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Document 52006IE1577

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica

JO C 325 de 30.12.2006, p. 60–64 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

30.12.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 325/60


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica»

(2006/C 325/15)

Em 21 de Abril de 2006, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre: «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica»

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 7 de Novembro de 2006, tendo sido relatora R. HEINISCH.

Na 431.a reunião plenária 13 e 14 de Dezembro de 2006 (sessão de 14 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 105 votos a favor, 4 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O presente aditamento a parecer está relacionado com as definições e as análises contidas no parecer, de 16 de Março de 2006, do Comité Económico e Social Europeu sobre «A Violência doméstica contra mulheres», que se limita à questão da violência perpetrada contra mulheres por homens no seio de uma relação conjugal/familiar (1). O presente parecer refere-se também exclusivamente a este tipo de violência no seio da família, nomeadamente ao impacto nas crianças que a testemunham. A violência directa contra crianças no seio da família, não raro também perpetrada por mulheresas próprias mães –, não é objecto do presente parecer. Embora a vivência num ambiente de violência física e psíquica possa ter efeitos graves sobre as crianças, continua a não haver uma percepção muito nítida de que as crianças são vítimas indirectas da violência doméstica. Também sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação sem violência, à protecção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável.

1.2

Assim, o CESE insta veementemente as Presidências do Conselho da UE a abordarem, no âmbito da violência doméstica contra as mulheres, também o tema «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica».

Destinatários: Presidências do Conselho da UE e Comissão.

1.3

Em 4 e 5 de Abril de 2006, no âmbito de uma conferência que decorreu no Mónaco, foi lançado o Programa trienal 2006-2008 do Conselho Europeu «Construir uma Europa para e com as crianças». A intenção deste programa é «fazer publicidade» à protecção dos direitos das crianças, abordando também o tema «Protecção das crianças contra a violência». Desejando chamar mais a atenção para estes objectivos importantes, sobretudo por parte dos meios de comunicação social, o CESE sugere a realização de uma acção comum entre o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Comité das Regiões e a UNICEF.

Destinatários: Conselho da Europa, Parlamento Europeu, Comité das Regiões e UNICEF.

1.4

Embora a principal responsabilidade no combate à violência doméstica caiba aos Estados-Membros, o CESE considera necessária a adopção de uma estratégia pan-europeia, devido à importância dada aos direitos das crianças e ao facto de os Estados-Membros reagirem diferentemente.

Assim, esta estratégia pan-europeia deve começar pela realização na UE de um primeiro estudo sobre a prevalência e as consequências para as crianças que crescem num ambiente de violência doméstica, bem como sobre as possibilidades e as medidas de protecção e assistência às crianças vítimas indirectas de violência.

Destinatários: Comissão, DG Justiça, Liberdade e Segurança.

1.5

A violência perpetrada contra crianças no espaço familiar só pode ser eficazmente combatida ao nível nacional. Por conseguinte, os respectivos planos nacionais de acção contra a violência doméstica deveriam também prever uma componente dedicada às «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica». Neste contexto, interessa considerar os seguintes aspectos:

Obtenção de dados sobre a prevalência e as consequências para as crianças que crescem num ambiente de violência doméstica;

Recolha de dados sobre as possibilidades e as medidas de protecção e assistência às crianças vítimas indirectas de violência;

Necessidade de reconhecer as crianças vítimas indirectas de violência doméstica como um grupo particular, com necessidades e exigências especiais de apoio;

Interacção e combinação das diferentes medidas em todas as áreas de intervenção entre, por um lado, as casas de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica e os serviços de aconselhamento a mulheres e, por outro, os serviços de apoio a crianças e jovens, os tribunais de família, os centros de protecção de crianças e os centros de apoio familiar;

Consideração da dinâmica da violência doméstica nas normas jurídicas que regem o direito de visita e custódia;

Consideração da situação especial das crianças de mulheres imigrantes que sofrem maus-tratos;

Assegurar a formação inicial e contínua dos profissionais que trabalham com crianças nas diversas áreas de intervenção, como centros de apoio a crianças e jovens, serviços de aconselhamento e protecção, unidades de intervenção, escolas, jardins infantis e instalações de lazer, instituições e serviços nas áreas judicial, policial e da saúde, cuja tarefa consiste em identificar crianças em situação de perigo no meio familiar e prestar-lhes o apoio de que necessitam;

Desenvolvimento e aplicação de medidas específicas de prevenção relacionadas com o tema «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica»;

Realização de campanhas de sensibilização social destinadas às potenciais testemunhas directas de violência contra as crianças (vizinhos, amigos dos pais ou familiares), por forma a combater a indiferença destes face ao abuso de crianças;

Criação de serviços de atendimento especificamente destinados a crianças, designadamente de mediadores de crianças, assim como apoio por parte de instituições estatais e não estatais, à semelhança do que já se faz em vários países (2);

Divulgação dos planos de acção nacionais e das medidas e projectos previstos através de campanhas de informação.

