Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62012TJ0465

    Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 15 de julho de 2015 (Excertos).
    AGC Glass Europe SA e o. contra Comissão Europeia.
    Concorrência — Procedimento administrativo — Mercado europeu do vidro automóvel — Publicação de uma decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 81.° CE — Indeferimento de um pedido de tratamento confidencial de informações que a Comissão pretende publicar — Dever de fundamentação — Confidencialidade — Segredo profissional — Programa de clemência — Confiança legítima — Igualdade de tratamento.
    Processo T-465/12.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2015:505

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

    15 de julho de 2015 ( *1 )

    «Concorrência — Procedimento administrativo — Mercado europeu do vidro automóvel — Publicação de uma decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 81.o CE — Indeferimento de um pedido de tratamento confidencial de informações que a Comissão pretende publicar — Dever de fundamentação — Confidencialidade — Segredo profissional — Programa de clemência — Confiança legítima — Igualdade de tratamento»

    No processo T‑465/12,

    AGC Glass Europe SA, com sede em Bruxelas (Bélgica),

    AGC Automotive Europe SA, com sede em Fleurus (Bélgica),

    AGC França SAS, com sede em Boussois (França),

    AGC Flat Glass Italia Srl, com sede em Cuneo (Itália),

    AGC Glass UK Ltd, com sede em Northampton (Reino Unido),

    AGC Glass Germany GmbH, com sede em Wegberg (Alemanha),

    representadas por L. Garzaniti, J. Blockx, P. Niggemann, A. Burckett St Laurent, advogados, e S. Ryan, solicitor,

    recorrentes,

    contra

    Comissão Europeia, representada por M. Kellerbauer, G. Meessen e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2012) 5719 final da Comissão, de 6 de agosto de 2012, que indefere um pedido de tratamento confidencial apresentado por AGC Glass Europe SA, AGC Automotive Europe SA, AGC France SAS, AGC Flat Glass Italia Srl, AGC Glass UK Ltd e AGC Glass Germany GmbH, em aplicação do artigo 8.o da Decisão 2011/695/UE do presidente da Comissão, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do Auditor em determinados procedimentos de concorrência (processo COMP/39.125 — Vidro automóvel),

    O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

    composto por: S. Papasavvas, presidente, N. J. Forwood (relator), e E. Bieliūnas, juízes,

    secretário: L. Grzegorczyk, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 2 de março de 2015,

    profere o presente

    Acórdão ( 1 )

    Antecedentes do litígio

    1

    Em 12 de novembro de 2008, a Comissão das Comunidades Europeias proferiu a Decisão C (2008) 6815 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 81 [CE] e do artigo 53.o do acordo EEE contra vários fabricantes de vidro automóvel, entre os quais os recorrentes, AGC Glass Europe SA, AGC Automotive Europe SA, AGC France SAS, AGC Flat Glass Italia Srl, AGC Glass UK Ltd e AGC Glass Germany GmbH (processo COMP/39.125 — Vidro automóvel) (a seguir «decisão do vidro automóvel»).

    2

    A Comissão verificou, nomeadamente, que os destinatários da decisão do vidro automóvel tinham violado o artigo 81.o CE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), ao participarem, durante vários períodos compreendidos entre março de 1998 e março de 2003, num conjunto de acordos e práticas concertadas anticoncorrenciais no setor do vidro automóvel no EEE.

    3

    Segundo a decisão do vidro automóvel, trata‑se de uma infração única e continuada, que consiste na repartição concertada de contratos relativos ao fornecimento de peças de vidro para automóveis ou de conjuntos de peças de vidro que compreendem, regra geral, um para‑brisas, um vidro traseiro e vidros laterais, aos principais construtores automóveis no EEE. Esta concertação, segundo a Comissão, tomou a forma de uma coordenação das políticas de preços e das estratégias de abastecimento da clientela, destinada a manter a estabilidade global das posições das partes nos acordos, decisões e práticas concertadas no mercado em causa. Esta estabilidade foi, nomeadamente, procurada com recurso a mecanismos de correção, executados quando as concertações não levassem aos resultados pretendidos.

