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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62005TJ0136

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 20 de Septembro de 2007.
    EARL Salvat père & fils, Comité interprofessionnel des vins doux naturels et vins de liqueur à appellations contrôlées (CIVDN) e Comité national des interprofessions des vins à appellation d'origine (CNIV) contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios de Estado - Medidas de reconversão vitícola - Decisão que declara os auxílios em parte compatíveis e em parte incompatíveis com o mercado comum - Recurso de anulação - Admissibilidade - Dever de fundamentação - Apreciação à luz do artigo 87.º, n.º 1, CE.
    Processo T-136/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 II-04063

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2007:295

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

    20 de Setembro de 2007 ( *1 )

    «Auxílios de Estado — Medidas de reconversão vitícola — Decisão que declara os auxílios em parte compatíveis e em parte incompatíveis com o mercado comum — Recurso de anulação — Admissibilidade — Dever de fundamentação — Apreciação à luz do artigo 87.o, n.o 1, CE»

    No processo T-136/05,

    EARL Salvat père & fils, com sede em Saint-Paul-de-Fenouillet (França),

    Comité interprofessionnel des vins doux naturels e vins de liqueur à appellations contrôlées (CIVDN), com sede em Perpignan (França),

    Comité national des interprofessions des vins à appellation d’origine (CNIV), com sede em Paris (França),

    representados por H. Calvet e O. Billard, advogados,

    recorrentes,

    apoiados por

    República Francesa, representada por G. de Bergues, na qualidade de agente,

    interveniente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Giolito e A. Stobiecka-Kuik, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Decisão 2007/253/CE da Comissão, de 19 de Janeiro de 2005, relativa ao plano Rivesaltes e às imposições parafiscais CIVDN aplicados pela França (JO 2007, L 112, p. 1),

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

    composto por: M. Vilaras, presidente, F. Dehousse e D. Šváby, juízes,

    secretário: K. Pocheć, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 16 de Novembro de 2006,

    profere o presente

    Acórdão

    Antecedentes do litígio

    1

    Na sequência de uma denúncia, a Comissão interrogou, em Julho de 1999, as autoridades francesas sobre diversas medidas de reconversão vitícola conhecidas pelo nome de «plano Rivesaltes». Como as medidas em causa tinham sido postas em prática sem autorização nem notificação prévias da Comissão, ficaram inscritas no registo dos auxílios não notificados, sob o número NN 139/2002.

    2

    Por ofício de 21 de Janeiro de 2003, a Comissão informou a República Francesa da sua decisão de, relativamente a esse auxílio, dar início ao procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE. Por comunicação publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 5 de Abril de 2003, a Comissão convidou os interessados a apresentar observações, nos termos do 88.o, n.o 2, CE (JO C 82, p. 2). As autoridades francesas remeteram-lhe as suas observações por ofícios de 16 e 18 de Junho de 2003 e 10 de Setembro de 2004, contendo este último a resposta às observações do denunciante.

    Decisão

    3

    Por decisão de 19 de Junho de 2005, relativa ao «plano Rivesaltes» e às imposições parafiscais do comité interprofessionnel des vins doux naturels et vins de liqueur à appellations contrôlées (CIVDN) aplicados pela França, a Comissão pronunciou-se sobre a legalidade de diferentes medidas tomadas pela República Francesa relativamente a vinhos doces naturais da região dos Pirinéus Orientais (a seguir «decisão»).

    Medidas em causa

    4

    Após se terem verificado dificuldades com a comercialização da denominação «Rivesaltes», foi elaborado um plano com o mesmo nome, em 1996. Esse plano de reconversão destinava-se, segundo o considerando 6 da decisão, a substituir, através do arranque e da replantação de variedades vitícolas de qualidade, uma parte da produção de vinhos doces naturais da região em causa. Para possibilitar esse plano, os produtores tiveram acesso, até Agosto de 2000, a dois tipos de auxílio, ou seja, um «prémio de retirada de terras da produção» e uma «ajuda à reconversão». Foram também levadas a cabo «acções de promoção publicitária e de funcionamento».

    — Prémio de retirada de terras da produção

    5

    Pela Decisão 96-1, de 9 de Julho de 1996, o CIVDN instituiu uma quotização interprofissional destinada a financiar o plano Rivesaltes. Essa quotização, no montante de 50 francos franceses (FRF) por hectolitro produzido na região em causa, destinava-se a financiar o pagamento de um prémio de retirada de terras da produção por todas as parcelas que tivessem produzido «Rivesaltes» ou «Grand Roussillon» em 1995 e passassem a produzir vinho de mesa ou vinhos regionais a partir da colheita de 1996 e até à colheita de 2000, inclusive. O prémio de retirada de terras da produção foi efectivamente concedido aos produtores que se comprometessem a não reivindicar a denominação de origem controlada (DOC) «Rivesaltes» ou «Grand Roussillon» durante cinco anos. Esse prémio não implicava a cessação ou a redução da produção, constituindo unicamente uma compensação pela não utilização da DOC na comercialização da produção. O montante do prémio era de 5000 francos franceses (FRF) por ano e por hectare retirado da produção (considerandos 8 a 11 da decisão).

    — Ajuda à reconversão

    6

    O «plano Rivesaltes», como foi adoptado em 1996, previa também um auxílio de 25000 FRF por hectare para a reconversão em DOC «Muscat de Rivesaltes» e de 40000 FRF por hectare para a reconversão em DOC «Côtes du Roussillon Villages» e em vinhos regionais (considerando 15 da decisão). Este auxílio era parcialmente financiado pelo orçamento de Estado (considerando 17 da decisão).

    — Acções de promoção publicitária e de funcionamento

    7

    Pela Decisão 97-9, de 29 de Dezembro de 1997, o CIVDN instituiu, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma quotização interprofissional destinada a financiar acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor das DOC «Rivesaltes», «Grand Roussillon», «Muscat de Rivesaltes» e «Banyuls» (considerando 19 da decisão). Essas quotizações iam, consoante a DOC, de 25 FRF por hectolitro a 50 FRF por hectolitro (considerando 20 da decisão). Pela Decisão 98-1, de 10 de Julho de 1998, o CIVDN também instituiu, a partir de 1 de Setembro de 1998, o mesmo tipo de quotização interprofissional, destinada a financiar acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor das DOC «Rivesaltes», «Grand Roussillon» e «Maury» (considerando 22 da decisão). Estas duas quotizações foram revogadas pela Decisão 99-1, de 17 de Dezembro de 1999, pela qual o CIVDN instituiu uma quotização interprofissional destinada a financiar acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor das seguintes DOC: «Banyuls», «Banyuls Grand Cru», «Muscat de Rivesaltes», «Rivesaltes», «Grand Roussillon» e «Maury» (considerando 25 da decisão). Esta quotização foi reconduzida, com ligeiras variações, pela Decisão 00-1 (considerando 28 da decisão).

    Análise jurídica efectuada na decisão

    8

    Na sua análise jurídica, a Comissão averigua, antes de mais, a existência de uma vantagem selectiva, financiada por recursos estatais. A Comissão considera, quanto à natureza das quotizações em apreço, que estão em causa imposições parafiscais, ou seja, recursos públicos (considerando 74 da decisão).

    9

    No final dessa averiguação, a Comissão conclui que as medidas em causa constituem «uma vantagem financiada por recursos públicos, que lhes é conferida e da qual os outros operadores não podem beneficiar, que falseia ou ameaça falsear a concorrência favorecendo certas empresas e certas produções, pelo que é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros». Desta conclusão a Comissão infere que essas medidas constituem um auxílio na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE (considerando 82 da decisão).

    10

    Na sua averiguação da compatibilidade dos auxílios, a Comissão exclui, antes de mais, a aplicação, no caso vertente, das excepções ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o Tratado previstas no artigo 87.o, n.os 2 e 3, CE (considerandos 83 a 86 da decisão).

    11

    A Comissão conclui, em seguida, que, como as medidas executadas pela República Francesa contêm elementos de auxílios de Estado, se trata de novos auxílios não notificados à Comissão e, consequentemente, ilegais nos termos do Tratado (considerando 88 da decisão).

    12

    Depois, antes de concluir, a Comissão analisa cada medida à luz das disposições aplicáveis, nomeadamente as que regulam a organização comum do mercado em causa, e o financiamento dos auxílios (considerandos 95 a 127 da decisão).

    Dispositivo da decisão

    13

    O dispositivo da decisão tem a seguinte redacção:

    «Artigo 1.o

    1.   O auxílio estatal concedido pela [República Francesa] sob a forma de ‘prémio de retirada de terras da produção’ a favor dos produtores vitícolas franceses que se comprometessem a não reivindicar a denominação de origem controlada (DOC) ‘Rivesaltes’ ou ‘Grand Roussillon’, da colheita de 1996 à colheita de 2000, é incompatível com o mercado comum.

    2.   O auxílio estatal concedido pela [República Francesa] sob a forma de plano de reconversão do vinhedo DOC Rivesaltes, da colheita de 1996 à colheita de 2000, em superação de 30% dos custos reais e/ou do limite de 5030,82 EUR/ha (33000 FRF/ha) em casos individuais é incompatível com o mercado comum.

    3.   O auxílio estatal concedido pela [República Francesa], entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2000, sob a forma de acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor das DOC ‘Rivesaltes’, ‘Grand Roussillon’, ‘Muscat de Rivesaltes’ e ‘Banyuls’ é compatível com o mercado comum ao abrigo do n.o 3, alínea c), do artigo 87.o do Tratado.

    Artigo 2.o

    1.   A [República Francesa] deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar dos beneficiários os auxílios incompatíveis referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 1.o

    A recuperação será efectuada imediatamente e segundo os procedimentos de direito interno, desde que estes permitam a execução imediata e efectiva da presente decisão. Os auxílios a recuperar incluirão os juros a partir da data em que foram colocados à disposição dos beneficiários e até à data da sua recuperação. Os juros serão calculados com base na taxa de referência da Comissão prevista no método de fixação das taxas de referência e de actualização.