2.   Exposição de motivos

2.1   Porquê um aditamento a parecer?

2.1.1

O presente aditamento a parecer está relacionado com as definições e as análises contidas no parecer, de 16 de Março de 2006, do Comité Económico e Social Europeu sobre «A Violência doméstica contra mulheres», que se limita à questão da violência perpetrada contra mulheres por homens no seio de uma relação conjugal/familiar. O presente parecer refere-se também exclusivamente a este tipo de violência no seio da família, nomeadamente ao impacto nas crianças que a testemunham. A violência directa contra crianças no seio da família, não raro também perpetrada por mulheresas próprias mães –, não é objecto do presente parecer. Dados empíricos revelam que, em vários países europeus, em pelo menos metade dos casos de violência doméstica as crianças assistem a cenas de agressão e que cerca de três quartos das mulheres vítimas de violência que procuram abrigo em casas de apoio levam os filhos consigo (3).Estudos empíricos e dados estatísticos sobre violência doméstica demonstram claramente que a violência perpetrada contra a mãe pelo marido/parceiro é nociva para as crianças, mesmo que estas não sejam vítimas directas. No entanto, continua a haver uma percepção difusa de que as crianças são vítimas indirectas da violência doméstica, não lhes sendo prestada suficiente atenção, apoio e cuidado. Com o intuito de alterar esta situação, o presente aditamento a parecer centra-se na questão das «crianças vítimas indirectas da violência doméstica», descrevendo a situação, apontando problemas e apresentando recomendações para melhorar a situação e os direitos dessas crianças.

2.2   Violência contra crianças expostas a ambientes de violência doméstica

2.2.1

O meio social envolvente e, sobretudo, familiar são o espaço privilegiado da violência contra crianças. Aqui as crianças podem tornar-se mais facilmente vítimas e testemunhas de violência: vítimas de violência perpetrada por adultos e testemunhas de violência entre adultos.

2.2.2

Enquanto que a violência directa contra crianças no seio da família ou no meio social que as rodeia (violência física, sexual ou psicológica e abandono ou tratamento negligente) tem vindo a ser reconhecida como problema, quer a nível europeu quer a nível nacional, e considerada uma das mais graves violações dos direitos das crianças — o que se repercutiu numa mudança positiva na prevenção e na luta contra esta forma de violência –, ainda há uma percepção difusa de que as crianças são vítimas indirectas de violência doméstica (4).

2.2.3

A violência doméstica é entendida como a violência entre parceiros (ou marido e mulher), a violência psicológica ou física (incluindo sexual) entre homens e mulheres casados ou que vivem em união de facto (5). Regra geral, esta forma de violência é perpetrada por homens contra as mulheres. Na sua maioria as vítimas são mães. Na maioria dos casos, quando as mulheres são agredidas pelo parceiro ou marido os filhos ouvem ou presenciam estes episódios de violência (6).

2.2.4

A violência perpetrada contra a mãe é uma forma de violência contra a criança. As crianças que presenciam cenas de violência doméstica e assistem aos maus-tratos infligidos à mãe pelo próprio pai, pelo padrasto ou pelo companheiro da mãe são também sempre vítimas de violência psíquica. Mesmo que a violência doméstica não seja uma violência exercida directamente sobre as crianças, estas sofrem sempre com os maus-tratos infligidos à mãe (7).

2.2.5

Além disso, estudos científicos revelam que, não raro, a violência doméstica perpetrada contra mulheres e os maus-tratos infligidos às crianças ocorrem no seio da mesma família (8). Frequentemente, os homens que maltratam as mulheres ou parceiras também agridem os filhos. As mulheres vítimas de violências podem também, por vezes, porque vivem num ambiente em que a violência é banalizada, perpetrar, por sua vez, violências contra os seus próprios filhos.