    4

    Por ofício de 25 de março de 2009, a Direção Geral (DG) «Concorrência» da Comissão informou os recorrentes, nomeadamente, da sua intenção de publicar, em conformidade com o artigo 30.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), uma versão não confidencial da decisão do vidro automóvel na sua página Internet nas línguas que fazem fé no caso vertente, ou seja, o inglês, o francês e o neerlandês. Além disso, a DG «Concorrência» convidou as recorrentes a identificar as eventuais informações confidenciais ou que constituem segredos comerciais e a fundamentar a sua apreciação a esse respeito.

    5

    Na sequência da troca de correspondência com as recorrentes, a DG «Concorrência» proferiu, em de dezembro de 2011, a versão não confidencial da decisão do vidro automóvel a publicar na página Internet da Comissão. Resulta da correspondência em causa que a DG «Concorrência» não deu seguimento aos pedidos das recorrentes de ocultação das informações contidas em 246 considerandos e 122 notas de rodapé da decisão do vidro automóvel.

    6

    Segundo a DG «Concorrência», essas informações podem ser repartidas em três categorias. A primeira contém os nomes dos clientes e a descrição dos produtos em causa e toda a informação suscetível de identificar um cliente (a seguir «informações de categoria I»). A segunda contém as quantidades das peças fornecidas, a atribuição das quotas junto de cada construtor automóvel, os acordos sobre os preços, o seu cálculo e as suas variações e, por fim, os valores e as percentagens associadas à distribuição dos clientes entre os membros dos acordos, decisões e práticas concertadas (a seguir «informações de categoria II»). A terceira contém informações de ordem puramente administrativa, que consiste em remeter para documentos do processo (a seguir «informações de categoria III»).

    7

    Em 20 de janeiro de 2012, as recorrentes dirigiram‑se ao Auditor nos termos do artigo 9.o da Decisão 2001/462/CE, CECA da Comissão, de 23 de maio de 2001, relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência (JO L 162, p. 21), manifestando a sua oposição à publicação das informações das categorias I e II e à publicação de um segmento do considerando 726 da decisão do vidro automóvel. Por carta de 21 de maio de 2012, as recorrentes desistiram do seu pedido no que respeita às informações de categoria II.

    Decisão impugnada

    8

    O Auditor pronunciou‑se sobre o pedido das recorrentes por intermédio da Decisão C (2012) 5719 final da Comissão, de 6 de agosto de 2012, que indefere o pedido de tratamento confidencial apresentado pelas recorrentes, proferida nos termos do artigo 8.o da Decisão 2011/695/UE do Presidente da Comissão, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do Auditor em determinados procedimentos de concorrência (Processo COMP/39.125 — Vidro automóvel) (a seguir «decisão impugnada»).

    9

    Em primeiro lugar, à laia de observações preliminares, o Auditor explicou que a Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2006») não gerava nas recorrentes uma confiança legítima que impedisse a Comissão de proceder à publicação das informações que não fossem abrangidas pelo segredo profissional. Além disso, o interesse das recorrentes em que os detalhes do seu comportamento que não são abrangidos pelo referido segredo profissional não sejam divulgados não merece qualquer proteção particular. Por outro lado, o auditor não tem competência para se pronunciar sobre a oportunidade da publicação das informações não confidenciais, nem sobre as lesões resultantes da política geral da Comissão a este respeito (considerandos 12 a 14 e 19 da decisão impugnada).

    10

    Em segundo lugar, o Auditor rejeitou o argumento de que a Comissão está vinculada pela sua prática anterior relativa ao perímetro da publicação. Por outro lado, o auditor recordou que a publicação pretendida não incluía a fonte das declarações de clemência, nem outros documentos apresentados nesse quadro, ao mesmo tempo que sublinhava que não tinha competência para se pronunciar sobre o perímetro da publicação pretendida à luz do princípio da igualdade de tratamento, tendo em conta a qualidade de requerentes de clemência das recorrentes (considerandos 16 a 18 da decisão impugnada).

    11

    Resulta do considerando 21 da decisão impugnada que esta última assenta essencialmente no exame de dois argumentos apresentados pelos recorrentes. O primeiro argumento, examinado nos considerandos 22 a 35 da decisão impugnada, tem por objeto a confidencialidade das informações controvertidas enquanto tais, e o segundo argumento, examinado nos considerandos 36 a 45 da decisão impugnada, tem por objeto a proteção da identidade das pessoas singulares.

