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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019TJ0603

Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) de 14 de setembro de 2022 (Extratos).
Helsingin Bussiliikenne Oy contra Comissão Europeia.
Auxílios de Estado — Transporte em autocarro — Empréstimo para equipamento e empréstimos de tesouraria concedidos pelo município de Helsínquia — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ordena a sua recuperação — Continuidade económica — Direitos processuais das partes interessadas — Artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 — Dever de fundamentação.
Processo T-603/19.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2022:555

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

14 de setembro de 2022 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Transporte de autocarro — Empréstimo para equipamento e empréstimos de tesouraria concedidos pelo município de Helsínquia — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ordena a sua recuperação — Continuidade económica — Direitos processuais das partes interessadas — Artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 — Dever de fundamentação»

No processo T‑603/19,

Helsingin Bussiliikenne Oy, com sede em Helsínquia (Finlândia), representada por O. Hyvönen e N. Rosenlund, advogados,

recorrente,

apoiada por:

República da Finlândia, representada por J. Heliskoski e H. Leppo, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Huttunen e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Nobina Oy, com sede em Espoo (Finlândia),

Nobina AB, com sede em Solna (Suécia),

representadas por J. Åkermarck e T. Kalliokoski, advogados,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, A. Marcoulli (relatora), J. Schwarcz, C. Iliopoulos e R. Norkus, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 24 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Helsingin Bussiliikenne Oy, pede a anulação da Decisão (UE) 2020/1814 da Comissão, de 28 de junho de 2019, sobre o auxílio estatal SA.33846 — (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) concedido pela Finlândia à Helsingin Bussiliikenne Oy (JO 2020, L 404, p. 10, a seguir «decisão recorrida»).

I. Antecedentes do litígio

2

A Helsingin Bussiliikenne (a seguir «antiga HelB») foi criada em 1 de janeiro de 2005 pela Suomen Turistiauto Oy, uma sociedade privada de transporte detida pelo Helsingin kaupunki (município de Helsínquia, Finlândia), mediante a aquisição dos ativos e passivos da HKL‑Bussiliikenne Oy, uma empresa, criada em 1995, derivada do departamento de serviços de transporte do município de Helsínquia. A antiga HelB operava rotas de autocarro na região de Helsínquia (Finlândia) e prestava serviços de transporte não regular e de aluguer de autocarros. Esta era detida em 100 % pelo município de Helsínquia.

3

Entre 2002 e 2012, o município de Helsínquia adotou várias medidas a favor da HKL‑Bussiliikenne e da antiga HelB (a seguir «medidas controvertidas»). Assim, em primeiro lugar, em 2002, foi concedido à HKL‑Bussiliikenne um empréstimo para equipamento, no montante de 14,5 milhões de euros, destinado a financiar a aquisição de equipamento de transporte em autocarro. Em 1 de janeiro de 2005, a antiga HelB assumiu este empréstimo. Em segundo lugar, o município de Helsínquia concedeu a esta última, aquando da sua criação, um empréstimo de tesouraria, no montante total de 15893700,37 euros, destinado a refinanciar certos passivos da HKL‑Bussiliikenne e da Suomen Turitiauto. Em terceiro lugar, em 31 de janeiro de 2011 e 23 de maio de 2012, o município de Helsínquia concedeu à antiga HelB dois novos empréstimos de tesouraria, no montante de, respetivamente, 5,8 milhões de euros e de 8 milhões de euros.

4

Em 31 de outubro de 2011, as empresas de transporte público Nobina Sverige AB e Nobina Finland Oy apresentaram uma denúncia à Comissão Europeia, à qual se juntou, em 15 de novembro de 2011, a sua empresa‑mãe, a Nobina AB. Com esta denúncia, alegavam que a República da Finlândia tinha concedido auxílios ilegais à antiga HelB. Em 22 de novembro de 2011, a Comissão transmitiu esta denúncia à República da Finlândia.

5

Por Decisão C (2015) 80 final, de 16 de janeiro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.33846 (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) — Finlândia — Helsingin Bussiliikenne Oy (JO 2015, C 116, p. 22; a seguir «decisão de dar início ao procedimento»), a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo, nomeadamente, às medidas controvertidas. Esta decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 10 de abril de 2015, tendo as partes interessadas sido convidadas a apresentar as suas observações no prazo de um mês a contar dessa publicação. A Comissão não recebeu nenhuma observação da recorrente.