2.2.6

Acresce que as mulheres maltratadas, face às suas circunstâncias de vida, muitas vezes não têm disponibilidade para cuidar e tratar convenientemente dos filhos. Permanentemente expostas às agressões do marido ou parceiro, muitas mulheres estão incapacitadas de proteger os filhos.

2.2.7

A violência doméstica é, portanto, uma ameaça que não só afecta profundamente a vida das mulheres, como afecta igualmente as crianças e põe em perigo o seu bem-estar.

2.3   Impacto da violência doméstica nas crianças

2.3.1

Crescer num ambiente de violência física e psicológica pode ter efeitos graves sobre as crianças. Crianças — mesmo de tenra idade — que assistem às agressões do próprio pai, do padrasto ou do companheiro da mãe e à impotência desta sentem-se muito desamparadas e indefesas e, por vezes, até culpadas. Não raro, procuram em si mesmas a razão dos comportamentos agressivos ou tentam intervir para proteger a mãe, acabando também elas por ser maltratadas.

2.3.2

Esta temática tem sido objecto de vários estudos, principalmente no espaço anglo-americano (9). Sabe-se que os efeitos da violência variam de criança para criança e que apesar de nem todas elas desenvolverem comportamentos desviantes e, ainda, de não haver critérios empíricos comprovados para decidir se há e qual é a dimensão do risco em cada caso, é possível identificar relações claras.

2.3.3

Os factores que mais afectam as crianças são os seguintes: atmosfera permanente de ameaça, imprevisibilidade de novas agressões, ansiedade de que algo possa acontecer à mãe, sentimento de impotência perante a situação que estão a viver, isolamento social por não quererem romper o silêncio sobre a violência, conflitos de lealdade em relação aos pais, conflitos na relação pais-filhos.

2.3.4

Por tudo isto, as crianças podem ter problemas gravíssimos e desenvolver comportamentos desviantes: sintomas psicossomáticos e transtornos psíquicos como baixa auto-estima, irrequietação, distúrbios de sono, desempenho escolar deficiente, reacções de medo e agressividade e até pensamentos de suicídio.

2.3.5

Quando os agressores maltratam não só a mulher ou parceira, mas também os filhos, os sintomas de um desenvolvimento desequilibrado e os distúrbios psíquicos podem agravar-se.

2.3.6

Viver num ambiente de violência doméstica pode também influenciar a ideia que se tem de violência e predispor as crianças a comportamentos agressivos. Assim, os comportamentos agressivos dos adultos podem ser aprendidos através da observação do comportamento dos pais e da própria vivência da violência. A chamada «espiral de violência» pode conduzir a que os rapazes assumam o papel de agressor e as raparigas o papel de vítima, o que aumenta o risco de eles próprios, em idade adulta, tornarem-se também agressores e vítimas da violência doméstica.

2.3.7

Os efeitos nas crianças que testemunharam a morte da mãe às mãos do marido ou parceiro parecem ser muito mais sérios.

2.4   Análise e propostas do CESE

2.4.1

O facto de as crianças crescerem num ambiente de violência doméstica afecta-as sempre directa ou indirectamente. Os múltiplos factores de pressão a que são submetidas podem reflectir-se, de forma altamente negativa, no seu bem-estar e no seu comportamento.

2.4.2

Durante muito tempo, a importância destes efeitos foi subestimada. Embora, nos últimos anos, tenha surgido um debate em torno desta problemática, a percepção das crianças como vítimas de violência doméstica continua a ser difusa.

2.4.3

Também sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação sem violência, à protecção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável (10).

2.4.4

As propostas do CESE incidem principalmente nos seguintes pontos:

2.4.5

Recolha de dados sobre a situação das crianças expostas a ambientes de violência doméstica nos Estados-Membros da UE

2.4.5.1

Entre os Estados-Membros há diferenças quanto à questão de saber se, e em que medida, a situação das crianças expostas a ambientes de violência doméstica é sentida como um problema a combater, nomeadamente através de medidas de intervenção e prevenção (11). Este aspecto já foi focado no parecer do CESE sobre «Violência doméstica contra mulheres» (12).

2.4.5.2

Seria importante, para o debate técnico e político na União Europeia, assegurar um conhecimento mais preciso e actualizado sobre a maneira de a sociedade abordar este fenómeno da violência doméstica, bem como sobre as bases jurídicas, as formas de proteger e apoiar as crianças e, também, as acções de intervenção e prevenção.