    12

    Quanto ao primeiro argumento, o Auditor considerou, em primeiro lugar, que as informações de categoria I, que têm por objeto os nomes dos clientes e a descrição dos produtos em causa, eram, pela sua natureza e tendo em conta as especificidades do mercado do vidro automóvel, conhecidas para além dos recorrentes, em segundo lugar, que eram históricas e, em terceiro lugar, que visavam a própria essência da infração, uma vez que a sua divulgação era, por outro lado, ditada pelos interesses das pessoas lesadas (considerandos 24 a 29 da decisão impugnada). Além disso, na medida em que as recorrentes tinham apresentado argumentos específicos destinados a provar a confidencialidade dessas informações, apesar das suas características gerais, descritas supra, o Auditor concluiu, após uma análise que teve em conta três condições cumulativas, que as informações de categoria I não estavam abrangidas pelo segredo profissional (considerandos 30, último período, a 35 da decisão impugnada).

    13

    Quanto ao segundo argumento, o Auditor baseou‑se no artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO L 8, p. 1), e aceitou o tratamento confidencial de informações que figuram nos considerandos 115, 128, 132, 252 e 562 e na nota de rodapé n.o 282 da decisão do vidro automóvel (considerandos 36 a 45 e artigo 2.o da decisão impugnada).

    14

    O Auditor também aceitou o tratamento confidencial de um segmento constante do considerando 726 da decisão vidro automóvel (considerando 8 e artigo 1.o da decisão impugnada).

    15

    O Auditor indeferiu o pedido das recorrentes quanto ao restante (artigo 3.o da decisão impugnada).

    Tramitação processual e pedidos das partes

    16

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de outubro de 2012, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

    17

    Por despacho de 27 de novembro de 2013, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral indeferiu os pedidos de intervenção apresentados por quadro seguradoras, ativas no setor do vidro automóvel, em apoio dos pedidos da Comissão.

    18

    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular o artigo 3.o da decisão impugnada;

    condenar a Comissão nas despesas;

    ordenar qualquer outra medida que julgar adequada.

    19

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar as recorrentes nas despesas.

    Questão de direito

    20

    As recorrentes invocam seis fundamentos de recurso, relativos, respetivamente:

    a uma violação do artigo 8.o da Decisão 2011/695/UE do Presidente da Comissão Europeia, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do Auditor em determinados procedimentos de concorrência (JO L 275, p. 29);

    a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima;

    a uma violação do princípio da igualdade de tratamento e do dever de fundamentação;

    a uma violação do princípio da boa administração;

    a uma violação das disposições relativas ao acesso do público aos documentos das instituições da União;

    a uma violação das disposições que têm por objeto a proteção do segredo profissional.

    21

    Há que examinar primeiro o sexto fundamento.

    Quanto ao sexto fundamento, relativo a uma violação das disposições que têm por objeto a proteção do segredo profissional

    [omissis]

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 8.o da Decisão 2011/695

    55

    As recorrentes alegam que, ao recusar, nos considerandos 14, 17 e 19 da decisão impugnada, examinar se a publicação prevista estava conforme com os princípios da proteção da confiança legítima e da igualdade de tratamento, o auditor se absteve de exercer a competência que o artigo 8.o da Decisão 2011/695 lhe atribui. Em qualquer hipótese, uma vez que o Auditor expressamente negou a sua competência, a decisão impugnada está viciada de falta de fundamentação em relação a esses princípios.

    56

    A este propósito, há, antes de mais, que referir que, conforme resulta da análise efetuada no quadro do sexto fundamento, a decisão impugnada não está viciada de ilegalidade no que respeita às apreciações relativas à confidencialidade das informações controvertidas.

    57

    Em seguida, resulta dos considerandos 14, 17 e 19 da decisão impugnada que o auditor fez uma distinção entre, por um lado, os argumentos das recorrentes baseados na confidencialidade das informações controvertidas e, por outro, os argumentos relativos à violação de princípios que não são associados ao segredo profissional, como o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da proteção da confiança legítima.

