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Documento 62001TJ0241

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 18 de Julho de 2005.
Scandinavian Airlines System AB contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Transporte aéreo - Regulamento (CEE) n.º 3975/87 - Acordos notificados - Acordo que ultrapassa o âmbito da notificação - Repartição de mercados - Coima - Orientações para o cálculo das coimas - Gravidade da infracção - Comunicação sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante - Circunstâncias atenuantes - Competência de plena jurisdição.
Processo T-241/01.

Colectânea de Jurisprudência 2005 II-02917

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2005:296

Processo T‑241/01

Scandinavian Airlines System AB

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Transporte aéreo – Regulamento (CEE) n.° 3975/87 – Acordos notificados – Acordo que ultrapassa o âmbito da notificação – Repartição de mercados – Coima – Orientações para o cálculo das coimas – Gravidade da infracção – Comunicação sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante – Circunstâncias atenuantes – Competência de plena jurisdição»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 18 de Julho de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Orientações adoptadas pela Comissão – Obrigação de esta agir em conformidade

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 3975/87, artigo 12.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

2.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Quadro jurídico – Artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87 – Margem de apreciação reservada à Comissão – Introdução de orientações pela Comissão – Legalidade

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 3975/87, artigo 12.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

3.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Apreciação segundo a natureza da infracção

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

4.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Obrigação de qualificar como «muito graves» na acepção das orientações, unicamente infracções geograficamente muito extensas – Inexistência – Obrigação de a Comissão respeitar a sua prática decisória anterior – Inexistência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

5.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Obrigação de definir o mercado geográfico em causa – Alcance

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1, A)

6.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Obrigação de tomar em consideração o impacto concreto no mercado – Alcance

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

7.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade das infracções – Obrigação de a Comissão respeitar a sua prática decisória anterior – Inexistência

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 3975/87, artigo 12.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

8.     Concorrência – Coimas – Imposição – Necessidade de a empresa retirar benefício da infracção – Inexistência – Tomada em consideração do lucro ilícito no cálculo da coima

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

9.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Introdução, pela Comissão, de orientações inovadoras relativamente à sua prática decisória anterior – Recurso a um modo de cálculo ligado à gravidade intrínseca e à duração da infracção e que comporta uma modulação em função das circunstâncias desta – Legalidade

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

10.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Volume de negócios a tomar em consideração para o cálculo da coima – Poder de apreciação da Comissão no respeito do limite fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

(Regulamento n.° 17 do Conselho, art. 15, § 2 ; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

11.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não imposição ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa posta em causa – Necessidade de um comportamento que facilitou a declaração da infracção pela Comissão – Insuficiência de uma simples vontade de cooperar

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 11.°, n.os 4 e 5, e 15.°; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão)

12.   Concorrência – Coimas – Montante – Poder de apreciação da Comissão – Competência de plena jurisdição do Tribunal – Elementos que podem ser tomados em consideração pelo juiz comunitário para reduzir o montante da coima – Comportamento adoptado pela empresa posteriormente à decisão – Não pertinência salvo em circunstâncias totalmente especiais

(Artigo 229.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 17.°)

1.     O artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos, à semelhança do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, limita‑se a prever que, para determinar o montante da coima, é necessário tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção. Esta disposição confere à Comissão uma grande margem de apreciação na fixação das coimas, que depende, designadamente, da sua política geral em matéria de concorrência. Foi neste quadro que, para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas, a Comissão adoptou, em 1998, as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] que se destinam a precisar, respeitando o direito de grau superior, os critérios que tenciona aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação; daí resulta uma autolimitação desse poder, na medida em que a Comissão é obrigada a respeitar as regras indicativas que impôs a si mesma.

(cf. n.° 64)

2.     Na medida em que as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] prevêem que a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração a natureza da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico em causa inscrevem‑se simultaneamente no quadro regulamentar fixado pelo artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos, e na margem de apreciação, reconhecida à Comissão, para fixar as coimas.

Além disso, não se pode considerar que as orientações limitem excessiva e ilegalmente o poder de apreciação de que dispõe a Comissão na fixação de coimas, devendo antes ser analisadas como um instrumento que permite às empresas ter uma ideia mais precisa da política de concorrência que a Comissão tenciona prosseguir, para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas.

(cf. n.os 70, 75)

3.     Mesmo que a dimensão do mercado geográfico em causa e o impacto no mercado, quando este for quantificável, devam ser igualmente tomados em consideração, a natureza das infracções às regras de concorrência constitui um critério essencial para apreciar a gravidade de uma infracção.

A este respeito, revestem especial gravidade, como sublinham as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA], as restrições horizontais de tipo cartéis de preços e quotas de repartição dos mercados, ou outras práticas lesivas do bom funcionamento do mercado interno, e que figuram, de resto, entre os exemplos de acordos expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum pelo artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE. Com efeito, além da grave alteração do jogo da concorrência que implicam, estes acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado CE de integração do mercado comunitário.

(cf. n.os 84, ß85)

4.     A circunstância de as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] só terem feito referência, a título de simples exemplos de infracções qualificadas de «muito graves», a infracções relativas à maior parte dos Estados‑Membros não pode ser interpretada como se significasse que só as infracções com esse alcance geográfico são susceptíveis de receber essa qualificação. Além disso, mesmo admitindo que a maior parte das decisões ou jurisprudência relativas a infracções declaradas «muito graves» tenha tido por objecto restrições muito extensas geograficamente, nada permite considerar que só estas podem ser qualificadas como tais. Pelo contrário, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para determinar a gravidade das infracções e fixar a coima em função de um grande número de elementos que não têm origem numa lista vinculativa ou exaustiva de critérios a ter em conta. Além disso, a sua própria prática decisória não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência.

(cf. n.° 87)

5.     Quando procede à avaliação da gravidade de uma infracção às regras da concorrência e deve, em conformidade, com o ponto 1A das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] ter em consideração a dimensão geográfica do mercado em causa, a Comissão não tem pois, que definir precisamente quais são os mercados em causa, mas apenas apreciar o carácter mais ou menos extenso da zona geográfica do ou dos mercados em causa. Além disso, mesmo para considerar provada uma infracção, a Comissão não tem de definir precisamente os mercados em causa quando os acordos têm claramente por objecto restringir a concorrência.

(cf. n.° 99)

6.     Segundo as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA], a Comissão só deve ter em consideração, para apreciar a gravidade da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável. Por isso, quando esteja perante um acordo global com vista a suprimir a concorrência potencial, cujo efeito concreto é, por hipótese, dificilmente quantificável, há que considerar que a Comissão não tem de demonstrar precisamente o impacto concreto do acordo no mercado nem de o quantificar, podendo basear‑se nas estimativas da probabilidade desse efeito.

(cf. n.° 122)

7.     A prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é definido pelo Regulamento n.° 17, ou pelos regulamentos sectoriais equivalentes como o Regulamento n.° 3975/87, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos, e pelas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA]. O facto de a Comissão ter considerado, no passado, que infracções de um certo tipo deviam ser qualificadas de «graves» não pode, pois, privá‑la da possibilidade de as considerar, num caso posterior, «muito graves», se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência.

(cf. n.° 132)

8.     O facto de uma empresa não ter retirado qualquer benefício de uma infracção às regras de concorrência não pode impedir que lhe seja aplicada uma coima, sob pena de retirar a esta última o seu carácter dissuasor. Daí resulta que a Comissão não tem que demonstrar, para fixar as coimas, que a infracção conferiu uma vantagem ilícita às empresas em causa nem tomar em consideração, sendo caso disso, a inexistência de benefício retirado com essa infracção.

A este respeito, embora o ponto 5, alínea b), das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA], que contém uma série de observações de carácter geral, preveja, segundo as circunstâncias, que se tomem em consideração certos dados objectivos, tais como o contexto económico específico, a vantagem económica ou financeira eventualmente obtida pelos autores da infracção para adoptar, in fine, os montantes da coima prevista, essas indicações não significam, todavia, que a Comissão tenha passado a impor a si própria o ónus de demonstrar, em todas as circunstâncias, para efeitos de determinação do montante da coima, a vantagem financeira ligada à infracção constatada. Apenas traduzem a sua vontade de tomar preferencialmente em consideração esse elemento e de o utilizar como base de cálculo do montante das coimas, se tiver tido condições para o avaliar, ainda que aproximadamente.

(cf. n.os 146‑147)

9.     As orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] introduziram uma nova abordagem para o cálculo das coimas. Efectivamente, enquanto anteriormente a prática da Comissão consistia em calcular a coima na proporção do volume de negócios das empresas em causa, as orientações assentam mais no princípio do montante fixo, passando o montante de partida a ser determinado em termos absolutos, em função da gravidade intrínseca da infracção, depois majorado em função da duração, e por fim modulado em função das circunstâncias agravantes ou atenuantes. Neste método, expressamente validado pela jurisprudência, o volume de negócios intervém apenas como critério secundário para modular a coima dentro dos montantes previstos pelas orientações para as diferentes categorias de infracções («pouco graves», «graves» e «muito graves»).

(cf. n.° 160)

10.   Em matéria de fixação do montante das coimas nos processos de concorrência, a única referência expressa ao volume de negócios contida no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 diz respeito ao limite superior que o montante de uma coima não pode ultrapassar e que se considera que esse limite é extensivo ao volume de negócios global. No respeito deste limite, a Comissão pode, em princípio, fixar a coima a partir do volume de negócios à sua escolha, em termos de base geográfica e de produtos em causa, sem ser obrigada a tomar em consideração precisamente o volume de negócios global ou o realizado no mercado geográfico ou no mercado dos produtos em causa. Acresce que, embora as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] não prevejam o cálculo das coimas em função de um determinado volume de negócios, também não se opõem a que tal volume de negócios seja tido em conta, desde que a escolha operada pela Comissão não esteja viciada por erro manifesto de apreciação.

De onde resulta que, para efeitos da determinação do montante da coima, a Comissão é livre de tomar em consideração o volume de negócios que entender, desde que este não se revele despropositado em função das circunstâncias do caso em apreço. Do mesmo modo, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de as coimas serem impostas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam todas as diferenças entre elas quanto ao seu volume de negócios global.

(cf. n.os 165, 166)

11.   O título D, ponto 2, da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas apenas prevê reduções para a empresa que «fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção» e não para a empresa que tem somente vontade de cooperar ou se limita a cooperar com a Comissão. Daqui resulta que a simples vontade de uma empresa cooperar durante o procedimento administrativo de aplicação das regras de concorrência perante a Comissão não tem significado.

Do mesmo modo, uma redução da coima a título de cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão detectar a existência de uma infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe termo.

Por fim, uma cooperação no inquérito, que não ultrapassa o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 ou de disposições equivalentes contidas nos regulamentos sectoriais, não justifica uma redução da coima.

(cf. n.os 212, 213, 218)

12.   A redução de uma coima pelo juiz comunitário no âmbito da sua competência de plena jurisdição, em conformidade com o artigo 229.° CE, atendendo ao comportamento adoptado posteriormente à decisão que a aplica, mesmo que fosse possível, só poderia, de qualquer modo, ser feita pelo juiz comunitário com grande circunspecção e em circunstâncias efectivamente especiais. Com efeito, tal prática poderia ser entendida como uma incitação a cometer infracções especulando sobre uma possível redução da coima devido à alteração do comportamento da empresa posteriormente à decisão.

(cf. n.os 226, 228)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

18 de Julho de 2005 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Transporte aéreo – Regulamento (CEE) n.° 3975/87 – Acordos notificados – Acordo que ultrapassa o âmbito da notificação – Repartição de mercados – Coima – Orientações para o cálculo das coimas – Gravidade da infracção – Comunicação sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante – Circunstâncias atenuantes – Competência de plena jurisdição»

No processo T‑241/01,

Scandinavian Airlines System AB, com sede em Estocolmo (Suécia), representada por M. Kofmann, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Oliver e W. Wils, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

tendo por objecto um pedido de anulação do artigo 2.° da Decisão 2001/716/CE da Comissão, de 18 de Julho de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE (processo COMP.D.2 37.444 – SAS/Maersk Air e processo COMP.D.2 37.386 – Sun‑Air contra SAS e Maersk Air) (JO L 265, p. 15), na medida em que fixa em 39 375 000 euros o montante da coima aplicada à recorrente, bem como, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da referida coima,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Junho de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1       Segundo o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 3975/87 do Conselho, de 14 de Dezembro de 1987, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos (JO L 374, p. 1), em vigor no momento dos factos (a seguir «regulamento»), sempre que a Comissão verifique ter havido infracção ao n.° 1 do artigo 81.° do Tratado, pode, mediante decisão, exigir às empresas ou associações de empresas visadas que ponham termo a tal infracção.

2       O artigo 12.°, n.° 2, do regulamento dispõe que a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas ou associações de empresas multas de 1 000 a 1 milhão de euros, ou de um montante superior, mas que não exceda 10% do volume de negócios do ano comercial anterior, a cada uma das empresas que tenham participado na infracção, sempre que, intencionalmente ou por negligência, tiverem infringido o disposto no n.° 1 do artigo 81.° do Tratado. Para determinar o montante da coima é necessário tomar em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

3       Numa comunicação publicada no Jornal Oficial (JO 1998, C 9, p. 3), a Comissão expôs as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204) e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (a seguir «orientações»).

4       Na sua comunicação de 18 de Julho de 1996 sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), a Comissão precisou as condições em que as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima.

 Factos na origem do litígio

5       A Scandinavian Airlines System AB (a seguir «SAS» ou «recorrente»), principal companhia aérea da Escandinávia, é um consórcio propriedade da Scandinavian Airlines System Sverige AB, da Scandinavian Airlines System Danmark A/S e da Scandinavian Airlines System Norge ASA, sendo, cada uma destas três companhias, controlada em 50% pelo Estado e em 50% pelo sector privado. Faz parte da Star Alliance e opera em 105 rotas regulares (40 dentro da Escandinávia, 56 no resto da Europa e 9 fora da Europa). De acordo com o seu relatório anual de 2000, o volume de negócios da SAS nesse ano foi de 4 917 milhões de euros.

6       A Maersk Air A/S é uma companhia dinamarquesa propriedade do grupo A. P. Møller, cuja actividade abrange também outros sectores, como transportes marítimos, petróleo e gás. O grupo A. P. Møller controla ainda a companhia inglesa Maersk Air Ltd. A Maersk Air e a Maersk Air A/S formam as duas o grupo Maersk Air, cujo volume de negócios, em 2000, era de 458,6 milhões de euros. A Maersk Air A/S (a seguir «Maersk Air») opera em quatro rotas internas dinamarquesas e quinze rotas regulares internacionais, com destino e a partir de Copenhaga e Billund.

7       Por carta de 8 de Março de 1999, a SAS e a Maersk Air notificaram à Comissão um acordo de cooperação celebrado em 8 de Outubro de 1998, bem como cinco acordos complementares destinados à obtenção de um certificado negativo e/ou da concessão de uma isenção nos termos, respectivamente, dos artigos 3.°, n.° 2, e 5.° do referido regulamento.

8       O acordo de cooperação, que entrou em vigor em 28 de Março de 1999, inclui dois acordos principais, a saber:

a)      um acordo de partilha de códigos num certo número de rotas da Maersk Air (quatro nacionais e nove internacionais), mediante o qual a SAS pode comercializar lugares nos voos abrangidos pela partilha de códigos;

b)      um acordo de participação no programa de passageiro frequente, que permite aos passageiros da Maersk Air ganhar pontos no programa de passageiro frequente da SAS (designado por «EuroBonus»), e, inversamente, aos membros do EuroBonus resgatar os pontos que tiverem obtido nos voos da Maersk Air. A cooperação no âmbito do programa de passageiro frequente abrange todas as rotas da Maersk Air.