2.4.6   Realização de projectos de investigação sobre formas, dimensão e impacto da violência doméstica nas crianças

2.4.6.1

Na maior parte dos Estados-Membros, a exposição de crianças a ambientes de violência doméstica é um campo de investigação desconhecido (13). São raros os estudos sobre a situação das crianças que crescem num ambiente de violência doméstica. Também pouco se sabe sobre as possibilidades e os entraves à prestação de ajuda e apoio.

2.4.6.2

Todos os Estados-Membros da UE deveriam proceder à recolha de dados e levar a cabo projectos de investigação sobre a exposição de crianças a ambientes de violência doméstica. Para assegurar a comparibilidade dos métodos e dos resultados seria útil e necessário que houvesse uma coordenação (14).

2.4.7   Promover o apoio a crianças vítimas indirectas de violência doméstica

2.4.7.1

Enquanto que as possibilidades de protecção e apoio a mulheres vítimas de violência doméstica têm vindo a aumentar nos últimos anos, já o mesmo não acontece com o apoio aos filhos destas mulheres.

2.4.7.2

Para que possa ser prestado um apoio eficaz a estas crianças é importante estabelecer uma distinção entre a experiência da criança como vítima indirecta da violência doméstica e a experiência directa de maus-tratos infligidos pelos progenitores e abusos sexuais. Mesmo que muitas vezes haja sobreposições, as crianças vítimas indirectas de violência doméstica devem ser consideradas como um grupo particular, para o qual têm de ser desenvolvidos apoios especiais.

2.4.7.3

Nos casos de violência doméstica, nem o homem maltratante nem a mulher maltratada estão em condições de se aperceber com lucidez da situação das crianças. Portanto, as crianças necessitam de serviços de aconselhamento e de apoio da parte de instituições estatais e não estatais. Veja-se, a título de exemplo, o modelo da Suécia: neste país as crianças e os jovens até aos 18 anos têm um Provedor próprio (o chamado «Barnombudsmannen»), encarregue, entre outros aspectos, de manter contactos regulares com as crianças e os jovens para tomar conhecimento das suas opiniões e pontos de vista (15).

2.4.7.4

Frequentemente, vizinhos, amigos dos pais ou familiares são testemunhas da violência contra as crianças. Uma conduta activa da sua parte poderia evitar muitas tragédias, mas, na prática, raras vezes intervêm para ajudar as crianças maltratadas. Para ultrapassar este tipo de indiferença, convém levar a cabo uma abordagem coerente, assim como campanhas de sensibilização adequadas que suscitem uma emoção positiva nas potenciais testemunhas de violência.

2.4.8   Melhorar a cooperação entre a protecção às crianças e a protecção às mulheres

2.4.8.1

Aparentemente, as medidas de protecção das mulheres vítimas de violência doméstica e dos seus filhos são muito semelhantes. Mas, na realidade, há conflitos de interesse não despiciendos entre a protecção e o apoio às mulheres e a protecção e o apoio às crianças.

2.4.8.2

Não é raro acontecer que as casas de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica e os serviços de aconselhamento a mulheres, por um lado, e os centros de protecção de crianças e os serviços de apoio a crianças e jovens, por outro, se olhem com desconfiança e se distanciem uns dos outros.

2.4.8.3

No entanto, os resultados de estudos empíricos não deixam dúvida quanto à necessidade de cooperação: mesmo a separação do casal pode não significar o fim das ameaças e dos maus tratos, uma vez que as regras sobre direitos de visita e custódia podem obrigar a mulher-vítima a manter contactos com o agressor, correndo ela própria e os seus filhos o risco de agressões (16).

2.4.8.4

As estratégias futuras e as regras a aplicar têm de ter por objectivo reforçar a cooperação entre, por um lado, as casas de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica e os serviços de aconselhamento a mulheres e, por outro, os serviços de apoio a crianças e jovens, os tribunais de família, os centros de protecção de crianças e os centros de apoio familiar.

2.4.9   Maior tomada em consideração da dinâmica da violência doméstica nas normas que regem o direito de custódia e visita

2.4.9.1

A regulação do poder paternal nos Estados-Membros da UE orienta-se frequentemente pela concepção de que ambos os pais, mesmo após a separação, têm uma responsabilidade comum na educação e desenvolvimento dos filhos e pela ideia, do ponto de vista da criança, de que estes têm o direito de manter o contacto com os seus progenitores.