    58

    A este respeito, foi com razão que o Auditor concluiu, no considerando 14 da decisão impugnada, que os argumentos em questão diziam respeito, por definição, às informações que podiam ser publicadas tendo em conta os limites que o artigo 30.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 e o artigo 8.o da Decisão 2011/695 impunham à ação da Comissão, ou seja, que se tratava de informações que não decorriam, enquanto tais, do segredo profissional. Importa recordar que, conforme resulta do artigo 8.o, n.o1, da Decisão 2011/695, o procedimento que pode dar lugar a uma intervenção do Auditor é desencadeado «[s]empre que a Comissão tiver a intenção de divulgar informações suscetíveis de constituir segredos comerciais ou outras informações confidenciais». Neste contexto, foi igualmente com razão que o auditor sublinhou a margem de apreciação de que a Comissão gozava quando essa instituição identificava as informações não confidenciais que eram objeto de publicação.

    59

    Por outro lado, importa sublinhar que, conforme resulta do artigo 8.o, n.o 2, da Decisão 2011/695, o auditor deve indicar, na sua decisão, a data a partir da qual a informação controvertida considerada não confidencial será divulgada, prazo esse que não pode ser inferior a uma semana. Decorre dessa disposição que a intervenção do Auditor consiste na aplicação das regras que protegem as empresas devido à confidencialidade da informação em causa. Com efeito, a publicação, pela DG «Concorrência», de uma informação abrangida pelo segredo profissional anula definitivamente a proteção específica concedida a esse tipo de informação. Por conseguinte, a intervenção do auditor destina‑se a acrescentar uma etapa de fiscalização suplementar por um órgão independente da DG «Concorrência». Ademais, esse órgão é obrigado a diferir a produção de efeitos da sua decisão, dando assim à empresa em causa a possibilidade de recorrer ao juiz das providências cautelares, para obter a suspensão da execução nas condições aplicáveis à mesma. Por conseguinte, há que fazer uma distinção entre, por um lado, a aplicação das normas jurídicas sobre a confidencialidade da informação enquanto tal e, por outro, as invocadas com o objetivo de obter o tratamento confidencial da informação, independentemente da questão de saber se esta é confidencial por natureza. A este propósito, conforme a Comissão alega, a admitir‑se que a publicação de uma informação que não é abrangida pelo segredo profissional pode constituir a violação de uma norma pertencente à segunda das duas categorias acima referidas, esta circunstância não torna ilusória a proteção conferida pelas normas relativas ao referido segredo. A admitir‑se que está provada essa violação, a mesma pode dar lugar a medidas corretivas adequadas, como indemnizações, se se verificarem os requisitos para a responsabilidade extracontratual da União. Por conseguinte, a análise do mérito dos argumentos que se enquadram nesta categoria de normas está fora dos objetivos prosseguidos pelo mandato confiado ao Auditor nos termos do artigo 8.o da Decisão 2011/695 (acórdão de 28 de janeiro de 2015, Evonik Degussa/Comissão, T‑341/12, Colet., EU:T:2015:51, n.o 43), pelo que as apreciações constantes dos considerandos 14, 17 e 19 não estão viciadas de ilegalidade.

    60

    Por último, de qualquer forma, nos considerandos 12, 13 e 16 da decisão impugnada, o Auditor sublinhou que as recorrentes não podiam invocar uma confiança ou outro interesse legítimo que impeça a Comissão de publicar informações não confidenciais, mesmo que estas não sejam abrangidas pelo essencial da decisão que declara a existência da infração. Além disso, o auditor relembrou, no considerando 18 da decisão impugnada, que a Comissão tinha aceitado eliminar qualquer referência suscetível de identificar a fonte das declarações feitas no procedimento de clemência ou documentos apresentados no quadro do referido procedimento, para ter na devida conta a qualidade das recorrentes de empresas que cooperaram. Nestas condições, não se pode deixar de observar que o Auditor formulou a sua apreciação a respeito dos argumentos relativos à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da igualdade de tratamento, pelo que a decisão impugnada não está, em todo o caso, viciada de falta de fundamentação.