9       Os cinco acordos complementares fornecem as precisões técnicas e financeiras necessárias à execução das duas partes incluídas no acordo de cooperação.

10     Em 23 de Novembro de 1998, uma pequena companhia aérea dinamarquesa, a Sun‑Air of Scandinavia, apresentou uma denúncia à Comissão, registada em 7 de Janeiro de 1999, contra o acordo de cooperação entre a SAS e a Maersk Air.

11     No decurso da sua investigação preliminar, a Comissão observou que a notificação reflectia apenas parcialmente os acordos celebrados entre as duas companhias. Em sua opinião, a entrada em vigor dos efeitos do acordo de cooperação coincidiu com a retirada da Maersk Air da rota Copenhaga‑Estocolmo, na qual era até então concorrente da SAS. Por outro lado, verificou‑se também que na mesma altura a SAS deixou de operar na rota Copenhaga‑Veneza, sendo substituída pela Maersk Air. Por fim, tendo‑se a SAS retirado da rota Billund‑Frankfurt, a Maersk Air passou a ser a única operadora nessa rota. Estas alterações não foram notificadas à Comissão.

12     Por decisão de 9 de Junho de 2000, a Comissão determinou que a SAS, a Maersk Air e o grupo A. P. Møller fossem objecto de uma investigação nos termos do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 3 do artigo 11.° do regulamento.

13     Os documentos obtidos na sequência da inspecção, que teve lugar em 15 e 16 de Junho de 2000, confirmaram que o âmbito do acordo entre a SAS e a Maersk Air era mais vasto do que aquele que as partes tinham notificado à Comissão. Com efeito, os documentos demonstraram que devido a um acordo não notificado à Comissão, a SAS, por um lado, se tinha comprometido a não operar nas rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia, enquanto a Maersk Air prometia não lançar serviços nas rotas a partir de Copenhaga operadas pela SAS ou que esta pretendesse operar e que, por outro, a Maersk Air se retirava da rota Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt, cada umas das companhias deixando a outra, assim, operar com exclusividade.

14     Em 22 de Junho de 2000, a Maersk Air apresentou espontaneamente à Comissão informações suplementares que tinham sido guardadas na residência de um dos antigos empregados.

15     Por carta de 24 de Agosto de 2000, em resposta a um pedido de informações da Comissão de 1 de Agosto de 2000, a SAS transmitiu‑lhe um volume de documentos com o título «ficheiros confidenciais». Por carta de 13 de Setembro de 2000, a SAS enviou‑lhe dois outros ficheiros que tinham aparecido após o regresso de férias de Verão de certos funcionários.

16     Por carta de 12 de Outubro de 2000, as companhias SAS e Maersk Air efectuaram uma notificação suplementar para que a Comissão pudesse ter em conta as alterações ocorridas na sua cooperação, relativas, designadamente, às programações do tráfego das duas companhias.

17     Em 31 de Janeiro de 2001, a Comissão deu início ao processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) e dirigiu uma comunicação de acusações à SAS e à Maersk Air, nos termos dos artigos 3.°, n.° 1, e 16.°, n.° 1, do regulamento. A comunicação incidia sobre os aspectos não notificados da cooperação, detectados pela Comissão na sequência da inspecção efectuada e sobre os aspectos notificados que não podiam compreender‑se sem conhecimento dos aspectos não notificados, como a cooperação nas rotas Billund‑Frankfurt e Copenhaga‑Veneza. Na referida comunicação, a Comissão considerou a título preliminar que a SAS e a Maersk Air tinham cometido uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do acordo EEE e que a infracção ao direito comunitário podia considerar‑se muito grave. A Comissão comunicou igualmente às partes que tencionava aplicar‑lhes coimas.

18     Nas suas respostas separadas à comunicação de acusações, ambas de 4 de Abril de 2001, as partes no acordo reconheceram os factos e a existência das infracções descritas na comunicação de acusações e precisaram que não pretendiam solicitar uma audição.

19     As companhias SAS e Maersk Air formularam, no entanto, observações que se limitavam aos elementos que pudessem influenciar o cálculo do montante da coima, como a gravidade e a duração das infracções.

20     No fim do processo, a Comissão adoptou a Decisão 2001/716/CE, de 18 de Julho de 2001, relativa a processos nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Processo COMP.D.2 37.444 – SAS/Maersk Air e Processo COMP.D.2 37.386 – Sun‑Air contra SAS e Maersk Air) (JO L 265, p. 15, a seguir «decisão impugnada»).

21     O dispositivo da decisão impugnada tem o seguinte teor:

«Artigo 1.°

A [...] SAS e a [...] Maersk Air infringiram o disposto no artigo 81.° [CE] e no artigo 53.° do acordo EEE ao terem concluído:

a)      Um acordo geral de repartição de mercado, nos termos do qual a SAS não operaria nas rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia e a Maersk Air não poderia lançar serviços nas rotas a partir de Copenhaga operadas pela SAS ou que esta pretendesse operar, bem como um acordo para respeitar a repartição de rotas internas;

b)      Acordos específicos de repartição de mercado em relação a determinadas rotas internacionais e, em especial

i)      o acordo nos termos do qual a Maersk Air deixaria de voar entre Copenhaga e Estocolmo a partir de 28 de Março de 1999, obtendo uma compensação pela sua retirada,

ii)      em compensação pela retirada da Maersk Air da rota Copenhaga‑Estocolmo, o acordo nos termos do qual a SAS deixaria de operar entre Copenhaga e Veneza no final d[o mês d]e Março/início d[o mês d]e Abril de 1999, começando a Maersk Air a operar nessa rota na mesma altura,

iii)      o acordo segundo o qual a SAS deixaria de voar na rota Billund‑Frankfurt em Janeiro de 1999.

Artigo 2.°

Pelas infracções referidas no artigo 1.°, [alínea a)], é aplicada uma coima no montante de 39 375 000 euros à SAS [...], e uma coima de 13 125 000 euros à Maersk Air [...].»

 Tramitação processual e pedidos das partes

22     Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Outubro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

23     Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral e, a título de medidas de organização do processo, pediu às partes que respondessem por escrito a certas questões e que apresentassem determinados documentos. As partes deram cumprimento a estes pedidos no prazo fixado.

24     Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões do Tribunal na audiência de 24 de Junho de 2004.

25     A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       anular parcialmente a decisão impugnada, na medida em que a coima que lhe é aplicada no artigo 2.° da referida decisão é excessiva;

–       subsidiariamente, reduzir, na medida que lhe pareça adequada, o montante da coima;

–       condenar a Comissão nas despesas.

26     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       negar provimento ao recurso;

–       condenar a recorrente nas despesas.

27     Na tréplica, a Comissão salienta que a recorrente contesta certas considerações relativas ao alcance e à natureza da infracção, ainda que afirme, na petição, não contestar as suas circunstâncias e apesar de ter conseguido uma redução de 10% do montante da coima por não ter contestado a materialidade dos factos constantes na comunicação de acusações. A Comissão considera que, ao fazê‑lo, a recorrente adopta um comportamento faltoso que devia levar a um aumento do montante da coima aplicada e recorda que o Tribunal pode tomar essa medida, dada a sua competência de plena jurisdição.

 Questão de direito

28     A título liminar, a recorrente sublinha que não contesta a decisão impugnada na parte em que declara que violou as regras de concorrência, mas unicamente certos elementos susceptíveis de afectar o cálculo da coima que lhe foi aplicada.

29     Em apoio do seu recurso, a recorrente desenvolve três fundamentos. O primeiro é relativo à violação do artigo 12.°, n.° 2, do regulamento e das orientações, e diz respeito à apreciação da gravidade da infracção. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 12.°, n.° 2, do regulamento, e diz respeito à determinação da duração da infracção. No âmbito do terceiro fundamento, a recorrente alega que a Comissão não teve em conta, ou fê‑lo de modo incorrecto, as circunstâncias atenuantes que deveriam ter levado a uma maior redução do montante de base da coima.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erro de apreciação da gravidade da infracção

 Argumentos das partes

30     A recorrente defende que a Comissão violou o artigo 12.° do regulamento e as orientações ao qualificar as infracções cometidas pela recorrente de muito graves, sendo elas apenas graves. Este fundamento divide‑se em cinco partes, relativas à qualificação das infracções, à sua incidência real, ao seu alcance geográfico, aos benefícios que lhe foram retirados e aos volumes de negócios tidos em conta.

–       Quanto à primeira parte, relativa à qualificação das infracções

31     A recorrente defende em primeiro lugar que as infracções de que é autora não igualam a gravidade das infracções habitualmente qualificadas de «muito graves» pela Comissão. Efectivamente, nas decisões da Comissão, e em especial naquelas a que se faz referência nas orientações, assim como na jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância e do Tribunal de Justiça, as infracções qualificadas de «muito graves» afectam invariavelmente todo, ou, pelo menos, uma grande parte do mercado comum, e implicam que um considerável e efectivo prejuízo tenha sido causado à concorrência no mercado. A recorrente sublinha que se as orientações indicam efectivamente que as repartições de mercado constituem casos de infracções muito graves, só foram qualificadas como tais os acordos de grande envergadura e de longa duração. Esta análise está de acordo com a prática que resulta dos processos mais recentes relativos às repartições de mercado, como os processos que deram origem aos acórdãos «Lisina», «Tubos de aço sem costura» e «Condutas de aquecimento urbano». Ora, no caso em apreço, apesar da relativa importância de certas rotas aéreas afectadas pelas infracções, os aspectos não notificados da cooperação não tiveram efeitos tão alargados ou tão graves.

32     A recorrente recorda que o Tribunal de Justiça precisou que a gravidade de uma infracção é apreciada relativamente a múltiplos factores cuja natureza varia em função do tipo de infracção e das circunstâncias de cada processo (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 120 e 129). Reconhecendo um certo poder de apreciação à Comissão para determinar a gravidade de uma infracção, considera que este poder foi limitado de maneira substancial pela adopção das orientações. Mesmo que o método utilizado pela Comissão ao abrigo das suas orientações tenha em conta outros elementos, para além da natureza da infracção, a apreciação da sua gravidade não poderia, portanto, basear‑se exclusivamente na qualificação do comportamento sem ter em consideração a sua incidência. Segundo a recorrente, pelo contrário, o facto de uma infracção, «per se» ou «manifestamente» se incluir sem contestação no campo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, o que admite tratando‑se da repartição de mercados, não permite decidir directamente da sua gravidade quando se trata de determinar o montante da coima.

33     A recorrente considera, em segundo lugar, que o caso em apreço deve ser aproximado do que foi objecto da decisão da Comissão no processo «Ferries gregos» (Decisão 1999/271/CE da Comissão, de 9 de Dezembro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] CE – IV/34.466) (JO 1999, L 109, p. 24), que respeitava a um acordo de fixação de preços para os serviços de transporte rodoviário entre a Grécia e a Itália e onde, considerando que este tipo de acordo constitui, por natureza, uma infracção muito grave ao direito comunitário, a Comissão, perante o efeito real limitado da infracção no mercado, a circunstância de as partes não terem aplicado integralmente todos os acordos e de a infracção apenas ter produzido os seus efeitos numa parte limitada do mercado comum, tinha, no entanto, concluído que se tratava de uma infracção grave e não muito grave às regras da concorrência comunitárias.

34     A recorrente defende que, no caso em apreço, a Comissão não produziu a prova dos alegados efeitos do acordo e a sua incidência, quando afirma que a repartição de mercados entre as duas companhias afectou numerosas outras rotas. A recorrente censura, designadamente, à Comissão, o facto de não ter definido mais de três mercados no caso em apreço (ou seja, as rotas Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt).

35     A gravidade de uma infracção depende tanto da sua incidência geográfica como do número de pessoas afectadas, e aplicar‑se apenas o primeiro critério levaria a que se tratasse, de maneira geral, o sector aéreo mais severamente do que, por exemplo, o sector marítimo. A recorrente sublinha o facto de o número de passageiros nas três rotas referidas pela Comissão, ou seja, 1,082 milhões de passageiros, confirmar que o caso em apreço é comparável ao do processo «Ferries gregos», onde o volume de passageiros era de 1,258 milhões. Nos dois casos, o número de passageiros é relativamente baixo se comparado ao da totalidade das rotas no território do EEE, assim como entre o EEE e o exterior. Do mesmo modo, o acordo celebrado no caso em apreço apenas teve execução parcial na medida em que só afectou as três rotas referidas especificamente pela Comissão, confirmando, designadamente, a circunstância de as partes não terem conseguido celebrar o acordo de cooperação no que respeita à rota Copenhaga‑Birmingham.

36     Em contrapartida, a comparação da incidência geográfica das infracções cometidas no caso em apreço com as que estavam em causa no processo Volkswagen (Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] CE, IV/35.733 − VW) (JO L 124, p. 60), efectuada pela Comissão, é desprovida de significado na medida em que a definição do mercado afectado por cada um dos dois sectores, ou seja, o transporte aéreo no primeiro caso e a distribuição de veículos automóveis no segundo, exige métodos muito diferentes. Além disso, a circunstância de, no processo Volkswagen, a Comissão ter qualificado a infracção de muito grave, ainda que a Itália, a Alemanha e a Áustria tenham sido os únicos países afectados, não é relevante, dada a diferença de dimensão entre esses três países e a Dinamarca.

37     Por fim, a recorrente indica, em terceiro lugar, que a Comissão, ao qualificar as infracções de que são acusadas as companhias SAS e Maersk Air de «muito graves», estabeleceu o ponto de partida do cálculo da coima em 14 milhões de euros para a Maersk Air. Fixando as orientações em 20 milhões de euros a coima mínima para as infracções qualificadas de muito graves, a recorrente conclui que a atitude da Comissão é incoerente e que as infracções de cada uma das partes no acordo deveriam ter sido qualificadas de graves.

–       Quanto à segunda parte, relativa ao efeito concreto das infracções

38     A recorrente defende que as infracções de que é co‑autora tiveram pouco ou nenhum impacto negativo nos mercados em causa. A recorrente afirma, a este respeito, que todas as alterações introduzidas na programação do seu tráfego por cada uma das partes eram justificadas por considerações económicas e comerciais sérias, ainda que decisões unilaterais tivessem conduzido às mesmas alterações. Recorda que a SAS sofria prejuízos consideráveis nas rotas Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt, enquanto a Maersk Air os sofria na rota Estocolmo‑Copenhaga.

39     A recorrente admite que a rota Copenhaga‑Estocolmo serviu de «moeda de troca» no quadro das negociações, mas insiste em salientar que tinha todo o interesse em que a Maersk Air continuasse a operar nessa rota com cerca de quatro voos diários, já que não estava apta a explorar sozinha, de modo rentável, todo o potencial do tráfego entre Estocolmo e a sua plataforma de Copenhaga.

40     A recorrente afirma que nada permite também concluir que as tarifas aumentaram de maneira desproporcionada nas rotas afectadas pela cooperação. Ora, importa ter em conta o impacto nos preços para apreciar correctamente a gravidade de uma infracção ou, pelo menos, demonstrar o impacto no volume do tráfego. A recorrente afirma, a este respeito, que um estudo que encomendou à sociedade Lexecon, a fim de examinar o efeito concreto do acordo nas rotas a partir da Dinamarca que não as três referidas pela Comissão, demonstra que o acordo pouco contribuiu para o enfraquecimento de uma pressão concorrencial potencial sobre a SAS e apenas teve um efeito concreto mínimo sobre as tarifas. Uma comparação entre a rota Copenhaga‑Estocolmo, por um lado, e as rotas Copenhaga‑Oslo e Estocolmo‑Oslo, por outro, no que respeita às tarifas praticadas do mês de Janeiro de 1998 ao mês de Março de 2000, para certas categorias de bilhetes, demonstra que, nas três rotas, duas das quais não operadas pela Maersk Air, as tarifas tiveram uma evolução semelhante.