    2.   Para efeitos da recuperação dos auxílios incompatíveis referidos no n.o 1 do artigo 1.o, a [República Francesa] informará a Comissão do montante global de auxílios concedido no âmbito dessa medida bem como do seu financiamento, incluindo o montante global das receitas da quotização interprofissional criada para esse fim, e do número de hectares que beneficiaram do ‘prémio de retirada de terras da produção’.

    Artigo 3.o

    A [República Francesa] informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para lhe dar cumprimento.

    Artigo 4.o

    A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

    Tramitação processual e pedidos das partes

    14

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Março de 2005, a sociedade civil de exploração agrícola de responsabilidade limitada (EARL) Salvat père & fils (a seguir «Salvat»), o CIVDN e o Comité national des interprofessions des vins d’appellation d’origine (CNIV) interpuseram recurso da decisão.

    15

    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    anular o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da decisão;

    condenar a Comissão nas despesas.

    16

    Por requerimento separado de 29 de Junho de 2005, a Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do disposto no artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Pedia que o Tribunal julgasse o recurso inadmissível, sem conhecer do mérito da causa, e que condenasse os recorrentes nas despesas.

    17

    Por despacho de 22 de Setembro de 2005 do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância, foi admitida a intervenção da República Francesa em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por ofício de 26 de Outubro de 2005, o Governo francês informou que não pretendia pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso e não apresentaria, nesta fase, alegações neste processo.

    18

    Por despacho de 13 de Dezembro de 2005, o Tribunal de Primeira Instância reservou para final a decisão sobre a questão prévia de admissibilidade e sobre as despesas.

    19

    Na sua contestação, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    julgar o recurso inadmissível e, subsidiariamente, negar-lhe provimento;

    condenar os recorrentes nas despesas.

    20

    A República Francesa não apresentou alegações sobre o mérito da causa no prazo fixado. Após ter sido informada pelo Secretário do Tribunal da data da audiência, a República Francesa deu também conhecimento ao Tribunal, por ofício de 25 de Outubro de 2006, de que não compareceria.

    21

    Foram ouvidas as alegações das partes que estiveram presentes na audiência de 16 de Novembro de 2006 e as suas respostas às questões do Tribunal.

    Quanto à admissibilidade

    22

    A Comissão invoca, em primeiro lugar, a falta de interesse do CIVDN em impugnar as duas disposições em causa, por ter sido dissolvido. Em segundo lugar, alega que os recorrentes não têm interesse em impugnar o artigo 1.o, n.o 3, da decisão. A Comissão contesta, em terceiro lugar, que o artigo 1.o, n.o 1, da decisão diga directa e individualmente respeito aos recorrentes.

    Quanto à personalidade judiciária do CIVDN para efeitos da impugnação das duas disposições em causa, atendendo à sua dissolução

    Argumentos das partes

    23

    Segundo a Comissão, o CIVDN foi dissolvido e liquidado por decisão da sua assembleia-geral de 20 de Dezembro de 2000 e substituído pelo Conseil Interprofessionnel des Vins de Roussillon (CIVR). A Comissão afirma ter sido informada dessa dissolução por ofícios de 14 de Dezembro de 2000 e 6 de Dezembro de 2001 (considerando 48 da decisão).

    24

    O CIVDN alega que foi criado pela Lei (loi) n.o 200, de 2 de Abril de 1943, que ainda hoje está em vigor. É certo que a Portaria (Ordonnance) 2005-554, de 26 de Maio de 2005 (JORF n.o 122, de 27 de Maio de 2005), prevê que o CIVDN será liquidado nas condições fixadas por despacho do ministro (arrêté ministériel). Porém, acrescenta o recorrente, embora o despacho conjunto (arrêté interministériel) de 9 de Agosto de 2005 (JORF n.o 201, de 30 de Agosto de 2005) tenha, de facto, dado início ao processo de liquidação e nomeado um liquidatário, nem por isso o CIVDN deixa de existir como pessoa colectiva até à data da sua dissolução. De qualquer forma, a Portaria 2005-554 e o despacho conjunto de 9 de Agosto de 2005 não podem retirar retroactivamente ao CIVDN a sua personalidade jurídica, que não lhe podia faltar à data da interposição do recurso, ou seja, 30 de Março de 2005.

    Apreciação do Tribunal

    25

    O Tribunal observa que na acta da assembleia geral do CIVDN, realizada em 20 de Dezembro de 2000, se lê que, atendendo a que o CIVR substituirá as anteriores organizações interprofissionais a partir de 1 de Janeiro de 2001, importa considerar as condições da liquidação do CIVDN, estabelecendo, para o efeito, o calendário da respectiva execução.

    26

    Porém, resulta dos documentos apresentados pelo recorrente, não impugnados pela Comissão, que, em todo o caso, o CIVDN não foi dissolvido em Dezembro de 2000, pois a sua dissolução foi determinada na Portaria 2005-554 e o despacho conjunto de 9 de Agosto de 2005 fixou as regras para a respectiva execução. Neste contexto, o CIVDN também não perdeu a sua personalidade judiciária.

    27

    Daqui resulta que, à data da interposição do presente recurso, o CIVDN era uma pessoa colectiva dotada de personalidade judiciária e, de resto, nada indica que entretanto tenha perdido essa qualidade. Por conseguinte, a Comissão não tem razão quando põe em dúvida a personalidade judiciária do CIVDN, invocando a sua dissolução.

    Quanto à falta de legitimidade dos recorrentes para impugnarem o artigo 1.o, n.o 3, da decisão

    Argumentos das partes

    28

    A Comissão alega que o artigo 1.o, n.o 3, da decisão não é susceptível de prejudicar os recorrentes, na medida em que satisfaz os seus interesses, ao declarar o auxílio compatível com o mercado comum. A Comissão invoca, a este respeito, o despacho do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2004, Países Baixos/Comissão (C-164/02, Colect., p. I-1177, n.os 18 a 25), e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Abril de 2005, Sniace/Comissão (T-141/03, Colect., p. II-1197, n.os 25 e segs.).

    29

    Segundo esta análise, o recurso interposto pelo CIVDN, associação encarregada de defender os interesses colectivos dos seus membros, é manifestamente inadmissível, na medida em que esse comité representa beneficiários de auxílios declarados compatíveis. Por seu lado, o CNIV é ainda menos prejudicado por uma decisão favorável aos produtores de vinhos doces naturais.

    30

    A Comissão sublinha também que a decisão não tem por objecto as quotizações enquanto tais e de modo nenhum visa equipará-las a auxílios.

    31

    Os recorrentes entendem, por seu lado, que têm interesse em impugnar essa disposição. A jurisprudência invocada pela Comissão não permite, em caso nenhum, excluir por princípio a admissibilidade do recurso de anulação da decisão que declara um auxílio compatível com o mercado comum interposto pelo beneficiário desse auxílio. A declaração de compatibilidade não dispensa o Tribunal de Primeira Instância de verificar se a análise da Comissão produz, concretamente, efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses dos recorrentes. Ora, ao contrário do que sucede no caso da recorrente no acórdão Sniace/Comissão, já referido no n.o 28 supra, os recorrentes no presente recurso fizeram referência a acções já pendentes nos órgãos jurisdicionais nacionais.

    32

    Com efeito, segundo os recorrentes, o CIVR, sucessor do CIVDN, viu-se obrigado a demandar em juízo um viticultor, a SCEA Marty, para obter a sua condenação no pagamento das quotizações voluntárias obrigatórias de que era devedora ao CIVR. Ora, na sua contestação, a sociedade em causa pede ao órgão jurisdicional que declare que «as quotizações voluntárias obrigatórias cujo pagamento é reclamado pelo CIVR constituem auxílios de Estado na acepção dos artigos 87.o e 88.o [CE]». Consequentemente, verifica-se, no caso vertente, o risco de serem propostas acções judiciais cujo objecto é a qualificação como auxílio de Estado das quotizações voluntárias obrigatórias.

    33

    O CIVDN tem, pois, interesse directo em impugnar o artigo 1.o, n.o 3, da decisão, uma vez este o impede directamente de exercer as suas competências próprias conforme entender. O mesmo vale para o CNIV, visto que a qualificação como auxílio de Estado do financiamento das acções interprofissionais por meio de quotizações voluntárias obrigatórias é susceptível de desestabilizar gravemente o funcionamento das organizações interprofissionais do sector vitivinícola agrupadas no CNIV. O mesmo vale ainda para a Salvat, que, enquanto membro de uma organização inter-profissional do sector vitivinícola, beneficia de todas as acções interprofissionais financiadas por essas quotizações qualificadas de auxílio de Estado.

    Apreciação do Tribunal

    34

    No âmbito da apreciação da admissibilidade do presente recurso, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, só constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.o CE, as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos que possam afectar os interesses dos recorrentes, modificando de forma caracterizada a situação jurídica destes (v. despacho Países Baixos/Comissão, já referido no n.o 28 supra, n.o 18). Por outro lado, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado. Esse interesse deve ser efectivo e actual e aprecia-se no momento da interposição do recurso (v. acórdão Sniace/Comissão, já referido no n.o 28 supra, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

    35

    Ambas as partes invocam o acórdão Sniace/Comissão, já referido no n.o 28 supra, para sustentar as respectivas teses.

    36

    Ora, não se pode deixar de observar que, nesse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância, para julgar o recurso inadmissível, não se ateve unicamente ao facto de a decisão declarar o auxílio compatível com o mercado comum. Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância examinou in concreto a situação da recorrente. De resto, já no seu acórdão de 30 de Janeiro de 2002, Nuove Industrie Molisane/Comissão (T-212/00, Colect., p. II-347, n.o 38), o Tribunal de Primeira Instância declarou que o simples facto de a decisão impugnada nesse processo declarar o auxílio notificado compatível com o mercado comum e não causar, portanto, em princípio, qualquer prejuízo à recorrente não dispensava o tribunal comunitário de examinar se a apreciação da Comissão produzia efeitos jurídicos vinculativos que pudessem afectar os interesses da recorrente.