    61

    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao segundo e terceiro fundamentos, relativos à violação do princípio da proteção da confiança legítima, do princípio da igualdade de tratamento e do dever de fundamentação

    62

    As recorrentes alegam que as comunicações sobre a cooperação de 2002 e de 2006 contêm previsões que geram, em qualquer empresa abrangida pelo seu âmbito de aplicação, a confiança legítima de que as informações prestadas voluntariamente permanecerão, na medida do possível, confidenciais, mesmo na fase da publicação da decisão da Comissão. Além disso, as mesmas comunicações proporcionam garantias precisas de que os elementos publicados asseguram às empresas que tenham cooperado, como as recorrentes, uma exposição menor aos riscos de ações cíveis do que as empresas que não tenham cooperado. Esta confiança, que também assenta no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, abrange não apenas os documentos apresentados no quadro de um procedimento de clemência, mas também as informações que estes contêm. Ora, a decisão impugnada autoriza a publicação da identidade dos clientes das recorrentes, ou seja, de elementos fornecidos à Comissão no quadro do programa de clemência. Esta publicação, que não era necessária para efeitos da aplicação do artigo 101.o TFUE, viola assim a confiança legítima das recorrentes e coloca‑as numa posição menos vantajosa face às empresas que não cooperaram. Daí resulta uma violação das disposições relativas à proteção do segredo profissional.

    63

    As recorrentes alegam também que, enquanto únicas requerentes de clemência, se encontram numa situação diferente da de outros destinatários da decisão do vidro automóvel. Ora, a decisão impugnada permite à Comissão adotar, quanto à publicação da identidade dos clientes em causa, uma abordagem invariável face a todos os destinatários da decisão do vidro automóvel. Esta circunstância prejudica de forma desproporcionada as recorrentes, uma vez que as referências aos produtores de veículos implicados nos acordos, decisões e práticas concertadas visavam, na maioria dos casos, os seus próprios clientes. Essas circunstâncias dão igualmente lugar a uma violação do segredo profissional, uma vez que as apreciações do Auditor estão, além disso, viciadas de erro de apreciação manifesto e de falta de fundamentação.

    64

    Estes argumentos não podem ser acolhidos.

    65

    Refira‑se desde já que as apreciações expostas no n.o 59 supra não prejudicam a competência do juiz da União para se pronunciar sobre os fundamentos de recurso assentes numa violação do princípio da proteção da confiança legítima ou do princípio da igualdade de tratamento.

    66

    Em primeiro lugar, a este propósito, as comunicações sobre a cooperação de 2002 e de 2006 não contêm qualquer disposição que corrobore a argumentação das recorrentes. Em particular, resulta dos n.os 3 a 7 da comunicação sobre a cooperação de 2002 e dos n.os 3 a 5 da comunicação sobre a cooperação de 2006 que essas comunicações têm unicamente por objeto estabelecer as condições em que uma empresa pode obter imunidade em matéria de coimas ou a redução do montante destas. Conforme a Comissão alega, as comunicações em questão não preveem qualquer outro benefício que uma empresa possa reivindicar em troca da sua cooperação. As regras enunciadas nos n.os 8 a 27 da comunicação sobre a cooperação de 2002 e nos n.os 8 a 30 da comunicação sobre a cooperação de 2006 dizem exclusivamente respeito ao montante das coimas.

    67

    Esta apreciação é expressamente confirmada no n.o 31 da comunicação sobre a cooperação de 2002 e no n.o 39 da comunicação correspondente de 2006. Segundo a redação idêntica destes números, o facto de ser concedida imunidade em matéria de coimas ou uma redução do seu montante não protege a empresa das consequências de direito civil da sua participação numa infração ao artigo 101.o TFUE.

    68

    É certo que, segundo o n.o 6 da comunicação sobre a cooperação de 2006 «[o]s potenciais interessados em solicitar a imunidade ou a redução de coimas poderiam ser dissuadidos de cooperar com a Comissão ao abrigo da presente comunicação se tal pudesse prejudicar a sua posição no âmbito de ações cíveis, face às empresas que não cooperam com a Comissão».

    69

    Todavia, este período deve ser lido no seu contexto, nomeadamente à luz dos períodos que o precedem, segundo os quais:

    «Para além de apresentarem documentos preexistentes, as empresas podem, a título voluntário, transmitir à Comissão as informações que possuem acerca de um cartel, bem como do papel que nele desempenharam, em declarações especificamente elaboradas para serem apresentadas no âmbito do presente programa de clemência. Estas iniciativas têm‑se revelado úteis, visto que têm permitido realizar investigações eficazes e pôr termo a infrações relativas a cartéis, não devendo ser desencorajadas por decisões que determinem a apresentação coerciva de provas documentais no âmbito de uma ação cível».