41     A recorrente defende que a sua cooperação com a Maersk Air beneficiou os passageiros em muitos aspectos. A partir da inspecção, a SAS e a Maersk Air limitaram essa cooperação aos seus aspectos lícitos, tais como a partilha de códigos, o programa de fidelização e os serviços de assistência em escala e de acolhimento. A recorrente considera que os passageiros retiraram um benefício substancial da cooperação, que consiste, designadamente, na abertura ou reabertura de novas rotas, por exemplo entre Copenhaga, por um lado, e Atenas, Veneza, Istambul e Cairo, por outro, e entre Billund e Dublin, assim como no aumento da frequência dos voos e na melhoria das correspondências nas rotas existentes.

42     A recorrente indica que nenhuma das partes tomou ou executou qualquer decisão que não fosse conforme ao seu próprio interesse. Foi assim que, na Primavera de 2000, as co‑contratantes, não tendo chegado a qualquer acordo sobre a rota Copenhaga‑Birmingham, decidiram fazer concorrência directa entre si na rota que a Maersk Air operava com a British Airways.

43     Por fim, a recorrente defende que apenas uma parte limitada do mercado comum foi afectada, e isto apesar de as partes terem redigido o seu acordo de partilha de mercado em termos gerais. Por um lado, nada indica que, na falta de acordo, as partes teriam agido de outra forma em qualquer outra rota, que não as três em causa. Por outro lado, mesmo nessas três rotas, evidenciadas pela Comissão, as alterações introduzidas nas programações do tráfego teriam sido inevitáveis.

–       Quanto à terceira parte, relativa ao alcance geográfico da infracção

44     A recorrente considera que a afirmação, contida no considerando 91 da decisão impugnada, segundo a qual «[o] mercado geográfico afectado abrange [...] o EEE e não só» não é clara nem coerente. Com efeito, uma tal afirmação equivale a definir o mercado geograficamente afectado como a área geográfica em que os efeitos das infracções tiveram um certo impacto. A recorrente recorda que, no considerando 28 da decisão impugnada, a Comissão afirma que cada combinação de um ponto de partida com um ponto de chegada deve ser considerada um mercado distinto do ponto de vista dos consumidores. O método habitual de definição dos mercados da Comissão nos processos de transporte aéreo não conduz, aliás, à identificação de uma área geográfica determinada, mas sim à identificação de uma rota linear de ponto a ponto. A recorrente afirma que, à excepção dos três mercados em causa (Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt), a Comissão não definiu qualquer outro mercado, limitando‑se a fazer referência a categorias gerais, ao invocar um número considerável, ainda que indeterminado, de rotas com destino e a partir de Copenhaga e Billund. A Comissão não chega, portanto, a identificar e a delimitar mais de três mercados.

45     De qualquer forma, a Comissão não demonstrou a existência de um mercado que abrangesse todo o EEE e não fundamentou a sua afirmação segundo a qual todas as rotas a partir e com destino à Dinamarca são ou poderiam ter sido afectadas pelo acordo.

46     Por outro lado, o território relevante identificado pela Comissão inclui diversas rotas aéreas que não são operadas nem pela SAS, nem pela Maersk Air, e que não têm a Dinamarca nem como ponto de partida nem como destino. Mesmo nesse caso, a Comissão não demonstrou de que forma estas rotas são ou poderiam ser afectadas.

47     A recorrente defende que a Comissão não demonstrou o efeito concreto do acordo controvertido sobre o número de rotas em causa, que apenas refere por categoria e de modo indeterminado. Afirma que o estudo da Lexecon concluiu que, nas rotas sem cruzamento de operações, em que a SAS apenas estava exposta a uma concorrência potencial por parte da Maersk Air, o efeito concreto do acordo foi mínimo.

48     A recorrente observa que, no processo «Ferries gregos», a Comissão afirmou que, em matéria de transportes, o alcance geográfico das infracções estava limitado às rotas realmente afectadas pela prática anticoncorrencial. No presente caso, a apreciação errada do alcance geográfico do acordo conduziu a Comissão a avaliar erradamente a gravidade das infracções.

49     Mesmo supondo que o Tribunal considere que a noção de mercado geograficamente afectado significa a área geográfica em que os efeitos das infracções tiveram impacto, a fundamentação seria inadequada na medida em que a decisão impugnada não indica que tipo de efeitos se podem produzir na zona «EEE e não só».

50     A recorrente defende que a Comissão cometeu, além disso, um erro na apreciação da incidência geográfica da infracção.

51     A recorrente considera que a infracção não teve um efeito tão amplo como alega a Comissão. Esta deveria, por exemplo, ter tido em conta o insucesso da SAS e da Maersk Air na sua tentativa de coordenação dos horários na rota Copenhaga‑Birmingham. Este exemplo demonstra que, apesar dos termos gerais do acordo de repartição de mercado, os seus efeitos apenas se fazem sentir nas rotas em que as partes são efectivamente concorrentes.

–       Quanto à quarta parte, relativa aos benefícios retirados da infracção

52     A recorrente recorda que, segundo as orientações, o montante de base da coima pode ser majorado a fim de ultrapassar o montante dos ganhos ilícitos obtidos graças à infracção. No caso em apreço, a Comissão aplicou estas disposições e calculou o montante da coima considerando, com base numa avaliação feita pelas partes do acordo aquando das suas negociações, que a retirada da Maersk Air da rota Copenhaga‑Estocolmo gerou para a SAS um suplemento de receitas anuais de […] (1) coroas dinamarquesas (DKK). Contrariamente ao que defende a Comissão na sua contestação, resulta claramente da decisão impugnada que foi efectivamente com base nesse montante de […] DKK que a Comissão avaliou os ganhos retirados pela SAS da infracção.

53     A recorrente contesta que a infracção lhe tenha acarretado um lucro suplementar de […] DKK.

54     A recorrente afirma, a este respeito, antes de mais, que o valor de […] DKK resulta de uma observação feita ao acaso por um representante da Maersk Air sobre as negociações, e que não foi, em nenhum momento, admitido pela SAS.

55     A informação é também contrariada pelo facto de as tarifas verificadas na rota Copenhaga‑Estocolmo não terem evoluído diferentemente das tarifas praticadas em rotas comparáveis.

56     A recorrente observa, depois, que a apreciação da Comissão, na medida em que esta última se limitou a considerar a rota Copenhaga‑Estocolmo, não tem em conta a natureza especial do sector dos transportes aéreos, que funciona em rede. A necessidade de ter em conta a rede na sua totalidade é especialmente importante no que respeita à linha Copenhaga‑Estocolmo, na qual 60% do tráfego é de correspondência.

57     A recorrente defende ainda que teria sido do seu interesse que a Maersk Air continuasse a sua actividade na rota Copenhaga‑Estocolmo, devido às saturações que sofre nessa rota, como tinha afirmado nas negociações com a Maersk Air em 1998. Acrescenta que, durante o período relativamente curto que se seguiu à retirada da Maersk Air, a SAS não conseguiu adaptar completamente a sua rede à nova situação e que, devido à saturação, a SAS está em vias de perder tráfego a favor de redes concorrentes.

58     Por fim, a recorrente afirma que o valor de […] DKK provém de um documento que a SAS não teve ocasião de comentar, e que o facto de as declarações do representante da Maersk Air não terem sido contrariadas não significa que a SAS as aprovava. Os documentos redigidos pela SAS relativamente às negociações não fazem, aliás, referência a um suplemento de receitas resultando do acordo de cooperação, mas sugerem, em contrapartida, que seria benéfico que a Maersk Air ficasse na rota Copenhaga‑Estocolmo, a fim de remediar o estrangulamento das horas de ponta.

59     Por outro lado, a recorrente indica que a decisão impugnada deixa transparecer que o valor de […] DKK se baseia na hipótese de uma subida da tarifa por passageiro nas rotas Copenhaga‑Estocolmo e Copenhaga‑Oslo, não estando esta última rota incluída no acordo de repartição. Portanto, se se aplicar o raciocínio da Comissão unicamente à rota Copenhaga‑Estocolmo, que tem cerca de 1 milhão de passageiros, o valor correcto seria de […] DKK.

–       Quanto à quinta parte, relativa ao volume de negócios em causa

60     A recorrente considera que, se o Tribunal avalizar a escolha da Comissão de recorrer ao método de cálculo baseado no volume de negócios em causa, apesar de as orientações não lhe fazerem qualquer referência para efeitos de cálculo da coima, importaria, pelo menos, que a Comissão comparasse os valores comparáveis.

61     A recorrente defende, a este respeito, que a Comissão cometeu um erro na medida em que comparou o volume de negócios consolidado do grupo SAS, que ascende a 4 917 milhões de euros, ao da Maersk Air, que é 10,7 vezes menor, sem ter em conta o facto de a Maersk Air fazer parte do grupo A. P. Møller, cujo volume de negócios é de aproximadamente o dobro do do grupo SAS.

62     A Comissão contesta a justeza da argumentação da recorrente e pede que o fundamento seja considerado improcedente.

 Apreciação do Tribunal

63     No âmbito do primeiro fundamento, segundo o qual a Comissão qualificou erradamente as infracções de «muito graves» quando eram apenas «graves», a recorrente formula uma série de alegações e argumentos repartidos em cinco partes, que, embora diferentes, se sobrepõem em parte, e se destinam, essencialmente, a contestar a apreciação da gravidade das infracções efectuada pela Comissão, na medida em que se baseou excessivamente na natureza das infracções e negligenciou ou apreciou erradamente os factores relativos à dimensão do mercado geográfico relevante e ao efeito concreto das infracções no mercado. Considera que os factos do presente processo são semelhantes aos que estão em causa no processo que originou o acórdão «Ferries gregos» e que a Comissão teve em conta, erradamente, no cálculo da coima, os lucros obtidos com a infracção e o volume de negócios global.

–       Observações liminares

64     Importa recordar, a título liminar, que o artigo 12.°, n.° 2, do regulamento, à semelhança do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, se limita a prever que, para determinar o montante da coima, é necessário tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção. Segundo jurisprudência consolidada, esta disposição confere à Comissão uma grande margem de apreciação na fixação das coimas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127), que depende, designadamente, da sua política geral em matéria de concorrência (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 32 supra, n.os 105 e 109). Foi neste quadro que, para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas, a Comissão adoptou, em 1998, as orientações que se destinam a precisar, respeitando o direito de grau superior, os critérios que tenciona aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação; daí resulta uma autolimitação desse poder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaamse Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 89), na medida em que a Comissão é obrigada a respeitar as regras indicativas que impôs a si mesma (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 57).

65     No caso em apreço, segundo os considerandos 78 a 125 da decisão impugnada, a Comissão aplicou coimas às duas empresas que violaram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.° do acordo EEE. Resulta desses considerandos da decisão impugnada e dos autos que as coimas foram aplicadas ao abrigo do artigo 12.°, n.° 2, do regulamento e que a Comissão, embora a decisão impugnada não se refira explicitamente às orientações e estas se destinem expressamente às coimas aplicadas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, determinou o montante das coimas através da aplicação do método definido nessas mesmas orientações.

66     Importa examinar, antes de mais, se, como sugere a recorrente, as orientações reduziram excessivamente o poder de apreciação de que dispõe a Comissão para fixar as coimas.

67     Segundo o método definido nas orientações, a determinação do montante das coimas obedece a um esquema que assenta na fixação de um montante de base a que se aplicam majorações para ter em conta circunstâncias agravantes e diminuições para ter em conta circunstâncias atenuantes. O montante de base é determinado em função da gravidade da infracção, a que se acrescenta um eventual montante adicional em função da sua duração.

68     Quanto à gravidade da infracção, as orientações precisam que a sua avaliação deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência (ponto 1, A, primeiro parágrafo, das orientações). Neste âmbito, as infracções são classificadas em três categorias, a saber, as infracções «pouco graves», para as quais o montante das coimas considerado está compreendido entre 1 000 e 1 milhão de euros, as «infracções graves», para as quais o montante das coimas considerado pode variar entre 1 milhão e 20 milhões de euros, e as «infracções muito graves», para as quais o montante das coimas possíveis ultrapassa os 20 milhões de euros (ponto 1, A, segundo parágrafo, primeiro a terceiro travessões). Dentro de cada uma destas categorias, a escala das sanções previstas permite diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infracções cometidas (ponto 1, A, terceiro parágrafo). É, por outro lado, necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo (ponto 1, A, quarto parágrafo).

69     Dentro de cada uma das três categorias assim definidas, pode ser conveniente, segundo as orientações, ponderar, em certos casos, o montante determinado, a fim de ter em conta o peso específico e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza, e adaptar, por conseguinte, o ponto de partida geral do montante de base adoptado segundo o carácter específico de cada empresa (a seguir «ponto de partida») (ponto 1, A, sexto parágrafo).

70     De onde resulta que, na medida em que as orientações prevêem que a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração a natureza da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico em causa, inscrevem‑se simultaneamente no quadro regulamentar fixado pelo artigo 12.°, n.° 2, do regulamento, e na margem de apreciação, reconhecida pela jurisprudência à Comissão, para fixar as coimas.

71     Importa indicar, em seguida, que contrariamente ao que parece defender a recorrente, as orientações não prevêem que todos os acordos de repartição de mercados sejam automaticamente qualificados de infracções «muito graves».

72     Com efeito, em primeiro lugar, o ponto 1, A, primeiro parágrafo, das orientações prevê expressamente que a avaliação da gravidade da infracção deve ter em consideração não somente o carácter da própria infracção, mas também o seu impacto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico em causa.

73     Em segundo lugar, o ponto 1, A, segundo parágrafo, terceiro travessão, que precisa a noção de «infracções muito graves», não exige uma qualificação rígida e predeterminada, limitando‑se a indicar que «[se] trata [...], essencialmente, de restrições horizontais de tipo ‘cartel de preços’ e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais, ou ainda de abusos qualificados de posição dominante por parte de empresas em situação de quase monopólio».

74     Em terceiro lugar, o ponto 1, A prevê ainda, nos seus quarto e sexto parágrafos, que se tenham em consideração uma série de outros factores (capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante, carácter suficientemente dissuasivo da coima, peso específico e, portanto, impacto real do comportamento ilícito de cada empresa) para efeitos de determinação do montante da coima.

75     De onde resulta que não se pode considerar que as orientações limitem excessiva e ilegalmente o poder de apreciação de que dispõe a Comissão na fixação de coimas, devendo antes ser analisadas como um instrumento que permite às empresas ter uma ideia mais precisa da política de concorrência que a Comissão tenciona prosseguir, para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, a seguir «acórdão Eléctrodos de grafite», n.° 157). Importa ainda recordar que a legalidade da metodologia estabelecida nas orientações para o cálculo das coimas já foi várias vezes confirmada pelo juiz comunitário (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705; de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913; Eléctrodos de grafite; e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, a seguir «acórdão Lisina»).

76     De qualquer forma, há que observar que a alegação da recorrente segundo a qual a Comissão se limitou a uma abordagem puramente formalista, tendo apenas em consideração o critério da natureza da infracção, assenta numa leitura errada da decisão impugnada.