    37

    Consequentemente, embora o artigo 1.o, n.o 3, da decisão declare compatível com o mercado comum o auxílio de Estado que a República Francesa concedeu sob a forma de acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor de determinadas DOC, há que examinar se essa disposição afecta os interesses dos recorrentes.

    38

    Em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que, ao contrário do que os recorrentes alegam, a decisão não qualifica de auxílio de Estado o financiamento das acções em causa através de quotizações interprofissionais. Resulta muito claramente do dispositivo da decisão, e da fundamentação que lhe subjaz, que são as acções em causa, e não as quotizações, que são qualificadas de auxílio de Estado.

    39

    A natureza das quotizações é apreciada, na decisão, por referência à sua eventual natureza de recursos estatais. No considerando 74 da decisão, a Comissão conclui o seu exame considerando que, no caso vertente, se trata de imposições parafiscais, ou seja, de recursos públicos.

    40

    É certo que, no considerando 134, a decisão recorda o princípio enunciado no acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2003, Van Calster e o. (C-261/01 e C-262/01, Colect., p. I-12249, n.os 53 e 54), segundo o qual, quando uma medida de auxílio de que faz parte integrante o respectivo modo de financiamento tiver sido executada com desrespeito da obrigação de notificação, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados, em princípio, a ordenar o reembolso dos encargos ou contribuições especificamente cobrados para financiar esse auxílio. Porém, a Comissão não examina se se verificam, no caso vertente, os requisitos para a aplicação deste princípio. Ora, importa recordar, a este respeito, que, para que se possa considerar que um encargo faz parte integrante de uma medida de auxílio, deve existir uma relação de afectação obrigatória entre o encargo e o auxílio por força da legislação nacional pertinente, no sentido de o produto do encargo ser necessariamente destinado ao financiamento do auxílio. Se tal relação existir, o produto do encargo influencia directamente a importância do auxílio e, por consequência, a apreciação da sua compatibilidade com o mercado comum (v. acórdão de 27 de Outubro de 2005, Casino France e o., C-266/04 a C-270/04, C-276/04 e C-321/04 a C-325/04, Colect., p. I-9481, n.o 40 e jurisprudência aí referida). A decisão não refere, porém, que no caso vertente existe uma relação de afectação obrigatória entre o produto das quotizações e o montante dos auxílios pagos nem fornece qualquer elemento que permita provar essa relação. Os recorrentes também não aduziram argumentos circunstanciados para sustentar a existência dessa relação.

    41

    Em segundo lugar, no tocante às acções judiciais já pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais, sublinhe-se que os recorrentes, embora dêem a entender que essas acções são múltiplas, apenas citam uma. Trata-se de uma acção proposta em 6 de Dezembro de 2004 pelo CIVR contra a SCEA Marty, no tribunal d’instance de Perpignan.

    42

    Refira-se que esse litígio diz respeito ao não pagamento de «quotizações voluntárias obrigatórias» de acordo com uma folha de pagamentos elaborada em 29 de Setembro de 2004 e não ao pagamento de auxílios sob a forma de acções de promoção publicitária e de funcionamento entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2000, a que se refere o artigo 1.o, n.o 3, da decisão. Por outro lado, não se provou de modo nenhum que as quotizações referidas estão relacionadas com o pagamento desses auxílios.

    43

    Por conseguinte, os recorrentes não demonstraram a existência de um risco efectivo de a sua situação jurídica ser afectada por acções judiciais relativas ao auxílio de Estado executado entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2000, sob a forma de acções de promoção publicitária e de funcionamento.

    44

    Em terceiro e último lugar, quanto ao argumento relativo à insegurança jurídica que essas acções provocariam, gerando a desestabilização total de todo o funcionamento das organizações interprofissionais do sector, o mesmo não consegue convencer, nem quanto ao passado nem quanto ao futuro.

    45

    Quanto ao passado, os recorrentes apenas invocaram o litígio entre o CIVR e a SCEA Marty, o qual, porque implica as quotizações devidas por esta empresa àquele organismo, não pode, por si só, desestabilizar todo o sector, mesmo que se admita que há um nexo com a decisão. De qualquer forma, os recorrentes não apresentaram nenhum elemento susceptível de provar a desestabilização ou a colocação em perigo da organização interprofissional resultante da qualificação, como auxílio de Estado, das acções de promoção publicitária e de funcionamento em causa.

    46

    Como a Comissão sublinhou na audiência, e o Tribunal de Primeira Instância registou, a decisão não qualifica as quotizações qua tale de auxílios de Estado, de modo que não gera a obrigação de reembolsar as quotizações a quem as pagou. A Comissão declarou-se pronta a enviar um ofício nesse sentido aos recorrentes.

    47

    Quanto à eventual desestabilização das futuras acções da organização interprofissional, os recorrentes não podem invocar situações futuras e incertas para demonstrarem o seu interesse em pedir a anulação do acto impugnado (v., neste sentido, acórdão Sniace/Comissão, já referido no n.o 28 supra, n.o 26).

    48

    Resulta do exposto que os recorrentes não provaram o seu interesse efectivo e actual em impugnar o artigo 1.o, n.o 3, da decisão. Há, pois, que julgar inadmissível o seu recurso, na parte em é pedida a anulação do artigo 1.o, n.o 3, da decisão.

    Quanto à legitimidade dos recorrentes para impugnar o artigo 1.o, n.o 1, da decisão

    Argumentos das partes

    49

    Segundo a Comissão, os recorrentes também não têm «interesse directo e individual em impugnar» o artigo 1.o, n.o 1, da decisão. No caso vertente, não há dúvidas nenhumas de que o destinatário da decisão é o Estado francês e não os recorrentes, pelo que há que averiguar se se pode considerar que o acto impugnado, que formalmente tem como destinatário um Estado-Membro, diz directa e individualmente respeito a cada um dos três recorrentes.

    50

    A Comissão sublinha que, para fixar os requisitos da admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares ou colectivas, há que distinguir entre os actos de carácter geral e os de carácter individual. No caso vertente, a decisão é um acto de carácter geral, pois diz respeito a um regime de auxílios aplicável a um número indeterminado e indeterminável de empresas, apenas em função da sua pertença a uma categoria muito ampla de empresas que produzem vinhos doces naturais.

    51

    Quanto à Salvat, a Comissão alega que a decisão não lhe diz individualmente respeito. Com efeito, uma vez que a decisão é de carácter geral, para que possa ter carácter individual relativamente à recorrente é necessário que esta possa invocar qualidades pessoais ou circunstâncias específicas susceptíveis de a caracterizar relativamente a qualquer outra pessoa. Ora, não é isso que sucede. A decisão teve repercussões na situação de todas as empresas que puderam beneficiar do prémio de retirada de terras da produção. A decisão não lesou os direitos específicos de determinadas empresas, distintos dos das outras empresas beneficiárias dos auxílios.

    52

    Esta solução foi confirmada por diversos acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância e não pode ser posta em causa pelos acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C-15/98 e C-105/99, Colect., p. I-8855, a seguir «acórdão Sardegna Lines»), e de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (C-298/00 P, Colect., p. I-4087, a seguir «acórdão Alzetta»).

    53

    As disposições impugnadas da decisão tão-pouco dizem directamente respeito à Salvat. A única disposição susceptível de afectar directamente os recorrentes, em especial a Salvat, é o artigo 2.o, que impõe à República Francesa a recuperação dos auxílios incompatíveis a que se refere o artigo 1.o Ora, nenhum dos recorrentes impugnou o artigo 2.o da decisão.

    54

    Para concluir, a Comissão afirma que a Salvat não apresenta qualidades que lhe sejam específicas nem se encontra numa situação de facto que a caracterize face a qualquer outro beneficiário actual ou potencial do regime posto em prática pela República Francesa. Assim, a Salvat não cumpre os requisitos a que se refere o artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, para poder interpor recurso no Tribunal de Primeira Instância.

    55

    Quanto à CIVDN, o seu recurso é, de qualquer formas, inadmissível, face à falta manifesta de interesse individual da sua parte. A Comissão alega que, segundo jurisprudência assente, uma associação de empresas que não é destinatária do acto impugnado tem legitimidade para dele interpor recurso quando tem um interesse próprio em demandar, nomeadamente porque a sua posição de negociadora foi afectada pelo acto em causa, ou quando actua em substituição de um ou mais membros que representa, desde que os seus próprios membros tenham legitimidade para interpor recurso desse acto. Ora, por um lado, o CIVDN não aduziu nenhum fundamento próprio diferente dos invocados pelos seus membros. Em especial, é pacífico que este organismo não desempenhou nenhum papel no procedimento administrativo. Por outro, os seus membros, como a Salvat, não têm legitimidade para interpor recurso, pelo que o CIVDN também não pode ter legitimidade para interpor recurso em sua substituição, pelos mesmos motivos.

    56

    Quanto ao CNIV, a Comissão recorda que o mesmo agrupa organizações interprofissionais vitícolas, que são entidades privadas reconhecidas pelo Estado. Segundo a Comissão, os argumentos desenvolvidos para fundamentar a inadmissibilidade do recurso do CIVDN aplicam-se mutantis mutandis e a fortiori ao CNIV. Com efeito, este último não conta, entre os seus membros, beneficiários dos auxílios referidos na decisão que dela possam recorrer individualmente.

    57

    Os recorrentes alegam, por seu lado, que a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente respeito.