6

Além disso, em 24 de junho de 2015, no decurso do procedimento, o município de Helsínquia informou a Comissão do início do processo de venda da antiga HelB. Em 5 de novembro de 2015, a República da Finlândia transmitiu à Comissão o projeto de contrato de compra e venda negociado com a recorrente.

7

Em 14 de dezembro de 2015, a antiga HelB foi vendida à recorrente, anteriormente denominada Viikin Linja Oy. Em conformidade com o estipulado no contrato de compra e venda, esta última alterou o seu nome para Helsingin Bussiliikenne Oy (a seguir «nova HelB»). Os documentos relativos à operação de compra e venda incluíam uma cláusula que garantia a indemnização total do adquirente da antiga HelB caso fosse emitida uma ordem de recuperação de um auxílio estatal (a seguir «cláusula de indemnização»), tendo uma parte do preço da venda sido depositada numa conta de garantia bloqueada até à adoção de uma decisão definitiva relativa ao auxílio estatal ou, o mais tardar, até 31 de dezembro de 2022. Estes documentos previam igualmente um mecanismo de partilha de lucros em caso de revenda, com base no qual o comprador se comprometia a pagar ao vendedor um bónus, a depositar na mesma conta de garantia bloqueada, caso os níveis de lucro previamente acordados fossem ultrapassados.

8

A cessão a favor da Viikin Linja abrangia todas as atividades comerciais da antiga HelB. Com exceção dos montantes creditados ou a creditar na conta de garantia bloqueada, a antiga HelB já não detinha nenhum ativo. O passivo resultante das medidas controvertidas não foi transferido para a nova HelB. Após a venda da antiga HelB, o município de Helsínquia isentou-a da obrigação de reembolsar o capital em dívida do empréstimo de tesouraria de 2002. Além disso, em 11 de dezembro de 2015, o município de Helsínquia converteu os empréstimos para equipamento de 2005, 2011 e 2012, que não tinham sido reembolsados, em capital da antiga HelB.

9

Em 28 de junho de 2019, a Comissão adotou a decisão recorrida. O dispositivo da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

Os auxílios estatais no montante de 54231850 [euros], concedidos ilegalmente pela [República da] Finlândia ao abrigo das medidas [controvertidas], em violação do artigo 108.o, n.o 3, do [TFUE], à Helsingin Bussiliikenne Oy são incompatíveis com o mercado interno.

Artigo 2.o

1. A Finlândia deve proceder à recuperação dos auxílios referidos no artigo 1.o junto do beneficiário.

2. Tendo em conta a continuidade económica entre a antiga HelB (atual Helsingin kaupungin Linja‑autotoiminta Oy) e a nova HelB (nome completo: Helsingin Bussiliikenne Oy, antiga Viikin Linja Oy), a obrigação de reembolsar os auxílios deve ser alargada à nova HelB (nome completo: Helsingin Bussiliikenne Oy).

3. Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à data da respetiva recuperação.

[…]

Artigo 4.o

1. No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a Finlândia deve transmitir as seguintes informações à Comissão:

a)

Montante total (capital e juros) a recuperar junto do beneficiário;

[…]»

II. Pedidos das partes

10

A recorrente, apoiada pela República da Finlândia, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular, total ou parcialmente, a decisão recorrida;

condenar a Comissão nas despesas, acrescidas de juros legais.

11

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

12

A Nobina apoia os pedidos da Comissão e conclui pedindo que a recorrente seja condenada nas despesas.

III. Questão de direito

[Omissis]

B.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro processual essencial pelo facto de a decisão recorrida ter sido adotada em violação dos direitos processuais da recorrente

[Omissis]

27

A título preliminar, importa recordar que, tendo em conta a sua sistemática geral, o procedimento de fiscalização dos auxílios estatais é um procedimento instaurado contra o Estado‑Membro responsável pela concessão do auxílio, tendo em conta as suas obrigações ao abrigo do direito da União. Assim, para garantir o respeito dos direitos de defesa, e caso esse Estado‑Membro não tenha sido autorizado a fazer observações a respeito de certas informações, a Comissão não pode ter as mesmas em conta na sua decisão contra esse Estado‑Membro (Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 73).

