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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62004TJ0425(01)

    Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) de 2 de julho de 2015.
    República Francesa e Orange contra Comissão Europeia.
    Auxílios de Estado — Medidas financeiras a favor da France Télécom — Proposta de adiantamento de acionista — Declarações públicas do Estado francês — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum — Não extensão do procedimento formal de investigação — Direitos de defesa — Critério do investidor privado prudente — Condições normais de mercado — Erros de direito — Erros manifestos de apreciação.
    Processos apensos T-425/04 RENV e T-444/04 RENV.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2015:450

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

    2 de julho de 2015 ( *1 )

    «Auxílios de Estado — Medidas financeiras a favor da France Télécom — Proposta de adiantamento de acionista — Declarações públicas do Estado francês — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum — Não extensão do procedimento formal de investigação — Direitos de defesa — Critério do investidor privado prudente — Condições normais de mercado — Erros de direito — Erros manifestos de apreciação»

    Nos processos apensos T‑425/04 RENV e T‑444/04 RENV,

    República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas e J. Bousin, na qualidade de agentes,

    recorrente no processo T‑425/04 RENV,

    apoiada por:

    República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes, assistidos por U. Soltész, advogado,

    interveniente no processo T‑425/04 RENV e no recurso nos processos apensos C‑399/10 P e C‑401/10 P,

    Orange, anteriormente France Télécom, com sede em Paris (França), representada por S. Hautbourg e S. Cochard‑Quesson, advogados,

    recorrente no processo T‑444/04 RENV,

    contra

    Comissão Europeia, representada por C. Giolito e D. Grespan, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que têm por objeto pedidos de anulação da Decisão 2006/621/CE da Comissão, de 2 de agosto de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela França a favor da France Télécom (JO 2006, L 257, p. 11),

    O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

    composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, F. Dehousse, I. Wiszniewska‑Białecka, A. M. Collins (relator) e I. Ulloa Rubio, juízes,

    secretário: S. Bukšek Tomac, administradora,

    vista a fase escrita do processo e após a audiência de 24 de setembro de 2014,

    visto o acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e o./Comissão e o. (C‑399/10 P e C‑401/10 P, Colet., EU:C:2013:175)

    profere o presente

    Acórdão

    Antecedentes do litígio

    1. Contexto geral do processo

    1

    A France Télécom (atualmente Orange, a seguir «FT»), operador e fornecedor de redes e de serviços de telecomunicações, foi constituída em 1991 sob a forma de uma pessoa coletiva de direito público e tem, desde 31 de dezembro de 1996, o estatuto de sociedade anónima. A FT está cotada na Bolsa desde outubro de 1997. Em 2002, a participação do Estado francês no capital da FT ascendia a 56,45%, estando a parte restante dividida entre o público (32,25%), o autocontrolo (8,26%) e os trabalhadores da empresa (3,04%).

    2

    No primeiro trimestre de 2002, a FT publicou as suas contas relativas a 2001, que registavam uma dívida líquida de 63,5 mil milhões de euros e um prejuízo de 8,3 mil milhões de euros.

    3

    No período compreendido entre março e junho de 2002, as agências de notação Moody’s e Standard & Poor’s (a seguir «S & P») baixaram a notação da FT e baixaram também as suas perspetivas para um nível negativo. Em especial, em 24 de junho de 2002, a Moody’s baixou a notação das notas de crédito a curto e a longo prazo da FT para a última posição do nível de investimento seguro. Paralelamente, o valor das ações da FT sofreu uma redução significativa.

    4

    Atendendo à situação financeira da FT, o Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês (a seguir «Ministro da Economia») declarou, numa entrevista publicada em 12 de julho de 2002 no diário Les Échos (a seguir «declaração de 12 de julho de 2002»), o seguinte:

    «Somos o acionista maioritário com 55% do capital […] O Estado acionista irá atuar como um investidor prudente e, no caso a [FT] vir a ter dificuldades, tomaremos as medidas adequadas […] Repito que se [a FT] registar problemas de financiamento, o que não acontece atualmente, o Estado adotará as decisões necessárias para que tais dificuldades sejam ultrapassadas. Está a relançar o rumor de um aumento de capital… Não, evidentemente que não! Afirmo simplesmente que tomaremos, oportunamente, as medidas adequadas. Se tal for necessário […]»

    5

    Nessa mesma data, a S & P publicou um comunicado de imprensa redigido nos seguintes termos:

    «A FT poderá deparar‑se com certas dificuldades para refinanciar a sua dívida obrigacionista cujo vencimento ocorrerá em 2003. Contudo, a indicação do Estado [francês] vem apoiar a notação da FT no nível de investimento [seguro] […] [O] Estado francês — que detém 55% da [FT] — indicou claramente à [S & P] que iria atuar enquanto investidor prudente e que tomaria as medidas adequadas caso a FT registasse dificuldades. A notação a longo prazo da [FT] desceu para BBB‑ […]»

    6

    Em 12 de setembro de 2002, as autoridades francesas anunciaram que tinham aceitado a demissão do presidente‑diretor‑geral da FT.

    7

    Em 13 de setembro de 2002, a FT publicou as suas contas semestrais, que confirmavam que, em 30 de junho de 2002, os seus fundos próprios consolidados passaram a ser negativos num montante de 440 milhões de euros e que a sua dívida atingia os 69,69 mil milhões de euros, dos quais 48,9 mil milhões de euros de empréstimos obrigacionistas com vencimento e reembolso durante os anos de 2003 a 2005. Segundo estas mesmas contas semestrais, o volume de negócios da FT registava uma progressão de 10% relativamente ao mesmo período do exercício de 2001, um resultado de exploração antes de amortizações que ascendia a 6,87 mil milhões de euros, ou seja, uma progressão de 13,3%, em dados históricos, e de 9,8%, em dados pro forma, e um resultado operacional de 3,18 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 15% em dados pro forma. Os resultados após encargos financeiros (1,75 mil milhões de euros), mas antes de impostos, participações e juros minoritários, eram, sem contar com os elementos excecionais, de 718 milhões de euros contra 271 milhões de euros em 30 de junho de 2001. O fluxo de tesouraria operacional disponível ascendia a 3,6 mil milhões de euros, registando um aumento de 15% relativamente ao primeiro semestre de 2001.

    8

    Num comunicado de imprensa sobre a situação financeira da FT, de 13 de setembro de 2002 (a seguir «declaração de 13 de setembro de 2002»), as autoridades francesas declararam o seguinte:

    «Após os prejuízos excecionais registados no primeiro semestre, a [FT] encontra‑se confrontada com uma grave insuficiência de fundos próprios. Esta situação financeira fragiliza o potencial da empresa. O Governo [francês] está consequentemente determinado a exercer plenamente as suas responsabilidades […] Ao tomar conhecimento da nova situação criada pela forte deterioração das contas, [o presidente‑diretor‑geral da FT] apresentou renúncia ao Governo [francês], que a aceitou. Esta renúncia produzirá efeitos por ocasião de um Conselho de Administração que será realizado nas próximas semanas e durante o qual será apresentado assim um novo presidente […] O novo Presidente irá apresentar muito rapidamente ao Conselho de Administração um plano de recuperação das contas, que permita o desendividamento [da FT] e o restabelecimento da sua estrutura financeira, mantendo simultaneamente os seus elementos estratégicos. O Estado [francês] apoiará a [FT] na execução deste plano e contribuirá, por seu turno, para um reforço muito significativo dos fundos próprios da [FT], num calendário e de acordo com modalidades a determinar em função das condições de mercado. Até lá, o Estado [francês] adotará, se necessário, medidas que permitam evitar à [FT] qualquer problema de financiamento.»

    9

    Nesse mesmo dia, a Moody’s alterou a perspetiva da dívida da FT, de negativa para estável, num comunicado de imprensa que refere, nomeadamente, o seguinte:

    «A confiança da Moody’s foi reforçada com a declaração do Governo [francês], que, mais uma vez, confirmou o seu forte apoio à [FT]. Embora a Moody’s mantenha a sua preocupação relativamente ao nível global do risco financeiro e, mais especificamente, à situação frágil da [FT] em matéria de liquidez, esta agência está mais confiante por saber que o Governo francês [apoiará a FT], caso a empresa se veja confrontada com dificuldades no reembolso da sua dívida.»

    10

    Em 2 de outubro de 2002, foi nomeado o novo presidente‑diretor‑geral da FT. O comunicado de imprensa que anunciou esta nomeação (a seguir «declaração de 2 de outubro de 2002») tem a seguinte redação:

    «Mediante proposta do [C]onselho de administração da [FT], o Conselho de Ministros decidiu nomear [um novo presidente‑diretor‑geral da FT] […] Para o efeito, o novo [p]residente vai imediatamente estabelecer um ponto da situação da [FT], cujos resultados serão comunicados ao [C]onselho de administração nas próximas semanas e que servirá de base a um plano de recuperação financeira e de desenvolvimento estratégico, que permitirá reduzir a dívida da [FT], reforçando os seus pontos fortes. Neste âmbito, [o novo presidente‑diretor‑geral da FT] contará com o apoio do Estado acionista, que está determinado a assumir todas as suas responsabilidades. O Estado [francês] contribuirá para a execução das medidas de recuperação e contribuirá, por seu turno, para o reforço dos fundos próprios da [FT] segundo modalidades que serão determinadas em estreita colaboração com o [p]residente da empresa e o [C]onselho de administração. Como já indicado, o Estado [francês] tomará entretanto, se necessário, medidas que permitam evitar à [FT] qualquer problema de financiamento.»

    11

    Em 19 de novembro de 2002, as autoridades francesas transmitiram à Comissão das Comunidades Europeias uma «nota informativa», que, por um lado, descrevia a situação financeira da FT nesse momento, salientando simultaneamente que «os seus resultados operacionais são excelentes», e, por outro, comunicava a sua intenção de participar numa recapitalização da FT nas condições do mercado, explicando as modalidades da sua contribuição para o plano de recuperação da FT. Nesta nota, as autoridades francesas esclareceram, nomeadamente, o seguinte:

    «A fim de conferir à [FT] a margem de manobra necessária para abordar o mercado nas melhores condições e no momento mais oportuno, o Estado [francês] está disposto a antecipar a sua participação no aumento de capital, sob a forma de um adiantamento de acionista que será convertido em capital no momento da emissão de novos títulos. O montante deste adiantamento corresponderá, no todo ou em parte, à subscrição do Estado [francês] no futuro aumento de capital e poderá ascender a 9 [mil milhões de euros]. Este adiantamento será temporário e a sua conversão em títulos será obrigatória. Será utilizado unicamente à medida das necessidades da [FT]. Será, além disso, remunerado nas condições do mercado atualmente em vigor e os juros serão incorporados no capital.

    Para executar a sua participação no plano de recuperação da [FT], o Estado [francês] pretende recorrer ao ERAP, estabelecimento público industrial e comercial do Estado [francês,] que concederá à [FT] um adiantamento de acionista e terá por vocação vir a ser um importante acionista da [FT] depois de este adiantamento ser convertido em capital. Inscrevendo a participação pública na [FT] no seu ativo, este estabelecimento público assumirá no seu passivo a dívida obrigacionista. A escolha do ERAP reflete a vontade de o Estado [francês] identificar claramente o esforço patrimonial feito, isolando‑o numa estrutura a tal dedicada.»

    12

    Em 4 de dezembro de 2002, por ocasião do conselho de administração da FT, os novos dirigentes da FT apresentaram um plano de ação intitulado «Ambition France Télécom 2005» (a seguir «plano Ambition France Télécom 2005»), destinado essencialmente a reequilibrar o orçamento da empresa através de um reforço dos fundos próprios no montante de 15 mil milhões de euros.

    13

    A apresentação do plano Ambition France Télécom 2005 foi acompanhada de um comunicado de imprensa do Ministro da Economia, de 4 de dezembro de 2002 (a seguir «anúncio de 4 de dezembro de 2002»), com a seguinte redação:

    «[O] Ministro da [E]conomia […] confirma o apoio do Estado [francês] ao plano de ação aprovado pelo Conselho de Administração da [FT] em 4 de dezembro de [2002]. 1) O grupo [FT] constitui um conjunto industrial coerente com desempenhos notáveis. Todavia, a [FT] tem atualmente de fazer face a uma estrutura financeira desequilibrada, a necessidades de fundos próprios e de refinanciamento a médio prazo. Esta situação resulta do fracasso dos investimentos anteriores, mal conduzidos e realizados no momento auge da ‘bolha’ financeira e, em termos mais gerais, do ponto de viragem dos mercados. O facto de a [FT] não poder financiar o seu desenvolvimento de outra forma a não ser através de endividamento agravou esta situação. 2) O Estado [francês], acionista maioritário, solicitou aos novos dirigentes que restabelecessem o equilíbrio financeiro da [FT], mantendo a integridade do grupo […] 3) Tendo em conta o plano de ação elaborado pelos dirigentes e as perspetivas de rentabilidade do investimento, o Estado [francês] participará no reforço dos fundos próprios de 15 mil milhões de euros de forma proporcional à sua participação no capital, ou seja, através de um investimento de 9 mil milhões de euros. O Estado [francês] acionista entende que, desta forma, age enquanto investidor prudente. Caberá à [FT] definir as modalidades e o calendário preciso do reforço dos seus fundos próprios. O Governo [francês] deseja que o desenrolar desta operação tome o mais possível em consideração a situação dos acionistas individuais e dos trabalhadores acionistas da [FT]. Para proporcionar à [FT] a possibilidade de lançar uma operação de mercado no momento mais oportuno, o Estado [francês] está disposto a antecipar a sua participação no reforço dos fundos próprios através de um adiantamento de acionista temporário, remunerado de acordo com as condições de mercado, colocado à disposição da [FT]. 4) A totalidade da participação do Estado [francês] na [FT] será transferida para o ERAP […]. O ERAP contrairá empréstimos junto dos mercados financeiros para financiar a parte do Estado [francês] no reforço dos fundos próprios da [FT].»

    14

    Nos dias 11 e 12 de dezembro de 2002, a FT lançou duas emissões obrigacionistas sucessivas, num montante total de 2,9 mil milhões de euros.

    15

    Em 20 de dezembro de 2002, o ERAP, estabelecimento público industrial e comercial do Estado francês, comunicou à FT um projeto rubricado e assinado de um contrato de adiantamento de acionista (a seguir «proposta de adiantamento de acionista»). Esta última não assinou este projeto de contrato e a proposta de adiantamento de acionista nunca foi executada.

    16

    Em 15 de janeiro de 2003, a FT contraiu empréstimos sob a forma de emissões obrigacionistas num montante total de 5,5 mil milhões de euros. Estes empréstimos obrigacionistas não estavam cobertos por um aval nem por uma garantia do Estado.

    17

    Em 10 de fevereiro de 2003, a FT renovou parcialmente, por um montante de 15 mil milhões de euros, um crédito concedido por um sindicato bancário, que vencia nessa altura.

    18

    Em 4 de março de 2003, foi lançada a operação de reforço dos fundos próprios prevista no plano Ambition France Télécom 2005. Em 24 de março de 2003, a FT procedeu a um aumento de capital de 15 mil milhões de euros. A participação do Estado francês nesta operação, ascendeu a 9 mil milhões de euros, proporcional à sua participação no capital da FT. Um montante de 6 mil milhões de euros foi garantido por um sindicato bancário composto por 21 bancos. Esta operação ficou concluída em 11 de abril de 2003.

    19

    A FT encerrou o exercício de 2002 com um prejuízo de cerca de 21 mil milhões de euros e uma dívida financeira líquida de cerca de 68 mil milhões de euros. As contas do exercício de 2002 publicadas pela FT em 5 de março de 2003 indicavam um aumento do volume de negócios de 8,4%, do resultado de exploração antes das amortizações de 21,1% e do resultado da exploração de 30,9%. Em 14 de abril de 2003, o Estado francês detinha 58,9% do capital da FT, dos quais 28,6% através do ERAP.

    2. Procedimento administrativo

    20

    A República Francesa notificou à Comissão, em 4 de dezembro de 2002, as medidas financeiras previstas no plano Ambition France Télécom 2005, incluindo o proposta de adiantamento de acionista, em aplicação do artigo 88.o, n.o 3, CE e do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1).

    21

    Em 22 de janeiro de 2003, a Bouygues SA e a Bouygues Télécom SA (a seguir, conjuntamente, «sociedades Bouygues»), duas sociedades de direito francês, estando a última ativa no mercado francês da telefonia móvel, apresentaram à Comissão uma denúncia referente a determinados auxílios concedidos pelo Estado francês à FT no quadro do refinanciamento desta. Esta denúncia visava, mais especificamente, por um lado, o anúncio de um investimento do Estado francês no montante de 9 mil milhões de euros e, por outro, as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 (a seguir «declarações a partir de julho de 2002»).

    22

    Em 12 de março de 2003, a decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE a respeito, nomeadamente, das medidas financeiras aplicadas pelo Estado francês para apoiar a FT (a seguir «decisão de início») foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 57, p. 5). Convidava as partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre as medidas em causa.

    23

    Na sequência desta publicação, as autoridades francesas e várias partes interessadas, entre as quais as sociedades Bouygues, a Association francesa des opérateurs de réseaux et services de télécommunications (AFORS Télécom, a seguir «AFORS») e a FT, apresentaram as suas observações sobre a decisão de início à Comissão.

    24

    Em 30 de maio de 2003, a Comissão publicou um anúncio de concurso público para «a prestação de serviços de assistência para a avaliação da conformidade do auxílio financeiro concedido pelo Estado francês à FT, tendo em conta o princípio do investidor privado numa economia de mercado e para a eventual análise económica do plano de recuperação da FT». Este concurso foi adjudicado, em 24 de setembro de 2003, a um consultor, que apresentou o seu relatório económico em 28 de abril de 2004 (a seguir «relatório de 28 de abril de 2004»). Este relatório vinha acompanhado de um relatório jurídico de 22 de março de 2004 (a seguir «relatório de 22 de março de 2004»). Por ofício de 3 de maio de 2004, a Comissão enviou estes dois relatórios às autoridades francesas, convidando‑as a apresentar as suas observações.

    3. Decisão impugnada

    25

    Em 3 de agosto de 2004, a Comissão notificou às autoridades francesas a Decisão 2006/621/CE, de 2 de agosto de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela França a favor da FT (JO 2006, L 257, p. 11, a seguir «decisão impugnada»).

    26

    O artigo 1.o da decisão impugnada dispõe que «[o] adiantamento de acionista concedido pela [República Francesa] à [FT] em dezembro de 2002, sob a forma de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros, considerado no contexto das declarações […] a partir [do mês] de julho de 2002, constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado comum».

    27

    Na sua resposta a uma questão escrita que lhe foi colocada a este propósito pelo Tribunal Geral nos presentes processos, a Comissão afirmou que a referência, no artigo 1.o da decisão impugnada, às «declarações […] a partir [do mês de] julho de 2002» devia ser entendida no sentido de que incluía não apenas as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, mas também o anúncio de 4 de dezembro de 2002. Ora, no n.o 132 do seu acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e o./Comissão e o. (C‑399/10 P e C‑401/10 P, Colet., a seguir «acórdão relativo ao recurso», EU:C:2013:175), o Tribunal de Justiça não considerou o anúncio de 4 de dezembro de 2002 como um simples elemento de «contexto», mas concluiu que a Comissão entendeu, corretamente, que este anúncio e o proposta de adiantamento de acionista, em conjunto, conferiram à FT uma vantagem que implicava a afetação de recursos do Estado.

    28

    O artigo 1.o da decisão impugnada deve, assim, ser lido no sentido de que qualifica como auxílio de Estado, na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE, o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o projeto de acionista, em conjunto, considerados no contexto das declarações efetuadas antes desta última data, ou seja, as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002.

    29

    Nos termos do artigo 2.o da decisão impugnada, «[o] auxílio referido no artigo 1.o não será objeto de recuperação».

    30

    No título 3 da decisão impugnada, «Descrição cronológica dos factos e [da] situação financeira da [FT]», a Comissão procedeu essencialmente às constatações a seguir expostas.

    31

    Em primeiro lugar, nos considerandos 17 a 34 da decisão impugnada, a Comissão constatou que, desde o mês de junho de 2002, a situação financeira da FT se caraterizava por graves problemas estruturais e apresentava um balanço desequilibrado. A este respeito, a Comissão realçou, por um lado, uma rápida degradação da notação da FT no decurso do primeiro semestre de 2002 (considerandos 20 a 27 da decisão impugnada) e, por outro, na sequência de uma análise dos intervalos das taxas obrigacionistas da FT, um aumento dos riscos relacionados com a sua dívida a muito curto prazo, nomeadamente no início do mês de julho de 2002, relativamente à importância dos riscos relacionados com a sua dívida a médio e a longo prazo (considerandos 28 a 30 da decisão impugnada). De acordo com a Comissão, o aumento do risco associado à dívida da FT foi confirmado pela queda dos preços das obrigações da FT em junho e julho de 2002, refletindo, assim, um valor inferior da sua dívida devido ao facto de o mercado considerar que havia um risco maior de incumprimento (considerando 31 da decisão impugnada). Além disso, realçou uma descida significativa da cotação das ações da FT durante o primeiro semestre de 2002 (considerando 35 da decisão impugnada).