    58

    A Salvat alega que a decisão lhe diz directamente respeito porque a ordem de recuperação dada à República Francesa no artigo 2.o da decisão afecta a sua situação jurídica. Com efeito, segundo afirma, o Estado francês, como não tem poder de apreciação, tem de obter o reembolso, por parte da empresa, do auxílio individual que lhe foi concedido. Porém, embora seja verdade que a existência na decisão dessa ordem de recuperação dirigida à República Francesa gera um nexo directo entre a situação da Salvat e a decisão, tal não implica que a Salvat seja obrigada a impugnar o artigo 2.o da decisão para que o seu recurso seja admissível. Com efeito, a ordem de recuperação constante da decisão tem por único destinatário o Estado-Membro em causa. De resto, acrescenta a Salvat, é antes de mais nada a qualificação como auxílios de Estado das medidas em causa que afecta a sua situação jurídica e, se o artigo 1.o, n.o 1, da decisão for anulado, já não subsiste nenhuma obrigação de recuperação nos termos do artigo 2.o

    59

    A Salvat afirma também que a decisão lhe diz individualmente respeito enquanto empresa efectivamente beneficiária de um auxílio individual, concedido ao abrigo do regime de auxílios cuja restituição é ordenada. A sua situação é idêntica à da Sardegna Lines, cujo recurso foi admitido pelo Tribunal de Justiça (acórdão Sardegna Lines, já referido no n.o 55 supra). Segundo a Salvat, nos acórdãos invocados pela Comissão para fundamentar a sua tese, a inadmissibilidade declarada pelo Tribunal de Justiça resultava de elementos fácticos específicos desses processos, em que a decisão não continha uma ordem de recuperação dos auxílios já pagos. A Salvat alega que a distinção que a Comissão faz entre os recursos de anulação relativos a auxílios individuais, que são admissíveis, e os que têm por objecto regimes de auxílios, que são inadmissíveis, é totalmente artificial e não assenta na jurisprudência invocada pela Comissão.

    60

    O CIVDN afirma ter interesse próprio em agir. A prova do interesse próprio em agir de uma organização não é condicionada nem limitada pela sua qualidade de negociadora. A decisão impugnada diz directamente respeito a acções interprofissionais levadas a cabo pelo CIVDN, financiadas através de quotizações instituídas por este e impede-o de exercer as suas competências próprias.

    61

    O CIVDN alega igualmente ter interesse em agir em defesa do interesse colectivo dos seus membros a que a decisão diz directa e individualmente respeito. Ora, estes têm legitimidade para, individualmente, interpor recurso de anulação da decisão, na qualidade de efectivos beneficiários dos auxílios cuja recuperação a Comissão ordenou.

    62

    O CNIV, associação sem fins lucrativos regulada pela Lei de 1 de Julho de 1901, afirma que tem manifestamente um interesse próprio em agir, na qualidade de representante das organizações interprofissionais do sector vitivinícola e de defensor do seu interesse colectivo. Recorda que, nos termos dos seus estatutos, tem por objecto, nomeadamente, «assegurar a representação em juízo dos organismos interprofissionais dos vinhos com denominação de origem».

    Apreciação do Tribunal

    63

    Nos termos do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

    64

    De acordo com jurisprudência assente, os sujeitos que não são destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se forem afectados em razão de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando-os, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279; de 2 de Abril de 1998, Greenpeace Council e o./Comissão, C-321/95 P, Colect., p. I-1651, n.os 7 e 28, e acórdão Sardegna Lines, já referido no n.o 52 supra, n.o 32).

    65

    No caso vertente, é pacífico que o destinatário da decisão é a República Francesa e não os recorrentes. Por isso, importa verificar se o acto impugnado diz directa e individualmente respeito a cada um deles.

    66

    O Tribunal de Primeira Instância considera oportuno verificar, em primeiro lugar, se o artigo 1.oda decisão diz directa e individualmente respeito à Salvat.

    67

    O Tribunal de Justiça considerou que uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial se essa decisão apenas lhe diz respeito em virtude de pertencer ao sector em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, esta decisão apresenta-se, em relação à empresa recorrente, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto (v. acórdão Alzetta, já referido no n.o 52 supra, n.os 36 e 37 e jurisprudência aí referida).

    68

    Não se pode deixar de observar que a decisão não identifica a(s) empresa(s) beneficiária(s) do auxílio em causa. O seu artigo 1.o, n.o 1, declara incompatível com o mercado comum o auxílio de Estado concedido pela República Francesa, sob a forma de prémio de retirada de terras da produção, «a favor dos produtores vitícolas franceses que se comprometessem a não reivindicar a [DOC] ‘Rivesaltes’ ou ‘Grand Roussillon’, da colheita de 1996 à colheita de 2000». Resulta dos considerandos 9 a 11 da decisão que o prémio de retirada de terras da produção de 5000 FRF por ano e hectare retirado da produção era pago «por todas as parcelas que tivessem produzido ‘Rivesaltes’ ou ‘Grand Roussillon’ em 1995 e passassem a produzir vinho de mesa ou vinhos regionais a partir da colheita de 1996 e até à colheita de 2000, inclusive». A decisão aplica-se, pois, a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto, na acepção da jurisprudência já referida.

    69

    Recorde-se, porém, que nos n.os 34 e 35 do acórdão Sardegna Lines, já referido no n.o 52 supra, o Tribunal de Justiça decidiu que, uma vez que a decisão em causa dizia respeito à Sardegna Lines não só enquanto empresa do sector do transporte marítimo da Sardenha, potencialmente beneficiária do regime de auxílios aos armadores sardos, mas também enquanto beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação fora ordenada pela Comissão, a referida decisão dizia-lhe individualmente respeito, pelo que era admissível o recurso que esta tinha interposto dessa decisão (v. também, no mesmo sentido, acórdão Alzetta, já referido no n.o 52 supra, n.os 38 e 39).

    70

    Por conseguinte, há que verificar se a Salvat tem a qualidade de beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo de um regime sectorial de auxílios, cuja recuperação a Comissão ordenou.

    71

    A Salvat apresenta, em anexo à petição, uma lista das transferências «Prémio de retirada de terras da produção — Plano rivesaltes», certificado pelo técnico de contas do CIVDN, da qual decorre que aquela beneficiou de um total de 91041,50 FRF a título de prémios de retirada de terras da produção. Decorre desse documento que os montantes concedidos diferem consoante as empresas, sendo por isso individualizados em função das características próprias de cada uma. Por conseguinte, a Salvat é beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido no âmbito de um regime sectorial de auxílios.

    72

    Além disso, decorre do artigo 2.o da decisão que a Comissão ordenou a recuperação do auxílio em causa.

    73

    Por conseguinte, o artigo 1.o, n.o 1, da decisão diz individualmente respeito à Salvat.

    74

    Esta conclusão não é infirmada pela jurisprudência invocada pela Comissão para fundamentar a sua tese. Com efeito, da análise dessa jurisprudência ressalta a diferença de contexto entre os processos em causa e o caso vertente, nomeadamente devido à inexistência, na maioria desses processos, de uma exigência de recuperação do auxílio.

    75

    Quanto ao interesse directo da Salvat, uma vez que o artigo 2.o da decisão obriga a República Francesa a tomar as medidas necessárias para recuperar os auxílios incompatíveis com o mercado comum referidos, nomeadamente, no artigo 1.o, n.o 1, e que a Salvat beneficiou deles e deverá restitui-los, há que considerar que essas disposições lhe dizem directamente respeito (v., neste sentido, acórdão Sardegna Lines, já referido no n.o 52 supra, n.o 36).

    76

    Com efeito, os dois critérios do interesse directo desenvolvidos pela jurisprudência consistem, primeiro, em que o acto em causa deve produzir directamente efeitos na situação jurídica do particular e, segundo, em que o referido acto não deve deixar nenhum poder de apreciação aos seus destinatários, aos quais compete executá-lo. Ora é pacífico que, no caso vertente, são cumpridos estes dois critérios.

    77

    O facto, destacado pela Comissão, de os recorrentes não terem impugnado a disposição da decisão que ordena à República Francesa que recupere o auxílio em causa não logra alterar esta conclusão. O interesse directo da recorrente está sujeito ao cumprimento dos dois critérios supramencionados, não sendo relevante, para esse efeito, o facto de aquela impugnar ou não a ordem de recuperação dada à República Francesa.

    78

    Acresce que a decisão relaciona o artigo 2.o com o artigo 1.o, n.os 1 e 2, pelo que os mesmos não podem ser considerados separadamente. A anulação do artigo 1.o, n.o 1, pedida pela recorrente, faria desaparecer a ordem de recuperação.

    79

    Por conseguinte, há que julgar admissível o recurso que a Salvat interpôs do artigo 1.o, n.o 1, da decisão, sem que seja necessário verificar se esta diz directa e individualmente respeito aos outros recorrentes.

    80

    Por todo o exposto, há que julgar o recurso inadmissível na parte relativa ao artigo 1.o, n.o 3, da decisão, e admissível na parte relativa ao artigo 1.o, n.o 1, da decisão.

    Quanto ao mérito da causa

    81

    Os recorrentes invocam dois fundamentos em apoio do pedido de anulação do artigo 1.o, n.o 1, da decisão. O primeiro é relativo à violação do dever de fundamentação e o segundo à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

    Argumentos das partes

    82

    Os recorrentes alegam que não está suficientemente fundamentada a apreciação que a Comissão fez, à luz do artigo 87.o CE, acerca da natureza das quotizações interprofissionais de financiamento do prémio de retirada de terras da produção e das acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC. A Comissão violou, assim, o dever de fundamentação a que se refere o artigo 253.o CE, que é particularmente preciso em matéria de auxílios de Estado.

    83

    O considerando 74 da decisão expõe lapidarmente os elementos que caracterizam a existência de um auxílio de Estado. Estas considerações superficiais não permitem compreender os motivos que levaram a Comissão a considerar que, no caso vertente, estavam cumpridos os critérios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos auxílios de Estado. A decisão nem sequer reproduz a essência das regras jurídicas estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    84

    Segundo os recorrentes, a Comissão devia identificar cada uma das medidas classificadas de auxílio e apresentar as razões pelas quais considerava que cada um dos quatro requisitos para a aplicação do artigo 87.o CE estava satisfeito. Ora, na decisão, a Comissão nem sequer teve o cuidado de distinguir, na fase da apreciação à luz do artigo 87.o, n.o 1, CE, entre as diferentes medidas em causa.