    70

    Por conseguinte, o período reproduzido no n.o 68 supra significa que uma empresa não pode ser prejudicada, no quadro de ações civis eventualmente propostas contra ela, pelo simples facto de ter apresentado voluntariamente à Comissão, por escrito, uma declaração de clemência, que poderia ser objeto de uma ordem de apresentação de documentos. É no contexto desta vontade de proteger especialmente as declarações de clemência que a Comissão se autoimpôs, nos n.os 31 a 35 da comunicação sobre a cooperação de 2006, regras especiais sobre as modalidades de formulação das referidas declarações, sobre o acesso às mesmas e sobre a sua utilização. Ora, essas regras dizem exclusivamente respeito aos documentos e às declarações, escritas ou gravadas, recebidas em conformidade com as comunicações sobre a cooperação de 2002 ou de 2006 e cuja divulgação a Comissão considera, geralmente, violadora da proteção dos objetivos das atividades de inspeção e de inquérito na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, conforme indicado nos n.os 32 e 40 das referidas comunicações. Por conseguinte, não têm por objeto nem por efeito impedir a Comissão de publicar, na sua decisão que põe termo ao procedimento administrativo, as informações relativas à descrição da infração que lhe foram submetidas no âmbito do programa de clemência e não geram uma confiança legítima a esse respeito.

    71

    Deste modo, essa publicação, feita em aplicação do artigo 30.o do Regulamento n.o 1/2003 e, conforme resulta da análise do sexto fundamento, com observância do segredo profissional, não põe em risco a confiança legítima que os recorrentes podem invocar nos termos das comunicações sobre a clemência de 2002 e de 2006, que diz respeito ao cálculo do montante da coima e ao tratamento dos documentos e das declarações especialmente referidas.

    72

    Correlativamente, pelas razões expostas no n.o 29 supra, o artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 diz respeito ao acesso aos documentos que fazem parte dos autos do inquérito, com exceção da decisão que a Comissão toma no termo do procedimento administrativo, e cujo conteúdo é definido em aplicação do artigo 30.o do Regulamento n.o 1/2003. Assim, o artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 não é suscetível de gerar uma confiança legítima das recorrentes quanto ao conteúdo da versão pública da decisão do vidro automóvel.

    73

    Em segundo lugar, conforme a Comissão alega, as comunicações sobre a cooperação de 2002 e de 2006 têm por objeto aplicar uma política de diferenciação entre os destinatários de uma decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE, consoante o grau de cooperação de cada um e apenas quanto ao montante da coima. Uma vez que, segundo a análise que precede, as comunicações em questão não se destinam a afetar as consequências, em direito civil, da participação das empresas requerentes de clemência numa infração, não se pode aceitar o argumento das recorrentes de que se encontram, tendo em conta essas consequências, numa situação diferente da de outros destinatários da decisão do vidro automóvel em razão da sua qualidade de requerentes de clemência (v. n.o 63 supra). Por conseguinte, o argumento de que a Comissão deveria ter modulado as referências publicadas relativas aos clientes de cada destinatário da decisão do vidro automóvel consoante o grau de cooperação de cada um destes últimos, além de ter uma natureza impraticável, assenta numa premissa errada. Atendendo a que, conforme o Auditor recordou no considerando 18 da decisão impugnada, a Comissão tinha aceitado eliminar qualquer referência suscetível de identificar a fonte de informação relativa a cada elemento de facto na base da decisão do vidro automóvel, não pode, de qualquer modo, estar em causa a violação do princípio da igualdade de tratamento ou do dever de fundamentação.

    74

    Assim, há que julgar improcedentes o segundo e terceiro fundamentos.

    Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

    [omissis]

    Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação das disposições relativas ao acesso do público aos documentos das instituições

    [omissis]

    Quanto às despesas

    [omissis]

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A AGC Glass Europe SA, a AGC Automotive Europe SA, a AGC France SAS, a AGC Flat Glass Italia Srl, a AGC Glass UK Ltd e a AGC Glass Germany GmbH são condenadas nas despesas.

     

    Papasavvas

    Forwood

    Bieliūnas

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de julho de 2015.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    ( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil. Quanto aos números omitidos, remete‑se para o acórdão do Tribunal Geral de 15 de julho de 2015, Pilkington Group/Comissão (T‑462/12).

    Início