    32

    Em segundo lugar, a Comissão constatou que, à data da declaração de 12 de julho de 2002, qualquer descida suplementar da notação da dívida da FT teria provocado a perda do seu nível de investimento seguro e que as agências de notação S & P e Moody’s estiveram prestes a baixar esta notação para o nível de uma obrigação especulativa (junk bond). Após ter exposto o teor do comunicado de imprensa do mesmo dia da S & P, a Comissão, no considerando 39 da decisão impugnada, concluiu, assim, que, no mês de julho de 2002, a FT era objeto de uma crise de confiança que ameaçava impedir os refinanciamentos previstos e criar riscos para a sua liquidez em 2003. Acrescentou que, no entanto, as agências de notação tinham mantido a notação da FT no nível de investimento seguro tendo em conta as «indicações formuladas pelo Estado [francês]».

    33

    Em terceiro lugar, a Comissão afirmou que a conclusão que figura no n.o 32 supra tinha sido confirmada retroativamente em setembro de 2002, quando as contas semestrais da FT tinham sido publicadas (considerandos 40 a 50 da decisão impugnada). Tendo em conta as declarações de 13 de setembro e de 2 de outubro de 2002, assim como o anúncio de 4 de dezembro de 2002, as agências de notação Moody’s e S & P modificaram a sua apreciação relativamente à gestão da dívida da FT e registaram um aumento da confiança do mercado (considerandos 51 a 58 da decisão impugnada). A este respeito, a Comissão observou, nomeadamente, que, em reação ao anúncio de 4 de dezembro de 2002, a S & P tinha confirmado, em 17 de dezembro de 2002, que, por um lado, o apoio das autoridades francesas à FT, como constantemente afirmado a partir de julho de 2002, constituiu um fator determinante para a manutenção da notação da FT no nível de investimento seguro e que, por outro, o seu anúncio do referido proposta de adiantamento de acionista constituía a prova deste apoio e de uma proteção significativa dos credores da FT (v. considerando 58 e notas de pé de página n.os 56 e 57 da decisão impugnada).

    34

    A Comissão constatou ainda que, na sequência do aumento do capital da FT em fevereiro e em março de 2003, as agências de notação deixaram de considerar o apoio do Estado francês como um elemento fundamental da notação da FT (considerando 61 da decisão impugnada). Assim, em fevereiro de 2013, a Moody’s declarou que (considerando 61 e nota de pé de página n.o 58 da decisão impugnada):

    «O Governo francês afirmou constantemente o seu apoio à [FT] e a sua intenção de fornecer, se necessário, um apoio financeiro para minorar os potenciais problemas de liquidez. Este apoio traduziu‑se na colocação à disposição […] de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros a favor da [FT] durante um período de 18 meses, que incluía juros, mas que era exclusivamente reembolsável em ações da [FT]. A Moody’s integra o apoio do Estado [francês] na sua notação Baa3 […] [O] risco financeiro associado ao considerável endividamento da [FT] não corresponde à sua qualidade de investimento (o que é compensado por bons resultados de exploração e pelo apoio implícito do Governo francês)».

    35

    No título 6 da decisão impugnada, «Objeto da presente decisão», a Comissão começou por referir, no considerando 185 desta, que as medidas notificadas não podiam ser analisadas «sem tomar em consideração as declarações do Governo [francês] de julho a dezembro de 2002». Com efeito, através destas, as autoridades francesas manifestaram a sua vontade de adotar as medidas adequadas para resolver as dificuldades financeiras da FT. O projeto de adiantamento constituía a concretização das intenções expressas anteriormente pelo Estado.

    36

    No considerando 186 da decisão impugnada, a Comissão declarou o seguinte:

    «No caso em apreço, a Comissão verifica que as medidas de dezembro de 2002, objeto da notificação, haviam sido precedidas, desde julho [de 2002], por diversas declarações e medidas das Autoridades francesas. Por um lado, estas declarações e medidas permitem compreender melhor as razões e o alcance das medidas de dezembro [de 2002]. Por outro lado, estas declarações e medidas prévias tiveram certamente um impacto sobre a perceção dos mercados e dos intervenientes económicos relativamente à situação da FT no mês de dezembro [de 2002]. Uma vez que o comportamento dos intervenientes económicos é também influenciado pelo comportamento do Estado, não constitui um parâmetro objetivo para seguidamente apreciar o comportamento do Estado. Estas intervenções prévias devem, por conseguinte, ser tomadas em consideração na análise da existência de auxílios nas medidas de dezembro [de 2002].»

    37

    No considerando 187 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que era, com efeito, possível analisar as sucessivas declarações e medidas das autoridades francesas, a partir de julho de 2002, «como um conjunto, cujo momento de concretização consistiria nas medidas de dezembro [de 2002]».

    38

    Em seguida, nos considerandos 188 a 191 da decisão impugnada, a Comissão referiu o seguinte:

    «(188)

    A análise do caso em apreço sugere, à primeira vista, um desfasamento temporal entre as vantagens para a empresa, que teriam sido particularmente significativas no mês de julho [de 2002], e a utilização potencial de recursos estatais, que parece mais claramente estabelecida no mês de dezembro [de 2002]. Com efeito, as declarações do Ministro da Economia […] poderiam ser qualificadas de auxílio, na medida em que tiveram claramente um efeito sobre os mercados e conferiram uma vantagem à [FT]. Contudo, não seria fácil determinar, de forma irredutível, se [a] declaração [de 12] de julho de 2002 er[a] […] suscetíve[l] de implicar, pelo menos potencialmente, recursos estatais. Neste contexto, a Comissão analisou diversos argumentos jurídicos destinados a demonstrar, por um lado, que tais declarações públicas equivaliam a uma garantia estatal de um ponto de vista jurídico e, por outro, que colocavam em jogo a reputação do Estado, com custos económicos em caso de incumprimento. No seu conjunto, pode considerar‑se que estes elementos eram efetivamente suscetíveis de colocar em risco recursos estatais (quer ao pôr em jogo a responsabilidade do Estado face aos investidores, quer ao aumentar o custo das futuras transações do Estado). A tese segundo a qual [a] declaraç[ão] [de 12] de julho de 2002 constituiri[a] [um auxílio] é, por conseguinte, uma tese inovadora, mas provavelmente não desprovida de fundamento.

    (189)

    Não obstante, no caso em apreço, a Comissão não dispõe de elementos suficientes para provar de forma irrefutável a presença de auxílios com base nesta tese inovadora. Em contrapartida, a Comissão considera poder estabelecer a presença de elementos de auxílio seguindo uma abordagem mais tradicional, a partir das medidas de dezembro [de 2002] que foram objeto da notificação.

    (190)

    Com efeito, por um lado, a existência de uma afetação de recursos estatais surge claramente no mês de dezembro [de 2002]. Por outro lado, é também evidente a existência de uma vantagem para a [FT] no mês de dezembro [de 2002], quando se toma em consideração o impacto das declarações e medidas prévias sobre os mercados.

    (191)

    Neste contexto, o ‘princípio do investidor privado em economia de mercado’ não pode ser utilizado para justificar esta intervenção de dezembro [de 2002] como pretendem as autoridades francesas, uma vez que, em dezembro, os comportamentos dos intervenientes económicos estavam claramente influenciados pela atuação e pelas declarações prévias do Governo desde julho [de 2002]. Embora se possa duvidar que [a] declaraç[ão] [de 12] de julho de [2002] foss[e] suficientemente concret[a] para constitu[ir] [ela] própri[a] auxíli[o] estat[al], não restam dúvidas de que [tal] declaraç[ão] [foi] mais do que suficient[e] para ‘contaminar’ a perceção dos mercados e influenciar o comportamento posterior dos intervenientes económicos. Assim sendo, não se pode utilizar este comportamento dos intervenientes económicos como ponto de comparação neutro para seguidamente apreciar o comportamento do Estado [francês]. A presunção baseada no ‘princípio do investidor privado em economia de mercado’ não pode, consequentemente, apoiar‑se na situação de mercado existente em dezembro [de 2002], devendo, logicamente, basear‑se numa situação do mercado não contaminada pelo impacto das declarações prévias.»

    39

    No título 7 da decisão impugnada, «Apreciação da medida em causa face ao n.o 1 do artigo 87.o [CE]», a Comissão referiu, nomeadamente (considerando 194 da decisão impugnada) o seguinte:

    «[O projeto] de adiantamento de acionista (que constitui uma antecipação da participação do Estado [francês] na recapitalização da empresa) concede uma vantagem [à] FT, uma vez que lhe permite aumentar os seus meios de financiamento e tranquilizar o mercado quanto à capacidade da empresa cumprir as suas obrigações de pagamento. Apesar de [o contrato] de adiantamento [de acionista] não ter sido assinad[o], a mensagem transmitida ao mercado relativa à existência deste adiantamento é suscetível de proporcionar uma vantagem à FT, uma vez que o mercado considerou que a situação financeira da empresa era mais sólida […] Esta situação poderia influenciar as condições de contração de empréstimos por parte da FT.»

    40

    No considerando 196 da decisão impugnada, a Comissão declarou, na sua análise da condição relativa à afetação de recursos do Estado, que «o anúncio da colocação à disposição do adiantamento de acionista, juntamente com a realização das condições prévias a tal colocação à disposição, […] a aparência transmitida ao mercado de que tal adiantamento tinha efetivamente sido colocado à disposição […] e, por último, o envio à FT do contrato de adiantamento rubricado e assinado pel[a] ERAP implicam um encargo potencial suplementar para os recursos estatais». No mesmo considerando, a Comissão acrescentou que o facto de o contrato de adiantamento de acionista nunca ter sido assinado pela FT não significava que não existiu uma potencial afetação de recursos estatais. Com efeito, a FT teria podido assiná‑lo em qualquer altura, outorgando‑se assim o direito de obter imediatamente o pagamento do montante de 9 mil milhões de euros.

    41

    Após ter constatado que a vantagem conferida à FT falseava ou ameaçava falsear a concorrência e era suscetível de afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros (considerandos 198 a 201 da decisão impugnada), a Comissão, no título 8 da decisão impugnada, «Princípio do investidor privado prudente em economia de mercado», procedeu ao exame da questão de saber se o referido princípio tinha sido respeitado, tendo em conta o conjunto das declarações feitas pelas autoridades francesas durante os meses que precederam o proposta de adiantamento de acionista (considerandos 203 a 230 da decisão impugnada). Com efeito, o teor destas declarações e o seu efeito no mercado revelaram que o Estado francês tinha decidido, desde julho de 2002, apoiar a FT (considerando 203 da decisão impugnada).

    42

    À luz das declarações a partir de julho de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002, a Comissão considerou, essencialmente, que, «[n]o seu conjunto, estas declarações tornaram pública a intenção do Estado [francês] segundo a qual, caso a [FT] registasse problemas de financiamento ou dificuldades financeiras, o Estado faria o necessário para que a situação fosse resolvida» e que eram uma manifestação do seu compromisso a esse respeito. Com efeito, estas declarações públicas, repetidas, concordantes e imputáveis ao Estado francês são suficientemente claras, precisas e firmes, para refletir de modo credível o seu compromisso incondicional, nomeadamente face à comunidade financeira e industrial, que as compreendeu como tal (considerandos 206 a 213 e 217 da decisão impugnada). Acresce que, além destas declarações públicas, as autoridades francesas contactaram igualmente os «principais intervenientes do mercado», tais como a S & P, para os pôr ao corrente das suas intenções e proporcionar rapidamente confiança ao mercado, prevenindo assim a descida da notação da dívida da FT para o nível de «junk bond» (considerando 212 da decisão impugnada).

    43

    Nos considerandos 214 a 218 da decisão impugnada, a Comissão analisou a «questão de saber se, em direito interno, um investidor privado que tivesse proferido as mesmas declarações que o Estado [francês] seria obrigado a respeitar as suas promessas». Antes de mais, considerou que, nesta fase, não era possível excluir que as declarações em causa eram vinculativas com base no direito administrativo, no direito civil, no direito comercial e no direito penal francês, assim como com base no direito do Estado de Nova Iorque (Estados Unidos). Em seguida, referiu que estas declarações são plenamente suscetíveis de ser consideradas credíveis pelo mercado e criaram, por consequência, expectativas neste último, segundo as quais o Estado francês «faria o necessário para resolver todas as dificuldades financeiras da FT». Segundo a Comissão, «[s]e o Estado [francês] não tivesse honrado esta expectativa, tal teria afetado diretamente a sua reputação enquanto proprietário, acionista ou gestor de empresas cotadas ou não cotadas na bolsa, bem como enquanto emissor de obrigações para financiar a dívida pública» (considerando 217 da decisão impugnada). Assim, as referidas declarações expressam uma estratégia baseada na reputação do Estado, que consiste em se comprometer de forma credível a curto e a longo prazo. Por conseguinte, estes elementos eram efetivamente suscetíveis de colocar em risco recursos estatais (quer ao pôr em jogo a responsabilidade do Estado face aos investidores, quer ao aumentar o custo das futuras transações do Estado) e a tese segundo a qual [a] declaraç[ão] [de 12] de julho de 2002 constituiri[a] [um auxílio] é […] uma tese inovadora, mas provavelmente não desprovida de fundamento» (considerando 218 da decisão impugnada).

    44

    Não obstante, no considerando 219 da decisão impugnada, a Comissão chegou à conclusão de não «poder estabelecer de forma irrefutável a presença de auxílios nesta base». Entendeu, «em contrapartida, poder demonstrar a existência de elementos de auxílio, de uma forma mais tradicional, com base nas medidas de dezembro de 2002 que foram objeto de uma notificação». A este respeito, era bastante «estabelecer que as declarações prévias tiveram um impacto real sobre a perceção dos mercados em dezembro [de 2002], sem ser necessário qualificar estas declarações […] como constituindo, elas próprias, auxílios estatais».

    45

    Com fundamento, nomeadamente, no relatório de 28 de abril de 2004, que constatava um aumento anormal e não negligenciável do valor das ações e das obrigações da FT na sequência da declaração de 12 de julho de 2002, sobre o comunicado de imprensa da S & P do mesmo dia, assim com num relatório do Deutsche Bank de 22 de julho de 2002, a Comissão concluiu que «o mercado [tinha] consid[erado] estas declarações como uma estratégia de compromisso credível do Estado [francês] no sentido de apoiar a FT» (considerandos 220 e 221 da decisão impugnada).

    46

    A Comissão acrescentou, no considerando 222 da decisão impugnada, que estas declarações produziram efeitos extremamente importantes no mercado. De facto, contribuíram para restabelecer a confiança nos mercados financeiros e foram determinantes para a manutenção da notação da FT na categoria de investimento. Uma descida da notação da FT teria tornado o proposta de adiantamento de acionista improvável e, certamente, mais oneroso.

    47

    De acordo com a Comissão, «[o] facto de as medidas notificadas em dezembro [de 2002], consideradas isoladamente, poderem dar a ilusão de operações perfeitamente racionais, não invalida de modo algum o facto de o comportamento dos intervenientes económicos, em dezembro, ter sido claramente influenciado pelo comportamento e declarações anteriores do Estado [francês], nomeadamente a partir de julho de 2002, indicando a sua intenção de minorar os problemas de financiamento da [FT]» (considerando 225 da decisão impugnada). Neste sentido, a decisão das autoridades francesas de antecipar a recapitalização da FT através da concessão de uma linha de crédito constitui uma concretização das suas declarações (considerando 226 da decisão impugnada).

    48

    Segundo a Comissão, não é determinante que a operação de recapitalização da FT, realizada em abril de 2003, tenha sido um êxito e que o adiantamento de acionista nunca se tenha concretizado. No quadro da aplicação do critério do investidor privado prudente, convém basear‑se nos elementos de que o investidor dispõe no momento da adoção da decisão de investir. Por outro lado, na medida em que as declarações das autoridades francesas influenciaram o mercado e o comportamento dos intervenientes económicos, a Comissão não se podia «basear no comportamento dos outros intervenientes económicos para apreciar o comportamento do Estado e aplicar assim o critério da concomitância». De acordo com a Comissão, «[c]om efeito, as declarações do Estado [francês] segundo as quais faria o necessário para que a [FT] ultrapassasse os seus problemas de financiamento, proferidas em julho e seguidamente reiteradas, falseiam o teste da concomitância, na medida em que, mais uma vez, não se pode considerar que os investidores privados tivessem tomado as suas decisões baseando‑se exclusivamente na situação da [FT], independentemente da questão de saber se as declarações [contêm ou não] um auxílio estatal». A aplicação do critério do investidor privado prudente em economia de mercado não se podia basear na situação existente no mercado em dezembro de 2002, devendo logicamente «basear‑se na situação de um mercado não contaminado pelas declarações e intervenções prévias» (considerando 227 da decisão impugnada).

    49

    Ora, «afigura‑se» que, se forem analisadas no contexto da situação anterior a julho de 2002, as decisões de investimento em causa não respeitam o referido princípio (considerando 228 da decisão impugnada). Nesse momento, a FT encontrava‑se num contexto económico difícil, tinha perdido a confiança dos mercados e as autoridades francesas não tinham ainda tomado qualquer medida destinada a melhorar a gestão da FT e os seus resultados, nem encomendado uma auditoria aprofundada, nem nomeado uma nova equipa dirigente, nem preparado um plano de recuperação da empresa. Nestas circunstâncias, seria «improvável que um investidor privado tivesse proferido, a partir de julho de 2002, declarações [semelhantes] às formuladas pelo Governo francês, suscetíveis, de um ponto de vista puramente económico, de pôr seriamente em jogo a sua credibilidade e a sua reputação e, de um ponto de vista jurídico, de o obrigar, a partir dessa data, a apoiar financeiramente a [FT] em qualquer circunstância». Atuando assim, tal investidor teria assumido, individualmente e sem ser compensado, um risco muito significativo face à FT. Ora, mesmo um acionista de referência, na posse das mesmas informações que aquelas de que dispunham as autoridades francesas na altura, não teria feito uma declaração de apoio à FT, em julho de 2002, sem ter efetuado previamente uma auditoria aprofundada da situação financeira da empresa e das medidas necessárias para a restabelecer de modo a poder apreciar a dimensão do risco que tal diligência implicaria. De qualquer forma, tal acionista de referência teria necessitado da participação dos mercados financeiros para restabelecer a situação da FT. Ora, os referidos mercados «não pareciam, nessa altura, dispostos a investir ou a conceder créditos elevados à FT» (considerando 229 da decisão impugnada).

    50

    Por conseguinte, segundo a Comissão, «[é] pouco provável que um investidor privado prudente, colocado na mesma situação que o Estado francês, [tenha] proferido declarações de apoio à FT em julho de 2002, devido à situação económica da empresa e devido ao facto de não dispor de informações claras e completas». É ainda menos provável que um investidor privado prudente «[tenha] concedido um adiantamento de acionista assumindo, individualmente, um risco financeiro muito importante» (considerando 229 da decisão impugnada).

    51

    Tendo em consideração o exposto, a Comissão concluiu que «o [critério] do investidor privado prudente em economia de mercado não foi observado» e que, «[p]or conseguinte, a vantagem concedida à FT através [da oferta] de concessão do adiantamento de acionista — analisado à luz das declarações e intervenções prévias das autoridades francesas — [constituía] um auxílio estatal, apesar de ser difícil calcular a importância da vantagem» (considerando 230 da decisão impugnada).

    52

    No título 9 da decisão impugnada, «Compatibilidade do auxílio», a Comissão considerou que as medidas de auxílio em causa não preenchiam os requisitos de autorização previstos pela sua Comunicação sobre as orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2) (considerandos 231 a 255 da decisão impugnada). Por conseguinte, concluiu que estas medidas constituíam um auxílio estatal incompatível com o mercado comum (considerando 256 da decisão impugnada).

    53

    No título 10 da decisão impugnada, «Recuperação do auxílio», a Comissão declarou que não se encontrava em condições de proceder, nessa fase, a uma quantificação precisa do auxílio em questão ou de incluir na decisão impugnada parâmetros suficientemente precisos que permitissem à República Francesa proceder a esta quantificação posteriormente. Considerou que o respeito dos direitos de defesa e o princípio da proteção da confiança legítima se oponham à recuperação deste auxílio em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 (considerandos 257 a 264 da decisão impugnada).