    85

    Os recorrentes observam, a título incidental, que a fundamentação da decisão quanto à existência de uma vantagem selectiva assenta mesmo numa inversão pura e simples do ónus da prova e que a Comissão parece contentar-se com o facto de «não est[ar] estabelecido que os beneficiários dos auxílios sejam sempre os devedores das imposições em causa».

    86

    A Comissão recorda a jurisprudência relevante sobre o dever de fundamentação, nomeadamente que lhe basta expor os factos e as considerações jurídicas que revestem importância fundamental na sistemática da decisão e que uma decisão que se integra na linha de uma prática decisória constante pode ser fundamentada sumariamente.

    87

    Segundo a Comissão, resulta dos trechos relevantes da decisão que esta está fundamentada de forma bastante. A Comissão cita, a este respeito, os considerandos 38 a 40, 74 — incluindo a nota n.o 12, para a qual este remete — e 121 da decisão.

    88

    A Comissão entende que não tinha de analisar mais cedo os motivos pelos quais os critérios da jurisprudência já referida não estavam cumpridos. Com efeito, no seu entender, resulta claramente do regime controvertido, por um lado, que o Estado tinha, por intermédio do CIVDN, o poder de dispor livremente dos recursos em causa e, por outro, que o financiamento das medidas a que o artigo 1.o da decisão se refere não era exclusivamente imputável aos membros do organismo profissional em questão, mas fazia parte de uma política estatal.

    89

    A Comissão alega ainda que, na petição, a alegação da insuficiência de fundamentação estava limitada às quotizações interprofissionais. Ora, a Comissão argumenta que não tomou nenhuma decisão sobre esse aspecto, pelo que a natureza de auxílio das quotizações interprofissionais não faz parte do dispositivo da decisão.

    90

    Em todo o caso, a Comissão considera, subsidiariamente, que este fundamento é inadmissível, uma vez que os recorrentes não explicaram em que é que a globalidade da fundamentação da decisão relativamente à existência de auxílios de Estado, tal como consta dos considerandos 71 a 82 da decisão, é insuficiente face às exigências do artigo 253.o CE.

    Apreciação do Tribunal

    91

    Segundo jurisprudência assente, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz as exigências do artigo 253.o CE deve ser apreciada à luz, não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Ainda que a Comissão não esteja obrigada a responder, na fundamentação de uma decisão, a todas as questões de facto e de direito suscitadas pelos interessados no decurso do procedimento administrativo, deve tomar em consideração todas as circunstâncias e todos os elementos relevantes do caso, a fim de permitir ao tribunal comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e dar a conhecer, tanto aos Estados-Membros como aos cidadãos interessados, as condições em que aplicou o Tratado (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o. e British Midland Airways/Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.o 94 e jurisprudência aí referida).

    92

    Tendo em vista o exame da exigência de fundamentação no presente contexto, cumpre precisar que o procedimento de controlo dos auxílios de Estado é um procedimento instaurado relativamente ao Estado-Membro responsável pela concessão do auxílio e que os interessados na acepção do artigo 88.o, n.o 2, CE, entre os quais figura o beneficiário do auxílio, não podem exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto a favor do referido Estado-Membro (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T-198/01, Colect., p. II-2717, n.o 61 e jurisprudência aí referida).

    93

    É à luz do exposto que há que apreciar se a fundamentação da decisão cumpre as exigências do artigo 253.o CE.

    94

    Na decisão a Comissão começa a sua apreciação (ponto 1), citando o disposto no artigo 87.o, n.o 1, CE (considerando 71). De seguida, examina (ponto V 1.1, considerandos 73 a 76) a «existência de uma vantagem selectiva, financiada por recursos estatais». Esses considerandos têm a seguinte redacção:

    «73.

    São consideradas auxílios as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam susceptíveis de favorecer directa ou indirectamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado.

    74.

    No que diz respeito à natureza das quotizações em apreço, a Comissão nota que estas exigiram a adopção de um acto da autoridade pública para produzir todos os seus efeitos e que os recursos assim gerados serviram de instrumento para a aplicação de uma política apoiada pelo Estado. Além disso, não está estabelecido que os beneficiários dos auxílios sejam sempre os devedores das imposições em causa. Por estas razões, tais auxílios não preenchem os critérios propostos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência para não serem abrangidos pelo n.o 1 do artigo 87.o do Tratado. Consequentemente, a Comissão considera que se trata, no caso vertente, de imposições parafiscais, ou seja, de recursos públicos.

    75.

    Acresce que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são consideradas auxílios as intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos.

    76.

    No que diz respeito à existência, ou mesmo à natureza do auxílio, esta deve ser estabelecida ao nível dos beneficiários potenciais do plano Rivesaltes, bem como das quotizações interprofissionais para a promoção publicitária e o funcionamento de certas DOC e do seu financiamento. No caso em apreço, o apoio atribuído favoreceu certas empresas, na medida em que o auxílio apenas foi atribuído aos produtores de DOC que operam em certas regiões determinadas.»

    95

    O considerando 74 remete para a nota n.o 12, que contém a referência ao acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 2004, Pearle e o. (C-345/02, Colect., p. I-7139), e o considerando 75 da decisão remete, por seu lado, na nota n.o 13, para o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2003, Freskot (C-355/00, Colect, p. I-5263).

    96

    Depois, sob a epígrafe «Afectação das trocas comerciais» (ponto V 1.2), a decisão consagra cinco considerandos (77 a 81) ao critério da afectação das trocas comerciais.

    97

    Por último, sob a epígrafe «Conclusões sobre o carácter de ‘auxílio’ na acepção do n.o 1 do artigo 87.o do Tratado» (ponto V 1.3), a decisão expõe o seguinte, no considerando 82:

    «A Comissão considera, face ao exposto, que as medidas a favor das empresas produtoras de DOC que operam em certas regiões determinadas constituem uma vantagem financiada por recursos públicos, que lhes é conferida e da qual os outros operadores não podem beneficiar, que falseia ou ameaça falsear a concorrência favorecendo certas empresas e certas produções, pelo que é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros. Constitui, por conseguinte, um auxílio na acepção do n.o 1 do artigo 87.o do Tratado.»

    98

    Em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que, no tocante à natureza das quotizações interprofissionais que financiam, designadamente, o prémio de retirada de terras da produção, o considerando 74 da decisão contém uma fundamentação precisa. As quotizações em causa «exigiram a adopção de um acto da autoridade pública para produzir todos os seus efeitos» e «os recursos assim gerados serviram de instrumento para a aplicação de uma política apoiada pelo Estado». Trata-se de «imposições parafiscais, ou seja, de recursos públicos». Por outro lado, o considerando 29 da decisão desenvolve, a propósito da natureza das quotizações, os argumentos aduzidos pela Comissão no âmbito da abertura do procedimento de investigação e apresenta esclarecimentos a esse respeito.

    99

    Em segundo lugar, embora seja verdade que a decisão não indica os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência que permitem escapar à proibição inscrita no artigo 87.o, n.o 1, CE, cita esse artigo (considerando 71), a jurisprudência que define as intervenções que são consideradas auxílios (considerandos 73 e 75) e expõe os motivos pelos quais esse artigo e essa jurisprudência se aplicam no caso vertente (considerandos 74 e 76 a 82). A Comissão tinha de indicar os motivos pelos quais as medidas em causa caíam no âmbito do artigo 87.o, n.o 1, CE, e não o oposto. O facto de a Comissão se contentar em remeter para o acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, e não entrar nos detalhes da demonstração oposta não pode ser considerado falta de fundamentação.

    100

    Em terceiro lugar, quanto à alegada exigência de uma fundamentação específica para cada uma das medidas em causa, não se pode deduzir do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2005, Confédération nationale du Crédit mutuel/Comissão (T-93/02, Colect., p. II-143), que é necessária uma fundamentação específica para cada um dos quatro requisitos de aplicação do artigo 87.o CE.

    101

    Com efeito, nesse processo o Tribunal de Primeira Instância partiu da asserção de que a designação do auxílio no dispositivo da decisão impugnada não bastava para permitir aos interessados e ao Tribunal conhecer a ou as medida(s) que, no caso em apreço, se considerou que constituía(m) um auxílio (n.o 73). No n.o 122, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que a decisão impugnada não tinha fundamentação bastante no que tocava à identificação das medidas qualificadas de auxílio.

    102

    Ora, não é isso que sucede no caso vertente, antes pelo contrário. O dispositivo da decisão qualifica de auxílio de Estado o prémio de retirada de terras da produção, o plano de reconversão e as acções de promoção publicitária, consagrando um ponto a cada medida. Por isso, os interessados e o Tribunal de Primeira Instância podem conhecer sem dificuldade as medidas que, no caso vertente, foram consideradas um auxílio na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE. De resto, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, como o recurso só é admissível na parte em que visa a anulação do artigo 1.o, n.o 1, da decisão, a apreciação deve limitar-se aos fundamentos do prémio de retirada de terras da produção.

    103

    Por outro lado, no caso vertente, ao contrário do que sucedia com a decisão impugnada no processo que deu origem ao acórdão Confédération nationale du Crédit mutuel/Comissão, já referido no n.o 100 supra, na fundamentação da decisão faz-se, as mais das vezes, uma distinção entre as três medidas consideradas. Assim, no ponto II, sob a epígrafe «Descrição», a decisão descreve sucessivamente o sistema do prémio à retirada de terras da produção (ponto II 1.1), o da ajuda à reconversão (ponto II 1.2) e as quotizações interprofissionais para a promoção publicitária (ponto II 2). Depois, novamente, nos desenvolvimentos consagrados aos argumentos aduzidos pela Comissão no âmbito da abertura do procedimento de investigação (ponto II 3), a decisão distingue entre o prémio de retirada de terras da produção (considerandos 30 a 32), os custos de reconversão (considerandos 33 a 37) e os auxílios à promoção publicitária (considerandos 38 e 39). Da mesma forma, no ponto IV, consagrado às observações da República Francesa, constata-se novamente essa distinção, nomeadamente prémio à retirada de terras da produção (ponto IV 1.1), ajuda à reconversão (ponto IV 1.2) e acções para a promoção publicitária (ponto IV 2). Por último, na análise da compatibilidade dos auxílios (ponto V 2), a decisão distingue novamente as três medidas, sendo os considerandos 95 a 106 consagrados ao prémio de retirada de terras da produção, os considerandos 107 a 118 à ajuda à reconversão e os considerandos 119 a 123 aos auxílios à promoção publicitária.