2.4.9.2

Mas nos casos de violência doméstica, em que o(a) agressor(a) viola, duradoura e continuadamente, os direitos do cônjuge/parceiro(a) e dos filhos infligindo-lhes maus tratos físicos e psíquicos, deixa de haver condições para o exercício em comum do poder paternal. Quer isto dizer que o par não tem a noção de respeito e responsabilidade, nem capacidade de separar o conflito entre ambos, enquanto homem e mulher, da relação que mantêm com a criança, enquanto pais.

2.4.9.3

Por estes motivos, há que repensar o regime do exercício do poder paternal e dar maior atenção ao factor perigosidade, um aspecto característico da violência doméstica, e sobretudo ter em conta que há altas probabilidades de as agressões continuarem mesmo após a separação. A protecção e a segurança das mulheres e das crianças têm de ser elementos determinantes da decisão.

2.4.9.4

A ponderação entre os bens jurídicos (protecção e apoio às mulheres e protecção e bem-estar das crianças) e os direitos dos homens deverá sempre dar primazia à protecção contra a violência em detrimento do direito de manter contacto com o outro genitor.

2.4.10   Situações específicas: crianças de mulheres imigrantes maltratadas

2.4.10.1

Parte das vítimas de violência doméstica são mulheres e crianças com um percurso migratório, que, por viverem isoladas da família e fora do ambiente social habitual, que não permitiria a violência, e devido à sua situação de permanência irregular, a conhecimentos linguísticos reduzidos e a condições de vida difíceis na sua esfera social, podem estar mais facilmente expostas à violência.

2.4.10.2

Embora a violência doméstica seja um fenómeno que ocorre sem excepção em todos os países e culturas, perpassando todos os estratos sociais, as mulheres e as crianças oriundas de sociedades e culturas em que a igualdade entre homens e mulheres é praticamente inexistente, ou seja, em que há papéis sexuais rigidamente estereotipados e normas culturais com base nas quais os homens reclamam os seus direitos em relação às mulheres, são mais susceptíveis de serem vítimas de violência.

2.4.10.3

A situação jurídica em que se encontram estas mulheres, dependendo do estatuto de residência, limitam as possibilidades de intervenção. Isto é sobretudo válido para as mulheres imigrantes e os seus filhos em situação irregular.

2.4.10.4

Assim sendo, qualquer acção de intervenção, assistência e apoio tem de atender à situação específica das mulheres imigrantes e dos seus filhos. Por outro lado, é necessário realizar, juntamente com os actores sociais e a participação da sociedade civil organizada, campanhas específicas de informação e promoção da segurança destas pessoas.

2.4.11   Melhoria da formação inicial e contínua dos profissionais que trabalham na área da violência doméstica

2.4.11.1

Atender aos interesses das crianças requer um elevado profissionalismo por parte dos diversos grupos intervenientes, nomeadamente centros de apoio a crianças e jovens, serviços de aconselhamento e protecção, unidades de intervenção, escolas, jardins infantis e instalações de lazer, instituições e serviços nas áreas judicial, policial e da saúde.

2.4.12   Divulgar a importância da prevenção da violência doméstica

2.4.12.1

Todos os conceitos e medidas apropriados para a prevenção e o combate à violência doméstica contra mulheres têm também impacto na situação das crianças expostas a ambientes de violência doméstica (17).

2.4.12.2

Acresce que é necessário adoptar medidas específicas de prevenção relacionadas com o tema «Crianças — vítimas indirectas de violência doméstica», incluindo a distribuição de material informativo às(aos) colaboradoras(es) em todas as áreas de intervenção.

Bruxelas, 14 de Dezembro de 2006

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Parecer de iniciativa do CESE, de 16 de Março de 2006, sobre «Violência doméstica contra mulheres», relatora: R. HEINISCH (JO C 110 de 9.5.2006, págs. 89-94), pontos 2.3.4 e 2.3.5.

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2006/c_110/c_11020060509pt00890094.pdf

(2)  Rede Europeia de Mediadores de Crianças (ENOC):

http://www.ombudsnet.org/

(3)  Vide B. Kavemann/U. Kreyssig (eds.), Handbuch Kinder und häusliche Gewalt, Wiesbaden, 2006.