    Tramitação processual anterior no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

    1. Tramitação processual anterior no Tribunal Geral

    54

    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 13 de outubro de 2004 (processo T‑425/04), em 5 de novembro de 2004 (processo T‑444/04) e em 9 de novembro de 2004 (processo T‑450/04), a República Francesa, a FT e as sociedades Bouygues interpuseram, cada uma, um recurso de anulação total da decisão impugnada. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de novembro de 2004 (processo T‑456/04), a AFORS interpôs um recurso de anulação do artigo 2.o desta decisão.

    55

    Por despacho de 30 de janeiro de 2008, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção das sociedades Bouygues no âmbito da fase oral do processo T‑444/04, em apoio dos pedidos da Comissão.

    56

    Em 13 de fevereiro de 2008, em aplicação do artigo 14.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991 e sob proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, ouvidas as partes em conformidade com o artigo 51.o deste mesmo regulamento, remeter os processos T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04 para uma formação de julgamento alargada.

    57

    Por despacho do presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral de 17 de fevereiro de 2009, os quatro processos foram apensados para efeitos da fase oral do processo e do acórdão, em conformidade com o artigo 50.o do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

    58

    Por acórdão de 21 de maio de 2010, France e o./Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04, Colet., a seguir «acórdão de 21 de maio de 2010», EU:T:2010:216), o Tribunal Geral, por um lado, anulou o artigo 1.o da decisão impugnada e, por outro, declarou que não havia que se pronunciar sobre os pedidos de anulação do artigo 2.o desta decisão.

    59

    Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, em primeiro lugar, o Tribunal Geral rejeitou os fundamentos de inadmissibilidade invocados pela Comissão no âmbito dos processos T‑425/05, T‑444/04 e T‑450/04 e considerou que não havia que conhecer da exceção de inadmissibilidade invocada pela FT no processo T‑456/04 contra um alegado pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada da AFORS (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 111 a 134).

    60

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral apreciou em conjunto os segundo e terceiro fundamentos invocados nos processos T‑425/04 e T‑444/04, assim como os primeiro e segundo fundamentos invocados contra o artigo 1.o da decisão impugnada no processo T‑450/04, na medida em que todos estes fundamentos eram relativos, no essencial, ao conceito de auxílio na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 212 a 326).

    61

    A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral recordou alguns princípios relativos ao conceito de auxílio, bem como ao alcance da fiscalização jurisdicional que deve ser efetuada (acórdão de 21 de maio de 2010, n.os 212 a 220). Nomeadamente, constatou que, tal como as partes admitiram na audiência, a aplicação do critério do investidor privado prudente pressupõe necessariamente que as medidas tomadas pelo Estado a favor de uma empresa confiram uma vantagem decorrente de recursos estatais (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.o 217).

    62

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral apreciou se as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista, considerados isolada ou conjuntamente, conferiram uma ou várias vantagens à FT (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 222 a 260).

    63

    A este respeito, após ter formulado algumas observações preliminares e definido o conceito de vantagem no sentido de que implica que a intervenção do Estado deve ter por consequência uma melhoria da posição económica ou financeira do beneficiário (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 222 a 231), numa primeira fase, o Tribunal Geral verificou se as declarações a partir do mês de julho de 2002, assim como o anúncio de 4 de dezembro de 2002 implicaram, por si sós, a concessão de tal vantagem à FT (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 232 a 242). A este respeito, o Tribunal Geral considerou, no essencial, que a Comissão tinha demonstrado de forma jurídica bastante que, apreciadas em conjunto, estas declarações e este anúncio conferiram uma vantagem apreciável a favor da FT, na medida em que permitiram restaurar a confiança dos mercados financeiros, tornaram possível, mais fácil e menos dispendioso o acesso da FT a novos créditos necessários ao refinanciamento das suas dívidas a curto prazo, num montante de 15 mil milhões de euros, e, em definitivo, contribuíram para estabilizar a sua situação financeira muito frágil. O Tribunal Geral considerou que, nestas condições, não era necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se as referidas declarações também implicaram uma vantagem a favor da FT por terem influído, de modo positivo, nas cotações das suas ações e das suas obrigações.

    64

    Numa segunda fase, o Tribunal Geral apreciou se o proposta de adiantamento de acionista produziu, por si só, uma vantagem suplementar e distinta em proveito da FT, antes de concluir que a Comissão não demonstrou de forma suficiente que tal era o caso (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 243 a 258). Por um lado, o Tribunal Geral considerou que a vantagem suplementar invocada pela Comissão no considerando 194 da decisão impugnada se confundia manifestamente com a que decorria das declarações a partir do mês de julho de 2002 e, em particular, com a que está associada ao anúncio de 4 de dezembro de 2002. A este respeito, observou, nomeadamente, que o envio, em 20 de dezembro de 2002, do proposta de adiantamento de acionista não foi anunciado publicamente de modo separado e em acréscimo ao anúncio, feito em 4 de dezembro de 2002, desta proposta. Por outro lado, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não estabeleceu de forma jurídica bastante que a simples faculdade de a FT recorrer, de modo unilateral e incondicional, à linha de crédito de 9 mil milhões de euros, que era objeto do contrato de adiantamento de acionista, constituía uma vantagem em seu proveito, apesar de o projeto de contrato nunca ter sido por si assinado nem executado. A este respeito, constatou que a Comissão não determinou nem demonstrou uma eventual melhoria da posição económica da FT, suscetível de decorrer desta «proposta contratual» que constituía o proposta de adiantamento de acionista relativamente à situação em que se encontrava, nomeadamente, na sequência da possibilidade que lhe foi dada de refinanciar as suas dívidas por um montante de 9 mil milhões de euros, nas condições que à época reinavam no mercado obrigacionista.

    65

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral apreciou o requisito relativo à existência de uma transferência de recursos do Estado (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 262 a 313). Esclareceu, no n.o 262 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que existia uma exigência de conexão entre a vantagem identificada e a afetação de recursos estatais, devendo a referida vantagem estar estreitamente ligada a um encargo correspondente que onere o Orçamento do Estado ou à criação, com base em obrigações juridicamente vinculativas assumidas pelo Estado, de um risco económico suficientemente concreto para esse orçamento.

    66

    Antes de mais, o Tribunal Geral concluiu que as declarações a partir do mês de julho de 2002 não implicavam afetação de recursos do Estado e indeferiu o pedido das sociedades Bouygues com vista à anulação do artigo 1.o da decisão impugnada na medida em que a Comissão recusou qualificar estas declarações como auxílios de Estado (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 268 a 290). O Tribunal Geral chegou a esta conclusão após ter constatado, nomeadamente, que, devido ao seu caráter aberto, impreciso e condicional, em especial no respeitante à natureza, ao alcance e às condições de uma eventual intervenção do Estado a favor da FT, e tendo em conta o contexto factual no qual ocorreram, as referidas declarações não podiam ser equiparadas a uma garantia do Estado nem ser interpretadas como revelando o compromisso irrevogável de proceder a uma contribuição financeira precisa em proveito da FT ou no sentido de que os recursos do Estado francês estavam expostos a um risco que pudesse ser considerado uma transferência de tais recursos.

    67

    Em seguida, o Tribunal Geral efetuou uma apreciação individual do anúncio de 4 de dezembro de 2002 (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 293 a 298). Considerou que não lhe cabia verificar se esse anúncio implicava, por si só, um compromisso suficientemente preciso, firme e incondicional e, portanto, juridicamente vinculativo, que permitisse concluir pela existência de uma transferência de recursos estatais, uma vez que nem a Comissão nem as sociedades Bouygues tinham suscitado esse argumento ou apresentado elementos pertinentes e probantes a esse respeito (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 293 a 295).

    68

    No n.o 296 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), o Tribunal Geral acrescentou que, em todo o caso, uma transferência de recursos do Estado resultante do referido anúncio só poderia corresponder a uma vantagem que residisse na abertura da linha de crédito de 9 mil milhões de euros que aí estava expressamente prevista. Ora, por um lado, a Comissão absteve‑se de caracterizar, de modo juridicamente bastante, tal vantagem na decisão impugnada e, por outro, esta vantagem é distinta da que decorre das declarações a partir de julho de 2002, tal como constatada na referida decisão. No n.o 297 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral precisou que a exigência de um nexo entre a vantagem identificada e a transferência de recursos estatais pressupõe que a referida vantagem corresponda a um encargo correspondente que onere o Orçamento do Estado, antes de afirmar que tal não se verifica no presente caso, no respeitante à relação entre a vantagem constatada na decisão impugnada, que resulta das declarações a partir de julho de 2002, por um lado, e a pretensa transferência de recursos públicos consistente na abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros, tal como prevista no anúncio de 4 de dezembro de 2002 do proposta de adiantamento de acionista, por outro.

    69

    O Tribunal Geral concluiu então, no n.o 298 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que a Comissão não demonstrou que o anúncio de 4 de dezembro de 2002 implicava uma transferência de recursos do Estado.

    70

    Além disso, quanto ao proposta de adiantamento de acionista, o Tribunal Geral considerou, no n.o 299 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que, na medida em que a Comissão não estabeleceu de modo bastante que daí decorria uma vantagem, o Tribunal Geral não podia, por maioria de razão, concluir pela existência de uma transferência de recursos estatais que estivesse ligada a essa vantagem.

    71

    Por último, nos n.os 302 a 309 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), o Tribunal Geral apreciou se a Comissão podia, no entanto, com fundamento numa apreciação global das declarações a partir do mês de julho de 2002 em conjunto com o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista, que o critério de transferência de recursos do Estado estava preenchido no caso em apreço.

    72

    A este respeito, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 303 e 304 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que as declarações a partir do mês de julho de 2002 não implicavam, por si sós, a antecipação de um apoio financeiro específico, tal como o que foi finalmente concretizado no mês de dezembro de 2002, mas, diversamente do anúncio de 4 de dezembro de 2002, revestiam um caráter aberto, impreciso e condicional quanto à natureza, ao alcance e às condições de uma eventual intervenção futura do Estado francês. A decisão do Estado francês, em dezembro de 2002, de anunciar e propor um proposta de adiantamento de acionista constituía, assim, uma importante rutura na sucessão dos acontecimentos que conduziram ao refinanciamento da FT. No n.o 305 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral rejeitou a tese da Comissão segundo a qual o proposta de adiantamento de acionista constituía a materialização das declarações anteriores do Estado francês.

    73

    O Tribunal Geral declarou igualmente, no n.o 307 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que a Comissão não se podia exonerar do seu dever de identificar uma vantagem específica que implique uma correspondente transferência de recursos estatais. Acrescentou, no n.o 308 deste acórdão, que, tendo em conta a rutura importante na sucessão dos acontecimentos e no comportamento das autoridades francesas em dezembro de 2002, a Comissão não tinha o direito de estabelecer uma ligação entre uma eventual afetação de recursos estatais, nesta fase, e as vantagens conferidas pela medidas anteriores, a saber, as declarações a partir de julho de 2002, tanto mais que estas medidas tinham caráter substancialmente diferente das tomadas em dezembro de 2002. Com efeito, tal ligação entre os elementos constitutivos da noção de auxílio, tratando‑se de elementos factuais distintos ocorridos em diversas fases, seria contrária ao requisito da exigência de um nexo entre a vantagem e a transferência de recursos estatais.

    74

    O Tribunal Geral concluiu então, no n.o 309 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que, embora a Comissão pudesse ter em conta o conjunto dos acontecimentos que precederem e influenciaram a decisão definitiva tomada pelo Estado francês, em dezembro de 2002, de apoiar a FT através de uma proposta de adiantamento de acionista, para caracterizar uma vantagem, não conseguiu demonstrar a existência de uma transferência de recursos estatais conexa com esta vantagem. Segundo o Tribunal Geral, a circunstância de as declarações a partir do mês de julho de 2002 e de o anúncio de 4 de dezembro de 2002 terem provocado uma vantagem a favor da FT que consistia no restabelecimento da confiança dos mercados financeiros e na melhoria das condições de refinanciamento da FT não teve como contrapartida uma correspondente diminuição do Orçamento do Estado ou um risco económico suficientemente concreto de encargos que onerassem este orçamento. O Tribunal Geral afirmou, em particular, que esta vantagem era distinta daquela que o proposta de adiantamento de acionista era suscetível de implicar e que a decisão impugnada se absteve de demonstrar de modo bastante.

    75

    Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou, no n.o 310 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), que a Comissão violou o conceito de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE quando considerou que a proposta de adiantamento de acionista, inserida no contexto das declarações a partir de julho de 2002, implicava a concessão de uma vantagem a favor da FT, que resultava da transferência de recursos estatais. Assim, por um lado, acolheu a segunda parte do segundo fundamento, assim como o terceiro fundamento invocados pela República Francesa e pela FT, na medida em que esta parte e este fundamento criticavam a aplicação do conceito de auxílio e, por outro, considerou que não era necessário examinar a primeira parte do segundo fundamento, assim como o terceiro fundamento invocados pela República Francesa e pela FT, na medida em que esta parte e este fundamento contestavam a legalidade da aplicação, por parte da Comissão, do critério do investidor privado prudente (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 311 e 312). Considerou igualmente que, uma vez que o artigo 1.o da decisão impugnada devia ser anulado por erro de direito e por erros manifestos de apreciação na aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE, também não era necessário apreciar o primeiro fundamento invocado pela República Francesa e pela FT, nem o quarto fundamento invocado pela República Francesa (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.o 313).

    76

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral apreciou e rejeitou o segundo fundamento invocado pelas sociedades Bouygues no processo T‑450/04, relativo à contradição e à deficiência de fundamentação contrárias ao artigo 253.o CE (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.os 314 a 324).

    77

    Tendo em consideração o exposto, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o da decisão impugnada pelos motivos de ilegalidade invocados nos segundo e terceiro fundamentos suscitados pela República Francesa e pela FT (acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra, EU:T:2010:216, n.o 326).

    78

    Por último, nos n.os 327 a 330 do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216), o Tribunal Geral declarou que, tendo em conta a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, com base nos fundamentos que a República Francesa e a FT invocaram nos processos T‑425/04 e T‑444/04, os seus pedidos, bem como o das sociedades Bouygues, no processo T‑450/04, e o da AFORS, no processo T‑456/04, para anulação do artigo 2.o desta decisão tinham ficado sem objeto. Por conseguinte, considerou que não tinha de se pronunciar sobre os referidos pedidos de anulação.

    2. Tramitação processual anterior no Tribunal de Justiça

    79

    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 4 e 3 de agosto de 2010, as sociedades Bouygues (C‑399/10 P) e a Comissão (C‑401/10 P) interpuseram recurso do acórdão de 21 de maio de 2010, n.o 58 supra (EU:T:2010:216).

    80

    Por despachos de 28 de fevereiro de 2011, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção da República Federal da Alemanha nos dois processos em apoio dos pedidos da República Francesa.

    81

    Por despacho de 8 de setembro de 2011, o presidente do Tribunal de Justiça apensou os referidos processos para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

    82

    Através do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça anulou o acórdão de 21 de maio de 2010, remeteu os processos T‑425/04, T‑444/04 e T‑450/04 ao Tribunal Geral para que este decida sobre os fundamentos suscitados e os pedidos apresentados a respeito dos quais não se pronunciou e reservou para final a decisão quanto às despesas.

    83

    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça proferiu uma decisão sobre os recursos.

    84

    Neste contexto, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça apreciou o primeiro fundamento de recurso das sociedades Bouygues, relativo a uma interpretação muito restritiva do conceito de auxílio de Estado, a uma desvirtuação do direito francês e a um erro de qualificação jurídica dos factos alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral quando rejeitou a sua argumentação que tinha por objetivo demonstrar que a Comissão cometeu um erro de direito ao ter recusado qualificar as declarações a partir do mês de julho de 2002 como auxílios de Estado (acórdão relativo ao recurso, n.os 67 a 79).

    85

    A este respeito, no n.o 76 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça constatou que a decisão impugnada não tomou posição sobre a denúncia das sociedades Bouygues de 22 de janeiro de 2003 na parte em que estas alegaram que as declarações a partir do mês de julho de 2002 constituíam, por si sós, auxílios de Estado. Observou, nomeadamente, que estas declarações apenas tinham sido tomadas em conta na parte em que eram objetivamente relevantes para a apreciação do proposta de adiantamento de acionista e que, assim, a Comissão só as apreciou na medida em que constituíam o contexto do auxílio constatado (acórdão relativo ao recurso, n.os 73 a 75).

    86

    Por conseguinte, no n.o 77 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça declarou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, nos n.os 128 e 131 do acórdão de 21 de maio de 2010, que o artigo 1.o da decisão impugnada implicava a recusa da Comissão de qualificar as declarações a partir do mês de julho de 2002 como auxílios de Estado. A falta de tomada de posição da Comissão quanto à qualificação destas declarações enquanto tais de auxílios de Estado na sequência da denúncia das sociedades Bouygues não pode, com efeito, ser equiparada, em si mesma, a uma decisão que indefere as pretensões destes denunciantes.

    87

    O Tribunal de Justiça concluiu, no n.o 78 do acórdão relativo ao recurso, que o Tribunal Geral tinha, assim, efetuado uma apreciação das questões sobre as quais a Comissão ainda não se tinha pronunciado e tinha confundido as diferentes fases dos processos administrativos e judiciais, que era incompatível com os sistemas de repartição de competências entre a Comissão e o Tribunal de Justiça e as vias de recursos previstas pelo Tratado FUE e com as exigências de uma boa administração da justiça. Por conseguinte, declarou, no n.o 79 do acórdão relativo ao recurso, que o primeiro fundamento de recurso das sociedades Bouygues era inoperante.

    88

    Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça apreciou em conjunto a primeira parte do segundo fundamento de recurso das sociedades Bouygues e a primeira parte do segundo fundamento de recurso da Comissão, respeitantes a erros de direito relativos à qualificação de auxílios de Estado do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e do proposta de adiantamento de acionista, considerados em conjunto. No essencial, estas partes acusavam, o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito ao ter exigido, para efeitos da constatação da existência de um auxílio de Estado, um nexo estreito entre, por um lado, uma vantagem que deve ser identificada separadamente a respeito do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e a respeito da proposta de adiantamento de acionista e, por outro, uma afetação de recursos estatais equivalente e correspondente a uma ou a outra das vantagens assim identificadas.

    89

    No n.o 97 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça declarou que o Tribunal Geral entendeu, por um lado, que a Comissão estava obrigada a examinar em relação a cada intervenção estatal considerada individualmente se esta concedia, através de recursos estatais, uma vantagem específica e, por outro, que só uma diminuição do Orçamento do Estado ou um risco económico suficientemente concreto de encargos que onerassem esse orçamento, estreitamente ligado e correspondente a uma vantagem assim identificada, respeitava o requisito relativo ao financiamento através de recursos estatais na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE.

    90

    Antes de mais, o Tribunal de Justiça examinou a primeira das apreciações do Tribunal Geral acima referidas no n.o 89 (acórdão relativo ao recurso, n.os 98 a 105). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que, na medida em que as intervenções estatais assumem formas diversas e devem ser analisadas em função dos seus efeitos, não se pode excluir que várias intervenções consecutivas do Estado devam, para efeitos da aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE, ser encaradas como uma única intervenção (acórdão relativo ao recurso, n.o 103). De acordo com o Tribunal de Justiça, tal pode ser nomeadamente o caso quando intervenções consecutivas apresentem, no que respeita, nomeadamente, à sua cronologia, à sua finalidade e à situação da empresa no momento dessas intervenções, nexos de tal forma estreitos entre elas que é impossível dissociá‑las (acórdão relativo ao recurso, n.o 104). O Tribunal de Justiça concluiu então que, ao ter considerado que era necessário identificar uma diminuição do Orçamento do Estado ou um risco económico suficientemente concreto de encargos que onerassem este orçamento estreitamente ligado e correspondente a, ou tendo como contrapartida, uma vantagem específica decorrente quer do anúncio de 4 de dezembro de 2002 quer da proposta de adiantamento de acionista, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter aplicado um critério suscetível de excluir à partida que essas intervenções estatais pudessem, em função dos nexos entre elas e dos seus efeitos, ser encaradas como uma única intervenção (acórdão relativo ao recurso, n.o 105).

    91

    Em seguida, o Tribunal de Justiça apreciou a segunda das apreciações do Tribunal Geral acima referidas no n.o 89 (acórdão relativo ao recurso, n.os 106 a 110). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no essencial, que, embora, para efeitos da declaração da existência de um auxílio de Estado, a Comissão deva estabelecer um nexo suficientemente direto entre, por um lado, a vantagem concedida ao beneficiário e, por outro, uma diminuição do Orçamento do Estado, ou mesmo um risco económico suficientemente concreto de encargos que o onerem, em contrapartida, não é necessário que essa diminuição, ou mesmo esse risco, corresponda ou seja equivalente à referida vantagem, nem que esta tenha como contrapartida essa diminuição ou esse risco, nem que seja da mesma natureza que a afetação dos recursos estatais de que decorre (acórdão relativo ao recurso, n.os 109 e 110).