77     Efectivamente, o exame da gravidade da infracção começa no considerando 87 da decisão impugnada, segundo o qual, «[p]ara avaliar a gravidade da infracção, a Comissão terá em conta a sua natureza, a dimensão do mercado geográfico relevante e o efeito concreto da infracção no mercado». Seguem‑se depois três «secções» da decisão impugnada, consagradas respectivamente ao exame da «[n]atureza da infracção» (considerandos 88 e 89), da «[d]imensão do mercado geográfico relevante» (considerandos 90 e 91) e do «[e]feito concreto da infracção» (considerandos 92 a 95). Por fim, numa quarta secção, a Comissão examina ainda diferentes argumentos das partes no acordo no que respeita à gravidade da infracção (considerandos 96 a 101).

78     Daí resulta que a alegação da recorrente relativa a um exame puramente formal das infracções, limitado à sua natureza, deve ser rejeitada.

79     Importa, depois, examinar se a apreciação pela Comissão da gravidade das infracções face aos três factores que são a natureza das infracções, a dimensão do mercado geográfico em causa e o seu impacto concreto no mercado está viciada de erro manifesto.

–       Quanto à natureza da infracção

80     Quanto à natureza da infracção, importa recordar que, nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada, as partes infringiram o disposto no artigo 81.° CE e no artigo 53.° do acordo EEE ao terem concluído, por um lado, um acordo geral de repartição de mercado, nos termos do qual a SAS não operaria nas rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia e a Maersk Air não poderia lançar serviços nas rotas a partir de Copenhaga exploradas pela SAS ou que esta pretendesse explorar, bem como um acordo para respeitar a repartição de rotas internas e, por outro, acordos específicos de repartição de mercados em relação a determinadas rotas internacionais, em especial o acordo nos termos do qual a Maersk Air deixaria de explorar a rota entre Copenhaga e Estocolmo mediante compensação, o acordo, celebrado como compensação do anterior, nos termos do qual a SAS deixaria de explorar a linha entre Copenhaga e Veneza, começando a Maersk Air a operar nessa rota, e o acordo segundo o qual a SAS deixaria de voar na rota Billund‑Frankfurt.

81     Estes factos estão assentes, tendo‑os admitido as partes no procedimento administrativo e sublinhando a recorrente expressamente, na petição, que não contesta as infracções declaradas na decisão impugnada.

82     No âmbito da primeira parte do presente fundamento, destinado a demonstrar que as infracções declaradas deveriam ter sido qualificadas de «graves» e não de «muito graves», a recorrente acusa a Comissão, essencialmente, de ter adoptado uma abordagem formalista ao considerar apenas a natureza das infracções, quando resulta da sua prática decisória (processos que deram lugar aos acórdãos «Lisina», «Tubos de aço sem costura» e «Condutas de aquecimento urbano») e da jurisprudência que, de entre as infracções relativas à partilha de mercados, só são qualificadas de «muito graves» as que afectem invariavelmente todo ou, pelo menos, uma parte muito significativa do mercado comum, e que tenham causado um considerável e efectivo prejuízo na concorrência. As próprias orientações, mesmo referindo, na verdade, as repartições de mercado entre as infracções «muito graves», remetem apenas para os acordos de grande envergadura e de longa duração. A recorrente refere‑se assim às decisões adoptadas pela Comissão nos processos que deram lugar aos acórdãos «Cimento», «Cartão» e «Perfis»).

83     Importa lembrar, a este respeito, que «[a] apreciação da gravidade da infracção, para efeitos da fixação do montante da [coima], deve ser efectuada tendo especialmente em conta a natureza das restrições impostas à concorrência, ao número e à importância das empresas em causa, à respectiva parte de mercado que controlam na Comunidade, bem como à situação do mercado na época em que foi praticada a infracção» (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 176). Uma jurisprudência assente limita‑se, aliás, a indicar que «a apreciação da […] gravidade […] deve ser efectuada tendo em conta, nomeadamente, a natureza das restrições à concorrência» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 246, e acórdão Lisina, n.° 117). Do mesmo modo, no seu acórdão de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 258 e 259), o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a gravidade da infracção podia ser determinada por referência à natureza e ao objectivo dos comportamentos abusivos e recordou que «resulta[va] de jurisprudência consolidada (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 636, e de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 199) que os elementos relativos ao objectivo de um comportamento […] podem ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos».

84     Assim, ainda que devam também ser tidos em conta a dimensão do mercado geográfico em causa e o impacto no mercado quando este for quantificável, a natureza das infracções constitui um critério essencial para apreciar a gravidade de uma infracção.

85     Quanto, mais especialmente, aos acordos que consistem, como no caso em apreço, numa partilha de mercados, há que recordar, antes de mais, que as orientações dispõem que as infracções «muito graves» consistem, essencialmente, em restrições horizontais de tipo cartéis de preços e quotas de repartição dos mercados, ou outras práticas lesivas do bom funcionamento do mercado interno, e que figuram também entre os exemplos de acordos expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum no artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE. Além da grave alteração do jogo da concorrência que implicam, estes acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado CE de integração do mercado comunitário. Também as infracções deste tipo, em especial quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas pela jurisprudência de «particularmente graves» ou de «infracções manifestas» (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T‑148/89, Colect., p. II‑1063, n.° 109, e de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 136). Ora, segundo jurisprudência consolidada, para apreciar a gravidade de uma infracção, a Comissão deve ter em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso concreto mas igualmente o contexto no qual a infracção se situa e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracções particularmente prejudiciais para a realização dos objectivos da Comunidade (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 32 supra, n.° 106).

86     Quanto à alegação da recorrente segundo a qual as infracções em causa deveriam ter sido qualificadas de «graves» por só as infracções que abrangem todo o mercado comum e de longa duração poderem ser qualificadas de «muito graves», deve ser rejeitada.

87     Por um lado, a acusação carece de fundamento jurídico. Efectivamente, a duração de uma infracção não é um critério que permita apreciar a gravidade, constituindo o segundo factor, ao lado da gravidade da infracção, estabelecido, tanto pelo artigo 12.°, n.° 2, do regulamento como pelas orientações, para a fixação do montante da coima. Quanto à dimensão geográfica, a circunstância de as orientações só terem feito referência, a título de simples exemplos de infracções qualificadas de «muito graves», a infracções relativas efectivamente à maior parte dos Estados‑Membros não pode ser interpretada como se significasse que só as infracções com esse alcance geográfico são susceptíveis de receber essa qualificação. Além disso, mesmo admitindo que a maior parte das decisões ou jurisprudência relativas a infracções declaradas «muito graves» tenham tido por objecto restrições muito extensas geograficamente, nem o Tratado, nem o regulamento, nem as orientações nem a jurisprudência permitem, contudo, considerar que só estas podem ser qualificadas como tais. Pelo contrário, como foi recordado acima, a jurisprudência reconhece à Comissão um amplo poder de apreciação para determinar a gravidade das infracções e fixar a coima em função de um grande número de elementos que não têm origem numa lista vinculativa ou exaustiva de critérios a ter em conta. Além disso, segundo jurisprudência consolidada, a sua própria prática decisória não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colect., p. II‑49, n.° 188).

88     Há que observar que, de qualquer modo, certas infracções foram qualificadas de «muito graves», não sendo «muito abrangentes», na acepção dada pela recorrente. Assim, a decisão adoptada no processo Volkswagen, a cujo recurso de anulação foi negado provimento pelo Tribunal de Primeira Instância (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2003, Volkswagen/Comissão, C‑338/00 P, Colect., p. I‑9189), qualificou de «muito grave» a infracção em causa, embora os únicos países afectados tenham sido a Itália, a Alemanha e a Áustria. Do mesmo modo, no acórdão de 21 de Outubro de 2003, General Motors Nederland e Opel Nederlan/Comissão (T‑368/00, Colect., p. II‑4491), o Tribunal confirmou a apreciação da Comissão qualificando de «muito grave» a infracção relativa ao mercado neerlandês de venda de veículos automóveis novos da marca Opel.

89     Há que sublinhar, por outro lado, que o território de um só Estado‑Membro, ou até uma parte reduzida do mesmo, pode ser considerado uma parte substancial do mercado comum na acepção do artigo 82.° CE (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 1663, n.os 371 a 375, e de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porti di Genova, C‑179/90, Colect., p. I‑5889, n.° 15; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.os 74 a 117).

90     Por outro lado, a alegação improcede na medida em que as infracções consideradas provadas na decisão impugnada não dizem unicamente respeito, como sugere a recorrente, à Dinamarca. Efectivamente, segundo o seu considerando 91, o mercado geográfico afectado abrange o EEE e não só. Importa recordar que a decisão declarou que as partes no acordo tinham celebrado, além de acordos específicos de repartição de mercados em relação a determinadas rotas internacionais, um acordo global de repartição de mercados, nos termos do qual a SAS não operaria nas rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia e a Maersk Air não poderia lançar serviços nas rotas a partir de Copenhaga exploradas pela SAS ou que esta pretendesse explorar. Assim, sem prejuízo de posterior exame da procedência da apreciação da dimensão geográfica do mercado em causa, ainda que o acordo apenas respeite às rotas a partir e com destino à Dinamarca, o mercado geográfico afectado estende‑se a todo o EEE e não só.

91     De onde resulta que a alegação de que as infracções, tendo em conta a sua natureza, não podem ser qualificadas de «muito graves» deve ser rejeitada.

–       Quanto à dimensão do mercado geográfico em causa

92     Em segundo lugar, quanto ao critério relativo à dimensão do mercado geográfico em causa, a recorrente defende, essencialmente, que a Comissão apreciou de forma errada o efeito geográfico das infracções e que nem sequer definiu os mercados afectados, para além das três rotas especificamente identificadas.

93     Importa indicar, a título liminar, que esta alegação faz parte do fundamento relativo a um alegado erro na apreciação da gravidade da infracção e que não constitui um fundamento através do qual a recorrente conteste a existência da própria infracção. O recurso não tem por objecto, como sublinhou expressamente a recorrente, contestar a existência das infracções que, segundo o artigo 1.° da decisão impugnada, cuja anulação não é pedida pela recorrente, consistem, por um lado, na celebração de acordos relativos a três rotas específicas (Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt) e, por outro, na celebração de um acordo geral de repartição de mercados, nos termos do qual a SAS não operaria nas rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia e a Maersk Air não poderia lançar serviços nas rotas a partir de Copenhaga exploradas pela SAS ou que esta pretendesse explorar, bem como um acordo para respeitar a repartição de rotas internas.

94     É neste quadro que há que apreciar a presente alegação, que deve ser compreendida como apenas respeitante à dimensão geográfica do acordo geral para efeitos de apreciação da gravidade da infracção.

95     Há que recordar que, no considerando 90 da decisão impugnada, que figura sob o título «Dimensão do mercado geográfico relevante», a Comissão declarou que as retiradas verificadas nas três rotas a partir e com destino à Dinamarca (Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt) eram apenas as consequências mais visíveis da repartição do mercado, e que em todas as outras rotas a partir e com destino à Dinamarca (rotas para/provenientes dos outros Estados‑Membros, para/provenientes dos países EEE e para/provenientes do resto do mundo), o acordo global de partilha de mercados tinha impedido a concorrência que, sem ele, se poderia ter gerado. Assim, a SAS, a maior companhia aérea dos países nórdicos, obteve a garantia de que a Maersk Air, a sua principal concorrente dinamarquesa nas rotas com destino à Dinamarca e/ou partida da Dinamarca, não exploraria em nenhuma das rotas por si exploradas a partir de Copenhaga, nem mesmo em qualquer rota que não fosse por si explorada, mas que pretendesse eventualmente explorar. Por seu turno, a Maersk Air obteve a garantia de que a SAS não lhe faria concorrência nas suas próprias rotas com destino e a partir de Billund, o segundo aeroporto da Dinamarca.

96     Do mesmo modo, no considerando 98 da decisão impugnada, a Comissão afirmou, designadamente, que, «[a]o obter a garantia de que a Maersk Air não concorreria com a SAS nas rotas com destino[e]/[ou] partida de Copenhaga e que a SAS não concorreria com a Maersk Air nas rotas com destino [e]/[ou] partida de Billund, os acordos horizontais de repartição do mercado entre a SAS e a Maersk Air restringiram a concorrência num grande número de rotas com destino [e]/[ou] partida da Dinamarca, incluindo nas rotas entre a Dinamarca e os outros Estados‑Membros, entre a Dinamarca e os membros do EEE e entre a Dinamarca e o resto do mundo. Tendo em conta que a SAS e a Maersk Air são as duas principais companhias aéreas dinamarquesas e que Copenhaga e Billund são os dois principais aeroportos d[este] país, as repercussões da repartição do mercado em causa estendem‑se a todo o EEE e não só, ao contrário do que acontecia no caso [do processo] ‘Ferries gregos’». Ora, como é indicado no considerando 1 da decisão impugnada, a SAS, membro da Star Alliance, operava em 105 rotas regulares: 40 dentro da Escandinávia, 56 no resto da Europa e nove fora da Europa.

97     De onde resulta que, embora seja verdade que nem todos os transportes aéreos do EEE foram afectados pelos acordos em causa, a alegação da recorrente assenta numa leitura errada da decisão impugnada, tendo a Comissão simplesmente concluído, correctamente, no considerando 91 da referida decisão, que as infracções tinham tido repercussões em todo o EEE e não só.

98     Nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente permite pôr em causa esta apreciação.

99     Antes de mais, como afirmou correctamente a Comissão, a expressão «mercado geográfico afectado» deve ser considerada sinónimo dos termos «mercado geográfico em causa», a que fazem referência o ponto 1, A, das orientações e os considerandos 90 e 91 da decisão impugnada. A argumentação da recorrente, embora pouco clara, parece consistir em acusar a Comissão de ter entendido por «mercado geográfico afectado» a área geográfica em que os efeitos das infracções tiveram um certo impacto. Este argumento é manifestamente infundado já que o ponto 1, A, das orientações enuncia precisamente que a avaliação da gravidade da infracção deve ter em consideração a dimensão geográfica do mercado em causa. Para o efeito, a Comissão não tem, pois, que definir precisamente quais são os mercados em causa, mas apenas apreciar o carácter mais ou menos extenso da zona geográfica do ou dos mercados em causa. Por outro lado, mesmo para considerar provada uma infracção, a Comissão não tem de definir precisamente os mercados em causa quando, como no caso em apreço, os acordos têm claramente por objecto restringir a concorrência.

100   Do mesmo modo, o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão, na medida em que aplicou o método «origem/destino» para definir os mercados em causa, não identificou outros mercados para além dos três referidos pelos acordos específicos, deve, manifestamente, ser rejeitado.

101   Por um lado, como acaba de ser referido, a Comissão não tem, para efeitos do ponto 1, A, das orientações, de definir precisamente os mercados em causa.

102   Por outro lado, a definição desses outros mercados resulta suficientemente da decisão impugnada. Com efeito, na medida em que o acordo geral tem por objectivo a supressão da respectiva concorrência potencial das duas partes no acordo em todas as rotas a partir e com destino à Dinamarca, é evidente que os «outros mercados» em causa são constituídos por todos os pares de pontos de «origem/destino» relacionados com a Dinamarca. Assim, são afectados, de uma maneira geral, todos os destinos que as partes operam ou, segundo os próprios termos do acordo geral de repartição de mercados, que pretendam operar, a partir ou com destino a Copenhaga ou à Jutlândia. Foi, pois, correctamente que, no considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão, após ter indicado o objectivo desse acordo geral de repartição de mercados, que consistiu na supressão total da concorrência potencial entre as partes no acordo, concluiu que «a cooperação afecta[va] um número elevado mas indeterminado de mercados O & D de transportes aéreos regulares de passageiros nacionais e internacionais para/a partir de Copenhaga e para/a partir de Billund».