    104

    É certo que a decisão, na apreciação dos requisitos exigidos pelo artigo 87.o, n.o 1, CE, sob as epígrafes «Existência de uma vantagem selectiva, financiada por recursos estatais» e «Afectação das trocas comerciais», de facto não distingue entre as três medidas. Essa apreciação aplica-se claramente às três medidas visadas. No entanto, permite aos interesses conhecer a aplicação que a Comissão fez do Tratado e ao Tribunal de Primeira Instância exercer a sua fiscalização de legalidade. Contrariamente ao que sucedeu no processo Le Levant (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Fevereiro de 2006, Le Levant 001 e o./Comissão, T-34/02, Colect., p. II-267, n.os 109 a 132), invocado pelos recorrentes, a decisão examina em que medida é que, no caso vertente, são cumpridos os requisitos, fixados no artigo 87.o, n.o 1, CE, para que se verifique a incompatibilidade dos auxílios com o mercado comum. Não se pode considerar que o facto de a decisão o fazer globalmente é, por si só, contrário ao dever de fundamentação, tanto mais que as medidas em causa se inserem no mesmo plano de acção.

    105

    Daqui resulta que há que julgar improcedente o primeiro fundamento, sem ser necessário apreciar o argumento desenvolvido subsidiariamente pela Comissão na sua réplica.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE

    106

    Numa primeira vertente, os recorrentes alegam que não se verifica a natureza de recursos estatais e, na segunda, que as quotizações interprofissionais não são imputáveis ao Estado. Porém, como as partes, nos seus articulados, frequentemente misturam as duas vertentes deste fundamento, há que tratá-las conjuntamente.

    Argumentos das partes

    107

    Os recorrentes recordam que, segundo jurisprudência assente, para se qualificar as medidas em causa de auxílios de Estado têm de se verificar quatro requisitos cumulativos. Ora, no caso vertente falta um deles, concretamente o de as medidas terem proveniência estatal, isto é, serem financiadas por meio de recursos estatais e serem imputáveis ao Estado.

    108

    Os recorrentes invocam a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual uma medida tornada vinculativa pelas autoridades públicas, mas financiada por empresas privadas, sem que as autoridades públicas tenham, em momento algum, o poder de dispor das quantias em causa, não implica qualquer transferência directa ou indirecta de recursos estatais (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n.o 59).

    109

    Segundo os recorrentes, resulta da jurisprudência que o critério determinante consiste no poder de disposição suficiente sobre os fundos que serviram para financiar a medida. Ora, na decisão, a Comissão conclui que as quotizações tinham natureza de auxílios de Estado pelo simples facto de terem exigido a adopção de um acto de autoridade pública. Assim, a Comissão não procedeu à análise imposta pela jurisprudência.

    110

    Os recorrentes alegam que, em matéria de quotizações interprofissionais, a intervenção do Estado se limita, com base numa iniciativa profissional, logo, privada, a aprovar as quotizações, para lhes conferir natureza vinculativa para todos os membros da organização interprofissional. As autoridades públicas apenas exercem a fiscalização sucessiva da pura regularidade financeira e não têm, em momento nenhum, controlo sobre os fundos. O CIVDN beneficiou de autonomia completa no que respeita quer ao financiamento e condução das acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC, quer ao prémio de retirada de terras da produção.

    111

    Uma abordagem estritamente orgânica do funcionamento do CIVDN não tem em conta a realidade do funcionamento dessa entidade. Deve ser sempre privilegiada uma apreciação assente numa abordagem funcional.

    112

    Segundo os recorrentes, os recentes despachos do Ministro da Economia francês de 31 de Março de 2006 relativos às regras da fiscalização económica e financeira das organizações interprofissionais agrícolas pelo Estado demonstram a inexistência de qualquer possibilidade de o Estado poder dispor dos fundos obtidos pelas organizações interprofissionais através das quotizações dos profissionais.

    113

    Os recorrentes sublinham que a Comissão comete um erro manifesto quando sustenta que o prémio de retirada de terras da produção é financiado principalmente através de um imposição parafiscal de 50 FRF por hectolitro produzido na região dos Pirinéus. Pelo contrário, foi cobrada uma quotização profissional específica para financiar o plano de retirada de terras da produção, como o comprova a Decisão 96-1 do CIVDN. A imposição parafiscal em causa tem uma importância marginal nos recursos do CIVDNM, pois destina-se ao funcionamento dos seus serviços.

    114

    Quanto à apreciação da imputabilidade ao Estado das quotizações interprofissionais destinadas a financiar acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC, os recorrentes alegam que, relativamente a uma entidade privada como uma organização interprofissional, o critério determinante diz respeito à questão de saber se o organismo em questão podia ou não tomar a medida em causa sem levar em conta as exigências dos poderes públicos. Ora, é incontestável que essas acções, diversamente do que sucede com as em causa no âmbito do plano Rivesaltes, não se enquadravam de modo nenhum numa política do Estado. Pelo contrário, no entender dos recorrentes, tratava-se de medidas tomadas exclusivamente em prol de um objectivo fixado previamente pelo meio profissional. Assim, a Comissão, quando concluiu, no artigo 1.o, n.o 3, da decisão, que essas acções podiam ser qualificadas de auxílio de Estado, cometeu um erro de direito e violou manifestamente o artigo 87.o, n.o 1, CE.

    115

    A Comissão sustenta que um simples exame da Lei n.o 200, de 2 de Abril de 1943, que cria o CIVDN, alterada pelo Decreto n.o 55-1064, de 20 de Outubro de 1956, basta para demonstrar que as medidas controvertidas só podem ser o resultado de um acto imputável ao Estado e que essas medidas são financiadas por recursos estatais. Segundo afirma, resulta dessa lei que o CIVDN inclui em simultâneo, de forma paritária, os produtores e as autoridades públicas (artigo 2.o) e que o seu órgão executivo se compõe, em larga medida, de representantes do Estado (artigo 4.o). A Comissão cita, além disso, o artigo 7.o da referida lei, segundo o qual as propostas do CIVDN ou do seu órgão executivo são vinculativas para todos membros das profissões interessadas a partir da respectiva aprovação, consoante os casos, pelo ministro da Agricultura ou pelo delegado do governo. A Comissão invoca também o artigo 14.o dessa lei, que prevê que o orçamento está sujeito à aprovação dos ministros da Agricultura e das Finanças e que as despesas relativas à gestão do CIVDN ou à realização dos seus objectivos de interesse profissional são suportadas quer através de tributos cobrados sobre a venda de produtos quer através de outros meios. Por último, a Comissão sublinha que o artigo 15.o da referida lei dispõe que a gestão financeira do CIVDN está sujeita à fiscalização do Estado. Nestas condições, a Comissão entende que é manifesto que estão em causa recursos estatais e actos imputáveis ao Estado.

    116

    Esta interpretação do papel preponderante do Estado é, em larga medida, confirmada pela Decisão 04-D-35 do conseil de la concurrence francês, de 23 de Julho de 2004, relativa às práticas no mercado dos vinhos doces naturais da DOC «Rivesaltes».

    117

    Segundo a Comissão, embora a Decisão 96-1 do CIVDN, de 5 de Julho de 1996, previsse, de facto, que as receitas das quotizações interprofissionais se destinavam exclusivamente a pagar aos produtores o prémio de retirada de terras da produção que lhes cabia, essas receitas revelaram-se insuficientes para esse efeito. Assim, o conseil général atribuiu uma ajuda excepcional no montante de 2 milhões de FRF. Além disso, a assembleia plenária do CIVDN de 20 de Dezembro de 2000 decidiu proceder à fusão da contabilidade dos prémios de retirada de terras da produção e da contabilidade geral do CIVDN, o que reforçou a possibilidade de esse organismo dispor, sob a fiscalização do Estado, dos recursos obtidos, independentemente da sua proveniência.

    118

    A Comissão recorda que o prémio de retirada de terras da produção era financiado principalmente através de uma imposição parafiscal propriamente dita, no montante de 50 FRF por hectolitro produzido na região dos Pirinéus. Assim, não há dúvida nenhuma de que essa imposição parafiscal era directamente aplicada pelo Estado e de que não se tratava de uma contribuição voluntária do sector.

    119

    A Comissão insiste que as quotizadas foram examinadas na decisão unicamente para verificar se constituíam recursos estatais destinados a financiar as três medidas visadas na decisão. Em contrapartida, as quotizações, enquanto tais, não são qualificadas de auxílio de Estado na acepção do artigo 87.o CE. É por isso que a Comissão mantém que o segundo fundamento aduzido pelos recorrentes, tal como resulta da petição, é inadmissível e não tem objecto, pois a Comissão nunca verificou, nem tinha de verificar, se as quotizações, por si só, constituíam auxílios de Estado.

    120

    A Comissão sublinha que a decisão não dá a entender, em ponto nenhum, que há um nexo de afectação obrigatório, na acepção da jurisprudência, entre a receita das quotizações e o montante dos auxílios pagos no âmbito das três medidas em causa. Com efeito, o regime controvertido fixou, independentemente das receitas das quotizações, o montante dos auxílios que, em seguida, foram pagos unicamente em função da situação pessoal dos beneficiários.