28

Além disso, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, no momento em que decide dar início ao procedimento formal de investigação relativo a uma medida de auxílio, a Comissão deve providenciar para que os interessados possam apresentar as suas observações. Esta regra tem caráter de formalidade essencial (Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, EU:C:2008:709, n.o 55; v., igualmente, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 63 e jurisprudência referida).

29

Assim, embora as partes interessadas não possam invocar a titularidade de direitos de defesa, dispõem, em contrapartida, do direito a serem associadas ao procedimento administrativo tramitado pela Comissão, numa medida adequada às circunstâncias do caso concreto. A este respeito, a publicação de um aviso no Jornal Oficial da União Europeia constitui um meio adequado para dar a conhecer a todas as partes interessadas a abertura de um procedimento. Esta comunicação visa obter das partes interessadas quaisquer informações destinadas a esclarecer a Comissão na sua atuação futura. Tal procedimento dá também aos outros Estados‑Membros e aos meios em causa a garantia de poderem ser ouvidos (Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.os 71 e 72).

30

Para esse efeito, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 2015/1589 prevê que a Comissão «resumirá», na decisão de dar início ao procedimento, os elementos pertinentes da matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da medida em causa, a fim de determinar se a mesma tem natureza de auxílio, e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à compatibilidade desta medida com o mercado interno.

31

No caso em apreço, admitindo que a recorrente pretende invocar uma violação dos seus direitos de defesa, tal alegação deve ser julgada inoperante, uma vez que, como recordado no n.o 29, supra, a mesma não dispõe de tais direitos.

32

Quanto à alegada violação do seu direito de ser associada ao procedimento administrativo tal como previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, há que salientar que a recorrente, como confirmou em audiência, não contesta a regularidade da decisão de dar início ao procedimento no dia da sua publicação no Jornal Oficial.

33

Em contrapartida, a recorrente alega que, na sequência da cessão da antiga HelB, incumbia à Comissão retificar ou completar a decisão de dar início ao procedimento ou, pelo menos, dar-lhe a possibilidade de apresentar as suas observações.

34

Em primeiro lugar, uma vez que a recorrente sustenta que incumbia à Comissão adotar uma decisão modificativa de início do procedimento, há que salientar que, embora os textos que regem o procedimento em matéria de auxílios estatais não prevejam expressamente a possibilidade de adotar uma decisão de retificação e de alargamento de um procedimento pendente (Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 50), se a Comissão se aperceber, após a adoção de uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, que esta última se baseia ou em factos incompletos, ou numa qualificação jurídica errada desses factos, esta deve ter a possibilidade, ou mesmo a obrigação, de adaptar a sua posição, adotando uma decisão de retificação ou uma nova decisão de dar início ao procedimento, a fim de permitir às partes interessadas apresentarem utilmente as suas observações (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 76 e jurisprudência referida).

35

Em particular, nos casos em que, depois da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, a Comissão altera o seu raciocínio no que diz respeito a factos ou à qualificação jurídica de factos que se revelem determinantes para a sua apreciação da existência de um auxílio ou da compatibilidade do mesmo com o mercado interno, a mesma deve retificar a decisão de dar início ao procedimento ou alargar o respetivo âmbito, de modo a permitir que o Estado‑Membro em causa e as partes interessadas apresentem utilmente as suas observações (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 77).

36

No caso em apreço, a recorrente fundamenta a obrigação de retificar a decisão de dar início ao procedimento, que incumbe à Comissão, na circunstância de, na decisão recorrida, a perceção da Comissão quanto ao beneficiário das medidas controvertidas, bem como quanto ao objeto do procedimento, se ter alterado.

37

Ora, resulta da decisão recorrida que a Comissão não alterou a sua análise, levada a cabo ao abrigo da decisão de dar início ao procedimento, a respeito do beneficiário e das medidas controvertidas nem, de forma mais genérica, a respeito da existência de um auxílio ou da sua compatibilidade com o mercado interno. Assim, a decisão recorrida identifica claramente a antiga HelB como a empresa à qual as medidas controvertidas foram concedidas, sendo que a análise da existência de um auxílio e a sua compatibilidade com o mercado interno foi exclusivamente efetuada em relação à mesma.