103   De acrescentar ainda que o Tribunal observa, a título supletivo, que, segundo o considerando 27 da decisão impugnada, na notificação de 8 de Março de 1999, as próprias partes no acordo alegavam que «o mercado relevante deveria ser o mercado da oferta de transportes aéreos regulares de passageiros no mercados EEE» e «referiam igualmente que não era possível isolar cada rota ou grupos de rotas e analisá‑las separadamente, uma vez que, do ponto de vista comercial, o acordo de cooperação constituía um todo».

104   Por fim, importa observar que, como resulta das considerações expostas, a decisão impugnada, contrariamente ao que defende a recorrente, cumpre plenamente as exigências de fundamentação, nos termos do artigo 253.° CE.

105   De onde resulta que os argumentos da recorrente relativos à dimensão do mercado geográfico em causa devem ser rejeitados.

–       Quanto ao impacto no mercado

106   A recorrente defende, essencialmente, que as infracções tiveram apenas um efeito concreto limitado, ou até mesmo nulo, no mercado.

107   A este respeito, deve antes de mais afastar‑se o argumento geral, que não foi precisado de qualquer outra forma, segundo o qual os acordos não tiveram efeitos na medida em que todas as alterações introduzidas na programação do seu tráfego por cada uma das partes no acordo eram justificadas por considerações económicas e comerciais. Trata-se, com efeito, de uma simples alegação não fundamentada e, por isso mesmo, não susceptível de infirmar as declarações efectuadas na decisão impugnada para determinar os efeitos que resultaram de infracções cuja existência não é contestada.

108   Importa examinar, em seguida, os diferentes argumentos relativos aos três acordos específicos, por um lado, e ao acordo geral de partilha de mercado, por outro.

109   No que respeita às três rotas que as partes no acordo abandonaram, respectivamente, a favor da outra (Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt para a SAS e Estocolmo‑Copenhaga para a Maersk Air), o argumento da recorrente baseado no facto de cada uma das partes sofrer, antes dos acordos, perdas nas referidas rotas, é, mesmo admitindo que esta circunstância esteja provada, irrelevante. Por um lado, há que notar que, apesar dessas perdas, as partes consideraram necessário, ou pelo menos, preferível celebrar acordos pelos quais se obrigavam, respectivamente, a abandonar essas três rotas. A questão de saber se se retirariam das rotas no caso de não terem celebrado os referidos acordos é puramente hipotética, já que as partes no acordo se tinham privado da liberdade de se retirarem ou não. Por outro lado, o simples facto de uma companhia aérea sofrer perdas numa rota, num dado momento, não implica necessariamente que tenha interesse em a abandonar, quanto mais não seja devido à importância que essa rota pode representar para a totalidade da rede que explora. É, aliás, pouco provável que todas as companhias aéreas sejam sempre rentáveis em todas as rotas. De qualquer modo, a recorrente não demonstrou que foi em nome de considerações económicas próprias, resultantes de análises efectuadas na época, que as partes no acordo tinham decidido as retiradas em causa. Pelo contrário, resulta do considerando 66 da decisão impugnada, não impugnado pela recorrente, que a Maersk Air tinha acordado com a SAS que se retiraria da rota Copenhaga‑Estocolmo sem ter efectuado a avaliação económica rigorosa das suas operações na rota em causa após a época de Inverno de 1998/1999.

110   Quanto, antes de mais, ao acordo relativo à rota Copenhaga‑Estocolmo, importa recordar que a Comissão declarou nos considerandos 92 a 94 da decisão impugnada que a Maersk Air se tinha retirado da rota Copenhaga‑Estocolmo em 27 de Março de 1999, precisando, no considerando 93, que a rota Copenhaga‑Estocolmo é uma das principais rotas da Comunidade em termos de passageiros e número de frequências e que, nesta rota, a quota de mercado da SAS subiu de [...]% durante o ano que precedeu a entrada em vigor do acordo para cerca de [...]% a partir de Maio de 2000. Do mesmo modo, resulta do considerando 46 da decisão impugnada que a Maersk Air deixou de operar em regime de partilha de códigos com a Finnair (que também operava nessa rota), que, consequentemente, se retirou da rota em Maio de 2000, e com a Alitalia e a Swissair (que não operavam na rota). Estes factos não são impugnados pela recorrente. É, pois, manifesto, que o acordo teve um efeito muito sensível no mercado, tanto para os passageiros como para a recorrente e as companhias concorrentes.

111   A recorrente afirma, no entanto, a este respeito, que teria interesse em que a Maersk Air continuasse a explorar esta rota com quatro voos quotidianos na medida em que sozinha não conseguiria explorar de modo rentável todo o potencial do tráfego afluente entre Estocolmo e a sua plataforma principal (hub) de Copenhaga.

112   Este argumento deve, manifestamente, ser rejeitado.

113   Em primeiro lugar, como acaba de ser indicado, a recorrente beneficiou da retirada da Maersk Air, uma vez que, designadamente, a sua quota de mercado aumentou consideravelmente depois dessa retirada.

114   Em segundo lugar, este forte aumento demonstra que, apesar da alegada saturação das suas capacidades, a recorrente conseguia absorver uma procura maior.

115   Em terceiro lugar, a Comissão observou, no considerando 67 da decisão impugnada, que, segundo as próprias partes no acordo, as receitas da SAS aumentaram consideravelmente depois da retirada das Maersk Air e, mais precisamente, no considerando 94 da decisão impugnada, que, «[d]urante a fase de negociações, as partes calcularam, com base nos dados conhecidos sobre o volume de passageiros e na possibilidade de um aumento de preço de 100 […] [DKK], que a retirada da Maersk Air de Estocolmo e Oslo resultaria numa receita adicional anual para a SAS de cerca de [...] de DKK ([...] de euros)». Por outro lado, a Comissão precisou na sua defesa que essas previsões se revelaram exactas, uma vez que a SAS passou de um prejuízo de 27 milhões de coroas suecas (DKK) em 1998 para um lucro de 156 milhões de SEK em 2000, sem que a recorrente conteste a exactidão destes dados.

116   Em quarto lugar, se a recorrente tinha interesse em que a Maersk Air continuasse a operar na rota, importa observar que não foi capaz de explicar porque tinha então considerando necessário celebrar um acordo destinado à retirada daquela. Isto é tanto mais verdade quanto, por um lado, resulta dos autos, e em especial dos considerandos 49 a 51 da decisão impugnada, que a rota Copenhaga‑Estocolmo estava no cerne das negociações de partilha do mercado, tendo os acordos de retirada nas duas outras rotas precisamente por finalidade chegar a uma compensação equivalente, e, por outro, quando a recorrente afirma que nenhuma das partes no acordo adoptou ou executou qualquer decisão que não estivesse em conformidade com o seu próprio interesse. De qualquer forma, a circunstância de a recorrente ter tido interesse em que a Maersk Air prosseguisse a sua actividade na rota, a ser verdade, não faz mais do que confirmar que o acordo teve efeitos concretos no mercado, sem que importe saber se isso teve consequências favoráveis ou desfavoráveis na posição da recorrente. Assim, seguindo o seu raciocínio, seria necessário considerar que o acordo, devido à saturação das suas capacidades na rota, teve por efeito privar certos passageiros da possibilidade de alcançar a sua «hub» de Estocolmo.

117   Seguidamente, quanto aos acordos específicos relativos às rotas Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt, a Comissão afirmou no considerando 92 da decisão impugnada que a SAS se retirou destas duas rotas como compensação pela retirada da Maersk Air da rota Copenhaga‑Estocolmo. Ora, por um lado, estes factos estão assentes e deles resulta que os referidos acordos tiveram por efeito suprimir toda e qualquer concorrência real nestes dois mercados. Por outro lado, há que referir que a recorrente não apresentou qualquer argumento para demonstrar que os acordos não tiveram, no entanto, qualquer efeito sensível no mercado. Pelo contrário, a afirmação da recorrente segundo a qual, a partir da inspecção, as partes no acordo limitaram a sua cooperação aos seus aspectos lícitos e os passageiros beneficiaram, designadamente, da abertura ou reabertura da rota entre Copenhaga e Veneza, apenas confirma a existência de um impacto no mercado resultante dos acordos em causa.

118   De onde resulta que os argumentos da recorrente destinados a demonstrar que os acordos de partilha de mercado relativos às três rotas específicas tiveram pouco impacto no mercado devem ser rejeitados.

119   Quanto ao acordo geral de repartição de mercados, importa recordar que a Comissão declarou, nos considerandos 41 a 43, 62, 69, 72 e 90 da decisão impugnada, que tendo a Maersk Air acordado com a SAS que só começaria a operar em rotas a partir de Copenhaga com o acordo da SAS, todas as rotas com destino/partida de Copenhaga eram afectadas pelo acordo e que, inversamente, uma vez que a SAS aceitou não operar em rotas da Maersk Air a partir da Jutlândia, o acordo afectava também essas rotas. Deu ainda por provado que as partes acordaram respeitar uma partilha das rotas internas e que existia um mercado diferente para os serviços de transporte aéreo entre Copenhaga e Bornholm. No considerando 72, a Comissão afirmou que tanto os três acordos específicos como o acordo geral de repartição de mercados tinham um objectivo claramente anticoncorrencial e que tinham também por efeito restringir consideravelmente o jogo da concorrência, precisando, contudo, que as repercussões no mercado não eram sempre as mesmas, na medida em que os primeiros tinham prejudicado a concorrência real, enquanto o acordo geral tinha restringido a concorrência potencial entre as partes no acordo, já que cada uma das referidas partes se tinha comprometido a não operar rotas a partir do aeroporto reservado à outra parte. Acrescentou, a este respeito, que esta restrição ocorria num contexto em que a SAS era a principal transportadora para/a partir da Dinamarca, enquanto a Maersk Air era a sua principal concorrente dinamarquesa, em que a grande maioria do tráfego aéreo com origem ou destino na Dinamarca tinham como proveniência ou destino um dos dois aeroportos referidos pelo acordo e onde Copenhaga era um dos três aeroportos de distribuição de tráfego da SAS, ao passo que a Maersk Air explorava principalmente rotas com partida ou destino nos aeroportos de Copenhaga e Billund.

120   Não se pode contestar que estes elementos são suficientes para se considerar que o acordo geral teve um impacto no mercado. Ora, por um lado, a recorrente admitiu que as partes tinham celebrado este acordo e até mesmo que tinham a intenção de o pôr em prática e, por outro, as partes no acordo aplicaram e cumpriram efectivamente este acordo geral de partilha de mercados, ou, pelo menos, a recorrente não negou que, nos termos previstos no acordo, as partes se mantiveram afastadas das rotas reservadas a cada uma delas. A Comissão indicou, aliás, a este respeito, no considerando 42 da decisão impugnada, que, assim que o acordo entrou em vigor, a SAS se retirou de Billund e só a Maersk Air tinha lançado novas rotas a partir dessa cidade. A circunstância, referida no considerando 23 da decisão impugnada, de a Comissão ter encontrado provas manifestas de um acordo de repartição de mercados na rota Copenhaga‑Genebra, sem, no entanto, dar por provada qualquer infracção específica, aplicando‑se o regulamento apenas ao transporte aéreo entre os aeroportos do EEE, só confirma, de resto, que o efeito dos acordos não se limitou às três rotas evocadas pela recorrente.

121   Nestas condições, a alegação da recorrente, segundo a qual a Comissão cometeu um erro de apreciação na medida em que exagerou a gravidade da infracção, ao afirmar, sem produzir prova para esse efeito, que os outros mercados, para além das três rotas específicas, tinham sido afectados pelo acordo, sendo que, no caso em apreço, só estas três estavam em causa, não pode ser acolhida, pois poria em causa a própria existência do acordo geral de repartição de mercados.

122   Por outro lado, uma vez que, segundo as orientações, a Comissão só deve ter em consideração, para apreciar a gravidade da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável, e que o acordo global com vista a suprimir a concorrência potencial, cujo efeito concreto é, por hipótese, dificilmente quantificável, há que considerar que a Comissão não tinha de demonstrar precisamente o impacto concreto do acordo no mercado nem de o quantificar, podendo basear‑se nas estimativas da probabilidade desse efeito.

123   Deve também rejeitar‑se o argumento da recorrente de que nada permite sugerir que, na ausência do acordo geral de repartição do mercado, a actuação das partes noutras rotas que não as rotas Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt teria sido diferente. Efectivamente, a Comissão declarou o seguinte, acertadamente, no considerando 100 da decisão impugnada:

«[…] a Maersk Air foi impedida de concorrer com a SAS nas rotas [a partir de Copenhaga] que esta operasse ou pretendesse simplesmente operar. A questão de saber se a Maersk Air teria ou não começado a operar em qualquer dessas rotas se não tivesse de respeitar o acordo celebrado com a SAS é uma questão hipotética e irrelevante, uma vez que a Maersk Air foi efectivamente privada da liberdade de decidir explorar ou não novas rotas com partida de Copenhaga. O mesmo raciocínio se aplica no que respeita à falta de liberdade da SAS para lançar rotas com partida de Billund.»

124   Do mesmo modo, o argumento da recorrente segundo o qual o acordo permitiu à Maersk Air começar a operar nas rotas Copenhaga‑Cairo e Copenhaga‑Atenas é irrelevante, uma vez que a Comissão, no considerando 99 da decisão impugnada, declarou com razão o seguinte:

«[…] não existem provas de que a cooperação com a SAS fosse necessária para [esse efeito]. A Maersk Air podia ter decidido operar essas rotas de forma autónoma ou em cooperação com outra transportadora que não a SAS. Ainda que se considere, em favor das partes, que só foi possível abrir estas rotas porque a Maersk Air cooperava com a SAS, as vantagens para os passageiros que viajam nessas rotas não compensam a eliminação da concorrência noutros mercados.»

125   Importa observar ainda que o argumento relativo à prossecução do acordo de partilha de códigos entre a Maersk Air e a British Airways na rota Copenhaga‑Birmingham em nada apoia o ponto de vista da recorrente segundo o qual o acordo de repartição de mercados só teve efeitos nos três mercados específicos. Efectivamente, como se refere no considerando 19 da decisão impugnada, resulta dos documentos obtidos no decurso da inspecção que tinha sido decidido não pôr termo imediatamente a todos os acordos de partilha de códigos da Maersk Air e manter alguns deles para não chamar atenção e evitar «problemas com a Comissão». Por outro lado, segundo confessou a própria recorrente, a Maersk Air e a SAS começaram por tentar entender‑se quanto à exploração desta rota e só a partir de 29 de Outubro de 2000, ou seja, depois da inspecção conduzida pela Comissão em 15 e 16 de Junho de 2000, é que as partes no acordo decidiram concorrer entre si.

126   A fim de demonstrar que o acordo geral de repartição de mercados não teve efeitos no mercado, a recorrente invoca, por fim, um estudo, efectuado pela sociedade Lexecon, que demonstra que o efeito concreto do acordo nas tarifas das rotas a partir da Dinamarca foi mínimo. Para além do facto de este estudo, encomendado pela recorrente, ter sido apresentado apenas na réplica, sem que a recorrente tenha justificado o atraso na sua apresentação, como exige o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, basta recordar que a infracção em causa consiste numa repartição de mercados, pelo que não diz respeito directamente às tarifas praticadas pelas partes no acordo, e que estas adoptaram um comportamento conforme a esta repartição de mercados.

127   Por outro lado, há que sublinhar que o estudo apenas trata do efeito do acordo nos preços praticados pela SAS, apesar de a cláusula de não concorrência ser recíproca e de ter também sido acordado que a SAS não operaria nas rotas operadas pela Maersk Air com destino e a partir de Billund. Ora, é evidente que, na falta de acordo, a SAS teria podido exercer uma pressão concorrencial significativa sobre a Maersk Air. Nem o estudo nem a recorrente apresentam qualquer elemento susceptível de demonstrar a inexistência de efeitos do acordo a este respeito.