    92

    O Tribunal de Justiça concluiu assim, no n.o 111 do acórdão relativo ao recurso, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito tanto na sua fiscalização da identificação pela Comissão da intervenção estatal que confere um auxílio de Estado como no exame dos nexos existentes entre a vantagem identificada e a afetação dos recursos estatais constatada por esta. Por conseguinte, anulou o acórdão recorrido, salientado que não era necessário apreciar os outros fundamentos dos recursos (acórdão relativo ao recurso, n.os 113 e 114).

    93

    Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que dispunha dos elementos necessários para se pronunciar definitivamente, por um lado, sobre o pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, na medida em que a Comissão recusou qualificar as declarações a partir de julho de 2002 de auxílios de Estado no processo T‑450/04, e, por outro, sobre a segunda parte do segundo fundamento e o terceiro fundamento invocados pela República Francesa e pela FT em apoio dos seus recursos nos processos T‑425/04 e T‑444/04, na medida em que esta parte e este fundamento se dirigem contra a declaração, feita na decisão impugnada, da existência de uma vantagem concedida à FT pelo Estado francês (acórdão relativo ao recurso, n.os 116 a 142).

    94

    Quanto à primeira parte, no n.o 118 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça considerou que os fundamentos do pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada no processo T‑450/04 eram inoperantes, na medida em que a Comissão recusou qualificar as declarações a partir de julho de 2002 de auxílios de Estado.

    95

    Relativamente à segunda parte, em primeiro lugar, no n.o 126 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça declarou que resultava, nomeadamente, dos considerandos 188 e 189 da decisão impugnada que a Comissão não baseou a sua declaração da existência de um auxílio de Estado num compromisso que o Estado francês tivesse assumido ao proferir a declaração de 12 de julho de 2002.

    96

    Em segundo lugar, no n.o 129 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça concluiu de determinadas passagens dos considerandos 194 e 196 da decisão impugnada que a Comissão considerou que o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e a proposta de adiantamento de acionista, considerados conjuntamente, conferiram uma vantagem que implicou a afetação de recursos estatais na aceção do artigo do artigo 87.o, n.o 1, CE. Em seguida, nos n.os 130 e 131 deste acórdão, o Tribunal de Justiça, remetendo para os n.os 103 e 104 do mesmo acórdão, declarou que a Comissão teve razão ao apreciar em conjunto estas duas medidas, uma vez que era evidente que a primeira não podia ser dissociada da segunda.

    97

    Em terceiro lugar, nos n.os 132 a 136 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão considerou corretamente que o adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, conferiu à FT uma vantagem na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE, uma vez que permite que esta aumente os seus meios de financiamento e tranquilize o mercado quanto à capacidade da empresa em cumprir as suas obrigações de pagamento. Quanto à condição relativa à afetação de recursos do Estado, no n.o 137 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça constatou que o proposta de adiantamento de acionista tinha por objeto a abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros e que, embora seja verdade que a FT não assinou o contrato de adiantamento que lhe foi enviado, teria podido assiná‑lo em qualquer altura, outorgando‑se assim o direito de obter imediatamente o pagamento desse montante. No n.o 138 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão referiu, na decisão impugnada, que, a partir de 5 de dezembro de 2002, a FT descreveu, numa apresentação aos investidores, a «linha de crédito» do Estado francês como estando imediatamente disponível, que, no mesmo dia, a S & P anunciou que o Estado francês ia conceder imediatamente um crédito de acionista, que foi comunicado à Comissão das Finanças da Assembleia Nacional francesa que o adiantamento de acionista «já [tinha] sido colocado à disposição da FT» e que a Moody’s tinha anunciado, em 9 de dezembro de 2002, que estava confirmado que a «linha de crédito de 9 mil milhões de euros [tinha] sido criada». No n.o 139 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que, à luz do potencial encargo suplementar de 9 mil milhões de euros sobre os recursos estatais, foi com razão que a Comissão declarou que a vantagem acima referida foi concedida através de recursos estatais na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE.

    98

    Por último, nos n.os 140 e 141 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça constatou que o litígio não estava em condições de ser julgado no que respeita ao segundo e terceiro fundamentos invocados pela República Francesa e pela FT, na medida em que esses fundamentos se dirigem contra a aplicação do critério do investidor privado prudente efetuada pela Comissão. Considerou que o mesmo é válido no que se refere ao primeiro fundamento invocado pela República Francesa e pela FT, relativo à violação das formalidades substanciais e dos direitos de defesa, e ao quarto fundamento da República Francesa, relativo à falta de fundamentação, e, portanto, ao pedido das sociedades Bouygues, de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada. Por conseguinte, no n.o 142 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça decidiu remeter os processos T‑425/04, T‑444/04 e T‑450/04 ao Tribunal Geral para que este decida quanto à referida parte e aos referidos fundamentos e argumentos invocados e quanto ao pedido deduzido perante o mesmo a respeito do qual não se pronunciou.

    Tramitação processual e pedidos das partes após remessa do processo

    99

    Na sequência do acórdão relativo ao recurso, os processos T‑425/04 RENV, T‑444/04 RENV e T‑450/04 RENV foram atribuídos à Primeira Secção alargada do Tribunal Geral.

    100

    Em 31 de maio de 2013, a República Francesa, no processo T‑425/04 RENV, e a FT, no processo T‑444/04 RENV, e, em 17 de julho de 2013, a Comissão, em cada um destes dois processos, nos termos do artigo 119.o, n.o 1, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, apresentaram observações escritas. A República Federal da Alemanha renunciou ao seu direito de apresentar tais observações nestes processos.

    101

    Por carta de 22 de julho de 2013, a FT informou o Tribunal Geral de que tinha alterado a denominação social em 1 de julho de 2013 para Orange.

    102

    Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi agregado à Quarta Secção do Tribunal Geral e os processos T‑425/04 RENV, T‑444/04 RENV e T‑450/04 RENV foram reatribuídos à Quarta Secção alargada do Tribunal Geral.

    103

    Por impedimento do juiz‑relator, o presidente do Tribunal Geral reatribuiu o processo a outro juiz‑relator e os referidos processos foram reatribuídos à Sexta Secção alargada do Tribunal Geral.

    104

    Por despachos do presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral de 27 de junho de 2014, por um lado, as sociedades Bouygues deixaram de figurar do processo T‑444/04 RENV enquanto intervenientes em apoio dos pedidos da Comissão e, por outro, o processo T‑450/04 RENV foi cancelado no registo do Tribunal Geral, tendo estas sociedades retirado a sua intervenção e desistido dos seus recursos.

    105

    Por despacho do presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral de 15 de julho de 2014, os processos T‑425/04 RENV e T‑444/04 RENV foram apensados para efeitos do processo oral e do acórdão.

    106

    Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) decidiu abrir a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do seu Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, convidou a República Francesa e a Comissão a responderem por escrito a algumas questões, o que estas fizeram no prazo fixado.

    107

    Por carta de 8 de agosto de 2014, a República Federal da Alemanha informou o Tribunal Geral de que não iria estar presente na audiência.

    108

    Na audiência que teve lugar em 24 de setembro de 2014, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

    109

    No processo T‑425/04 RENV, a República Francesa, apoiada pela República Federal da Alemanha, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular a decisão impugnada na íntegra;

    condenar a Comissão nas despesas.

    110

    No processo T‑425/04 RENV, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a República Francesa nas despesas.

    111

    No processo T‑444/04 RENV, a FT conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular a decisão impugnada;

    condenar a Comissão nas despesas.

    112

    No processo T‑444/04 RENV, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a FT nas despesas.

    113

    Na audiência, a Comissão também conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne julgar inadmissível o recurso no processo T‑444/04 RENV.

    Questão de direito

    1. Quanto à admissibilidade do recurso no processo T‑444/04 RENV

    114

    Na audiência, a Comissão alegou que o recurso interposto pela FT no processo T‑444/04 RENV era inadmissível por falta de interesse em agir. Afirmou que, na sequência da desistência, por parte das sociedades Bouygues, dos seus recursos e da não remessa do processo T‑456/04 ao Tribunal Geral pelo acórdão relativo ao recurso, o artigo 2.o da decisão impugnada deixou de ser objeto de um pedido de anulação e que, por conseguinte, já não existia, em relação à FT, risco concreto, efetivo e atual de imposição do reembolso do auxílio em causa.

    115

    Antes de mais, importa observar que, ao contrário do que alega a Comissão, o artigo 2.o da decisão impugnada ainda é objeto de pedidos de anulação, uma vez que tanto a República Francesa como a FT pretendem a anulação da decisão impugnada na íntegra. De resto, este pedido de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada será posteriormente apreciado nos n.os 264 a 270.

    116

    Em seguida, relativamente ao pedido que a FT apresentou com vista à anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o interesse em agir deve perdurar até ser proferida a decisão jurisdicional, sob pena de não haver lugar a decisão, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, Colet., EU:C:2007:322, n.o 42, e despacho de 7 de dezembro de 2011, Fellah/Conselho, T‑255/11, EU:T:2011:718, n.o 12).

    117

    No caso em apreço, por um lado, importa observar que o artigo 1.o da decisão impugnada visa produzir efeitos jurídicos obrigatórios em relação à FT enquanto única beneficiária da medida de auxílio que é declarada incompatível com o mercado comum.

    118

    Por outro lado, há que considerar que, independentemente da questão de saber se a FT está, ou não, ainda exposta a algum risco de dever reembolsar o auxílio em causa, a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada com base nos fundamentos invocados por esta empresa teria por consequência a nulidade da constatação de ilegalidade desta medida de auxílio, que é uma medida individual a seu favor, o que constitui uma consequência jurídica que altera a sua situação jurídica e lhe proporciona um benefício.

    119

    Em todo o caso, resulta da jurisprudência que um recorrente pode manter o interesse em pedir a anulação de um ato de uma instituição, por um lado, a fim de evitar que a ilegalidade de que o mesmo pretensamente padece se reproduza no futuro (v., acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, Colet., EU:C:2007:322, n.o 50 e jurisprudência referida) e, por outro, para levar o juiz da União a declarar que foi cometida uma ilegalidade em relação a si, de modo a que essa declaração possa servir de base a uma eventual ação de indemnização destinada a reparar adequadamente o prejuízo causado pelo ato impugnado (v., neste sentido, acórdãos de 5 de março de 1980, Könecke Fleischwarenfabrik/Comissão, 76/79, Colet., EU:C:1980:68, n.os 8 e 9, e de 31 de março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colet., EU:C:1998:148, n.o 74).

    120

    Resulta do exposto que a FT continua a dispor de um interesse efetivo e atual na anulação do artigo 1.o da decisão impugnada. Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão na audiência contra o recurso interposto por esta empresa.

    2. Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada

    Observações preliminares

    121

    No processo T‑425/04, a República Francesa invocou quatro fundamentos de recurso, todos relativos ao artigo 1.o da decisão impugnada, nomeadamente, em primeiro lugar, violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa, em segundo, erros de direito na aplicação do conceito de auxílio na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE, e mais particularmente do critério do investidor privado prudente, em terceiro, erros manifestos na apreciação do conteúdo ou dos alegados efeitos das declarações a partir de julho de 2002, e, em quarto, fundamentação deficiente no sentido do artigo 253.o CE. Nas suas observações escritas de 31 de maio de 2013, a República Francesa refere que mantém os primeiro e quarto fundamentos na íntegra na medida em que dizem respeito à aplicação do critério do investidor privado prudente.

    122

    No processo T‑444/04, a FT invocou três fundamentos de recurso, também todos relativos ao artigo 1.o da decisão impugnada, que correspondem, no essencial, aos três primeiros fundamentos invocados pela República Francesa no processo T‑425/04. Nas suas observações escritas de 31 de maio de 2013, a FT refere que mantém o primeiro fundamento na íntegra, assim como os segundo e terceiro fundamentos na medida em que dizem respeito à aplicação do critério do investidor privado prudente.

    123

    A República Francesa e a FT, nos seus articulados de observações escritas de 31 de maio de 2013, e a Comissão, nos seus articulados de observações escritas de 17 de julho de 2013, remetem, relativamente aos fundamentos assim delimitados, para os argumentos que invocaram nos seus articulados nos processos T‑425/04 e T‑444/04 e apresentam alguns argumentos complementares à luz das constatações efetuadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão relativo ao recurso.

    124

    O Tribunal Geral considera que é oportuno apreciar, antes de mais, o primeiro fundamento e, em seguida, em conjunto, os segundo e terceiro fundamentos, uma vez que ambos dizem respeito à aplicação do critério do investidor privado prudente.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa

    125

    O primeiro fundamento invocado pela República Francesa e pela FT inclui duas partes, sendo a primeira relativa à violação de formalidades essenciais e a segunda relativa à violação dos direitos de defesa.

    Quanto à violação de formalidades essenciais

    – Argumentos das partes

    126

    A República Francesa e a FT acusam a Comissão de ter cometido uma violação de formalidades essenciais por não procedido ao alargamento do procedimento formal de investigação a fim de incluir a declaração de 12 de julho de 2002. Alegam que esta declaração não estava abrangida pela decisão de início, apesar de, conforme resulta dos considerandos 192 a 230 da decisão impugnada, constituir o «ponto central» da demonstração da existência de um alegado auxílio de Estado no caso em apreço e, por conseguinte, ser um «elemento pertinente em matéria de facto e de direito» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999.

    127

    A República Francesa acrescenta que a Comissão não pode apresentar como argumento o facto de as autoridades francesas terem comentado amplamente as observações dos terceiros interessados, assim como o relatório de 28 de abril de 2004, que visavam a declaração de 12 de julho de 2002, uma vez que tais observações ou tal relatório não podem estender o alcance de um procedimento iniciado pela Comissão e dispensar esta de proceder a um alargamento formal do procedimento.

    128

    A República Francesa alega igualmente que, se as autoridades francesas puderam manifestar o seu ponto de vista a propósito da declaração de 12 de julho de 2002, a Comissão devia tê‑lo tido em conta na decisão impugnada, que, por conseguinte, teria sido diferente.

    129

    A Comissão rejeita os argumentos da República Francesa e da FT. Alega, no essencial, que, no caso em apreço, respeitou as regras processuais previstas pelo Regulamento n.o 659/1999.

    – Apreciação do Tribunal Geral

    130

    Importa recordar que a Comissão deve abrir um procedimento formal de investigação, no qual está previsto informar as partes interessadas, sempre que, após uma investigação preliminar, tenha sérias dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado comum. Daqui resulta que, na comunicação relativa ao início deste procedimento, a Comissão não pode ser obrigada a apresentar uma análise cabal da medida em causa. Em contrapartida, é necessário que defina de forma suficiente o âmbito do seu exame para não esvaziar de sentido o direito dos interessados a apresentarem as suas observações [acórdão de 31 de maio de 2006, Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, T‑354/99, Colet., EU:T:2006:137, n.o 85].

    131

    A decisão de iniciar o procedimento deve colocar as partes interessadas em condições de poderem participar eficazmente no procedimento formal de investigação no qual terão a possibilidade de invocar os seus argumentos. Para o efeito, basta que as partes interessadas conheçam o raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a medida em causa podia constituir um novo auxílio incompatível com o mercado comum (acórdãos de 30 de abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão, T‑195/01 e T‑207/01, Colet., EU:T:2002:111, n.o 138, e de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa/Comissão, T‑269/99, T‑271/99 e T‑272/99, Colet., EU:T:2002:258, n.o 105).

    132

    Deste modo, resulta do considerando 8 do Regulamento n.o 659/1999 e do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento que a decisão de dar início a um procedimento formal de investigação deve resumir os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluir uma apreciação preliminar da medida em causa com vista a determinar se ela apresenta a natureza de auxílio e indicar os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, a fim de permitir ao Estado‑Membro em causa e às partes interessadas apresentar eficazmente as suas observações e, assim, fornecer à Comissão todas as informações de que esta necessita para avaliar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum.

    133

    Nestas circunstâncias, a expressão «elementos pertinentes em matéria de facto e de direito» que figura no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 deve ser entendida no sentido de que visa os elementos essenciais com base nos quais a Comissão considera, nesta fase do processo, que a medida em causa pode constituir um auxílio incompatível com o mercado comum.

    134

    Além disso, uma vez que o procedimento formal de investigação tem por objeto permitir que a Comissão aprofunde e esclareça as questões suscitadas na decisão de iniciar este procedimento, nomeadamente recolhendo as observações do Estado‑Membro em causa e das outras partes interessadas, pode acontecer que, durante o referido processo, a Comissão fique na posse de novos elementos ou que a sua análise evolua. A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a decisão final da Comissão pode apresentar determinadas divergências com a sua decisão de iniciar o procedimento formal de investigação, sem que, no entanto, estas viciem esta decisão final (acórdão de 4 de março de 2009, Itália/Comissão, T‑424/05, EU:T:2009:49, n.o 69). Não obstante, e ainda que os diplomas que regulam os procedimentos em matéria de auxílios de Estado não prevejam expressamente a possibilidade de adotar uma decisão de retificação e de alargamento de um procedimento pendente, a jurisprudência admitiu que, na hipótese de a Comissão se aperceber, após a adoção de uma decisão de início do procedimento formal de investigação, que esta assenta quer em factos incompletos, quer numa qualificação jurídica errada destes factos, deve ter a possibilidade de adaptar a sua posição, adotando uma decisão de retificação (acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão, T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, Colet., EU:T:2011:493, n.os 69 a 72). Todavia, tal decisão não se justifica se o âmbito do exame definido na decisão de iniciar o procedimento formal de investigação não se alterou de forma sensível e se os elementos em matéria de facto e de direito que constituem o fundamento do raciocínio da Comissão continuam a ser, no essencial, os mesmos.

    135

    No caso em apreço, à luz, nomeadamente, do artigo 1.o da decisão impugnada, dos considerandos 185 a 230 desta decisão, assim como das apreciações que o Tribunal Geral efetuará em seguida na apreciação conjunta dos segundo e terceiro fundamentos, não é possível contestar que as declarações a partir do mês de julho de 2002, em particular a declaração de 12 de julho de 2002, apesar de só terem sido tomadas em conta pela Comissão no sentido de que constituem o contexto do proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, desempenharam um papel essencial na qualificação desta medida de auxílio ilegal.

    136

    Por conseguinte, há que considerar que, conforme alegam corretamente a República Francesa e a FT, a declaração de 12 de julho de 2002 constitui indubitavelmente um «elemento pertinente em matéria de facto e de direito», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, e que, a este título, devia ser referida na decisão de início.

    137

    No entanto, importa constatar que a presente parte não tem base factual. Com efeito, a decisão de início refere de forma sucinta, mas suficiente, as declarações a partir do mês de julho de 2002, incluindo a declaração de 12 de julho de 2002, assim como o seu papel no raciocínio da Comissão.

    138

    Deste modo, no n.o 70 da decisão de início, a Comissão formula a afirmação geral segundo a qual «o anúncio feito pelo Estado, no sentido de assumir um compromisso, poderia já incluir a afetação de recursos estatais desde que tal compromisso fosse irrevogável e criasse, desta forma, um efeito de expectativa e de confiança no mercado, refletido no aumento do valor das ações da FT e na reação positiva das agências de notação». No mesmo número, a Comissão associa mais especificamente esta afirmação geral aos factos que constam da notificação das autoridades francesas, que diziam respeito apenas às medidas de dezembro de 2002, declarando que «[o] anúncio do compromisso do Estado [francês], juntamente com a aparente colocação à disposição do montante do adiantamento conduzem a Comissão a sublinhar que se poderia, com efeito, considerar que o auxílio tinha sido concedido antes mesmo da assinatura de uma eventual convenção entre a FT e o ERAP relativa à colocação à disposição da linha de crédito».

    139

    É certo que, conforme afirmam corretamente a República Francesa e a FT, este último anúncio é o de 4 de dezembro de 2002. Todavia, resulta da nota de pé de página n.o 40 da decisão de início, para a qual remete o n.o 70 de tal decisão, que a Comissão podia incluir na sua análise as declarações a partir do mês de julho de 2002, nomeadamente, a declaração de 12 de julho de 2002. Com efeito, é sublinhado que «a partir do mês de julho de 2002, e mais especificamente a partir do mês de setembro de 2002, o mercado tinha já sido tranquilizado devido ao apoio do Estado [francês] a favor da FT». No mesmo sentido, importa observar que, na nota de pé de página n.o 39 da decisão de início, a Comissão demonstra o efeito de expectativa e de confiança no mercado referido no n.o 138 supra, citando, em particular, uma declaração da S & P segundo a qual «[d]esde julho de 2002, [esta] indicou que o apoio previsto do acionista que detém 56% da FT, o Estado francês, constitui inequivocamente um fator para a manutenção da notação do grupo na categoria de investimento».