38

A este respeito, importa recordar que o dispositivo de uma decisão em matéria de auxílios de Estado é indissociável da sua fundamentação, de modo que esta deve ser interpretada, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adoção [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, EU:C:1997:241, n.o 21, e de 29 de abril de 2021, Comissão/Espanha (TDT em Castela — La Mancha), C‑704/19, não publicado, EU:C:2021:342, n.o 74 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, apesar de o artigo 1.o da decisão recorrida identificar o beneficiário das medidas controvertidas como sendo a «Helsingin Bussiliikenne», sem precisar se se tratava da antiga HelB ou da nova HelB, decorre de uma leitura global da decisão que tal denominação se refere necessariamente à antiga HelB.

39

Assim, contrariamente ao que alega a recorrente, o facto de, no dispositivo da decisão recorrida, a Comissão ter considerado que a obrigação de recuperação do auxílio que decorria das medidas controvertidas devia ser alargada à nova HelB, em razão da continuidade económica existente entre a antiga e a nova HelB, não é suscetível de ser equiparado a uma alteração do beneficiário das medidas, relativamente ao qual a Comissão está obrigada a apreciar a existência de um auxílio e a respetiva compatibilidade com o mercado interno.

40

Tal situação também não pode ser equiparada a um alargamento do objeto do procedimento, uma vez que este continuou a estar limitado às quatro medidas controvertidas mencionadas no n.o 3, supra. Assim, a cessão da atividade da antiga HelB foi analisada pela Comissão unicamente no âmbito da sua apreciação da existência de uma continuidade económica entre a antiga HelB e a recorrente. Em particular, a Comissão não alargou o objeto do procedimento formal de investigação à questão de saber se a cessão da atividade da antiga HelB para a recorrente podia ser caracterizada como um auxílio estatal. Do mesmo modo, como resulta claramente dos considerandos 269 e 270 da decisão recorrida, a Comissão não apreciou a questão de saber se a cláusula de indemnização e o acordo relativo à conta de garantia bloqueada constituíam um auxílio de Estado.

41

Daqui resulta que a recorrente não tem razão ao sustentar que incumbia à Comissão adotar uma decisão de retificação ou de alargamento do procedimento formal de investigação.

42

Em segundo lugar, na medida em que a recorrente acusa a Comissão de não lhe ter dado a possibilidade de apresentar as suas observações, há que recordar que o direito das partes interessadas de serem associadas ao processo deve ser apreciado à luz das circunstâncias de cada caso concreto (v. n.o 29, supra). Ora, podem existir circunstâncias em que o apuramento de factos novos ou de factos diferentes relativamente aos evocados na decisão de dar início ao procedimento pode requerer uma maior associação das partes interessadas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 71).

43

No caso em apreço, resulta dos elementos dos autos que, após a publicação da decisão de dar início ao procedimento, em 10 de abril de 2015, a Comissão foi informada, por carta do município de Helsínquia, datada de 24 de junho de 2015, do início de um processo de compra e venda das atividades da antiga HelB. Esta carta foi acompanhada de um memorando datado de abril de 2015 relativo ao projeto de venda, denominado «projeto Viima». Em 5 de novembro de 2015, a República da Finlândia enviou à Comissão, nomeadamente, o contrato de compra e venda a celebrar com a recorrente. A Comissão dirigiu questões relativas a esta cessão à República da Finlândia, nomeadamente no decurso de 2016. Na decisão recorrida, a Comissão considerou pertinente pronunciar-se a respeito da questão de saber se o auxílio que resultava das medidas controvertidas tinha sido transferido para a recorrente na sequência desta cessão, tendo concluído no sentido da existência de uma continuidade económica entre a antiga e a nova HelB. Ao fazê‑lo, tal como confirmou em audiência, a Comissão considerou que a recorrente se tinha tornado a beneficiária efetiva do auxílio em causa e, por conseguinte, a potencial devedora da obrigação de reembolsar o mesmo.