128   Importa indicar ainda que, embora o estudo se destine a demonstrar que as tarifas da SAS nas rotas a partir da Dinamarca, afectadas pelo acordo geral de partilha de mercado, se mantiveram estáveis relativamente às praticados pela SAS nas rotas a partir da Suécia e da Noruega não abrangidas pelo referido acordo, apenas compara os preços praticados em 20 rotas escolhidas de entre os 105 destinos operados pela SAS e não demonstra que as condições de concorrência que regem os mercados afectados e os mercados não afectados eram comparáveis. Por outro lado, o estudo mostra que as tarifas evoluíram de modo diferente nas duas regiões, aumentando as tarifas praticadas nas rotas a partir da Dinamarca relativamente às praticadas nas rotas a partir da Suécia e da Noruega, de 1996 a 1999, para depois diminuírem até 2000.

129   Resulta do exposto que as alegações da recorrente destinadas a demonstrar que a Comissão apreciou erradamente o impacto das infracções no mercado devem ser rejeitadas.

130   De qualquer forma, importa recordar que, segundo jurisprudência consolidada, a Comissão não tem de demonstrar os efeitos concretos de um acordo quando este tiver um objectivo claramente anticoncorrencial. Assim, no acórdão Michelin/Comissão, n.° 83 supra (n.os 258 e 259), em resposta ao argumento da recorrente segundo o qual o montante de partida deveria ter sido consideravelmente inferior devido aos efeitos reais da infracção, o Tribunal sublinhou que a Comissão não tinha examinado na sua decisão os efeitos concretos das práticas abusivas em causa, o que, aliás, nem tinha que fazer, e que, embora a Comissão tivesse especulado sobre os efeitos dos comportamentos abusivos, a gravidade da infracção tinha sido determinada por referência à natureza e ao objectivo desses comportamentos. O Tribunal recordou, em seguida, que os elementos relativos ao objectivo de um comportamento podem ter mais importância para fins da fixação do montante da coima do que os relativos aos seus efeitos. Do mesmo modo, no acórdão Thyssen Stahl/Comissão, n.° 83 supra, o Tribunal decidiu, nos n.os 635 e 636, o seguinte:

«[…] para se concluir pela existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, [CECA] não é necessário provar que o comportamento em causa teve um efeito anticoncorrencial. O mesmo se pode dizer a propósito da aplicação de uma coima nos termos do artigo 65.°, n.° 5, [CECA]. Daqui decorre que o efeito que possam ter um acordo ou uma prática concertada no funcionamento normal da concorrência não constitui um critério determinante para a apreciação do montante adequado da coima. Tal como a Comissão salientou, a justo título, os elementos relativos ao aspecto intencional, e, portanto, ao objectivo de um comportamento, podem ter mais importância do que os relativos aos seus efeitos […], sobretudo quando dizem respeito a infracções intrinsecamente graves, tais como a fixação de preços e a repartição de mercados.»

131   Ora, no caso em apreço, não se pode contestar que os acordos em causa, ao preverem uma partilha de mercado, tinham um objectivo claramente anticoncorrencial.

–       Quanto à comparação com o processo «Ferries gregos»

132   Quanto ao argumento relativo à comparação com o processo «Ferries gregos», em que a Comissão qualificou a infracção de «grave» e não de «muito grave», há que recordar, antes de mais, que, segundo jurisprudência consolidada, a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é definido pelo Regulamento n.° 17, ou pelos regulamentos sectoriais equivalentes como, no caso em apreço, o regulamento, e pelas orientações (acórdãos LR AF 1998/Comissão, n.° 75 supra, n.os 234 e 337, e Michelin/Comissão, n.° 83 supra, n.° 254). O facto de a Comissão ter considerado, no passado, que infracções de um certo tipo deviam ser qualificadas de «graves» não pode, pois, privá‑la da possibilidade de as considerar, num caso posterior, «muito graves», se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 32 supra, n.os 105 a 108, e Lisina, n.° 56).

133   De onde resulta que a comparação com o processo «Ferries gregos», em que a Comissão qualificou a infracção de «grave», não é susceptível de demonstrar que a Comissão não podia qualificar a infracção em causa no presente processo de «muito grave».

134   Importa considerar, depois, que, de qualquer modo, a comparação dos dois processos não é susceptível de demonstrar que as infracções em causa deveriam ter sido qualificadas de «graves».

135   Com efeito, além do facto de a decisão «Ferries gregos» dizer respeito a um acordo de preços em três rotas marítimas entre Patras (Grécia) e três portos italianos, e não, como no caso em apreço, a acordos específicos relativos a certas rotas reforçados por um acordo geral de repartição de mercados, há que indicar que, como a Comissão afirmou, correctamente, no considerando 98 da decisão impugnada, o efeito das infracções no processo «Ferries gregos», relativo a um acordo de fixação de preços, é mais limitado do que no caso em apreço.

136   Em primeiro lugar, no referido processo, as partes não puseram em prática todos os acordos ilícitos e concorreram entre si ao nível dos preços através da aplicação de descontos.

137   Em segundo lugar, as autoridades gregas incentivaram as transportadoras, durante o período da infracção, a manterem dentro da taxa de inflação os aumentos das tarifas acordados, embora as tarifas tivessem sido mantidas a um dos níveis mais baixos da Comunidade para os transportes marítimos intracomunitários. Ora, a recorrente em nada demonstrou que acontecia o mesmo no caso em apreço.

138   Em terceiro lugar, embora a dimensão, em termos de número de passageiros, das três rotas onde foram detectadas infracções no processo «Ferries gregos» (Ancona‑Patras, Bari‑Patras e Brindisi‑Patras) seja comparável à dimensão das rotas Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt, há que recordar que, no caso em apreço, a repartição dos mercados entre a SAS e a Maersk Air afecta igualmente muitas outras rotas. Ao obter a garantia de que a Maersk Air não concorreria com a SAS nas rotas com destino/partida de Copenhaga e que a SAS não concorreria com a Maersk Air nas rotas com destino/partida de Billund, os acordos horizontais de repartição do mercado entre a SAS e a Maersk Air restringiram a concorrência num grande número de rotas com destino/partida da Dinamarca, incluindo nas rotas entre a Dinamarca e os outros Estados‑Membros, entre a Dinamarca e os membros do EEE e entre a Dinamarca e o resto do mundo. Dado que a SAS e a Maersk Air são as duas principais companhias aéreas dinamarquesas e que Copenhaga e Billund são os dois principais aeroportos do país, as repercussões da repartição do mercado em causa estendem‑se a todo o EEE e não só, ao contrário do que acontecia no processo «Ferries gregos».

139   Importa ainda precisar que, na decisão «Ferries gregos», a Comissão considerou que o acordo a nível dos preços constituía, por natureza, uma infracção muito grave e que só devido a circunstâncias especiais concluiu que se tratava de uma infracção «grave». Ora, como resulta do considerando 148 da decisão «Ferries gregos», os três factores que levaram então a Comissão a atenuar a gravidade da infracção não se verificam no presente caso. A recorrente não contesta a ausência dos dois primeiros factores no caso em apreço (ou seja, que as partes, apesar do acordo, concorreram entre si ao nível dos preços e que, devido à pressão das autoridades nacionais, as tarifas se mantiveram entre as mais baixas da Comunidade). Ao invocar o terceiro factor comete um erro, como acima foi considerado, já que a infracção cometida no presente caso é geograficamente mais abrangente do que a que foi objecto de sanção na decisão «Ferries gregos».

 Conclusão sobre a qualificação das infracções

140   Resulta do exposto que o processo «Ferries gregos» não só não contém qualquer base válida para a requalificação das infracções em causa no caso em apreço como, pelo contrário, é susceptível de confirmar a procedência da qualificação da infracção como «muito grave», uma vez que, por um lado, as circunstâncias específicas que tinham permitido atenuar a gravidade da infracção no processo «Ferries gregos» não estão reunidas no caso em apreço e, por outro, as infracções em causa têm, manifestamente, um alcance geográfico muito mais alargado.

141   Nestas condições, foi correctamente que a Comissão, tendo em conta a natureza da infracção, a dimensão do mercado geográfico em causa e o efeito da infracção no mercado, concluiu que a SAS e a Maersk Air tinham cometido uma infracção muito grave.

142   Nenhum dos outros argumentos invocados pela recorrente é susceptível de pôr em causa esta análise.

143   Antes de mais, quanto ao argumento segundo o qual a circunstância de a Comissão ter fixado o ponto de partida da coima da Maersk Air em 14 milhões de euros implica que a infracção deve ser qualificada de «grave» e não de «muito grave», fixando as orientações a coima mínima em 20 milhões de euros para as infracções qualificadas de «muito graves», basta indicar que é a gravidade da infracção que determina o montante da coima e não o contrário. Ora, como acima se considerou, a Comissão agiu acertadamente ao concluir, no considerando 102 da decisão impugnada, que o acordo de repartição de mercados celebrado entre a SAS e a Maersk Air era uma infracção muito grave.

144   Quanto ao argumento segundo o qual a recorrente não obteve ganhos ilícitos graças às infracções, não podendo a Comissão aplicar, assim, a disposição das orientações nos termos da qual «[…] [o] montante de base […] [pode ser aumentado em caso de] necessidade de majorar a sanção para ultrapassar o montante dos ganhos ilícitos obtidos graças à infracção», importa, antes de mais, indicar que esta acusação provém de uma leitura errada tanto das orientações como da decisão impugnada. Com efeito, é a título de circunstâncias agravantes, e não para fins de avaliação da gravidade da infracção, que as orientações prevêem, no ponto 2, quinto travessão, a possibilidade de majorar a sanção para ultrapassar o montante dos ganhos ilícitos obtidos graças à infracção. Ora, como é expressamente indicado no considerando 116 da decisão impugnada, a Comissão considerou que não existiam circunstâncias agravantes no caso em apreço e, portanto, não majorou a coima aplicada à recorrente devido a ganhos ilícitos que tenha obtido. De onde resulta que a alegação deve ser rejeitada.

145   A título supletivo, o Tribunal examinará, contudo, o argumento, não no sentido de este pretender demonstrar que a infracção não devia ser qualificada de «muito grave», mas como um fundamento diferente no sentido de a coima da recorrente ter sido fixada num nível excessivo, porque baseada na suposição, errada, de que a retirada da Maersk Air da rota Copenhaga‑Estocolmo lhe proporcionou um suplemento de receitas anuais de […] DKK.

146   Importa recordar, a este respeito, que, segundo a jurisprudência (acórdãos CMA CGM e o./Comissão, n.° 75 supra, n.° 340, e Deutsche Bahn/Comissão, n.° 64 supra, n.° 217), o facto de uma empresa não ter retirado qualquer benefício da infracção não pode impedir que lhe seja aplicada uma coima, sob pena de retirar a esta última o seu carácter dissuasor (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.os 46 e 47). Daí resulta que a Comissão não tem que demonstrar, para fixar as coimas, que a infracção conferiu uma vantagem ilícita às empresas em causa nem tomar em consideração, sendo caso disso, a inexistência de benefício retirado com essa infracção (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, a seguir «acórdão Cimento», n.° 4881).

147   É certo que, segundo o ponto 5, alínea b), das orientações, que contém uma série de observações de carácter geral, «[é] conveniente, segundo as circunstâncias, após ter efectuado os cálculos […], tomar em consideração certos dados objectivos, tais como o contexto económico específico, a vantagem económica ou financeira eventualmente obtida pelos autores da infracção […] para adaptar, in fine, os montantes da coima prevista». Já se decidiu que essas indicações não significam, todavia, que a Comissão tenha passado a impor a si própria o ónus de demonstrar, em todas as circunstâncias, para efeitos de determinação do montante da coima, a vantagem financeira ligada à infracção constatada. Apenas traduzem a sua vontade de tomar preferencialmente em consideração esse elemento e de o utilizar como base de cálculo do montante das coimas, se tiver tido condições para o avaliar, ainda que aproximadamente (acórdão Cimento, n.° 4885).

148   Importa, portanto, examinar, antes de mais, se a decisão impugnada tomou efectivamente em consideração os benefícios que as partes no acordo retiraram das infracções para determinar a sua gravidade.

149   Há que recordar a este respeito que, sob o título «Efeito concreto da infracção», que figura na secção que trata da sua gravidade, a Comissão declarou, antes de mais, nos considerandos 92 e 93, que «[o]s resultados mais visíveis da infracção [tinham sido] os seguintes: a Maersk Air retirou‑se da rota Copenhaga‑Estocolmo […], a SAS retirou‑se da rota Copenhaga‑Veneza, bem como […] da rota Billund‑Frankfurt […]. N[a] rota [Copenhaga‑Estocolmo], a quota de mercado da SAS aumentou de [...]% […] para cerca de [...]%.» Estes efeitos estão assentes e provam, desde já, que a SAS retirou um benefício, não impugnado, da infracção ao aumentar a sua quota de mercado. A Comissão continua depois, indicando, no considerando 94 da decisão impugnada, que, «[d]urante a fase de negociações, as partes calcularam, com base nos dados conhecidos sobre o volume de passageiros e na possibilidade de um aumento de preço de 100 […] [DKK], que a retirada da Maersk Air de Estocolmo e Oslo resultaria numa receita adicional anual para a SAS de cerca de [...] [DKK], ou seja, numa receita anual adicional de [...] euros» e no considerando 95 que, «[t]endo em conta que o acordo geral de repartição do mercado entre a SAS e a Maersk Air afecta um grande número de rotas com destino e a partir da Dinamarca, a Comissão considera que os ganhos obtidos […] em virtude da infracção excedem essa estimativa». De onde resulta que se pode considerar que a Comissão teve em conta, em certa medida, os benefícios obtidos com as infracções pelas partes no acordo, sendo certo que este elemento não pode ser considerado o ponto de partida da determinação da coima mas, quando muito, um factor tido em conta na determinação da gravidade da infracção, podendo desempenhar, por isso, um certo papel no cálculo da coima.

150   A recorrente contesta que a infracção tenha implicado um aumento das suas receitas anuais de cerca de […] DKK.

151   Há que indicar a este respeito, em primeiro lugar, que o considerando 94 da decisão impugnada se limita a indicar que «[d]urante a fase de negociações, as partes calcularam […]». Não se trata, portanto, de um cálculo feito pela Comissão, mas pelas próprias partes aquando da negociação dos acordos.

152   Em segundo lugar, como resulta do considerando 53 da decisão impugnada, este cálculo figura na acta da reunião de 25 de Agosto de 1998 do grupo de gestão de projectos (SAS/Maersk Air). Contrariamente ao que afirma a recorrente, não se trata, portanto, de uma «simples observação feita ao acaso por um representante da Maersk [Air]», mas da acta de uma reunião em que a SAS participou.

153   Em terceiro lugar, embora a recorrente afirme que este cálculo estava contido num documento redigido pela Maersk Air e que não foi, em nenhum momento, admitido pela SAS, resulta, contudo, das respostas às questões escritas do Tribunal que este documento estava junto à comunicação de acusações e que as partes reconheceram os factos e as infracções descritas na comunicação.