    121

    Da confirmação, pelos recorrentes, de que «se limitaram a contestar a característica da imputabilidade ao Estado apenas relativamente às quotizações interprofissionais em causa no artigo [1.o, n.o 3] do dispositivo da decisão», a Comissão infere, na tréplica, que o recurso não tem por objecto as três medidas a que se refere o artigo 1.o da decisão. Contudo, acrescenta que a redacção do texto seguinte ao ponto 86 da réplica poderia levar a pensar que os recorrentes contestam que as quotizações constituam recursos estatais, na medida em que se destinam a financiar as acções de promoção publicitária e de funcionamento. Contudo, segundo a Comissão, no último ponto da réplica os recorrentes voltam a cair na mesma confusão, ao concluírem que a Comissão errou quando declarou que as quotizações que financiaram as acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC podiam ser qualificadas de auxílios de Estado. A Comissão, invocando esta falta de clareza e a impossibilidade de se defender, alega que o fundamento deve ser julgado inadmissível. Subsidiariamente, afirma que é improcedente.

    Apreciação do Tribunal

    122

    Uma vez que a Comissão contesta, na tréplica, a admissibilidade deste fundamento, há que começar a respectiva apreciação por essa questão.

    — Quanto à admissibilidade do fundamento relativo à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE

    123

    Na sua tréplica, a Comissão alega não poder defender a sua posição devido à falta de clareza dos diversos articulados dos recorrentes.

    124

    Embora a argumentação dos recorrentes nos articulados se possa, nalguns aspectos, prestar a confusões, não se pode deixar de observar, no entanto, que o enunciado deste fundamento resulta com clareza da petição. Com efeito, os recorrentes invocam um erro de direito e a violação do artigo 87.o, n.o 1, CE. Subdividem este fundamento em duas vertentes, a primeira das quais se refere à circunstância de as quotizações não possuírem a natureza de recursos estatais e a segunda à inimputabilidade ao Estado das quotizações interprofissionais destinadas a financiar as acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC. Além disso, no resumo dos fundamentos e principais argumentos invocados que consta da petição, pode ler-se o seguinte:

    «Pede-se ao Tribunal de Primeira Instância que anule a decisão […], pelos seguintes fundamentos:

    […]

    A decisão procede de uma violação do artigo 87.o, n.o 1, CE, na medida em que qualifica de auxílios de Estado as quotizações interprofissionais a que se refere o artigo 1.o, n.os 1 e 3, do dispositivo.»

    125

    Nesta medida, e neste limite, o fundamento em causa deve ser julgado admissível. Porém, os recorrentes não podem alterar subsequentemente o teor e alcance desse fundamento, a ponto de fazerem dele um novo fundamento, violando os direitos de defesa. Com efeito, o artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância dispõe que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Todavia, deve ser julgado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, directa ou indirectamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2000, Dürbeck/Comissão, T-252/97, Colect., p. II-3031, n.o 39).

    126

    Por um lado, resulta da petição inicial que os recorrentes contestam a qualificação de auxílios de Estado de que as quotizações profissionais foram objecto, concretamente na medida em que estas não têm natureza de recursos estatais. Neste âmbito, afirmam que o Estado não pode dispor das quotizações em causa. Por outro, invocam a inimputabilidade ao Estado, limitando-a muito claramente às quotizações interprofissionais destinadas a financiar as acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC. A este respeito, os recorrentes recordam que «se limitaram a impugnar a característica da imputabilidade ao Estado apenas relativamente às quotizações interprofissionais em causa no artigo [1.o, n.o 3] do dispositivo da decisão».

    127

    A Comissão não pode alegar que não se podia defender quanto a estes pontos. De resto, os n.os 59 a 77 da sua contestação e 52 a 60 e 67 da sua tréplica demonstram o contrário.

    128

    Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE é admissível.

    — Quanto à procedência do fundamento relativo à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE

    129

    Segundo jurisprudência assente, para que as vantagens possam ser qualificadas de auxílios na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE, devem, por um lado, ser concedidas directa ou indirectamente através de recursos estatais e, por outro lado, ser imputáveis ao Estado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2002, França/Comissão, dito «Stardust», C-482/99, Colect., p. I-4397, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

    130

    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que apenas as vantagens concedidas directa ou indirectamente e provenientes de recursos estatais devem ser consideradas auxílios na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE. Com efeito, a distinção estabelecida nesta disposição entre os «auxílios concedidos pelos Estados» e os auxílios «provenientes de recursos estatais» não significa que todas as vantagens concedidas por um Estado constituam auxílios, quer sejam ou não financiadas por recursos estatais, mas destina-se apenas a incluir neste conceito as vantagens atribuídas directamente pelo Estado e as atribuídas por organismos públicos ou privados, designados ou instituídos pelo Estado (v. acórdão PreussenElektra, já referido no n.o 108 supra, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

    131

    Sublinhe-se desde já que o fundamento é improcedente, na medida em que, de acordo com diversos argumentos aduzidos pelos recorrentes na petição inicial e na réplica, bem como no resumo que figura na réplica, esse fundamento se destina a pôr em causa a qualificação das quotizações em causa como auxílios de Estado.

    132

    Com efeito, em nenhum momento a decisão qualifica essas quotizações de auxílios de Estado (v. também, sob o ângulo da admissibilidade do recurso, os n.os 38 e 40 supra). Como resulta do seu dispositivo, só as medidas executadas sob a forma de prémio de retirada de terras da produção, do plano de reconversão e de acções de promoção publicitária e de funcionamento a favor de determinadas DOC são qualificadas de auxílio de Estado. No considerando 74 da decisão, a Comissão considera que as quotizações em causa são imposições parafiscais, isto é, recursos públicos. Como as quotizações em causa serviram para financiar as medidas referidas, conclui-se, na decisão, que se encontra satisfeito o critério do financiamento por recursos públicos.

    133

    Para se ser exaustivo, refira-se que, se se interpretassem os articulados dos recorrentes no sentido de que as medidas em causa não constituem auxílios de Estado porque não são financiadas por recursos públicos e, quanto a algumas delas, não são imputáveis ao Estado, a resposta não seria diferente.

    134

    Com efeito, quanto ao segundo elemento, decorre do enunciado da segunda vertente deste fundamento e dos esclarecimentos prestados pelos recorrentes na réplica que estes apenas impugnam a imputabilidade ao Estado das quotizações interprofissionais destinadas a financiar as acções de promoção publicitária e de funcionamento de determinadas DOC.

    135

    Ora, uma vez que o recurso não é admissível no que se refere à impugnação da parte do dispositivo relativa a essas acções (v. n.os 34 a 48 supra), a argumentação desenvolvida nessa vertente não pode ser acolhida.

    136

    Por outro lado, os recorrentes não impugnam a imputabilidade ao Estado do prémio de retirada de terras da produção. Assim, basta verificar se a Comissão tinha razão quando considerou, na decisão, que o prémio de retirada de terras da produção constituía uma vantagem financiada por recursos estatais.

    137

    Para sustentar as respectivas teses divergentes, os recorrentes e a Comissão invocam, cada um, principalmente um acórdão do Tribunal de Justiça. Os primeiros baseiam-se no acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, para alegar, por analogia, que a medida em causa não foi «financiada através de meios postos à […] disposição [das] autoridades nacionais». A Comissão alude, por seu lado, ao acórdão Stardust, já referido no n.o 129 supra, afirmando que os recursos do CIVDN «estavam sob controlo do Estado e, portanto, à disposição deste» e que, «através do exercício da sua influência dominante sobre [a empresa], o Estado pod[ia] perfeitamente orientar a utilização dos respectivos recursos».

    138

    Refira-se, preliminarmente, que os recorrentes contestam o alcance que a Comissão atribui ao acórdão Stardust, já referido no n.o 137 supra, uma vez que, segundo entendem, a análise do Tribunal de Justiça se insere «no contexto específico do caso concreto, que se caracterizava pelo facto de os organismos que concederam contribuições financeiras à Stardust serem empresas públicas». Os recorrentes recordam que o CIVDN é uma pessoa colectiva de direito privado.

    139

    Todavia, resulta de jurisprudência assente que não há que distinguir os casos em que o auxílio é concedido directamente pelo Estado daqueles em que é concedido por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído pelo Estado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão,57/86, Colect., p. 2855, n.o 12; PreussenElektra, já referido no n.o 108 supra, n.o 58, e de 20 de Novembro de 2003, GEMO, C-126/01, Colect., p. I-13769, n.o 23). Como demonstram os acórdãos Stardust, já referidos no n.o 129 supra, e Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, a natureza jurídica do organismo ou empresa em causa não é considerado um elemento determinante para a aplicação das regras do Tratado sobre auxílios de Estado. O mero facto de se tratar de um organismo público não acarreta automaticamente a aplicação do artigo 87.o CE, do mesmo modo que o facto de as medidas serem tomadas por um organismo privado não a exclui.

    140

    Quanto ao prémio de retirada de terras da produção, a Decisão 96-1 do CIVDN, de 5 de Julho de 1996, criou uma quotização para o financiar. Para verificar se a Comissão tinha razão quando qualificou essa quotização de recurso estatal com fundamento, nomeadamente, em que implicara a adopção de um acto das autoridades públicas para produzir os seus efeitos, há que examinar o papel do Estado nesse organismo.

    141

    O exame da Lei n.o 200, de 2 de Abril de 1943, que cria o Comité interprofessionnel des vins doux naturels e vins de liqueur à appellations contrôlées, alterada pelo Decreto n.o 55-1064, de 20 de Outubro de 1956, confirma o predomínio do Estado nesse organismo.

    142

    Segundo o artigo 3.o, substituído pelo artigo 2.o do Decreto 56-1064, o CIVDN compõe-se, por um lado, de catorze representantes dos sindicatos e organismos profissionais mais representativos dos produtores e cooperativas de vinificação, conservação e distribuição e, por outro, de catorze representantes dos sindicatos e organismos profissionais mais representativos dos grossistas. Os seus membros são nomeados por três anos, por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta dos sindicatos e organismos interessados.

    143

    Um determinado número de representantes do Estado pode participar nas deliberações, sem tomar parte na votação.

    144

    Resulta do artigo 4.o, que passou a artigo 3.o do Decreto 56-1064, que o Estado, por meio do seu representante, ocupa alternativamente o lugar de presidente ou de vice-presidente do órgão executivo.