44

Resulta igualmente do memorando explicativo sobre o preço de venda, datado de 21 de setembro de 2015, elaborado a pedido do município de Helsínquia por uma sociedade independente (a seguir «relatório sobre o preço de venda») e apresentado em anexo à petição, que o grupo a que pertence a recorrente submeteu a sua proposta vinculativa de aquisição a 3 de junho de 2015 e que o ato de cessão foi assinado a 14 de dezembro de 2015, sendo ambas as datas posteriores ao termo do prazo concedido às partes interessadas para apresentar as suas observações na sequência da publicação da decisão de dar início ao procedimento no Jornal Oficial da União Europeia.

45

Importa igualmente salientar que a Comissão não dirigiu nenhum pedido de informações à recorrente nos termos do artigo 7.o, lido em conjugação com o artigo 12.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2015/1589.

46

Daqui resulta que, não obstante ter sido informada, desde junho de 2015, do processo de cessão das atividades da antiga HelB e de ter decorrido um período de três anos e meio entre a data dessa cessão e a data de adoção da decisão recorrida, em momento algum a Comissão associou a recorrente, enquanto beneficiária efetiva das medidas controvertidas, ao procedimento, ainda que, no termo desse mesmo procedimento, tenha decidido alargar a obrigação de recuperação do auxílio em causa a esta última.

47

A este respeito, é verdade que a recorrente foi necessariamente informada do procedimento formal de investigação em curso e das consequências de uma eventual obrigação de recuperação do auxílio em causa, uma vez que o contrato de compra e venda continha uma cláusula de indemnização que, recorde‑se, garantia a posição da recorrente contra qualquer pedido de recuperação de um auxílio estatal. Embora a recorrente pudesse, enquanto operador diligente, apresentar espontaneamente à Comissão todos os elementos de informação úteis a respeito da retoma das atividades da antiga HelB, tal circunstância não é suscetível de dispensar a Comissão das suas obrigações processuais.

48

Consequentemente, as circunstâncias específicas do caso em apreço justificavam que a Comissão, na medida em que pretendia analisar a questão da continuidade económica entre as atividades da antiga e da nova HelB, promovesse uma maior associação da recorrente ao procedimento, enquanto beneficiária efetiva das medidas controvertidas. Ao não permitir que esta apresentasse as suas observações a respeito da continuidade económica, a Comissão violou o direito garantido pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

49

Em terceiro lugar, quanto à questão de saber se, tal como alega a recorrente, a Comissão violou uma formalidade essencial, há que recordar que a obrigação que incumbe à Comissão de dar aos interessados, na fase da adoção da decisão de dar início ao procedimento, a possibilidade de apresentarem as suas observações reveste a natureza de formalidade essencial (v. n.o 28, supra) cuja violação implica a anulação de pleno direito do ato viciado (v. Acórdão de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P e C‑171/19 P, EU:C:2022:176, n.o 94 e jurisprudência referida).

50

Ora, no caso em apreço, é pacífico que a decisão de dar início ao procedimento continha todas as indicações exigidas e que foi regularmente publicada no Jornal Oficial da União Europeia (v. n.o 32, supra). Por conseguinte, a violação constatada no n.o 48, supra, não se refere às obrigações que incumbem à Comissão à data da abertura do procedimento formal de investigação, em aplicação do disposto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, mas sim às obrigações que sobre ela recaem em razão de uma circunstância particular que resulta de um acontecimento que ocorreu após o convite dirigido às partes interessadas para apresentarem as suas observações e antes da adoção da decisão controvertida. Neste sentido, o presente processo distingue‑se dos que deram origem aos Acórdãos de 22 de fevereiro de 2006, Le Levant 001 e o./Comissão (T‑34/02, EU:T:2006:59), e de 12 de dezembro de 2018, Freistaat Bayern/Comissão (T‑683/15, EU:T:2018:916), invocados pela recorrente, que se referem ao incumprimento, pela Comissão, no início do procedimento formal de investigação, das obrigações respeitantes ao conteúdo da decisão de dar início a esse procedimento. Por outro lado, verificou‑se que, no caso em apreço, a Comissão não estava obrigada a adotar uma decisão de retificação ou de alargamento do procedimento formal de investigação (v. n.o 41, supra).