154   Em quarto lugar, a recorrente alega que a informação é desmentida pelo facto de as tarifas na rota Copenhaga‑Estocolmo não terem evoluído de modo diferente das tarifas praticadas nas rotas comparáveis que não foram afectadas pelo acordo. Esta alegação não foi acolhida nas observações relativas ao efeito concreto das infracções porque, designadamente, não se podia considerar que as rotas Copenhaga‑Oslo e Estocolmo‑Oslo não eram afectadas pelo acordo, tendo em conta, por um lado, o acordo geral de repartição dos mercados e, por outro, o facto de, segundo a acta da reunião de 25 de Agosto de 1998, referida no considerando 53 da decisão impugnada, a Maersk Air se comprometer a manter‑se afastada de Oslo.

155   Em quinto lugar, a recorrente defende na réplica que o cálculo de […] DKK deveria passar a […] DKK, porque a rota Copenhaga‑Oslo nunca foi objecto de partilha de mercados. Como sublinha correctamente a Comissão, esta argumentação não pode ser aceite já que põe em causa a existência ou o alcance do acordo geral de repartição de mercados e a recorrente não contestou os factos ou as infracções. Por outro lado, a recorrente não fez prova bastante de que a rota não tinha sido objecto de partilha de mercado.

156   Em sexto lugar, esta alegação improcede de qualquer modo, uma vez que a recorrente se limita a contestar a existência de benefícios relativos à infracção sem entretanto fornecer a menor prova nesse sentido. Pelo contrário, como foi acima indicado, a Comissão afirmou, sem ser contradita pela recorrente, que as previsões das partes se revelaram exactas, uma vez que a SAS passou de um prejuízo de 27 milhões de DKK em 1998 para um lucro de 36 milhões de DKK no ano seguinte e um lucro de 156 milhões de DKK em 2000.

157   Resulta do exposto que o fundamento com base no facto de as infracções deverem ter sido qualificadas de «graves» e não de «muito graves» não procede.

–       Quanto à consideração do volume de negócios

158   No âmbito deste primeiro fundamento, a recorrente acusa ainda a Comissão de ter calculado a coima com base no volume de negócios, apesar de as orientações não lhe fazerem qualquer referência, e de ter cometido um erro na medida em que comparou o volume de negócios consolidado do grupo SAS ao da Maersk Air sem ter em conta o facto de esta última fazer parte do grupo A. P. Møller.

159   Há que observar que esta acusação é irrelevante no âmbito deste primeiro fundamento, relativo à determinação da gravidade das infracções. No entanto, o Tribunal irá adiante examiná‑lo como fundamento autónomo.

160   Importa recordar, antes de mais, que as orientações introduziram uma nova abordagem para o cálculo das coimas. Efectivamente, enquanto anteriormente a prática da Comissão consistia em calcular a coima na proporção do volume de negócios das empresas em causa, as orientações assentam mais no princípio do montante fixo, passando o montante de partida a ser determinado em termos absolutos, em função da gravidade intrínseca da infracção, depois majorado em função da duração, e por fim modulado em função das circunstâncias agravantes ou atenuantes. Este método foi expressamente validado pela jurisprudência (v., em especial, acórdão Eléctrodos de grafite, n.os 189 a 193). No método previsto pelas orientações, o volume de negócios intervém apenas como critério secundário para modular a coima dentro dos montantes previstos pelas orientações para as diferentes categorias de infracções («pouco graves», «graves» e «muito graves»).

161   Contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão, como resulta dos considerandos 87 a 103 da decisão impugnada, não utilizou um método de cálculo baseado no volume de negócios em causa, tendo partido da qualificação da infracção − no caso em apreço, considerada «muito grave» − e tendo, depois, tido em conta, nos considerandos 104 a 106 da decisão e de acordo com as orientações, o efeito concreto do comportamento ilícito de cada uma das duas empresas, dado que tinham dimensões muito diferentes.

162   Assim, considerando expressamente que as partes tinham cometido uma infracção do mesmo tipo, apesar do desequilíbrio intrínseco do acordo, na medida em que este pretendia, em princípio, atribuir às duas empresas benefícios da mesma ordem de grandeza, a Comissão ponderou, segundo o considerando 104 da decisão impugnada, os seguintes factores:

«–      a SAS é a maior companhia aérea da Escandinávia, ao passo que a Maersk Air é uma companhia bastante mais pequena. O volume de negócios da SAS em 2000 elevou‑se a 4 917 milhões de euros, enquanto o volume de negócios da Maersk Air no mesmo ano foi 10,7 vezes inferior (458,6 milhões de euros). O volume de negócios da SAS em relação à Dinamarca (757,6 milhões de euros) continua a ser 16,5 vezes superior ao da Maersk Air,

–      o acordo aumentou, de facto, o poder de mercado da SAS: em primeiro lugar, integrou na rede SAS as rotas nas quais as partes operavam em regime de partilha de códigos (a SAS colocou o seu código nas rotas da Maersk Air, mas a Maersk Air não colocou o seu código nas rotas da SAS); em segundo lugar, o programa de passageiro frequente da SAS podia ser utilizado nas rotas da Maersk Air, tanto para obter como para resgatar pontos.»

163   Consequentemente, a Comissão entendeu, no considerando 105 da decisão impugnada, que «ser[ia] dado mais peso às infracções cometidas pela SAS do que às infracções cometidas pela Maersk Air», o que não significaria, «contudo, que a correlação entre as coimas a aplicar às duas companhias t[ivesse] de corresponder exactamente à correlação entre os respectivos volumes de negócios». Dada a diferença de dimensão entre as partes no acordo e a necessidade de fixar as coimas a um nível suficientemente dissuasor, a Comissão fixou, no considerando 106 da decisão impugnada, o ponto de partida para as coimas em 35 milhões de euros para a SAS e 14 milhões de euros para a Maersk Air.

164   Resulta destas passagens da decisão impugnada que, contrariamente ao que defende a recorrente, a Comissão não calculou a coima em função do volume de negócios total, mas em função do volume de negócios realizado no mercado em causa, ou seja, o relacionado com a Dinamarca, tendo em consideração os dados relativos aos dois tipos de volumes de negócios para modular, em certa medida, o ponto de partida da coima aplicada a cada uma das partes no acordo, que tinham cometido o mesmo tipo de infracção.

165   Importa recordar, a este respeito, que resulta da jurisprudência que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para a fixação das coimas e que pode, designadamente, recorrer a um ou outro tipo de volume de negócios em função das circunstâncias próprias do processo. Assim, o Tribunal, lembrando que a única referência expressa ao volume de negócios contida no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 diz respeito ao limite superior que o montante de uma coima não pode ultrapassar e que se considera que esse limite é relativo ao volume de negócios global (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 32 supra, n.° 119), decidiu que, «[n]o respeito deste limite, a Comissão pode, em princípio, fixar a coima a partir do volume de negócios à sua escolha, em termos de base geográfica e de produtos em causa (acórdão Cimento, n.° 5023), sem ser obrigada a tomar em consideração precisamente o volume de negócios global ou o realizado no mercado geográfico ou no mercado dos produtos em causa» e que, «embora as orientações não prevejam o cálculo das coimas em função de um determinado volume de negócios, também não se opõem a que tal volume de negócios seja tido em conta, desde que a escolha operada pela Comissão não esteja viciada por erro manifesto de apreciação (acórdão Eléctrodos de grafite, n.° 195).

166   De onde resulta que, para efeitos da determinação do montante da coima, a Comissão é livre de tomar em consideração o volume de negócios que entender, desde que este não se revele despropositado em função das circunstâncias do caso em apreço. Do mesmo modo, segundo a jurisprudência, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de as coimas serem impostas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam todas as diferenças entre elas quanto ao seu volume de negócios global (acórdão CMA CGM e o./Comissão, n.° 75 supra, n.° 385, e jurisprudência aí referida).

167   Não tendo a recorrente demonstrado que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação, nem mesmo explicado em que teria a escolha sido despropositada, a sua alegação deve ser rejeitada.

168   Há que indicar por acréscimo que, tendo o ponto de partida para a determinação das coimas sido fixado em 35 milhões de euros para a SAS e 14 milhões de euros para a Maersk Air, representa respectivamente 4,62% e 3,05% dos seus volumes de negócios realizados relativamente à Dinamarca ou 0,7% e 3,05% dos seus volumes de negócios totais. Se se tomar em consideração o volume de negócios realizado com a Dinamarca, a recorrente foi, portanto, ligeiramente mais penalizada do que a Maersk Air (4,62 % contra 3,05%), enquanto se tivermos em conta o volume de negócios global, a recorrente foi penalizada de uma forma muito menos severa do que a Maersk Air (0,7 % comparado a 3,05%). Ora, por um lado, resulta da decisão impugnada que a Comissão se baseou, sobretudo, como pode fazer, nos dois tipos de volumes de negócios e, por outro, que as partes no acordo tinham cometido a mesma infracção e dela retirado benefícios equilibrados, e, uma vez que as orientações se baseiam no princípio do montante fixo, segundo o qual a coima é determinada mais em função da gravidade da infracção do que em função do volume de negócios das empresas em causa, não se verifica que o ponto de partida adoptado no caso em apreço esteja viciado por um erro manifesto de apreciação nem que viole o princípio da igualdade de tratamento.

169   A recorrente parece contestar o facto de a Comissão ter tomado em consideração o volume de negócios global, dando‑lhe mais importância do que ao realizado relativamente à Dinamarca. Há que recordar a este respeito que, segundo jurisprudência consolidada, a Comissão, quando calcula a coima de uma empresa, pode ter em consideração, designadamente, a sua dimensão e o seu poder económico (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 32 supra, n.° 120, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Acerinox/Comissão, T‑48/98, Colect., p. II‑3859, n.os 89 e 90). Além disso, para se avaliar a capacidade financeira dos membros de um acordo, a jurisprudência reconheceu a relevância do volume de negócios global (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.os 85 e 86). Não se tendo a Comissão baseado apenas no volume de negócios global, o argumento deve, pois, ser rejeitado.

170   Por fim, na medida em que a alegação da recorrente, embora não seja claramente enunciada, se destina sobretudo a contestar o facto de a Comissão não ter tido em consideração a pertença da Maersk Air ao grupo A. P. Møller, basta notar, como indicou correctamente a Comissão, que, por um lado, os outros membros do grupo A. P. Møller desenvolviam actividades noutros sectores bem diferentes do transporte aéreo, como o transporte marítimo e a energia, e, por outro, que a Comissão teve em conta a pertença da Maersk Air a esse grupo ao rejeitar, no considerando 118 da decisão impugnada, a existência de uma circunstância atenuante baseada no facto de se tratar da sua primeira infracção. De qualquer modo, mesmo admitindo que a Comissão tivesse cometido um erro a favor da Maersk Air, ao esquecer‑se de ter em conta a sua pertença ao grupo A. P. Møller, esta circunstância não pode constituir um motivo válido para diminuir a coima aplicada à recorrente, não podendo ninguém invocar uma ilegalidade cometida a favor de outrem.

171   Resulta do exposto que as alegações e argumentos desenvolvidos no âmbito do primeiro fundamento devem ser rejeitados.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a erro de apreciação da duração da infracção

 Argumentos das partes

172   A recorrente defende que a avaliação da duração das infracções a que a Comissão procedeu, segundo a qual as infracções duraram de 5 de Setembro de 1998 a 15 de Fevereiro de 2001, é incorrecta.

173   Quanto à data do início das infracções, a recorrente afirma que o relatório da situação de 5 de Setembro de 1998, relativo a uma aliança eventual entre a SAS e a Maersk Air, ainda que refira um acordo de princípio relativamente a um grande número de pontos que foram posteriormente aplicados, não pode ser considerado um acordo na acepção do artigo 81.° CE. A partilha do mercado acordada entre a SAS e a Maersk Air estava estreitamente ligada ao acordo de cooperação de 8 de Outubro de 1998 e não teve existência autónoma. A recorrente defende que o relatório da situação de 5 de Setembro de 1998 não constituía nem um acordo nem uma prática concertada, na medida em que apenas evocava uma acção futura eventual cuja aplicação implicava a celebração do acordo definitivo. Assim, as infracções só podem ter começado, quanto muito, na data do acordo de cooperação das partes, ou seja, em 8 de Outubro de 1998.

174   Por outro lado, a recorrente defende na sua réplica, que, seja qual for a duração da infracção, incumbe à Comissão determinar a duração dos efeitos anticoncorrenciais do acordo, por oposição à duração da infracção, quando fixa o montante da coima. No caso em apreço, sejam quais forem as conclusões do Tribunal no que respeita à duração do acordo em causa, este não produziu efeitos anticoncorrenciais antes de 8 de Outubro de 1998.

175   Quanto à data de cessação da infracção, a recorrente afirma que, depois da inspecção in loco efectuada pela Comissão em 15 de Junho de 2000, cessou imediatamente todo e qualquer comportamento contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE com a Maersk Air. Afirma, a este propósito, que todas as reuniões previstas com a Maersk Air foram anuladas ou decorreram num ambiente controlado, visto que os seus conselheiros jurídicos internos e externos lhe deram a sua opinião sobre a medida em que os contactos previstos com a Maersk Air eram admissíveis.

176   De qualquer modo, a correspondência dirigida pela Maersk Air em 21 de Agosto de 2000 à Comissão e à SAS exprime claramente a sua assunção do compromisso de cessar toda e qualquer cooperação em matéria de fixação de preços ou de repartição de mercados.

177   A recorrente observa que as infracções às regras da concorrência sob a forma de partilha de mercado terminam com a simples supressão das restrições acordadas entre as partes e que não existe qualquer obrigação que lhes imponha tomar medidas activas para reconquistar um mercado deficitário.

178   Relativamente à retirada unilateral de uma das duas partes no acordo, a Maersk Air, o artigo 81.° CE já não se aplica a partir de 21 de Agosto de 2001, mesmo que a SAS quisesse, nesse momento, continuar a executar o acordo.

179   A recorrente entende que a Comissão não podia recusar tomar em consideração a declaração unilateral da Maersk Air de 21 de Agosto de 2000 como prova da sua renúncia, já que, nessa data, ainda não tinha enviado a sua comunicação de acusações. Seria, aliás, ilógico que a Comissão desse importância à carta dirigida pela SAS à Maersk Air em 15 de Fevereiro de 2001, e não tivesse em conta a carta semelhante dirigida, em 21 de Agosto de 2000, pela Maersk Air à SAS. Tal negligência equivaleria ao desrespeito da obrigação que recai sobre a Comissão, de ter em conta as informações que lhe são fornecidas.

180   A recorrente considera que a Comissão cometeu, assim, um erro ao aplicar uma majoração de 25% ao montante da coima, em vez dos 17% que teriam sido aplicáveis se as datas de 8 de Outubro de 1998 e 15 de Junho de 2000 tivessem sido consideradas.

181   A Comissão alega que o segundo fundamento não procede.

 Apreciação do Tribunal

182   A recorrente contesta as conclusões da Comissão relativas às datas do início e do fim da infracção.

183   Quanto à data do início da infracção, há que notar que a Comissão considerou correctamente a data de 5 de Setembro de 1998. Com efeito, o relatório da situação de 5 de Setembro de 1998, reproduzido no considerando 50 da decisão impugnada, indica o seguinte:

«Uma vez que a partilha de códigos e a participação da Maersk Air no programa Eurobonus na rota CPH‑STO não são consideradas viáveis, pelo menos na fase 1 (Verão 1999 – Inverno 1999/2000) e, provavelmente, numa fase posterior, e dado que existe um risco considerável de a [União Europeia] efectuar investigações/impor condições relativamente à cooperação entre a Maersk Air e a SAS se todos os elementos incluídos no acordo de princípio verbal forem logo integralmente aplicados a partir do Verão 1999, acordamos em princípio em alterar certas partes do acordo de princípio verbal […] Por conseguinte, fica presentemente acordado que:

A Maersk Air deixará de voar nas rotas CPH‑STO e CPH‑GVA em 28 de Março de 1999.»