    145

    O director é nomeado e destituído por despacho do Secretário de Estado da Agricultura (artigo 5.o, que passou a artigo 4.o do Decreto 56-1064).

    146

    O artigo 6.o do Decreto 56-1064 dispõe:

    «Um delegado do governo, designado pelo Ministro da Agricultura e do Abastecimento, assiste a todas as deliberações.

    Se as propostas que lhe forem apresentadas pelo [CIVDN] ou pelo seu órgão executivo tiverem sido adoptadas por dois terços dos membros presentes, o delegado poderá, consoante as directivas que tiver recebido, aprovar imediatamente as decisões propostas ou submetê-las para aprovação ao Ministro da Agricultura e do Abastecimento.»

    147

    O artigo 7.odo Decreto 56-1064 dispõe:

    «As propostas do [CIVDN] ou do seu órgão executivo são vinculativas para todos os membros das profissões interessadas a partir da respectiva aprovação, consoante os casos, pelo Ministro da Agricultura e do Aprovisionamento ou pelo delegado do governo.

    […]

    Tornam-se executórias a partir da respectiva notificação oficial aos organismos corporativos das profissões que constituem o [CIVDN].

    Quando estiver em causa o interesse nacional, o Ministro da Agricultura e do Abastecimento, se o considerar útil, tomará, no lugar e em substituição do [CIVDN], as decisões que este se recusou a tomar, após ter sido notificado do respectivo pedido pelo delegado do governo.»

    148

    Conforme disposto no artigo 8.o do Décret 56-1064, o CIVDN tem como missão tomar, de acordo com as directivas do governo, uma série de decisões gerais que o mesmo artigo enumera, entre as quais as de organizar e fiscalizar a produção dos vinhos produzidos nas regiões demarcadas.

    149

    Nos termos do artigo 10.o do Decreto 56-1064, caso se verifiquem infracções às decisões do CIVDN, podem ser aplicadas diversas sanções, consoante os casos, pelo prefeito da circunscrição administrativa da residência do infractor ou pelo Ministro da Agricultura, sob proposta do prefeito, concretamente, coimas, retirada da carteira profissional ou perda a favor do Estado da integralidade, ou parte, dos produtos.

    150

    No caso das medidas gerais a que se refere o artigo 8.o, o artigo 11.o autoriza o Ministro da Agricultura, sob proposta do delegado do governo, a actuar em substituição do órgão executivo, para lhe impor uma decisão que este último se recusou a tomar, não obstante ter sido notificado do respectivo pedido pelo delegado do governo.

    151

    O artigo 14.o dispõe que o orçamento do CIVDN está sujeito à aprovação do mesmo ministro. Acrescenta que «as despesas relativas à gestão do [CIVDN] ou à realização dos seus objectivos de interesse profissional são suportadas quer através de tributos cobrados sobre a venda de produtos quer através de outros meios. O [CIVDN] só pode cobrar esses tributos depois de essa cobrança ter sido autorizada [por] despacho dos Ministros da Agricultura e do Abastecimento e da Economia Nacional e das Finanças».

    152

    Segundo o artigo 15.o do Decreto 56-1064, a gestão financeira está sujeita à fiscalização do Estado e os fundos disponíveis são depositados no Tesouro ou na caísse regional de crédit agricole mutuel da sede do CIVDN.

    153

    Por último, o regimento interno do CIVDN está sujeito à aprovação do Ministro da Agricultura.

    154

    Daqui resulta que, para além da presença do Estado nesse organismo e no seu órgão executivo, a autorização do Estado é necessária para todos os actos essenciais do CIVDN. Em especial, este não pode cobrar quotizações ou tributos nem dispor das respectivas receitas sem o acordo do Estado, que lhe pode impor as suas próprias decisões.

    155

    As disposições desta lei não corroboram a tese, defendida pelos recorrentes, da «gestão puramente profissional» do CIVDN e da limitação da acção do Estado a «um poder de fiscalização sucessiva da regularidade da gestão financeira do CIVDN».

    156

    Mesmo que se dê por provado que, como afirmam os recorrentes, «na prática, o papel das administrações tem sido apenas o de tornar vinculativas as decisões dos profissionais», não é menos verdade que, de jure, os poderes do Estado vão muito mais longe. É com justeza que a decisão afirma, no considerando 74, que as quotizações «exigiram a adopção de um acto da autoridade pública para produzir […] os seus efeitos». Em consonância com o acórdão Stardust, já referido no n.o 129 supra, através do exercício da sua influência dominante sobre o CIVDN, o Estado pode perfeitamente orientar a utilização dos respectivos recursos para financiar, eventualmente, benefícios específicos a favor de determinadas empresas.

    157

    Acrescente-se, a este respeito, que, independentemente do seu conteúdo, os despachos do Ministro da Economia francês de 31 de Março de 2006 invocados pelos recorrentes não logram comprovar, no caso vertente, a inexistência de toda e qualquer possibilidade de o Estado dispor dos fundos obtidos pelas organizações interprofissionais. Com efeito, esses despachos são posteriores aos factos controvertidos e à decisão.

    158

    Por outro lado, o acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, que os recorrentes invocam, não lhes dá ajuda nenhuma, na medida em que não é transponível para o caso vertente.

    159

    Com efeito, em primeiro lugar, é certo que, inicialmente, os fundos utilizados pelo CIVDN para pagar o prémio de retirada de terras da produção deviam ser obtidos juntos dos seus filiados por meio de uma quotização interprofissional (v. decisão 96-1, de 5 de Julho de 1996). As receitas da quotização deviam ser cativadas num fundo especial gerido pelo CIVDN e destinado exclusivamente a pagar ao produtor o prémio de retirada de terras da produção que lhe cabia (artigo 5.o dessa decisão).

    160

    Todavia, resulta das declarações do denunciante, constantes dos considerandos 43 e 44 da decisão, confirmadas pela acta da assembleia plenária do CIVDN de 20 de Dezembro de 2000, apresentada pela Comissão em anexo à contestação, que, por um lado, em 1999 o prémio de retirada de terras da produção foi pago graças a uma subvenção de 3 milhões de FRF do conseil général des Pyrénées-Orientales e, por outro, o prémio de retirada de terras da produção foi financiado por fundos que não provinham exclusivamente da cobrança da quotização estabelecida, mas que também eram parcialmente suportados pelo orçamento geral do CIVDN. De resto, estes elementos não foram contestados pelos recorrentes. Tal como sucedeu no acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig (78/76, Colect., p. 203), a que se alude no n.o 38 do acórdão Pearle e. o., já referido no n.o 95 supra, também se verificaram, pois, subvenções directas do Estado.

    161

    Por conseguinte, no caso vertente, não se pode afirmar, na esteira do acórdão Pearle e o., que, tendo os custos suportados pelo organismo sido inteiramente compensados pelas contribuições cobradas às empresas que deles beneficiaram, a intervenção do CIVDN não se destinou a criar uma vantagem que constituísse um encargo suplementar para o Estado ou para este organismo (v., neste sentido, acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, n.o 36).

    162

    Em segundo lugar, como se sublinha no considerando 74 da decisão, não está provado, no caso vertente, ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, que os beneficiários dos auxílios sejam sempre os devedores das imposições. Com efeito, resulta da Decisão 96-1 do CIVDN, de 5 de Julho de 1996, que a quotização assentava nos volumes de Rivesaltes e Grand-Roussillon comercializados em 1995 (artigo 2.o), ao passo que o montante do prémio de retirada de terras da produção era de 5000 FRF por ano e por hectare retirado da produção (artigo 6.o). Assim, determinadas empresas podiam ter de pagar quotizações substanciais, sem contudo receberem o mais pequeno prémio de retirada de terras da produção.

    163

    Em terceiro lugar, ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, tão-pouco resulta dos autos que a iniciativa da organização e pagamento do prémio de retirada de terras da produção se tenha devido a uma associação privada qualquer e não ao CIVDN, que «serviu unicamente de instrumento para a cobrança e a afectação dos recursos obtidos» (v., neste sentido, acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, n.o 37). Recorde-se, além disso, que os recorrentes não contestam a imputabilidade ao Estado do prémio de retirada de terras da produção.

    164

    Por último, quanto à ideia de que, no tocante ao prémio de retirada de terras da produção, os recursos são gerados, tal como sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, «a favor de um objectivo puramente comercial», que «não se inscreve, de forma alguma, no âmbito de uma política definida pelas autoridades», (acórdão Pearle e o., já referido no n.o 95 supra, n.o 37), os próprios recorrentes afirmam o contrário. Com efeito, no n.o 112 da réplica, alegam que «não se pode seriamente contestar que a criação das quotizações que financiaram as acções de promoção publicitária […] de modo algum se enquadram, ao contrário do que sucede, quanto a este ponto, com as medidas em causa no âmbito do plano Rivesaltes, numa política apoiada pelo Estado». Assim, os recorrentes admitem que o prémio de retirada de terras da produção se inseria numa política apoiada pelo Estado.

    165

    Todos estes elementos levam o Tribunal de Primeira Instância a concluir que a Comissão tinha razão quando considerou que o prémio de retirada de terras da produção tinha sido financiado através de recursos estatais.

    166

    Por conseguinte, ainda que se interpretem os articulados dos recorrentes no sentido de alegarem que as medidas em causa não foram financiadas através de recursos estatais, há que julgar igualmente improcedente este segundo fundamento.

    167

    Assim, há que julgar o recurso parcialmente inadmissível e negar-lhe provimento quanto ao restante.

    Quanto às despesas

    168

    Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida pedido a condenação dos recorrentes e tendo estes sido totalmente vencidos, há que condená-los a suportar, além das respectivas despesas, as da recorrida.

    169

    Nos termos do disposto no artigo 87.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    Os recorrentes são condenados nas despesas.

     

    3)

    A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

     

    Vilaras

    Dehousse

    Šváby

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Setembro de 2007.

    O secretário

    E. Coulon

    O presidente

    M. Vilaras


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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