51

Daqui resulta que, ao violar o direito garantido pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE, conforme constatado no n.o 48, supra, a Comissão não violou uma formalidade essencial, incorrendo, ao invés, numa irregularidade processual, que só pode implicar a anulação total ou parcial da decisão recorrida se se provar que, na falta dessa irregularidade, a decisão recorrida poderia ter tido um conteúdo diferente (v. Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 80 e jurisprudência referida).

52

A este respeito, a recorrente sustenta que, se tivesse tido a possibilidade de apresentar as suas observações, teria transmitido à Comissão informações complementares decisivas relativas à questão de saber se o auxílio em causa lhe tinha sido transferido e que, por conseguinte, não é de excluir que, perante tais informações, a decisão recorrida poderia ser diferente. Em particular, a recorrente alega que, durante o procedimento, a Comissão interrogou a República da Finlândia sobre a aquisição das atividades da antiga HelB pela nova HelB e que as questões relativas ao plano económico e à eventual continuidade da estratégia comercial da antiga HelB ficaram por responder. No âmbito do terceiro fundamento, precisa que realizou inúmeros investimentos e que adotou medidas com vista a integrar a atividade da antiga HelB no grupo a que pertence (transferência das funções de administração e gestão para a empresa‑mãe do grupo, partilha de autocarros com os das restantes sociedades do grupo, partilha do pessoal, integração dos serviços de garagem, das atividades de oficina e de serviços informáticos). Por conseguinte, segundo a recorrente, a Comissão pronunciou‑se a respeito da continuidade económica sem dispor de todas as informações necessárias.

53

Antes de mais, há que salientar que, no contexto da apreciação do efeito da irregularidade processual constatada na decisão recorrida, não se trata de determinar se os argumentos da recorrente devem ser julgados procedentes, mas sim de apreciar se, perante as informações acima referidas, a Comissão poderia ter adotado uma decisão com um conteúdo diferente.

54

A este respeito, há que salientar que, segundo a jurisprudência, a continuidade económica entre as sociedades que são partes numa transferência de ativos é apreciada em função do objeto da transferência, a saber, dos ativos e passivos, da continuidade da força de trabalho e dos ativos agrupados, do preço da transferência, da identidade dos acionistas ou proprietários da empresa adquirente e da empresa original, do momento em que a transferência é realizada, a saber, após o início das investigações, do procedimento ou da decisão final, ou ainda da lógica económica da operação (v. Acórdão de 7 de março de 2018, SNCF Mobilités/Comissão, C‑127/16 P, EU:C:2018:165, n.o 108 e jurisprudência referida).

55

No caso em apreço, por um lado, na decisão recorrida, a Comissão, depois de ter apreciado, em primeiro lugar, o âmbito da operação de cessão da atividade, em segundo lugar, o preço da transferência, em terceiro lugar, a identidade do antigo e do atual proprietário, em quarto lugar, o momento da operação e, em quinto lugar, a lógica económica da operação, concluiu que a recuperação do auxílio estatal em causa devia ser alargada à recorrente.

56

A argumentação da recorrente destina‑se a demonstrar que, através das suas observações, poderia ter influenciado a apreciação da Comissão quanto ao fator relativo à lógica económica da operação. Por conseguinte, as observações que, segundo a recorrente, poderiam ter sido apresentadas se a irregularidade processual constatada não se tivesse verificado, versam unicamente sobre um dos fatores utilizados para determinar a existência de continuidade económica.

57

Por outro lado, quanto à lógica económica da operação, há que salientar que este fator visa determinar se os ativos são adquiridos para exercer a atividade económica que beneficiou do auxílio em causa ou se são utilizados para exercer atividades diferentes ou de acordo com uma estratégia ou modelo comercial diferente. O facto de a empresa que assumiu os ativos da empresa inicialmente beneficiária de um auxílio os utilizar da mesma forma que esta última, sem alteração de estratégia comercial, milita a favor de uma continuidade económica entre as duas empresas (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Fortischem/Comissão, C‑890/19 P, não publicado, EU:C:2021:345, n.o 88).