    140

    Além disso, nos n.os 83 a 85 da decisão de início, no âmbito da sua análise da existência de uma vantagem que a FT não teria obtido em condições normais de mercado, a Comissão refere não apenas a disponibilização do proposta de adiantamento de acionista, mas também o anúncio que o precede, antes de indicar, na nota de pé de página n.o 48 desta decisão, que, «[j]á no passado, as declarações das autoridades francesas que deixaram subentender que participariam na recapitalização tiveram um efeito positivo no mercado elevando a perspetiva da nota da FT».

    141

    Há que concluir destas diferentes constatações que a decisão de início refere de forma suficiente as declarações a partir do mês de julho de 2002, incluindo a declaração de 12 de julho de 2002, e contém os elementos essenciais que permitem compreender que, para efeitos da sua análise, a Comissão não se limita às medidas que lhe foram notificadas em 4 de dezembro de 2002, mas podia apreciá‑las em conjunto com os acontecimentos que as precederam. Quanto a este último ponto, a decisão de início evoca, nomeadamente, de forma suficientemente clara e precisa, a estratégia do Estado francês que consiste, desde o mês de julho de 2002, em anunciar publicamente o seu apoio à FT, com vista a reconquistar a confiança dos mercados e assegurar a manutenção da notação desta. Deste modo, resulta da decisão de início que a Comissão entendeu questionar mais detalhadamente o papel e o impacto exatos das declarações e anúncios anteriores do Governo francês.

    142

    Assim, há que considerar que a decisão de início permitiu que a República Francesa e a FT tivessem um conhecimento suficiente do âmbito do exame pertinente e do raciocínio que levou a Comissão a considerar que as medidas em causa podiam constituir um auxílio incompatível com o mercado comum e apresentassem eficazmente as suas observações durante o procedimento formal de investigação.

    143

    Em todo o caso, conforme será em seguida exposto de forma mais detalhada na apreciação da segunda parte do presente fundamento, durante o procedimento formal de investigação, a questão das implicações jurídicas e económicas das declarações a partir do mês de julho de 2002 foi largamente debatida e tanto a República Francesa como a FT puderam, concreta e amplamente, apresentar o seu ponto de vista sobre esta questão. Por conseguinte, mesmo na hipótese de se considerar que a decisão de início não fazia referência suficiente à declaração de 12 de julho de 2002 e que a Comissão não adotou ilegalmente uma decisão de retificação e alargamento do procedimento formal de investigação, há que concluir que o direito que estas partes têm de ser ouvidas e associadas ao procedimento foi respeitado.

    144

    Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento invocado pela República Francesa e pela FT deve ser julgada improcedente.

    Quanto à violação dos direitos de defesa

    – Argumentos das partes

    145

    A República Francesa e a FT alegam que a Comissão violou os seus direitos de defesa na medida em que não lhes permitiu, em nenhum momento do procedimento administrativo, apresentar eficazmente o seu ponto de vista sobre a abordagem inovadora que a levou a concluir que existia um auxílio de Estado no caso em apreço, e que consiste no facto de se ter baseado na declaração de 12 de julho de 2002 para qualificar de tal modo as medidas notificadas em dezembro de 2002. Com efeito, foi apenas na decisão impugnada que a Comissão referiu, pela primeira vez, esta abordagem. Por conseguinte, não tiveram oportunidade de comentar as implicações jurídicas e económicas da declaração de julho de 2002 sobre a qualificação do proposta de adiantamento de acionista à luz das regras em matéria de auxílios de Estado antes da adoção desta decisão.

    146

    A República Francesa considera que a Comissão não pode apresentar como argumento o facto de as autoridades francesas se terem podido pronunciar sobre as observações dos terceiros interessados, assim como sobre os relatórios de 22 de março e 28 de abril de 2004 que, em grande medida, eram relativos à natureza jurídica da declaração de 12 de julho de 2002 e aos seus efeitos no mercado, para concluir que os seus direitos de defesa foram integralmente respeitados, uma vez que as alegações de terceiros interessados e de especialistas só vinculam os próprios. No mesmo sentido, a República Francesa e a FT afirmam que as observações que apresentaram no procedimento administrativo sobre as observações dos terceiros interessados e sobre esses dois relatórios apenas visavam contestar a tese de que a referida declaração constituía, por si só, um auxílio de Estado.

    147

    Além disso, a República Francesa reafirma que a Comissão devia ter alargado o procedimento formal de investigação a fim de incluir a declaração de 12 de julho de 2002. No mínimo, a Comissão devia ter enviado uma carta às autoridades francesas para as informar da abordagem inovadora em causa e as convidar a apresentarem as suas observações a este respeito.

    148

    Por último, a República Francesa e a FT alegam que se lhes tivesse sido concedida a possibilidade de apresentarem eficazmente o seu ponto de vista em relação à declaração de 12 de julho de 2002 e à abordagem inovadora da Comissão, esta devia tê‑lo tido em conta na decisão impugnada que, certamente, teria sido diferente. Com efeito, resulta do considerando 263 da decisão impugnada que a Comissão teria concluído que não existiu auxílio de Estado se não tivesse podido ter em conta a referida declaração para analisar as medidas notificadas.

    149

    A Comissão rejeita os argumentos da República Francesa e da FT.

    – Apreciação do Tribunal Geral

    150

    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo dirigido contra uma pessoa e suscetível de levar à adoção de um ato que lhe seja desfavorável constitui um princípio fundamental do direito da União e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação específica (acórdãos de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colet., EU:C:1986:302, n.o 27, e de 30 de março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colet., EU:T:2000:93, n.o 32).

    151

    Em primeiro lugar, há que apreciar se os direitos de defesa da República Francesa foram violados.

    152

    Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa, no âmbito do procedimento formal de investigação nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE, exige que o Estado‑Membro em causa tenha podido dar a conhecer eficazmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados e sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio da sua alegação de existência de uma violação do direito da União, bem como sobre as observações apresentadas por terceiros interessados, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 2, CE. Na medida em que o Estado‑Membro não teve a oportunidade de comentar estas observações, a Comissão não as pode utilizar na sua decisão contra este Estado (v. acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, Colet., EU:C:2011:732, n.o 165 e jurisprudência referida).

    153

    Há que constatar que resulta dos autos que a República Francesa deu amplamente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegadas, assim como sobre as observações apresentadas por terceiros interessados, de maneira que as obrigações resultantes da jurisprudência recordada no n.o 152 supra foram integralmente respeitadas.

    154

    No que respeita, mais particularmente, à declaração de 12 de julho de 2002, além do facto de a decisão de início a referir de forma suficiente (v., n.os 130 a 142 supra), há que constatar que a República Francesa recebeu e comentou amplamente, num articulado de 10 de junho de 2004, os relatórios de 22 de março e 28 de abril de 2004 dos consultores externos da Comissão, que, em conformidade com o mandato concedido por esta, eram precisamente relativos à natureza jurídica e aos efeitos no mercado das declarações a partir do mês de julho de 2002 e, em particular, à declaração de 12 de julho de 2002.

    155

    Antes de mais, a República Francesa já tinha comentado, num articulado de 29 de julho de 2003, as observações das sociedades Bouygues de 11 de abril de 2003, que incluíam igualmente longos desenvolvimentos sobre as implicações jurídicas e económicas das declarações a partir do mês de julho de 2002, entre as quais a declaração de 12 de julho de 2002.

    156

    Por outro lado, a República Francesa, tal como confirmou em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência de 24 de setembro de 2014, ainda se manifestou sobre as consequências a retirar das declarações a partir do mês de julho de 2002 em duas reuniões com os serviços da Comissão, em 16 e 23 de junho de 2004.

    157

    Além disso, a República Francesa não pode eficazmente apresentar como argumento o facto de que a tese central que o relatório de 28 de abril de 2004 e as observações de determinadas partes interessadas defendiam era que a declaração de 12 de julho de 2002 constituía, por si só, um auxílio de Estado, uma vez que, na realidade, isto apenas confirma que a questão das implicações jurídicas e económicas desta declaração era discutível e que a Comissão pretendia esclarecê‑la.

    158

    De igual modo, a República Francesa também não pode apresentar como argumento o facto de a Comissão não estar vinculada pelas observações das partes interessadas nem pelas conclusões dos seus próprios relatórios de peritos. Com efeito, apesar de estes elementos não comprometerem efetivamente a Comissão, a verdade é que esta é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a proceder ao seu exame (v., neste sentido, acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.o 62). O que importa é que as implicações jurídicas e económicas das declarações a partir do mês de julho de 2002 tenham sido discutidas durante o procedimento administrativo, o que se verifica no caso em apreço.

    159

    Também não pode prosperar o argumento da República Francesa relativo ao caráter alegadamente inovador da abordagem adotada no caso em apreço pela Comissão para concluir que existe um auxílio de Estado ilegal. De facto, esta não pode ser obrigada a apresentar ao Estado‑Membro em causa ou às outras partes interessadas, antes de proferir a sua decisão final, a avaliação jurídica que pretende adotar nesta, por mais inovadora que esta avaliação possa ser. A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, não resulta de nenhuma disposição relativa aos auxílios de Estado nem da jurisprudência que a Comissão é obrigada a ouvir o beneficiário de recursos de Estado quanto à apreciação jurídica que faz sobre a medida em causa ou que é obrigada a informar o Estado‑Membro em questão — e, a fortiori, o beneficiário do auxílio — da sua posição antes de adotar a sua decisão, quando os interessados e o Estado‑Membro foram notificados para apresentarem as suas observações (v., acórdão de 8 de julho de 2004, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T‑198/01, Colet., EU:T:2004:222, n.o 198 e jurisprudência referida).

    160

    Daqui resulta que a República Francesa não tem fundamento para alegar que os seus direitos de defesa foram violados.

    161

    Em segundo lugar, no que respeita à FT, importa recordar que o procedimento administrativo em matéria de auxílios de Estado só é iniciado contra o Estado‑Membro em causa. Por conseguinte, apenas este, enquanto destinatário da decisão impugnada, pode invocar verdadeiros direitos de defesa (v., acórdão de 1 de julho de 2009, Operator ARP/Comissão, T‑291/06, Colet., EU:T:2009:235, n.o 35 e jurisprudência referida). As empresas beneficiárias dos auxílios são unicamente consideradas interessadas nesse procedimento, na aceção do artigo 88.o, n.o 2, CE (acórdão de 16 de dezembro de 1999, Acciaierie di Bolzano/Comissão, T‑158/96, Colet., EU:T:1999:335, n.o 42). A jurisprudência confere‑lhes essencialmente o papel de fontes de informação para a Comissão no âmbito do procedimento administrativo instaurado ao abrigo desta disposição. Daqui resulta que os interessados, longe de poderem invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um procedimento, gozam exclusivamente do direito a serem associados ao procedimento administrativo na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (acórdãos de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colet., EU:T:1998:140, n.os 59 e 60, e de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colet., EU:T:2003:57, n.o 125).

    162

    Por outro lado, foi decidido que o direito de informação que assiste aos interessados não excede o de ser ouvido pela Comissão. Em especial, não pode ser estendido ao direito geral de se pronunciar sobre todas as questões potencialmente capitais suscitadas no decurso do procedimento formal de exame (v., acórdão de 30 de novembro de 2009, França/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, Colet., EU:T:2009:474, n.o 149 e jurisprudência referida).

    163

    No caso em apreço, há que constatar que os direitos processuais da FT enquanto parte interessada foram integralmente respeitados. Deste modo, a Comissão comunicou a todos os interessados, entre os quais a FT, o início do procedimento relativo às medidas de auxílio em causa através da publicação no Jornal Oficial da União Europeia de 12 de março de 2003 de um convite para apresentação de observações nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE, da decisão de início, assim como de um resumo desta. Na referida decisão, a Comissão expõe claramente os motivos com base nos quais concluiu a título provisório que as medidas em causa constituíam auxílios de Estado (considerandos 68 a 71, 81 a 106 e 109 a 115 da decisão de início) e analisou a eventual compatibilidade destes auxílios com o mercado comum (considerandos 121 a 132 da decisão de início). De resto, a FT, conforme reconhece expressamente nos seus articulados, pôde apresentar eficazmente o seu ponto de vista sobre os diferentes factos e acusações alegados pela Comissão na referida decisão.

    164

    Além disso, resulta das considerações expostas nos n.os 130 a 142 supra que a decisão de início referiu de forma suficiente a declaração de 12 de julho de 2002 e que a Comissão não era obrigada, ao abrigo dos direitos processuais das partes interessados, nem a adotar uma decisão de alargamento do procedimento nem a apresentar mais detalhadamente, no procedimento formal de investigação, a sua apreciação jurídica desta declaração.

    165

    Por outro lado, e em todo o caso, mesmo examinando sob a perspetiva dos direitos de defesa propriamente ditos os argumentos invocados pela FT em apoio da referida parte, há que constatar que tais direitos não foram violados no caso em apreço.

    166

    Com efeito, resulta dos autos que a Comissão, apesar de não ter qualquer obrigação de o fazer, comunicou os relatórios de 22 de março e de 28 de abril de 2004 à FT, que os comentou amplamente em vários estudos jurídicos e económicos apresentados no procedimento formal de investigação e que visavam demonstrar que as declarações a partir do mês de julho de 2002 não eram suscetíveis de constituir um auxílio de Estado. Resulta igualmente dos autos que a FT transmitiu à Comissão um relatório em 12 de janeiro de 2004, redigido por um dos seus especialistas jurídicos com base, nomeadamente, nas observações das partes interessadas. Quanto ao restante, há que remeter para as considerações expostas nos n.os 157 a 159 supra, que são também válidas em relação à FT.

    167

    Tendo em consideração o exposto, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente. Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

    Quanto aos segundo e terceiro fundamentos, relativos a erros de direito e a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação do critério do investidor privado prudente

    Argumentos das partes

    168

    No âmbito do seu segundo fundamento, a República Francesa e a FT alegam, nomeadamente, que a Comissão aplicou de forma incorreta o critério do investidor privado prudente.

    169

    A este respeito, em primeiro lugar, a República Francesa e a FT acusam a Comissão de ter aplicado este critério às declarações a partir do mês de julho de 2002 — e principalmente à declaração de 12 de julho de 2002 — apesar de estas não serem suscetíveis de ser qualificadas de auxílios de Estado, uma vez que não implicavam um compromisso irrevogável de utilização dos recursos estatais. Rejeitam a tese da Comissão segundo a qual estas declarações e as medidas de dezembro de 2002 fazem parte de um processo contínuo de recuperação da FT, invocando que nenhum dos «acontecimentos» deste processo, considerados individualmente, pode ser qualificado de auxílio de Estado e que o referido processo não tem como ponto de partida qualquer compromisso jurídico da parte do Estado. Acrescentam que esta tese conduz paradoxalmente a uma situação em que um Estado‑Membro é privado da possibilidade de exercer com diligência e prudência o seu dever de investidor prudente assegurando que todas as condições pertinentes estão reunidas antes de assumir qualquer compromisso. Por último, as afirmações que são objeto da declaração de 12 de julho de 2002 não seriam diferentes das que teria efetuado um acionista privado em circunstâncias semelhantes.

    170

    Em segundo lugar, a República Francesa e a FT alegam que a Comissão não podia aplicar o critério do investidor privado prudente a dois acontecimentos distintos, tais como as declarações a partir do mês de julho de 2002 e as medidas de dezembro de 2002, que não constituíam uma intervenção única. As intervenções estatais em relação às quais o Tribunal de Justiça concluiu, no acórdão relativo ao recurso, que não era possível excluir à partida que podiam ser consideradas uma única intervenção são o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não considerou que as declarações a partir do mês de julho de 2002 e as medidas de dezembro de 2002 constituíam uma única intervenção. Em todo o caso, afigura‑se evidente que os critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça nos n.os 103 e 104 do acórdão relativo ao recurso para determinar os casos em que as intervenções consecutivas apresentam ligações tão estreitas entre si que é impossível dissociá‑las não estão preenchidos no caso em apreço.

    171

    Em terceiro lugar, a República Francesa e a FT alegam que a Comissão aplicou incorretamente o critério do investidor privado prudente ao considerar que as medidas de dezembro de 2002 deviam ser analisadas não à data em que foram adotadas, mas a partir da situação anterior ao mês de julho de 2002 e, além disso, sem ter em conta os acontecimentos ocorridos entre estas duas datas. Contestam a alegação da Comissão segundo a qual a situação em dezembro de 2002 foi «contaminada» pela declaração de 12 de julho de 2002 e, por conseguinte, já não correspondia às condições normais de mercado. Acrescentam que uma abordagem como a que a Comissão seguiu no caso em apreço é manifestamente contrária ao princípio da segurança jurídica, na medida em que expõe os Estados‑Membros e as empresas em causa a uma interpretação subjetiva, incerta e arbitrária do conceito de auxílio de Estado.

    172

    No âmbito do seu terceiro fundamento, a República Francesa e a FT acusam a Comissão de ter cometido erros manifestos de apreciação na aplicação do critério do investidor privado prudente.

    173

    A este respeito, a República Francesa acusa, no essencial, a Comissão de ter considerado que as declarações a partir do mês de julho de 2002 podiam ser apercebidas pelos mercados como um compromisso do Estado francês. Alega que, no momento em que a declaração de 12 de julho de 2002 foi proferida, a natureza das medidas que o Estado francês deveria tomar a respeito da FT e que, mais especificamente, não tinha sido tomada nenhuma decisão de investimento suscetível de ser qualificada de compromisso firme do Estado francês. De resto, a tese da Comissão contradiz as afirmações, bastante gerais e imprecisas, do Ministro da Economia reproduzidas nesta declaração, da qual resulta que uma eventual intervenção estatal seria efetuada em condições de mercado e unicamente face a dificuldades financeiras conhecidas da empresa, o que, a esta data, não foi o caso. Quanto aos contatos que o Governo francês manteve com as agências de notação no mês de julho de 2002, longe de serem invulgares ou excecionais, fazem parte da responsabilidade de um acionista maioritário, cujo comportamento prudente implica, nomeadamente, que siga de forma regular e atenta a notação das suas empresas.

    174

    Por seu turno, em primeiro lugar, a FT alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as declarações a partir do mês de julho de 2002 não podem ser efetuadas por um investidor de referência que se encontre na mesma situação que o Estado francês. Afirma que, através da declaração de 12 de julho de 2002, este último procurou simplesmente influenciar a reação dos mercados graças ao seu prestígio de credor e devedor solvente e fiável. Aplicou as regras específicas de funcionamento dos mercados financeiros a fim de estabilizar a posição económica da FT, tal como poderia ter feito um acionista privado em situação comparável. Resulta claramente desta declaração que o Estado francês ainda não tinha decidido intervir de modo firme e irrevogável. Quanto às declarações de 13 de setembro e de 2 de outubro de 2002, também são gerais e imprecisas. A FT acrescenta, nomeadamente, que, desde a publicação, em 12 de setembro de 2002, das suas contas semestrais, as quais demonstravam bons resultados operacionais mas uma estrutura financeira desequilibrada, o Estado francês adotou as medidas adequadas.

    175

    Em segundo lugar, a FT alega que a Comissão não demonstrou que a declaração de 12 de julho de 2002 teve um efeito de contaminação sobre a situação dos mercados que teria durado até ao mês de dezembro de 2002.

    176

    Quanto ao segundo fundamento, em primeiro lugar, a Comissão acusa a República Francesa e a FT de procederem a uma interpretação estática e «fotográfica» da operação em causa, assim como a uma leitura estrita, parcial e errada da decisão impugnada. Ora, uma análise compartimentada dos acontecimentos que antecederam o proposta de adiantamento de acionista não é possível. De resto, nos considerandos 187 e 222 e seguintes da decisão impugnada, a Comissão explicou as razões pelas quais devia analisar como um todo as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista. Alega que, tendo em conta o nexo material e económico entre a declaração de 12 de julho de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista, era necessário examinar, no seu conjunto, o comportamento do Estado francês a partir de julho de 2002. Acrescenta que a estratégia das autoridades francesas se insere num processo contínuo de recuperação de FT não limitado aos acontecimentos de dezembro de 2002.

    177

    No caso em apreço, a sucessão dos principais acontecimentos, como descritos nos considerandos 36 a 56 da decisão impugnada, revela claramente a intenção manifesta da República Francesa de apoiar a FT para impedir qualquer degradação posterior da sua notação. A este propósito, os mercados financeiros não se interrogaram sobre a questão de saber se as declarações a partir de julho de 2002 eram ou não vinculativas e se exprimiam um compromisso irrevogável ou não. Foi antes a impressão, criada pelo Estado francês, de que o compromisso de apoiar a FT era firme e vinculativo que foi decisiva na perceção tanto das agências de notação como dos mercados, visto o aumento da cotação das ações da FT após a declaração de 12 de julho de 2002. Por conseguinte, a questão de saber se as declarações a partir de julho de 2002 constituíam ou não um auxílio já não era relevante, uma vez que, no momento da materialização destas declarações em dezembro de 2002, sob a forma do proposta de adiantamento de acionista, estava estabelecido, por um lado, que o compromisso se tinha tornado irrevogável e, por outro, que não era conforme com o critério do investidor privado, uma vez que não ocorria nas condições normais do mercado.

