


    (1)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 67, JO C 486 de 21.12.2022, p. 88, JO C 486 de 21.12.2022, p. 53, JO C 486 de 21.12.2022, p. 1, JO C 486 de 21.12.2022, p. 59, JO C 486 de 21.12.2022, p. 23, JO C 486 de 21.12.2022, p. 198.

    (2)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 1.

    (3)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

    (4)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 158.

    (5)  Ver JO C 429 de 11.12.2020, p. 85.

    (6)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

    (7)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

    (8)  Uns impressionantes 80 mil milhões de euros na Alemanha em 2021.

    (9)  Nível de Maturidade Tecnológica (TRL, do inglês Technology Readiness Level): níveis de maturidade tecnológica são diferentes pontos numa escala utilizada para medir o progresso ou o nível de maturidade de uma tecnologia.

    (10)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

    (11)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

    (12)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 1.

    (13)  Ver JO C 47 de 11.2.2020, p. 30 e JO C 62 de 15.2.2019, p. 269.

    (14)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

    (15)  Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas n.os 5, 7 e 8; Joy Clancy, Universidade de Twente, Give women a chance: engendering the energy supply chain [Dar uma oportunidade às mulheres: conferir uma dimensão de género à cadeia de abastecimento energético].


    ANEXO

    As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

    Ponto 2.6

    Alterar:

    Parecer da secção

    Alteração

    A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal não deve ser a diversificação das dependências, mas sim, se possível, a «autonomia e a independência energética estratégica». O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus.

    A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal deve ser a diversificação dos recursos, assegurando, tanto quanto possível, a «autonomia e a independência energética estratégica» aberta . O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus. Ao mesmo tempo, na situação atual, é necessário manter todas as fontes de energia europeias funcionais, uma vez que, na verdade, o perigo para a Europa neste momento não é o possível impacto ambiental das fontes substitutas, mas a falta de energia e os cortes de eletricidade. Não se pode perder a capacidade de produção de energia que abastece atualmente o mercado europeu da energia.

    Resultado da votação

    Votos a favor:

    77

    Votos contra:

    113

    Abstenções:

    14

    Ponto 4.3.1

    Alterar:

    Parecer da secção

    Alteração

    O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde . As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

    O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio. As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

    Resultado da votação

    Votos a favor:

    92

    Votos contra:

    112

    Abstenções:

    9

    Ponto 4.3.4

    Alterar:

    Parecer da secção

    Alteração

    É incontestável que o hidrogénio verde contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (1) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (2).

    É incontestável que o hidrogénio contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (1) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (2).

    Resultado da votação

    Votos a favor:

    92

    Votos contra:

    112

    Abstenções:

    9

    Ponto 1.4

    Alterar:

    Parecer da secção

    Alteração

    Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio verde a nível nacional.

    Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio a nível nacional.

    Resultado da votação

    Votos a favor:

    92

    Votos contra:

    112

    Abstenções:

    9

    Ponto 1.6

    Alterar:

    Parecer da secção

    Alteração

    Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo não é diversificar as dependências, mas alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica».

    Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo é diversificar as fontes e, ao mesmo tempo, diminuir as dependências elevadas em relação a um único importador , a fim de alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica» aberta .

    Resultado da votação

    Votos a favor:

    77

    Votos contra:

    113

    Abstenções:

    14


    (1)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

    (2)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

    (1)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

    (2)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.


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