58

No caso em apreço, a Comissão declarou, nos considerandos 250 e 251 da decisão recorrida, que a aquisição levada a cabo pela recorrente envolvia todos os ativos necessários à prossecução da atividade da antiga HelB, com continuidade de exploração, que a mesma envolvia todos os trabalhadores da antiga HelB e os direitos e obrigações conexos (à exceção do empréstimo para equipamento de 2002 e dos empréstimos de tesouraria de 2005, 2011 e 2012) e que a venda tinha sido realizada sem interrupção da atividade. A Comissão considerou igualmente que a retoma da atividade por uma sociedade que operava no mesmo mercado que a antiga HelB indicava que a atividade da antiga HelB devia prosseguir sem grandes diferenças, com os mesmos autocarros, nas mesmas rotas e até com a mesma cor.

59

A recorrente não contesta a extensão de tal retoma, a falta de interrupção da atividade, ou a sua prossecução com os mesmos autocarros, as mesmas rotas e a mesma cor. Também não contesta que, como consta do considerando 221 da decisão recorrida, o contrato de compra e venda, celebrado em 14 de dezembro de 2015, estipulava que as atividades da antiga HelB tinham sido transferidas em regime de continuidade de exploração e que a venda cobria todos os ativos e todos os contratos e passivos necessários à prossecução da atividade. A este respeito, é pacífico que a recorrente sucedeu à antiga HelB nos contratos celebrados com a autoridade concedente responsável pelos transportes públicos na região de Helsínquia, pelo que se encontra a operar no estrito quadro das condições definidas por esses contratos, as quais não podem ser alteradas de forma significativa. A recorrente indica igualmente que todas as atividades que retomou têm por base esses contratos.

60

Do mesmo modo, a recorrente não põe em causa que a atividade tenha sido assumida por uma sociedade que pertence a um grupo que opera no mercado dos transportes de autocarro na Finlândia, isto é, o mesmo mercado em que operava a antiga HelB. Em particular, nos seus articulados, a recorrente nunca contestou o facto referido no considerando 23 da decisão recorrida, de que, em 2016, esse grupo detinha 21,9 % desse mercado. O facto de a recorrente, ou o grupo a que pertence, já não operar nesse mercado, na região de Helsínquia, desde 2001, não é relevante para a apreciação da continuidade económica.

61

Em contrapartida, a recorrente contesta a conclusão no sentido de que utiliza os ativos da antiga HelB da mesma forma. Sustenta que poderia ter apresentado provas neste sentido, decorrentes das circunstâncias de, por um lado, o grupo a que pertence ter procedido a elevados investimentos, que consistiram nomeadamente na aquisição de 83 novos autocarros, e de, por outro, o grupo ter adotado diversas medidas para integrar a atividade da antiga HelB, o que lhe permitiu gerar significativos efeitos sinergéticos.

62

A este respeito, há que observar que, em resposta às questões, apresentadas pela Comissão à República da Finlândia, relativas à estratégia comercial da recorrente, esta última, embora indicando que não conhecia a estratégia e os planos de negócios do grupo a que a recorrente pertence, reproduziu as informações que figuravam no sítio Intranet do referido grupo, evocando nomeadamente o processo de fusão da recorrente nesse grupo. No entanto, como alega a Comissão, a racionalização da gestão da exploração de uma atividade comercial através de medidas destinadas a integrar a recorrente no grupo, nomeadamente através da partilha de determinados custos, não é suscetível de demonstrar a existência de uma alteração do modelo ou da estratégia comercial, num caso em que a recorrente continuou a prosseguir a atividade em conformidade com os contratos existentes e em que os mesmos não sofreram nenhuma alteração significativa.

63

Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a recorrente, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, as medidas de integração da atividade da antiga HelB no grupo a que pertence a recorrente não são suscetíveis de demonstrar a existência de uma alteração da estratégia comercial. O mesmo se diga da circunstância de o referido grupo ter realizado os investimentos evocados a favor da recorrente.

64

Por conseguinte, há que considerar que a recorrente não demonstrou que, caso tivesse tido a possibilidade de apresentar as suas observações sobre a questão da continuidade económica, estas teriam sido suscetíveis de alterar a apreciação da Comissão a esse respeito.

65

Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

[Omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção Alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Helsingin Bussiliikenne Oy é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias, bem como as efetuadas pela Nobina Oy e pela Nobina AB.

 

3)

A República da Finlândia suportará as suas próprias despesas.

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de setembro de 2022.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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