    178

    Segundo a Comissão, um investidor privado não teria proferido declarações como as que as autoridades francesas efetuaram a partir de julho de 2002. Tendo em conta que em 2002 a situação financeira da FT era bastante desequilibrada, que o plano de desendividamento anunciado pelos seus dirigentes em março de 2002 foi considerado irrealizável, que a FT tinha perdido a confiança dos mercados, que, à época, não foi adotada nenhuma medida destinada a melhorar a sua gestão e os seus resultados nem foi ordenada nenhuma auditoria aprofundada e que o Governo francês, de acordo com as suas próprias palavras, não tinha uma ideia clara da solução a adotar para resolver a crise da FT, um investidor privado prudente teria sido mais prudente nas suas declarações para tranquilizar os mercados. A Comissão recorda que, no caso em apreço, considerou que não dispunha de elementos suficientes para provar, de forma irrefutável, que as declarações a partir do mês de julho de 2002 constituíam um compromisso irrevogável de recursos do Estado e, assim, auxílios na aceção do artigo 87.o CE. Tinha, porém, o direito de verificar se, em circunstâncias como as de julho de 2002, um investidor privado prudente teria assumido o mesmo risco, que consistia, por um lado, num risco económico relacionado com a credibilidade destas declarações no mercado e, por outro, num risco jurídico, pois estas declarações teriam podido ser consideradas vinculativas em várias ordens jurídicas nacionais. Deduziu que, a partir de julho de 2002, se tinha tornado impossível comparar o comportamento de um investidor público com o de um investidor privado numa situação normal do mercado, pois nenhum investidor privado teria sido capaz de influir no mercado tal como fizeram as autoridades francesas através das suas declarações a partir de julho de 2002. Por este motivo, chegou à conclusão de que a aplicação do critério do investidor prudente unicamente à situação que se verificava no mês de dezembro de 2002 conduzia a resultados viciados, pois, nesse momento, já não era possível ajuizar da situação da FT em condições normais do mercado.

    179

    A Comissão rejeita a alegação segundo a qual a sua posição equivale a impedir que os Estados‑Membros se comportem como investidores prudentes. Limitou‑se a comparar o comportamento do Estado francês com o de um operador privado no decurso de todo o processo que conduziu este Estado a concretizar o seu apoio sob a forma de um adiantamento de acionista, constituindo este adiantamento unicamente a materialização da sua decisão de princípio de apoiar a FT através das medidas adequadas anunciadas pelas declarações a partir de julho de 2002. Todavia, a manifestação pública deste compromisso claro e categórico perante o mercado implicou riscos financeiros que um investidor privado não teria assumido com tanta imprudência, pelo menos, antes de se ter informado cabalmente da situação económica da FT. As próprias autoridades francesas admitiram, durante o processo administrativo, que, à data de 12 de julho de 2002, não conheciam nem a situação exata da FT nem os meios eficazes para a recuperar. Em tal situação, qualquer acionista prudente teria evitado fazer declarações que pudessem levá‑lo a assumir um compromisso, ainda que futuro, suscetível de pôr em perigo a sua própria situação financeira nos mercados.

    180

    Em segundo lugar, a Comissão alega que não cometeu qualquer erro ao considerar que as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, deviam ser analisados em conjunto à luz do artigo 87.o, n.o 1, CE. Afirma que os critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça nos n.os 103 e 104 do acórdão relativo ao recurso estão preenchidos no caso em apreço e que resulta de forma manifesta da exposição dos factos que consta dos n.os 3 a 19 deste acórdão que existem ligações estreitas e indissolúveis entre estas declarações e esta proposta. A este respeito, alega, em primeiro lugar, que as intervenções estatais em causa eram próximas no tempo e inseriam‑se numa estratégia global de recuperação da FT, em segundo lugar, que estas diferentes intervenções tinha como única finalidade evitar que a FT sofresse uma grave crise de liquidez em 2003 e, em terceiro lugar, que a situação da FT não se alterou substancialmente entre julho e dezembro de 2002.

    181

    Em terceiro lugar, a Comissão contesta o argumento da República Francesa e da FT relativo ao facto de que não podia situar‑se em julho de 2002 para aplicar o critério do investidor privado prudente às medidas de dezembro de 2002. Rejeita a sua alegação segundo a qual apenas teve em conta a situação de julho de 2002, ignorando, assim, as medidas adotadas entre esta data e dezembro de 2002. Em seu entender, todas as medidas tomadas pelas autoridades francesas após o mês de julho de 2002 ocorreram num contexto «contaminado» pela declaração de 12 de julho de 2002. Deste modo, o sindicato bancário só se pôde reunir em setembro de 2002 porque foi possível manter a notação da FT devido a esta declaração. Repete que o proposta de adiantamento de acionista apenas constitui a concretização da decisão de princípio, manifestada publicamente em julho de 2002, de apoiar a FT. Tendo o critério do investidor privado prudente sido aplicado à data desta concretização, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o princípio da segurança jurídica.

    182

    Quanto ao terceiro fundamento, em primeiro lugar, a Comissão alega que a decisão do Estado francês de apoiar a FT era «clara no seu princípio» desde 12 de julho de 2002, apesar de as modalidades do seu compromisso ainda não estarem especificadas nesse momento. A declaração de 12 de julho de 2002 insere‑se numa «estratégia de compromisso credível do Estado no sentido de apoiar a FT» e foi percebida como tal pelos mercados. Resulta de uma análise literal desta declaração e do seu contexto que este compromisso era claro e que, mais ainda, foi reiterado. Isto é corroborado pelo facto de as autoridades francesas terem contactado diretamente os principais atores do mercado para que estes servissem de mensageiros junto dos investidores. A Comissão acrescenta que demonstrou que esta perceção dos mercados era confirmada pela reação destes, assim como pelos comentários dos analistas financeiros.

    183

    De acordo com a Comissão, o facto de o Estado francês ter qualificado de prudente o seu comportamento não põe em causa o caráter incondicional do seu compromisso. De igual modo, a menção da eventualidade de a FT registar problemas de financiamento não é suscetível de ser interpretada como uma condição suspensiva ou resolutória deste compromisso. Efetivamente, não existe nenhum elemento que permita demonstrar que o mercado se tinha apercebido de uma qualquer condição a este propósito. Se o Ministro da Economia tivesse pretendido condicionar o seu compromisso ao respeito do direito da União, deveria ter formulado uma reserva expressa no sentido de que qualquer intervenção posterior seria previamente notificada à Comissão e apenas executada após ter sido previamente aprovada por esta.

    184

    Em segundo lugar, em resposta aos argumentos da FT, a Comissão alegou, nomeadamente, que, nos n.os 4, 6, 10, 15 e 133 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça confirmou a sua análise segundo a qual a declaração de 12 de julho de 2002 teve algum impacto na situação dos mercados, uma vez que a notação da FT apenas foi preservada na categoria de investimento «devido às indicações do Estado francês». Afirma que, se esta declaração teve tal impacto, isto se deve necessariamente ao facto de o mercado ter considerado que exprimia um compromisso credível do Estado. Acrescenta que resulta da argumentação da própria FT que o Estado francês esperava que as declarações a partir do mês de julho de 2002 produziram efeitos no mercado e que estes efeitos eram cruciais para a apresentação do proposta de adiantamento de acionista.

    Apreciação do Tribunal Geral

    – Resumo da jurisprudência anterior relevante

    185

    Importa recordar que, nos termos do artigo 87.o, n.o 1, CE, salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

    186

    Segundo jurisprudência assente, a qualificação de «auxílio», na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE, exige que estejam preenchidos todos os pressupostos previstos nessa disposição (v., acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, Colet., EU:C:2010:481, n.o 38 e jurisprudência referida).

    187

    Deste modo, para que uma medida nacional possa ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE, primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado, segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, terceiro, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e, quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., acórdão Comissão/Deutsche Post, n.o 186 supra, EU:C:2010:481, n.o 39 e jurisprudência referida).

    188

    Quanto ao primeiro requisito, resulta da jurisprudência que apenas as vantagens concedidas direta ou indiretamente e provenientes de recursos estatais ou que constituam um encargo suplementar para o Estado devem ser consideradas auxílios na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE. Com efeito, resulta dos próprios termos desta disposição e das regras processuais instituídas no artigo 88.o CE que as vantagens concedidas através de meios distintos dos recursos estatais não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições em causa (v., neste sentido, acórdãos de 17 de março de 1993, Sloman Neptun, C‑72/91 e C‑73/91, Colet., EU:C:1993:97, n.o 19; de 1 de dezembro de 1998, Ecotrade, C‑200/97, Colet., EU:C:1998:579, n.o 35, e de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colet., EU:C:2001:160, n.o 58).

    189

    Resulta igualmente da jurisprudência que não é necessário provar, em todos os casos, ter havido lugar a uma transferência de recursos estatais para que a vantagem concedida a uma ou mais empresas possa ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE (v., neste sentido, acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colet., EU:C:1994:100, n.o 14; de 19 de maio de 1999, Itália/Comissão, C‑6/97, Colet., EU:C:1999:251, n.o 16, e de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colet., EU:C:2002:294, n.o 36).

    190

    Relativamente ao requisito segundo o qual a medida em causa deve ser analisada como a concessão de uma vantagem para o seu beneficiário, importa recordar que resulta de jurisprudência assente que são consideradas auxílios estatais as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer empresas direta ou indiretamente, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v., acórdão Comissão/Deutsche Post, n.o 186 supra, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida).

    191

    Assim, são nomeadamente consideradas auxílios as intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v., neste sentido, acórdãos Banco Exterior de España, n.o 189 supra, EU:C:1994:100, n.o 13, e de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colet., EU:C:2000:467, n.o 25).

    192

    Além disso, resulta de jurisprudência assente que a intervenção dos poderes públicos no capital de uma empresa, seja qual for a forma que revista, pode constituir um auxílio estatal na aceção do artigo 87.o CE, quando estão preenchidas as condições referidas nesse artigo (v., acórdãos de 14 de setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colet., EU:C:1994:325, n.o 20 e jurisprudência referida, e de 8 de maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, C‑399/00 e C‑328/99, Colet., EU:C:2003:252, n.o 36 e jurisprudência referida).

    193

    Todavia, decorre igualmente de jurisprudência assente que resulta do princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e empresas privadas que os capitais postos, direta ou indiretamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado (v., acórdão Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, n.o 192 supra, EU:C:2003:252, n.o 37 e jurisprudência referida). Deste modo, os requisitos que uma medida deve preencher para se enquadrar no conceito de «auxílio» na aceção do artigo 87.o CE não estão preenchidos se a empresa pública beneficiária puder obter a mesma vantagem que foi colocada à sua disposição através de recursos do Estado em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado, sendo esta apreciação feita, em relação às empresas públicas, pela aplicação, em princípio, do critério do investidor privado (v., neste sentido, acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o., C‑124/10 P, Colet., EU:C:2012:318, n.o 78 e jurisprudência referida).

    194

    Segundo a jurisprudência, há que distinguir entre, por um lado, o papel do Estado enquanto acionista de uma empresa e, por outro, o do Estado atuando como poder público. A aplicabilidade do critério do investidor privado prudente depende, em última análise, da circunstância de o Estado‑Membro em causa conceder, na sua qualidade de acionista e não na de poder público, uma vantagem económica a uma empresa (v., neste sentido, acórdão Comissão/EDF e o., n.o 193 supra, EU:C:2012:318, n.os 80 e 81).

    195

    Por conseguinte, há que apreciar se, em circunstâncias similares, um investidor privado de dimensão comparável à dos organismos que gerem o setor público poderia ter sido levado a proceder a entradas de capitais da mesma importância, atendendo, nomeadamente, às informações disponíveis e às evoluções previsíveis na data dos financiamentos em causa (v. acórdão Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, n.o 192 supra, EU:C:2003:252, n.o 38 e jurisprudência referida).

    196

    Para efeitos desta análise, importa apreciar se a medida teria sido adotada em condições normais do mercado por um investidor privado colocado numa situação o mais semelhante possível à do Estado‑Membro em causa, sendo unicamente tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação deste Estado na qualidade de acionista, com exclusão dos relacionados com a sua qualidade de poder público (acórdão Comissão/EDF e o, n.o 193 supra, EU:C:2012:318, n.o 79).

    – Resumo do raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada

    197

    Recordados estes princípios, importa descrever brevemente o raciocínio seguido pela Comissão, na decisão impugnada, para concluir, no considerando 230 desta, que o critério do investidor privado prudente não se encontra preenchido no caso em apreço.

    198

    A Comissão parte da premissa segundo a qual, através da declaração de 12 de julho de 2002, cujo conteúdo foi confirmado e precisado pelas declarações de 13 de setembro e de 2 de outubro de 2002, as autoridades francesas tomaram, desde julho de 2002, a decisão de princípio de apoiar a FT. O proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, apenas constitui a «materialização» (ou a «concretização») desta decisão de princípio. Por conseguinte, a Comissão considera que não podia analisar esta proposta sem ter em conta as declarações a partir do mês de julho de 2002, mas devia adotar uma abordagem global a este respeito (v., nomeadamente, considerandos 185 a 187, 202 a 207, 213, 222 a 224 e 226 da decisão impugnada).

    199

    Em seguida, a Comissão alega que, atendendo, nomeadamente, à difícil situação financeira em que a FT se encontrava em julho de 2002, à perda de confiança dos mercados à época, à inexistência de auditoria à empresa até outubro de 2002, assim como à inexistência de um plano de desendividamento realista até dezembro de 2002, um investidor privado prudente não teria proferido publicamente, «a partir de julho de 2002» (ou «em julho de 2002»), declarações como as que foram formuladas pelo Estado francês, suscetíveis, de um ponto de vista económico, de comprometer seriamente a sua credibilidade e a sua reputação e, de um ponto de vista jurídico, de obrigá‑lo, desde esta última data, a apoiar financeiramente a empresa (v., nomeadamente, considerandos 206, 210, 217, 221, 228 e 229 da decisão impugnada).

    200

    De facto, de acordo com a Comissão, as declarações a partir do mês de julho de 2002 eram suficientemente claras, precisas e firmes para manifestar de forma credível a existência, desde o mês de julho de 2002, de um compromisso firme do Estado francês em apoiar a FT. Isto é demonstrado, em particular, pelo facto de a declaração de 12 de julho de 2002 ter provado um aumento «anormal e não negligenciável» do valor das ações e das obrigações da FT, assim como pelos comentários de alguns analistas financeiros na sequência desta declaração, no caso em apreço os que constam de um relatório do Deutsche Bank de 22 de julho de 2002 e do comunicado de imprensa da S & P de 12 de julho de 2002 (v., n.o 5 supra). A Comissão invoca igualmente o facto de o apoio declarado pelo Estado francês a partir do mês de julho de 2002 ter sido determinante para a manutenção da notação da FT na categoria de investimento, entendendo‑se que uma deterioração desta notação «teria tido consequências muito negativas sobre a situação financeira da empresa» (v., nomeadamente, considerandos 186, 190, 191, 207 a 212, 219 a 222, 225 e 227 da decisão impugnada).

    201

    A Comissão considera que as declarações a partir do mês de julho de 2002 «contaminaram», assim, a perceção dos mercados e «influenciaram» o comportamento dos intervenientes económicos no mês de dezembro de 2002. Conclui que as condições de mercado em que o proposta de adiantamento de acionista foi anunciado, em dezembro de 2002, não podiam ser consideradas normais e entende que, para apreciar a racionalidade económica desta medida, devia, por conseguinte, basear‑se numa situação de mercado não «contaminada» pelo impacto das declarações a partir do mês de julho de 2002, ou seja, na situação anterior a esta última data (v., nomeadamente, considerandos 186, 190, 191, 207 a 212, 219 a 222, 225, 227 e 228 da decisão impugnada). Ora, em tal contexto, é improvável que um investidor privado prudente «tivesse concedido um adiantamento de acionista assumindo, individualmente, um risco financeiro muito importante» (considerando 229 da decisão impugnada). No mesmo sentido, a Comissão refere que «uma deterioração da notação da FT teria tornado qualquer adiantamento de acionista improvável ou, pelo menos, mais oneroso» (considerandos 222 e 225 da decisão impugnada).

    – Quanto à medida em relação à qual a Comissão devia aplicar o critério do investidor privado prudente

    202

    Importa sublinhar que a aplicação do critério do investidor privado prudente pressupõe necessariamente que as medidas tomadas pelo Estado a favor de uma empresa confiram uma vantagem decorrente de recursos estatais de recursos do Estado (v., neste sentido, acórdãos Comissão/EDF e o., n.o 193 supra, EU:C:2012:318, n.o 89, e Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, n.o 161 supra, EU:T:2003:57, n.os 180 e 181).

    203

    Na audiência de alegações de 21 de abril de 2009 no processo que decorreu anteriormente no Tribunal Geral, em resposta a uma questão colocada por este último, todas as partes reconheceram, aliás, que a presença de uma vantagem decorrente de recursos estatais constituía um requisito prévio à aplicação do critério do investidor privado prudente. Na audiência de alegações de 24 de setembro de 2014, no presente processo, novamente questionadas sobre este ponto pelo Tribunal Geral, a República Francesa e a FT reiteraram a sua posição, ao passo que a Comissão tentou alterar a sua, defendendo, assim, uma tese contrária à jurisprudência referida no n.o 202 supra.

    204

    Há que acrescentar que, na decisão impugnada, a Comissão seguiu uma abordagem conforme com o princípio enunciado nos n.os 202 e 203 supra, quando, antes de mais, nos considerandos 194 a 196, pretendeu provar a existência de uma vantagem concedida através de recursos do Estado e, em seguida, no considerando 197, referiu que lhe cabia apreciar se esta vantagem «[respeitava] o princípio do investidor privado prudente».

    205

    No caso em apreço, resulta das apreciações formuladas pelo Tribunal de Justiça nos n.os 127 a 139 do acórdão objeto de recurso, assim como dos desenvolvimentos que figuram, em seguida, nos n.os 256 a 261 que o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista, considerados em conjunto, foram considerados, na decisão impugnada, a medida estatal que conferiu à FT uma vantagem económica decorrente de recursos do Estado e que foi qualificada de auxílio de Estado.

    206

    Por conseguinte, conforme afirmam corretamente a República Francesa e a FT, a Comissão devia ter aplicado a estas duas medidas, consideradas em conjunto, o critério do investidor privado prudente.

    207

    Ora, há que constatar que, conforme resulta, nomeadamente, dos n.os 198 a 201 supra, na decisão impugnada, a Comissão aplicou este critério, antes de mais, às declarações a partir do mês de julho de 2002 para concluir que o proposta de adiantamento de acionista, tal como anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, constituía um auxílio de Estado.

    208

    Deste modo, foi apenas porque, em primeiro lugar, a Comissão considerou que as declarações a partir do mês de julho de 2002 não eram conformes ao referido critério que, em segundo lugar, e a título incidental, pôde alegar que esta proposta não ocorreu em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado e, por conseguinte, devia ser analisada à luz da situação anterior ao mês de julho de 2002, situação na qual teria sido bastante improvável.

    209

    Com efeito, ainda que a decisão impugnada seja um pouco confusa no que respeita a este ponto, daí resulta, assim como das explicações fornecidas pela Comissão nos seus articulados e na audiência de 24 de setembro de 2014 (v., n.o 225 a seguir), que a ideia defendida por esta é que as declarações a partir do mês de julho de 2002 tiveram um efeito de «contaminação» sobre a situação do mercado porque alegadamente não eram conformes ao critério do investidor privado prudente.

    210

    Além disso, conforme sublinham corretamente a República Francesa e a FT, ainda que a Comissão tenha alegado que teve em conta as «declarações do Governo [francês] de julho a dezembro de 2002» (considerando 203 da decisão impugnada) ou o «conjunto das declarações em questão» (considerando 213 da decisão impugnada) para efeitos da sua análise do critério do investidor privado prudente, há que constatar que, na realidade, se baseou a este respeito quase exclusivamente na única declaração de 12 de julho de 2002 (v., nomeadamente, considerandos 221 e 229 da decisão impugnada).