(4)  Disso são exemplo os inúmeros projectos que foram e estão a ser realizados no âmbito do Programa DAPHNE. O relatório publicado, em 2005, pelo Centro de Estudos Innocenti da UNICEF, intitulado «Promoção dos direitos das crianças à protecção contra todas as formas de violência», traça uma panorâmica das actividades do Conselho da Europa para promover os direitos das crianças à protecção contra todas as formas de violência.

(5)  Para mais informações sobre a definição, a dimensão do fenómeno, as suas causas e efeitos vide parecer do CESE sobre «Violência doméstica contra mulheres» (nota de rodapé 1), JO C 110 de 9.5.2006, págs. 89-94.

(6)  Vide A. Mullender/R. Morley: Children living with domestic violence. Putting men's abuse of women on the Child Care Agenda. Londres 1994.

(7)  Vide E. Peled et al (eds.): Ending the cycle of violence. Community response to children of battered women. Thousand Oaks, CA 1995.

(8)  Vide A. Mullender/R. Morley: Children living with domestic violence. Putting men's abuse of women on the Child Care Agenda. Londres 1994.

(9)  Ver resumo e análise comparada dos resultados destes estudos in Jeffrey L. Edleson: Should childhood exposure to adult domestic violence be defined as child maltreatment under the law?

http://www.mincava.umn.edu/link/documents/shouldch/shouldch.shtml.

(10)  Cf. Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, ratificada por todos os países excepto dois. Sobre a situação dos «direitos das crianças» na UE, será publicado em breve (Julho de 2006) um relatório da Comissão (COM(2006) 367 final). Parecer sobre a Comunicação da ComissãoRumo a uma estratégia da UE sobre os direitos da criança (relatora: J. VAN TURNHOUT, CESE 1296/2006).

(11)  Que assim é demonstram-no os relatórios e as informações sobre a situação na Irlanda, no Reino Unido, na Dinamarca, na Suécia e na Alemanha. O manual recentemente publicado por Barbara Kavemann e Ulrike Kreyssig, intitulado «Handbuch Kinder und häusliche Gewalt», Wiesbaden 2006, dá uma boa panorâmica da situação actual na Alemanha e noutros Estados-Membros.

(12)  Vide ponto 2.3.2 do parecer do CESE sobre «Violência doméstica contra mulheres» (nota de rodapé 1), JO C 110 de 9.5.2006, págs. 89-94.

(13)  Nem mesmo no relatório recentemente publicado (Fevereiro de 2006), intitulado «State of European research on the prevalence of interpersonal violence and its impact on health and human rights», nomeadamente no capítulo «Violence against children and youth», é abordada esta problemática

(http://www.cahrv.uni-osnabrueck.de/reddot/CAHRVreportPrevalence(1).pdf ).

(14)  Por exemplo através do programa DAPHNE ou de outros projectos como a rede de investigação da UE «Co-ordination Action on Human Rights Violations (CAHRV)» que congrega a investigação sobre todas as formas de violência interpessoal nas relações entre sexos e gerações e que é financiada pelo 6.o Programa-Quadro da Comissão Europeia

(Vide www.cahrv.uni-osnabrueck.de).

(15)  Neste contexto, leia-se o discurso do actual Provedor de Justiça sobre o tema «Corporal Punishment of Children» (castigos corporais em crianças), que toca no assunto das crianças vítimas de violência doméstica (apenas em inglês):

(http://www.bo.se/files/in %20english, %20publikationer, %20pdf/corporal %20punishment %20of %20children060501.pdf)

Entretanto, vários países já criaram a figura do «mediador». Para mais informações consultar: Rede Europeia de Mediadores de Crianças (ENOC)

(http://www.ombudsnet.org/).

(16)  Vide, a este respeito, M. Hester/l. Radford: Domestic violence and child contact arrangements in England and Denmark. Bristol 1994. Segundo este estudo, 70 % das mulheres cujos filhos mantinham contacto com o pai eram maltratadas e/ou ameaçadas durante as visitas ou a entrega dos filhos, mesmo após mais de um ano de separação; 55 % das crianças eram maltratadas durante os dias de visita.

(17)  Vide parecer do CESE sobre «Violência doméstica contra mulheres», JO C 110 de 9.5.2006, págs. 89-94.


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