    211

    Esta constatação do caráter central da declaração de 12 de julho de 2002, relativamente à aplicação do critério do investidor privado prudente, é confirmada por várias afirmações efetuadas pela Comissão nos articulados que apresentou no Tribunal Geral. Com efeito, alega, nomeadamente, que esta declaração comportava riscos que «um investidor privado não teria assumido a esta data» e que, «a partir de julho de 2002, se tornou impossível comparar os comportamentos de um investidor público com os de um investidor privado numa situação normal de mercado», «uma vez que todos os acontecimentos que ocorreram após julho de [2002], ocorreram num contexto de mercado ‘contaminado’ pela [referida declaração]» (n.os 96 a 98 e 138 da contestação no processo T‑425/04, n.os 69 a 74 e 82 da réplica no processo T‑425/04, n.os 106 a 109 das observações escritas da Comissão de 17 de julho de 2013 no processo T‑425/04 RENV, n.os 85 a 87 e 164 do contestação no processo T‑444/04, n.os 59 a 64 e 73 da réplica no processo T‑444/04, n.os 78 a 81 das observações escritas da Comissão de 17 de julho de 2013 no processo T‑444/04 RENV).

    212

    A aplicação do critério do investidor privado prudente, no essencial, apenas às declarações a partir do mês de julho de 2002 e, individualmente, à declaração de 12 de julho de 2002, é ainda mais incorreta na medida em que, assim como a Comissão afirmou nos considerandos 188, 189, 218 e 219 da decisão impugnada, não dispunha de elementos suficientes para poder tomar posição sobre a questão de saber se estas declarações eram, por si sós, suscetíveis de constituir um auxílio de Estado.

    213

    É certo que não é possível contestar que as declarações a partir do mês de julho de 2002 conferiram uma vantagem económica à FT.

    214

    A este respeito, importa observar que a Comissão demonstrou de forma jurídica bastante, na decisão impugnada, que estas declarações permitiram, nomeadamente, a manutenção da notação da FT na categoria de investimento, assim como restaurar a confiança dos mercados financeiros, tornaram possível, mais fácil e menos dispendioso o acesso da FT a novos créditos necessários para refinanciar as suas dívidas a curto prazo num montante de 15 mil milhões de euros e, em definitivo, contribuíram para estabilizar a sua situação financeira muito frágil, que, em junho e julho de 2002, estava à beira de se deteriorar substancialmente (v., nomeadamente, considerandos 212, 221, 222 e 225 da decisão impugnada).

    215

    Há que acrescentar que, ao contrário do que alega a FT, a Comissão tinha razão ao considerar que os efeitos vantajosos que resultam das declarações de apoio repetidas após o mês de julho de 2002 perduraram até ao mês de dezembro de 2002. Isto é demonstrado, nomeadamente, pela declaração efetuada pela S & P, em 17 de dezembro de 2002, em reação ao anúncio de 4 de dezembro de 2002 (v. n.o 33 supra), assim como pela declaração efetuada pela Moody’s em fevereiro de 2003 (v., n.o 34 supra).

    216

    Em contrapartida, não é demonstrado que a vantagem identificada no n.o 214 supra decorre de recursos estatais. Ora, segundo a jurisprudência, para efeitos da constatação da existência de um auxílio de Estado, a Comissão deve demonstrar um nexo suficientemente direto entre, por um lado, a vantagem concedida ao beneficiário e, por outro, uma diminuição do Orçamento de Estado, ou mesmo um risco económico suficientemente concreto de encargos que o onerem (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países‑Baixos, C‑279/08 P, Colet., EU:C:2011:551, n.o 111).

    217

    A este respeito, basta observar que resulta dos considerandos 188, 189, 218 e 219 da decisão impugnada que a própria Comissão entendeu que não dispunha de elementos suficientes para poder estabelecer de forma irrefutável que as declarações a partir do mês de julho de 2002 eram suscetíveis de afetar recursos do Estado. Por outro lado, na sua resposta a uma questão escrita que o Tribunal Geral lhe colocou nos presentes processos, a Comissão, referindo‑se aos considerandos acima mencionados, esclareceu que «não [havia] qualquer dúvida [de que não tinha] decidido a questão de saber de que modo estas declarações, que podem ser consideradas jurídica e economicamente vinculativas à luz do direito nacional relevante, podem, por isso, ser qualificadas, enquanto tais, de medidas de auxílios que implicam a utilização de recursos do Estado». A Comissão acrescentou que, deste modo, pretendia salientar a existência de «riscos reais» de que as referidas declarações possam, por um lado, ser entendidas como juridicamente vinculativas e, por outro, ter consequências económicas, mas que, por prudência, não pretendeu concluir que existia afetação de recursos do Estado apenas com base nestes riscos.

    218

    De tudo isto há que concluir que a Comissão cometeu um erro de direito ao aplicar o critério do investidor privado prudente, de forma prioritária e no essencial, às declarações a partir do mês de julho de 2002 e, individualmente, à declaração de 12 de julho de 2002.

    – Quanto ao momento em que a Comissão se devia situar para aplicar o critério do investidor privado prudente

    219

    De acordo com a jurisprudência, na apreciação de uma medida à luz do artigo 87.o CE, importa ter em conta todos os elementos pertinentes e o seu contexto (acórdão de 15 de dezembro de 2009, EDF/Comissão, T‑156/04, Colet., EU:T:2009:505, n.o 221). No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça esclareceu que, para investigar se o Estado adotou ou não o comportamento de um investidor prudente numa economia de mercado, há que retroceder à situação em que foram tomadas as medidas de apoio, a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado (acórdão França/Comissão, n.o 189 supra, EU:C:2002:294, n.o 71).

    220

    Além disso, importa que, segundo a jurisprudência, para determinar se uma intervenção dos poderes públicos no capital de uma empresa apresenta o caráter de auxílio de Estado, há que apreciar se, em circunstâncias semelhantes, um investidor privado de dimensão comparável poderia ter sido levado a proceder a contribuições de capital dessa importância, à luz das informações disponíveis e das evoluções previsíveis nesse momento (v., n.o 195 supra).

    221

    Em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 219 e 220 supra, a Comissão deve, assim, aplicar o critério do investidor privado prudente situando‑se no momento em que a medida estatal de apoio financeiro suscetível de ser qualificada de auxílio de Estado foi adotada.

    222

    Daqui resulta que, no caso em apreço, a Comissão, não só devia aplicar o critério do investidor privado prudente, antes de mais, ao anúncio de 4 de dezembro de 2002 juntamente com o proposta de adiantamento de acionista (v., n.os 202 a 218 supra), mas também, para realizar este exercício, devia situar‑se no contexto da época em que esta foi adotada pelo Estado francês, no processo principal em dezembro de 2002.

    223

    Ora, além do facto de que a Comissão aplicou o critério do investidor privado prudente à referida medida apenas numa segunda fase e a título incidental, situou‑se, para o efeito, no contexto da situação anterior ao mês de julho de 2002 (v., nomeadamente, considerando 228 da decisão impugnada).

    224

    A Comissão não pode justificar a sua posição com facto de as condições de mercado existentes no mês de dezembro de 2002 terem sido «contaminadas» ou anormalmente falseadas pelas declarações a partir do mês de julho de 2002 e, em particular, pela declaração de 12 de julho de 2002.

    225

    A este respeito, importa observar que, questionada sobre este ponto pelo Tribunal Geral na audiência de 24 de setembro de 2014, a Comissão declarou que a sua tese relativa ao efeito de «contaminação» das referidas declarações tinha por única base jurídica o artigo 87.o CE e, mais particularmente, o critério do investidor privado prudente.

    226

    Ora, conforme já foi constatado nos n.os 212 a 217 supra, a Comissão não tomou posição, na decisão impugnada, sobre a questão de saber se as declarações a partir do mês de julho de 2002, relativamente às quais não demonstrou que implicavam uma afetação de recursos do Estado, eram, por si sós, suscetíveis de constituir um auxílio de Estado.

    227

    É certo que segundo a jurisprudência referida no n.o 220 supra, a comparação do comportamento do Estado com o de um investidor privado deve ser efetuada tendo em consideração as informações disponíveis e as evoluções previsíveis à data das entradas de capitais em causa. Isto significa que não podem ser tidos em conta acontecimentos e informações posteriores à concessão do auxílio, mas a Comissão não está de forma alguma impedida de ter em conta acontecimentos anteriores, que fazem parte do contexto do auxílio em causa, e dos seus efeitos. Por conseguinte, para avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado francês, a Comissão podia ter em conta todos os elementos que caraterizavam este contexto, o qual, no caso em apreço, não se limitava aos acontecimentos do mês de dezembro de 2002.

    228

    Por outras palavras, a Comissão estava plenamente autorizada a integrar na sua análise as declarações a partir do mês de julho de 2002 enquanto «factos anteriores […] objetivamente pertinentes» (considerando 185 da decisão impugnada) e que «[permitem] compreender melhor as razões e o alcance das medidas de dezembro de 2002» (considerando 186 da decisão impugnada).

    229

    Todavia, embora as «informações disponíveis» possam ser relativas a acontecimentos e a elementos objetivos que pertencem ao passado, tais como as declarações a partir do mês de julho de 2002, não é possível, no entanto, admitir que estes acontecimentos e elementos anteriores constituem de forma determinante, por si sós, o quadro de referência pertinente para efeitos da aplicação do critério do investidor privado prudente. Em contrapartida, tendo em conta a necessidade de uma análise prospetiva com fundamento nas informações disponíveis, a tomada em consideração de acontecimentos e de elementos que pertencem ao passado não permite que esta se afaste de acontecimentos e de elementos objetivos mais recentes, na medida em que estes são suscetíveis de ser decisivos para esta análise prospetiva, quer porque extinguem os factos anteriores, quer porque determinam a evolução futura da situação económica do beneficiário e da sua posição no mercado. Deste modo, os acontecimentos anteriores, mesmo que constituam factos objetivos que determinaram, pelo menos em parte, a origem dos acontecimentos mais recentes, não podem eliminar o significado dos referidos acontecimentos mais recentes quando se verificar que estes, tais como as medidas de reestruturação, tiveram um impacto real nesta evolução.

    230

    No caso em apreço, a Comissão violou de forma manifesta esta premissa uma vez que não teve em conta uma série de elementos pertinentes que determinaram efetivamente a decisão do Estado francês em dezembro de 2002, ou seja, além do restabelecimento da confiança dos mercados financeiros e da manutenção da FT, em primeiro lugar, as medidas de reestruturação e de reequilíbrio tomadas no seio da FT, entre as quais o plano Ambition France Télécom 2005 elaborado pelos seus novos dirigentes entre outubro e dezembro de 2002, que previa, nomeadamente, a implementação de um plano de melhoria dos resultados operacionais da empresa, designado por «plano TOP». Também não teve em consideração outros elementos essenciais, tais como o compromisso dado por um sindicato bancário, em setembro de 2002, de garantir, relativamente à parte destinada aos investidores privados, a boa execução de um aumento de capital da FT, a cessão de ativos não estratégicos por esta, entre julho e dezembro de 2002, no montante de cerca de 2,5 mil milhões de euros, a nomeação, em outubro de 2002, de uma nova equipa dirigente da empresa e a resolução, em novembro de 2002, do litígio que opunha a FT ao operador alemão Mobilcom. Além disso, todos estes elementos conduziram a uma clara melhoria das perspetivas operacionais e das performances da FT no segundo semestre do ano de 2002, conforme a República Francesa demonstrou de forma bastante convincente na sua resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral no âmbito do presente processo. Há que acrescentar que, no considerando 260 da decisão impugnada, a Comissão afirma que não é adequado basear‑se apenas nas declarações a partir do mês de julho de 2002 para quantificar o auxílio em causa, uma vez que «a utilização da situação do mercado antes [destas] declarações […], embora permita ter em conta o efeito nos mercados das declarações anteriores das autoridades francesas, não permite isolar estes efeitos dos outros eventuais efeitos de acontecimentos como a alteração da direção da FT ou o plano Ambition France Télécom 2005».

    231

    Resulta do considerando 228 da decisão impugnada e dos articulados da Comissão que, no âmbito da sua aplicação do critério do investidor privado prudente, esta não teve efetivamente em conta estes diferentes elementos determinantes. Recusou mesmo, de forma deliberada, tomá‑los em consideração neste contexto, uma vez que entendia que devia fazer prevalecer, de forma retroativa e com fundamento na sua tese da «contaminação», os factos passados que pertencem, em particular, ao período de junho e de julho de 2002.

    232

    Nestas circunstâncias, há que considerar que a abordagem da Comissão, que entendeu que era necessário, para ter em conta um alegado efeito de «contaminação» produzido pelas declarações a partir do mês de julho de 2002, assimilar a situação fatual na qual o Estado francês finalmente adotou, em de dezembro de 2002, medidas de apoio concretas à situação económica e financeira da FT que existia antes da declaração de 12 de julho de 2002, é artificial e manifestamente errada. Por conseguinte, a Comissão não tinha fundamento para alegar que não tinha de se apoiar na situação do mercado em dezembro de 2002, mas que devia basear‑se na situação de um mercado não «contaminado» pelas referidas declarações.

    233

    Por último, a argumentação da Comissão segundo a qual um investidor privado prudente não teria efetuado declarações do tipo das que foram formuladas pelo Governo francês a partir do mês de julho de 2002 assenta num erro manifesto de apreciação, o que constitui um motivo adicional para rejeitar a tese da «contaminação» que invoca.

    234

    Importa recordar que esta argumentação assenta na premissa de que as declarações a partir do mês de julho de 2002, e, em primeiro lugar, a declaração de 12 de julho de 2002, eram «suscetíveis, de um ponto de vista puramente económico, de pôr seriamente em jogo [a] credibilidade e [a] reputação [do Estado francês] e, de um ponto de vista jurídico, de o obrigar, a partir dessa data, a apoiar financeiramente a [FT] em qualquer circunstância» (considerando 229 da decisão impugnada). Com efeito, de acordo com a Comissão, estas declarações eram «suficientemente claras, precisas e firmes para manifestar a existência de um compromisso credível do Estado [francês]» de apoiar a FT (considerando 208 da decisão impugnada). No mínimo, os intervenientes do mercado entenderam que existia tal compromisso firme (considerandos 206, 213, 220 e 221 da decisão impugnada). Ora, segundo a Comissão, atendendo à situação de crise em que a FT se encontrava em julho de 2002, um investidor privado prudente não teria efetuado publicamente tais declarações de apoio, suscetíveis de comportar tais riscos, pelo menos antes de estar totalmente informado sobre a situação económica desta empresa (considerando 229 da decisão impugnada).

    235

    A este respeito, antes de mais, importa observar que não basta que as declarações das autoridades públicas possam ser simplesmente entendidas pelo mercado no sentido de que demonstram um compromisso firme destas para concluir que são suscetíveis de originar consequências económicas ou jurídicas danosas como as invocadas pela Comissão. Esta conclusão pressupõe que as declarações em causa sejam suficientemente claras, precisas e firmes para implicar de forma concreta tal compromisso. O reconhecimento da existência de um auxílio deve, com efeito, assentar em constatações objetivas e não apenas na perceção dos intervenientes do mercado (v., neste sentido, acórdão de 26 de junho de 2008, SIC/Comissão, T‑442/03, Colet., EU:T:2008:228, n.o 126). Deste modo, o facto, além disso provado (v., n.o 214 supra), de que as declarações a partir do mês de julho de 2002 produziram um impacto positivo na perceção dos intervenientes do mercado, tendo, nomeadamente, permitido a manutenção da notação da FT na categoria de investimento, bem como restaurar a confiança dos mercados financeiros, não pode ser conclusivo.

    236

    Em seguida, resulta de uma análise da natureza das declarações a partir do mês de julho de 2002 que estas não implicavam um compromisso firme do Estado francês suscetível de originar as consequências danosas alegadas pela Comissão.

    237

    Deste modo, em primeiro lugar, relativamente à declaração de 12 de julho de 2002, há que constatar que esta foi efetuada pelo Ministro da Economia, sobretudo, na sua função de representante do Estado francês enquanto acionista maioritário da FT («[s]omos o acionista maioritário»). Nesta função, garantiu expressamente que, independentemente do modo da sua intervenção, o Estado francês tinha a intenção de se comportar como um investidor prudente («[o] Estado acionista comportar‑se‑á como um investidor prudente»). A este respeito, a Comissão não apresentou qualquer elemento suscetível de demonstrar que esta intenção de condicionar a intervenção futura do Estado francês ao respeito do critério do investidor privado prudente era meramente retórica, e não real e séria, no momento em que tal declaração foi proferida.

    238

    Acresce que a declaração de 12 de julho de 2002 era vaga e imprecisa no respeitante às possíveis medidas de apoio que o Estado francês poderia tomar numa fase posterior, ainda não precisada («comportar‑se‑á como um investidor prudente e […] tomaremos as medidas adequadas»). Visto o caráter aberto e vago destas afirmações, a Comissão não podia corretamente concluir pela clareza de um pretenso compromisso assumido pelo Estado francês, relativamente ao qual unicamente os «meios de intervenção […], a saber, as modalidades de execução», deveriam ainda ser especificados (considerando 209 da decisão impugnada), pressupondo, necessariamente, tal compromisso claro a identificação da natureza e do alcance desta eventual intervenção futura. Ora, como confirma o relatório do Deutsche Bank de 22 de julho de 2002, no qual a própria Comissão se apoiou no considerando 221 e na nota de pé de página n.o 146 da decisão impugnada, vista a declaração de 12 de julho de 2002, o mercado não podia ainda determinar a natureza e o alcance desta intervenção futura do Estado francês («A [FT] beneficiou da crescente confiança que reinava no mercado quanto ao facto de o Governo [francês] apoiar, de qualquer forma, o crédito»; este «apoio implícito do Estado [francês] […] poderá assumir a forma de empréstimos, em condições de mercado, fornecidos pelos bancos ou pelo Governo [francês]»). Além disso, confortando o caráter futuro, condicional e impreciso de tal intervenção, a declaração de 12 de julho de 2002 rejeita expressamente a hipótese de um aumento do capital da FT, quando a verdade é que o Estado francês seguirá precisamente esta opção, em dezembro de 2002 («Não, evidentemente que não! Afirmo simplesmente que tomaremos, oportunamente, as medidas adequadas. Se necessário [...]»).

    239

    Esta leitura está confirmada quando se tem em conta o contexto factual em que ocorreu a declaração de 12 de julho de 2002. Como parece reconhecer a própria Comissão (v. n.os 179, supra), nesta fase, na falta de informações pertinentes sobre a exata dimensão das dificuldades financeiras a que a FT devia fazer face, sobre a futura reação dos mercados financeiros provocada por esta declaração e sobre a evolução aberta pela prevista reestruturação da FT, o Estado francês ainda não podia conhecer e determinar, com suficiente precisão, a natureza, o alcance e as condições de concessão de uma eventual medida de apoio a favor desta empresa. Resulta antes do conjunto dos atos das autoridades francesas realizados em 12 de julho de 2002, incluindo o facto de terem contactado diretamente as agências de notação, que estas autoridades visavam tranquilizar rapidamente os mercados financeiros quanto a um potencial e futuro apoio do Estado francês em proveito da FT com a única finalidade de impedir a degradação suplementar da sua notação, bem como o fecho do seu acesso a novos créditos no mercado obrigacionista, sem todavia concretizar melhor este eventual apoio nesse momento preciso. Efetivamente, uma concretização prematura das eventuais medidas de apoio teria podido criar o risco de restringir inutilmente as opções de refinanciamento que posteriormente se ofereceriam à dívida da FT, criando simultaneamente a necessidade de as notificar à Comissão nos termos do artigo 88.o, n.o 3, CE. Acresce que, devido ao seu caráter precipitado, tal abordagem teria podido erodir a confiança dos credores e dos investidores na fiabilidade da ação do Estado francês. Nestas circunstâncias, contrariamente ao que está exposto no considerando 212 da decisão impugnada, o facto de ter contactado as agências de notação não podia ser entendido como um elemento que apoiava o caráter firme do pretenso compromisso assumido pelo Estado francês, mas unicamente como um primeiro passo destinado a aliviar a pressão que, em julho de 2002, pesava sobre a posição da FT nos mercados financeiros.

    240

    Contrariamente ao que a Comissão alega no considerando 210 da decisão impugnada, o simples facto de, no momento da declaração de 12 de julho de 2002, a FT estar já confrontada com graves dificuldades de refinanciamento em nada altera o caráter aberto e vago desta declaração no seu conjunto, nem o seu significado à luz do contexto factual no qual ocorreu. Assim, mesmo supondo a existência das referidas dificuldades nesta fase, o facto de que esta declaração não refletia corretamente, à época, a situação crítica da dívida da FT a curto prazo não é decisivo («caso a [FT] registe dificuldades»; «caso a [FT] registe problemas de financiamento, o que não acontece atualmente, o Estado [francês] tomará as decisões necessárias para os resolver»).

    241

    Acresce que, no quadro da sua interpretação literal da declaração de 12 de julho de 2002, a Comissão não podia validamente sustentar que «[n]enhum elemento permite demonstrar que o mercado tivesse considerado que existia qualquer condição» (considerando 210 da decisão impugnada), não sendo esta perceção subjetiva ou esta reação de alguns atores do mercado determinante para caracterizar a natureza de uma tal declaração (v., n.o 235 supra). Além disso, esta consideração não tem em conta o facto de, pelo contrário, nessa fase, o Deutsche Bank ter sido incapaz de antecipar a natureza e o alcance da eventual intervenção futura do Estado francês a favor da FT (v., n.o 238 supra).

    242

    Em segundo lugar, no tocante à declaração de 13 de setembro de 2002, há que realçar que esta declaração está igualmente orientada para o provir, sendo condicional e imprecisa quanto às eventuais medidas a prever pelo Estado francês a longo prazo («[o] Estado [francês] apoiará a [FT] na execução d[o] plano [de recuperação das contas] e contribuirá, por seu turno, para um reforço significativo dos fundos próprios da [FT], segundo um calendário e modalidades a determinar em função das condições de mercado»), a única certeza residindo na afirmação de uma futura contribuição «para um reforço significativo dos fundos próprios» da FT e no facto de que esta se efetuaria nas «condições de mercado». Acresce que, tal como a declaração de 12 de julho de 2002, a declaração de 13 de setembro de 2002 omite precisar melhor a natureza, o alcance e as condições da intervenção futura do Estado francês a favor da FT e sujeita as eventuais medidas de apoio intermediárias ao critério da necessidade («[a]té lá, o Estado [francês] adotará, se necessário, medidas que permitam evitar à [FT] qualquer problema de financiamento»).

    243

    Em terceiro lugar, no tocante à declaração de 2 de outubro de 2002, cabe constatar que não é menos vaga e que não acrescenta nenhuma precisão apreciável relativamente ao conteúdo da declaração de 13 de setembro de 2002 («[o] Estado [francês] contribuirá para a execução das medidas de recuperação e contribuirá, por seu turno, para o reforço dos fundos próprios da [FT] segundo modalidades que serão determinadas […]. [O] Estado [francês] tomará entretanto, se necessário, medidas que permitam evitar à [FT] qualquer problema de financiamento»). Com efeito, com esta declaração, o Estado francês limita‑se a antecipar vagamente uma futura e potencial contribuição da sua parte a fim de reforçar os fundos próprios da FT, cuja natureza, alcance e condições de atribuição ainda não estão determinadas. Simultaneamente, tal como as declarações anteriores, uma eventual contribuição intermediária do Estado francês, cujas características também não são melhor explicitadas, é condicionada pela necessidade de resolver potenciais problemas de financiamento da FT.

    244

    Resulta das precedentes considerações que, contrariamente ao que sustentam a Comissão, devido ao seu caráter aberto, impreciso e condicional, em especial no respeitante à natureza, ao alcance e às condições de uma eventual intervenção do Estado a favor da FT, e tendo em conta o contexto factual no qual ocorreram, as declarações a partir do mês de julho de 2002 não podem ser interpretadas no sentido de um compromisso concreto e firme do Estado francês de dar um apoio preciso à FT.

    245

    Por conseguinte, as declarações a partir do mês de julho de 2002 não podem fazer recair sobre o Estado francês qualquer obrigação jurídica, em particular, a de apoiar financeiramente a FT a partir de 12 de julho de 2002.

    246

    Pelos mesmos motivos, não é possível considerar que, independentemente de qualquer obrigação jurídica, estas declarações criaram uma expectativa real do ponto de vista do mercado e que, se o Estado francês não tivesse honrado a sua promessa, teria incorrido, na sua qualidade de proprietário e de gestor de empresas, de principal ator económico e de importante mutuário nos mercados financeiros, em certos custos económicos devido à perda da sua credibilidade e da sua reputação nestes mercados (considerandos 217 e 221 da decisão impugnada). Antes de mais, uma simples expectativa do mercado não pode, enquanto tal, criar uma qualquer obrigação legal de agir num sentido pretendido (v., n.o 235 supra). Em seguida, a Comissão não demonstra que o não respeito de uma eventual promessa de apoio do Estado francês em proveito de uma empresa é suscetível de pôr em perigo a sua credibilidade e a sua reputação nos mercados financeiros. Além disso, conforme resulta das considerações que figuram no n.o 238 supra e, em seguida, no n.o 247, o comportamento das autoridades francesas a partir de julho de 2002 visava, precisamente, evitar tais consequências, ao deixar pairar a dúvida sobre a natureza, o alcance e as condições exatas da sua eventual intervenção futura. Por último, e em todo o caso, assim como o advogado‑geral P. Mengozzi declarou nas conclusões que apresentou nos processos apensos e o./Comissão e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, Colet., EU:C:2012:392, n.o 64), há que recordar que a Comissão acabou por renunciar a tomar uma posição definitiva sobre a questão de saber se as declarações anteriormente referidas eram suscetíveis de causar uma perda de credibilidade do Estado nos mercados financeiros que implicasse, para este último, um risco financeiro sob a forma de aumento do custo das suas transações futuras.

    247

    É certo que, através das declarações a partir do mês de julho de 2002 e utilizando assim a sua reputação de devedor/credor solvente e fiável junto dos mercados financeiros, o Estado francês pretendeu voluntariamente influenciar a reação de tais mercados, restabelecer a confiança destes e, em particular, procurou obter a manutenção da notação da FT com o objetivo de preparar um refinanciamento sólido e menos dispendioso desta empresa numa fase posterior. Todavia, conforme afirma corretamente a FT nas suas observações escritas de 31 de maio de 2013, o Estado francês limitou‑se, assim, a recorrer às regras específicas que regem o funcionamento dos mercados financeiros, a fim de estabilizar a posição económica da FT a curto prazo, e isto precisamente com o objetivo de reunir as condições empresariais e financeiras indispensáveis às medidas de apoio mais concretas que deverão ser posteriormente tomadas. Dito isto, o Estado francês adotou precisamente a atitude prudente e diligente de um investidor privado que assegura que todas as condições exigidas estejam reunidas antes de assumir um compromisso irrevogável de apoio ou de investimento. Neste contexto, a alegação muito pouco circunstanciada da Comissão, segundo a qual nenhum investidor privado estava em posição de influenciar o mercado tal como fez o Estado francês através das suas declarações a partir do mês de julho de 2002, não pode ser acolhida. Com efeito, não é possível excluir a priori que um investidor privado, eventualmente, de dimensão internacional e com dimensão económica considerável, segue a mesma estratégia e obtém o mesmo resultado junto dos mercados financeiros.

    248

    Resulta das considerações anteriores que é de forma manifestamente errada do ponto de vista jurídico e da matéria de facto que a Comissão se baseou na situação a partir de julho de 2002 para aplicar o critério do investidor privado prudente.

    – Quanto à questão de saber se o proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, constituía a concretização das declarações a partir do mês de julho de 2002

    249

    A Comissão não pode justificar a aplicação manifestamente errada que assim efetuou do critério do investidor privado prudente através da sua tese, exposta, no essencial, nos considerandos 185, 187 e 226 da decisão impugnada, segundo a qual o proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, apenas constituía a concretização das declarações anteriores do Estado francês e, mais precisamente, de uma decisão de princípio de apoiar financeiramente a FT que teria sido adotada a partir 12 de julho de 2002.

    250

    Com a sua tese, a Comissão considera, no essencial, que tinha fundamentos para apreciar no seu conjunto as declarações a partir do mês de julho de 2002, o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista para chegar à conclusão de que o comportamento do Estado francês não respeitava o critério do investidor privado prudente.

    251

    É certo que o proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, se insere na lógica e na estratégia do Estado francês desde o mês de julho de 2002, a qual tinha por objetivo e consequência, no seu conjunto, reconquistar a confiança dos mercados, a fim de poder refinanciar, em condições mais favoráveis, a dívida a curto prazo da FT (v., n.o 247 supra).

    252

    Todavia, daí não decorre que as declarações a partir de julho de 2002 implicaram já, por si sós, a antecipação de um apoio financeiro específico, tal como o que foi finalmente concretizado no mês de dezembro de 2002.

    253

    Resulta das considerações expostas nos n.os 233 a 244 supra que, diversamente do anúncio de 4 de dezembro de 2002 do proposta de adiantamento de acionista, que publicitou a proposta da abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros a favor da FT, as declarações a partir de julho de 2002 revestiam um caráter aberto, impreciso e condicional quanto à natureza, ao alcance e às condições de uma eventual intervenção futura do Estado francês. Por conseguinte, não é possível considerar que o Estado francês tinha previsto tal contribuição financeira concreta desde o mês de julho de 2002. Na realidade, atendendo a este caráter substancialmente diferente das declarações a partir do mês de julho de 2002, a decisão do Estado francês, em dezembro de 2002, de anunciar e propor um proposta de adiantamento de acionista constituía uma importante rutura na sucessão dos acontecimentos que conduziram ao refinanciamento da FT.

    254

    A tese da Comissão é tanto menos plausível quanto o Estado francês devia, antes de mais, aguardar e verificar se, na sequência das declarações a partir de julho de 2002 e do seu efeito esperado, a saber, o restabelecimento da confiança dos mercados financeiros e a manutenção da notação da FT, bem como na sequência das medidas de reestruturação e de reequilíbrio tomadas no seio da FT, estavam efetivamente reunidas as condições económicas para tal intervenção do Estado. Com efeito, como já foi constatado no n.o 239 supra, no momento destas declarações, na falta de informações pertinentes, nomeadamente, a respeito da reação dos mercados e do sucesso das medidas tomadas, o Estado francês ainda não podia conhecer e determinar, de modo bastante, a natureza, o alcance e as condições de uma eventual medida de apoio a favor da FT, inclusive de um eventual aumento do capital que o Ministro da Economia tinha ainda expressamente rejeitado em julho de 2002. Manifestamente, foi apenas no mês de dezembro de 2002 que o Estado francês considerou estarem reunidas as condições económicas para tal contribuição financeira, o que confirma a ocorrência de uma importante rutura na sucessão dos acontecimentos nesse momento.

    – Quanto à questão de saber se as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, juntamente com o proposta de adiantamento de acionista, constituíam, em conjunto, uma «única intervenção»

    255

    Nas suas observações escritas de 17 de julho de 2013, a Comissão afirma que, no acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão de saber se as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, juntamente com o proposta de adiantamento de acionista, podiam ser considerados, em conjunto, uma «única intervenção» na aceção dos n.os 103 a 105 do referido acórdão. Afirma que os critérios referidos nos n.os 103 e 104 do acórdão relativo ao recurso são, no entanto, perfeitamente transponíveis para o caso em apreço, de modo que se deve considerar que estas diferentes intervenções consecutivas estão indissociavelmente ligadas.

    256

    Nos n.os 127 a 131 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça declarou, em aplicação dos critérios enunciados nos n.os 103 e 104 do mesmo acórdão, que a Comissão tinha fundamento para considerar que o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o proposta de adiantamento de acionista constituíam, em conjunto, uma intervenção estatal única, uma vez que estas duas intervenções apresentavam ligações tão estreitas entre si que era impossível dissociá‑las. Daqui resulta igualmente que foi esta intervenção única que a Comissão identificou na decisão impugnada como sendo a medida de auxílio ilegal em causa.

    257

    Há que constatar que, conforme a República Francesa e a FT sublinharam na audiência de 24 de setembro de 2014, a decisão impugnada não assenta na premissa segundo a qual as declarações a partir do mês de julho de 2002 estão igualmente incluídas no âmbito da referida intervenção única, enquanto elementos constitutivos da medida de auxílio em causa.

    258

    Na decisão impugnada, as declarações a partir do mês de julho de 2002 são certamente analisadas em conjunto com a intervenção estatal única qualificada como auxílio de Estado, no caso em apreço o anúncio de 4 de dezembro de 2002 juntamente com o proposta de adiantamento de acionista, mas apenas enquanto elementos de «contexto» da referida intervenção. Isto é confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão relativo ao recurso, quando refere que «resulta do considerando 185 da decisão [impugnada] que o seu objeto incide no adiantamento acionista notificado à Comissão e que as declarações a partir de julho de 2002 apenas são tidas em conta na medida em que sejam objetivamente pertinentes para a apreciação do referido adiantamento» (acórdão relativo ao recurso, n.o 73), que, «[a]ssim, a Comissão só examinou as referidas declarações porque fazem parte do contexto desta última medida» e que «resulta do artigo 1.o da decisão [impugnada] que a Comissão se limita a qualificar o adiantamento de acionista de auxílio de Estado incompatível com o mercado comum e […] menciona as declarações a partir de julho de 2002 apenas como fazendo parte do contexto do auxílio declarado» (acórdão relativo ao recurso, n.o 75).

    259

    A tese avançada pela Comissão na decisão impugnada, além disso incorreta (v., n.os 249 a 254 supra), segundo a qual o proposta de adiantamento de acionista constitui a concretização de uma decisão de princípio, tomada logo em 12 de julho de 2002, de apoiar a FT não vai tão longe como aquela segundo a qual as declarações a partir do mês de julho de 2002 são, tal como o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e do proposta de adiantamento de acionista, elementos constitutivos de uma intervenção única qualificada de auxílio de Estado.

    260

    Aliás, nas suas observações escritas de 17 de julho de 2013 e nas suas respostas às questões escritas que o Tribunal Geral lhe colocou no presente processo, a Comissão, apesar de afirmar que os critérios fixados nos n.os 103 e 104 do acórdão relativo ao recurso estão igualmente preenchidos no que respeita às declarações a partir do mês de julho de 2002, não concluiu, no entanto, que estas devem ser encaradas como elementos constitutivos da medida qualificada de auxílio de Estado na decisão impugnada. O que a Comissão deduziu do facto de estas declarações e o proposta de adiantamento de acionista estarem, em seu entender, indissociavelmente ligados, é que tinha fundamento para considerar que todas estas intervenções se inseriam num mesmo processo contínuo de apoio da FT pelo Estado francês, ao adotar uma «abordagem global» no caso em apreço (v., n.o 176 supra) e, assim, a analisar em conjunto estas diferentes intervenções à luz do artigo 87.o, n.o 1, CE. Quanto ao restante, a Comissão insiste no facto de que só teve em conta as declarações a partir de julho de 2002 como parte do contexto do auxílio declarado. De igual modo, na audiência de 24 de setembro de 2004, a Comissão alegou que, através dos n.os 102 a 104 do acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça validou a abordagem global do processo que defendia desde o início. Também referiu que não estava em condições de esclarecer se as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, juntamente com o proposta de adiantamento de acionista, deviam ser considerados, em conjunto, uma «única intervenção» na aceção do acórdão relativo ao recurso e se tal constatação significa que todas estas intervenções consecutivas são um único e mesmo auxílio de Estado, deixando ao Tribunal Geral a responsabilidade de se pronunciar sobre estas questões.

    261

    Por outras palavras, a Comissão não extrai das suas afirmações baseadas nos n.os 103 e 104 do acórdão relativo ao recurso argumentos diferentes dos que invocou nos processos anteriores no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça e que já foram considerados errados ou feridos de um erro manifesto de apreciação nos n.os 202 a 254 supra.

    262

    Atendendo ao exposto, há que julgar procedentes os segundo e terceiro fundamentos invocados pela República Francesa e pela FT, na medida em que têm por objetivo constatar erros de direito e erros manifestos de apreciação na aplicação do critério do investidor privado prudente e, assim, uma violação do conceito de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE. Por conseguinte, o artigo 1.o da decisão impugnada deve ser anulado.

    263

    Nestas circunstâncias, deixa de ser necessário apreciar o quarto fundamento da República Francesa, relativo a falta de fundamentação.

    3. Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada

    264

    Importa recordar que a República Francesa e a FT pretendem obter a anulação da decisão impugnada na íntegra, ou seja, incluindo o seu artigo 2.o, ainda que não invoquem nenhum argumento específico em apoio deste último aspeto do seu recurso.

    265

    Nos n.os 141 e 142 do acórdão relativo ao recurso, relativamente a este artigo 2.o, o Tribunal de Justiça apenas se refere, no entanto, ao pedido de anulação apresentado pelas sociedades Bouygues e, por conseguinte, apenas prevê a remessa deste pedido ao Tribunal Geral.

    266

    Visto o alcance do objeto dos recursos da República Francesa e da FT, recordado no n.o 264 supra, assim como do n.o 2 do dispositivo do acórdão relativo ao recurso, que utiliza a expressão «pedidos» no plural, o Tribunal Geral considera que também lhe foram apresentados pedidos de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada apresentados por estas partes.

    267

    A este respeito, há que considerar que, vista a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, com base nos segundo e terceiro fundamentos que a República Francesa e a FT invocaram, os seus pedidos de anulação do artigo 2.o da referida decisão, que constata a ausência da necessidade de recuperação do auxílio visado pelo artigo 1.o, ficaram sem objeto.

    268

    Com efeito, a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada tem um efeito erga omnes, que lhe confere a força de caso julgado absoluto [acórdãos de 1 de junho de 2006, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C‑442/03 P e C‑471/03 P, Colet., EU:C:2006:356, n.o 43, e de 4 de março de 2009, Tirrenia di Navigazione e o./Comissão, T‑265/04, T‑292/04 e T‑504/04, EU:T:2009:48, n.o 159].

    269

    Esta anulação tem por consequência o desaparecimento, com efeitos ex tunc, da constatação da existência de um auxílio incompatível com o mercado comum, que figura no artigo 1.o da decisão impugnada. Donde se conclui que a declaração de não recuperação deste auxílio, que figura no artigo 2.o da referida decisão, fica igualmente sem objeto, com efeitos ex tunc.

    270

    Nestas condições, não há que conhecer dos pedidos de anulação da República Francesa e da FT dirigidos contra o artigo 2.o da decisão impugnada.

    Quanto às despesas

    271

    No acórdão relativo ao recurso, o Tribunal de Justiça reservou para final a decisão quanto às despesas. Compete, pois, ao Tribunal Geral decidir, no presente acórdão, sobre as despesas referentes aos diferentes processos, em conformidade com o artigo 219.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

    272

    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

    273

    No caso em apreço, há que referir que foram julgados procedentes os pedidos da República Francesa e da FT destinados a obter a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada, e isso com base nos segundo e terceiro fundamentos que invocaram. Em contrapartida, o seu primeiro fundamento não foi acolhido. Além disso, foi declarado que não há que conhecer dos pedidos de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada. Uma apreciação correta das circunstâncias do caso leva a decidir que a Comissão suportará as suas próprias despesas, assim como oito décimos das despesas da República Francesa e da FT. A República Francesa e a FT suportarão cada uma dois décimos das suas próprias despesas.

    274

    A República Federal da Alemanha, que interveio no processo, suportará as suas próprias despesas nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

    decide:

     

    1)

    O artigo 1.o da Decisão 2006/621/CE da Comissão, de 2 de agosto de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à France Télécom, é anulado.

     

    2)

    Não há que conhecer dos pedidos de anulação do artigo 2.o da Decisão 2006/621.

     

    3)

    A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas, assim como oito décimos das despesas da República Francesa e da Orange, anteriormente France Télécom.

     

    4)

    A República Francesa e a Orange, anteriormente France Télécom, suportarão cada uma dois décimos das suas próprias despesas.

     

    5)

    A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

     

    Frimodt Nielsen

    Dehousse

    Wiszniewska‑Białecka

    Collins

    Ulloa Rubio

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de julho de 2015.

    Assinaturas

    Índice

     

    Antecedentes do litígio

     

    1. Contexto geral do processo

     

    2. Procedimento administrativo

     

    3. Decisão impugnada

     

    Tramitação processual anterior no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

     

    1. Tramitação processual anterior no Tribunal Geral

     

    2. Tramitação processual anterior no Tribunal de Justiça

     

    Tramitação processual e pedidos das partes após remessa do processo

     

    Questão de direito

     

    1. Quanto à admissibilidade do recurso no processo T‑444/04 RENV

     

    2. Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada

     

    Observações preliminares

     

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa

     

    Quanto à violação de formalidades essenciais

     

    — Argumentos das partes

     

    — Apreciação do Tribunal Geral

     

    Quanto à violação dos direitos de defesa

     

    — Argumentos das partes

     

    — Apreciação do Tribunal Geral

     

    Quanto aos segundo e terceiro fundamentos, relativos a erros de direito e a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação do critério do investidor privado prudente

     

    Argumentos das partes

     

    Apreciação do Tribunal Geral

     

    — Resumo da jurisprudência anterior relevante

     

    — Resumo do raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada

     

    — Quanto à medida em relação à qual a Comissão devia aplicar o critério do investidor privado prudente

     

    — Quanto ao momento em que a Comissão se devia situar para aplicar o critério do investidor privado prudente

     

    — Quanto à questão de saber se o proposta de adiantamento de acionista, anunciado e notificado em 4 de dezembro de 2002, constituía a concretização das declarações a partir do mês de julho de 2002

     

    — Quanto à questão de saber se as declarações a partir do mês de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, juntamente com o proposta de adiantamento de acionista, constituíam, em conjunto, uma «única intervenção»

     

    3. Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.o da decisão impugnada

     

    Quanto às despesas


    ( *1 ) Língua do processo: francês

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