184   Resulta claramente desse documento que, em 5 de Setembro de 1998, as partes já tinham celebrado um acordo, embora só mais tarde fosse executado, em especial para não chamar a atenção da Comissão, e que as partes no acordo tinham perdido a sua autonomia a partir desse momento.

185   Por outro lado, o argumento da recorrente segundo o qual esta partilha de mercado estava estreitamente ligada ao acordo de cooperação de 8 de Outubro de 1998 deve ser rejeitado, uma vez que a recorrente não forneceu qualquer elemento de prova nesse sentido.

186   Do mesmo modo, o argumento segundo o qual a Comissão deveria ter dado mais importância à duração dos efeitos da infracção do que à duração da própria infracção é manifestamente improcedente, já que o simples facto de se celebrar um acordo cujo objectivo é limitar a concorrência, violando o artigo 81.°, n.° 1, CE, constitui, só por si, uma infracção dessa disposição, independentemente de toda e qualquer efectividade de execução desse acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Belasco e o./Comissão, 246/86, Colect., p. 2117, n.° 15).

187   Por fim, resulta do considerando 108 da decisão impugnada que a Maersk Air reconheceu na sua resposta à comunicação de acusações que as infracções tinham tido início em 5 de Setembro de 1998.

188   De onde resulta que a alegação relativa ao erro na fixação da data do início da infracção deve, manifestamente, ser rejeitada.

189   O Tribunal indica por acréscimo que a infracção parece mesmo ter começado mais cedo, designadamente na medida em que as partes acordaram, em 5 de Setembro de 1998, uma alteração de certos aspectos do seu acordo verbal. Do mesmo modo, um documento da Maersk Air, datado de 8 de Janeiro de 1998, referido no considerando 22 da decisão impugnada, refere negociações levadas a cabo ao longo de todo o ano de 1998 e o principal objectivo comum das partes no acordo, que era determinar quais as rotas que deveriam ser exploradas por cada uma, indicando que a SAS exigia que a Maersk Air «limita[sse] o aumento das rotas a partir de Copenhaga ao que for[a] mutuamente acordado».

190   Como data do fim da infracção, a recorrente defende, em primeiro lugar, que a Comissão deveria ter fixado o dia das inspecções, ou seja, 15 de Junho de 2000, pois cessou nesse momento todo e qualquer comportamento proibido.

191   Este argumento deve ser rejeitado.

192   Em primeiro lugar, a recorrente não apresenta qualquer elemento de prova a este respeito, limitando‑se a afirmar que a partir desse momento todas as reuniões previstas com a Maersk Air tinham sido anuladas ou decorrido na presença dos seus conselheiros jurídicos.

193   Em segundo lugar, a circunstância, supondo‑a demonstrada, de não ter havido «reuniões proibidas» não é susceptível de provar que os acordos de repartição de mercados que tinham sido celebrados e executados tivessem terminado.

194   Em terceiro lugar, a presença dos conselheiros jurídicos da recorrente não pode ser considerada uma garantia da perfeita legalidade dessas reuniões. Há que indicar, a este propósito, que resulta, nomeadamente, do considerando 89 da decisão impugnada que os advogados das partes no acordo colaboraram conscientemente na aplicação dos acordos proibidos. Assim, a acta da reunião do grupo de gestão de projectos, de 14 de Agosto de 1998, refere o facto de «[e]mbora […] partes dos documentos que infringem o n.° 1 do artigo [81.°] não possam ser objecto de acordo nem registadas por escrito […], essas partes terão de ser de qualquer modo transcritas e guardadas sob sigilo nos escritórios dos advogados de ambas as partes […]» Segundo outra acta, o representante da SAS mostrou‑se preocupado «com a futura circulação do relatório da situação na sua versão actual», desejando «que ele fosse alterado e que fossem suprimidas certas secções, tal como os advogados tinham recomendado [...]»

195   A recorrente defende, em segundo lugar, que as cartas enviadas em 21 de Agosto de 2000 pela Maersk Air à Comissão e à SAS exprimem claramente o seu compromisso de cessar toda e qualquer cooperação.

196   Não se pode, no entanto, considerar que estas cartas põem fim aos acordos ou constituem a prova de que lhes tinha sido posto termo.

197   Por um lado, na carta dirigida em 21 de Agosto de 2000 à Comissão, a Maersk Air indica simplesmente que, «[t]al como foi referido na reunião de 10 de Agosto de 2000, a Maersk Air […] cessou imediatamente toda a cooperação com a SAS no que respeita à repartição do mercado e à fixação de preços» e que «[c]onfirm[ava], pela presente, esta posição da Maersk Air […]» Como a Comissão acertadamente afirmou no considerando 112 da decisão impugnada, esta carta não tem qualquer relevância para a existência dos acordos nem demonstra que a Maersk Air denunciou efectivamente esse acordo perante a SAS.

198   Por outro lado, na sua carta de 21 de Agosto de 2000, dirigida à SAS, a Maersk Air escreve o seguinte:

«Por conseguinte comunico, por uma questão de exactidão, que a Maersk Air […] confirmou à Comissão Europeia não participar em qualquer tipo de colaboração com a SAS que envolvesse uma fixação de preços horizontal ou a partilha do mercado.»

199   Esta carta enviada à SAS não manifesta clara e inequivocamente o desejo de pôr fim aos acordos. Poderia mesmo, como sublinha a Comissão no considerando 112 da decisão impugnada, «ser interpretada como uma tentativa de descansar a SAS quanto às declarações feitas pela Maersk Air à Comissão», devido ao facto de «[s]imultaneamente, as partes ainda não t[erem] consciência da posição que a Comissão adoptaria na comunicação de [acusações]».

200   Foi, pois, correctamente que a Comissão concluiu que só se pode considerar que as infracções terminaram, no mínimo, em 15 de Fevereiro de 2001, quando a recorrente informou a Maersk Air de que não se considerava vinculada pelos acordos de repartição do mercado. A justeza desta conclusão resulta, de resto, da resposta à comunicação de acusações da SAS de 4 de Abril de 2001, em que escreve que «[u]ma vez que a comunicação de acusações de 2 de Fevereiro de 2001 revelou toda a extensão da contribuição da SAS nas infracções, o PDG da companhia […] informou o seu homólogo da Maersk Air [por carta de 15 de Fevereiro de 2001] que todo e qualquer acordo fora do campo de aplicação do acordo de cooperação era − como sempre fora − nulo e como tal considerado».

201   Resulta do exposto que, manifestamente, o segundo fundamento não procede.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erro de apreciação das circunstâncias atenuantes

 Quanto à primeira parte, relativa à cooperação da SAS com a Comissão

–       Argumentos das partes

202   A recorrente defende que a Comissão agiu erradamente ao não lhe conceder uma redução de 10% do montante da sua coima por ter cooperado, concedendo uma redução de 25% do montante da coima aplicada à Maersk Air, quando não existiu, em sua opinião, uma diferença real na vontade das partes no acordo de cooperar com a Comissão, e que tal diferença, a existir, foi meramente fortuita. Afirma que, durante a inspecção no local, cooperou plenamente e pôs‑se à disposição da Comissão para todas as questões que esta colocou. Acrescenta que, contrariamente ao que ocorreu no âmbito da inspecção diligenciada nas instalações da Maersk Air, a pessoa mais implicada do seu lado estava presente, assistindo activamente a Comissão, de modo que não teve qualquer razão para convidar expressamente a Comissão a voltar mais tarde.

203   A recorrente considera que comunicou informações que foram úteis à Comissão. Considera que deveria ter beneficiado de uma maior redução do montante da sua coima, tendo em conta os seguintes elementos:

–       desde o início da inspecção, a SAS exprimiu claramente a sua intenção de cooperar e forneceu aos inspectores uma assistência ilimitada;

–       em resposta ao pedido de informações de 1 de Agosto de 2000, e posteriormente, no decurso do processo, a SAS forneceu «ficheiros suplementares», incluindo alguns documentos confidenciais, que evidenciavam a sua culpa e provavam decisivamente a existência das infracções;

–       as partes no acordo enviaram, conjuntamente, uma notificação complementar relativa às alterações ocorridas depois da notificação inicial e às alterações que as partes se propuseram aplicar posteriormente;

–       em 27 de Outubro de 2000, a SAS apresentou à Comissão um documento que expunha a sua posição a fim de a ajudar a compreender certos aspectos do acordo entre as partes;

–       após ter recebido a comunicação de acusações, o conselho de administração da SAS tentou descobrir porquê e como se tinham produzido as violações das regras da concorrência, a fim de reduzir o risco de que tais infracções se repetissem;

–       por carta de 15 de Fevereiro de 2001, a SAS fez claramente saber à Maersk Air que todo e qualquer acordo fora do campo de aplicação do acordo de cooperação notificado era, como sempre o fora, nulo e como tal considerado;

–       em 7 de Março de 2001, depois das conversações com a Comissão sobre a questão da duração das infracções, as partes fizeram uma declaração conjunta em que reafirmaram que todas as infracções tinham cessado;

–       numa reunião com a Comissão em 23 de Março de 2001, a SAS confirmou que não contestava os factos, que reconhecia ter violado o artigo 81.° CE e que renunciava a apresentar argumentos numa audição oral.

204   A recorrente considera que a Comissão não fundamentou adequadamente a diferença de tratamento no que se refere às reduções do montante das coimas concedidas às duas partes no acordo.

205   A Comissão contesta a procedência da argumentação da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

206   Importa recordar, antes de mais, que, nos termos do considerando 125 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a coima a aplicar à Maersk Air deveria ser reduzida em 25% e a coima da SAS em 10%, nos termos do título D, ponto 2, da comunicação sobre a cooperação. Em contrapartida, não foi concedida qualquer redução às partes nos termos do título B da referida comunicação (que permite conceder uma redução do montante da coima de pelo menos 75%), já que nenhuma das partes informou a Comissão sobre o acordo secreto antes de esta ter procedido às verificações em 15 de Junho de 2000, nem com base no título C da mesma comunicação (que permite conceder uma redução do montante da coima de 50% a 75%), uma vez que a Comissão já detinha provas determinantes que lhe permitiram dar início ao processo. Estes elementos da decisão impugnada não são contestados pela recorrente.

207   Há que lembrar a este propósito que o título D da comunicação sobre a cooperação prevê que:

«1.      A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2.      Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–       uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–       uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

208   A Comissão considerou que nem a SAS nem a Maersk Air tinham contestado os factos descritos na comunicação de acusações, pelo que lhes concedeu o benefício de uma redução com base no título D, ponto 2, segundo travessão, da comunicação sobre a cooperação.

209   Em contrapartida, a Comissão apenas aplicou o título D, ponto 2, primeiro travessão, da referida comunicação a favor da Maersk Air, observando, no considerando 123 da decisão impugnada, o seguinte:

«–      no fim da inspecção in loco, a Maersk Air propôs aos serviços da Comissão uma reunião com o [seu representante] que, na altura, já não exercia funções […]. [O representante da Maersk Air] teve um papel crucial nas negociações […] com a SAS no decurso de 1998. Durante essa reunião, que se realizou nas instalações da Maersk Air em 22 de Junho de 2000, [esta] […] entregou aos representantes da Comissão os ‘ficheiros confidenciais’ que [o representante da Maersk Air] tinha guardado na sua residência de Copenhaga. Esses ajudaram a Comissão a traçar a verdadeira evolução das negociações e o âmbito preciso do acordo,

−      pelo contrário, as informações fornecidas pela SAS só vieram confirmar o que a Comissão já sabia. Ao contrário dos documentos fornecidos pela Maersk Air, os ‘ficheiros suplementares’ apresentados pela SAS não foram fornecidos espontaneamente após a inspecção, mas apenas na sequência de um pedido de informações».

210   De onde resulta que a diferença de tratamento na redução da coima concedida à recorrente (10%) e a concedida à Maersk Air (25%) provém da redução complementar de 15% que a Comissão concedeu apenas à Maersk Air. É esta ausência de redução pela cooperação que está em causa na presente parte do terceiro fundamento.

211   Em apoio desta alegação, a recorrente afirma que não houve diferença na vontade real de cooperação das partes no acordo e que cooperou plenamente com a Comissão.

212   Esta circunstância, admitindo que estivesse demonstrada, é, no entanto, irrelevante. A simples vontade de uma empresa cooperar não tem significado. O título D, ponto 2, da comunicação sobre a cooperação apenas prevê, com efeito, reduções para a empresa que «fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção» e não para a empresa que tem somente vontade de cooperar ou se limita a cooperar com a Comissão.

213   Do mesmo modo, segundo jurisprudência assente, uma redução da coima a título de cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão detectar a existência de uma infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe termo (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, SCA Holding/Comissão, C‑297/98 P, Colect., p. I‑10101, n.° 36, e acórdão Lisina, n.° 300). Por outro lado, no âmbito da apreciação da cooperação prestada pelas empresas, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento (acórdão Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, n.° 83 supra, n.° 237, e acórdão Lisina, n.° 308).

214   Resulta do considerando 123, primeiro travessão, da decisão impugnada que, nos termos da comunicação sobre a cooperação, foi por a Maersk Air ter entregue à Comissão ficheiros (a seguir «ficheiros privados») que a ajudaram a traçar a verdadeira evolução das negociações e o âmbito preciso do acordo que a Comissão lhe concedeu uma redução complementar.

215   O argumento da recorrente segundo o qual a diferença de cooperação que se possa ter verificado entre ela e a Maersk Air é puramente fortuita e resulta da presença nas suas instalações, diferentemente do que aconteceu na Maersk Air, de um responsável durante a inspecção, que dispensou a Comissão de nova visita, procede de uma leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, contrariamente ao que sugere a recorrente, não foi por a Maersk Air ter convidado a Comissão a voltar mais tarde para lhe fornecer explicações que esta lhe concedeu uma redução complementar, mas sim porque lhe forneceu ficheiros que permitiram determinar o alcance exacto dos acordos.

216   Em contrapartida, a Comissão recusou esta redução à recorrente por duas razões:

–       por um lado, as informações fornecidas pela SAS serviram apenas para confirmar o que já sabia;

–       por outro lado, a SAS não forneceu espontaneamente os documentos suplementares, fazendo-o apenas depois de um pedido de informações.

217   Há que notar que a recorrente não apresentou qualquer elemento de prova concreto para contestar a procedência dos dois motivos de recusa de concessão de uma redução complementar do montante da coima.

218   Por um lado, não contestou que apenas tinha entregue esses documentos depois do pedido de informações. Ora, importa recordar que, segundo a jurisprudência, uma cooperação no inquérito, que não ultrapassa o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 ou de disposições equivalentes contidas nos regulamentos sectoriais, não justifica uma redução da coima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Weig/Comissão, T‑317/94, Colect., p. II‑1235, n.° 283, e acórdão CMA CGM e o./Comissão, n.° 75 supra, n.° 303).

219   Por outro lado, a recorrente não indica um só documento que tenha entregue à Comissão e que tenha permitido a esta última confirmar a existência da infracção, nem um só documento que tenha servido de fundamento à decisão impugnada ou que aí tenha, simplesmente, sido utilizado.

220   Por outro lado, nenhuma das medidas invocadas pela recorrente é susceptível de justificar uma redução da coima pela cooperação, nem mesmo, de uma maneira mais geral, por circunstâncias atenuantes.

221   De onde resulta que a primeira parte do terceiro fundamento não procede.

 Quanto à segunda parte, relativa à actuação da SAS na sequência da decisão impugnada

–       Argumentos das partes

222   A recorrente defende que o tribunal comunitário tem a possibilidade, no quadro da sua competência de plena jurisdição, de ter em conta factos posteriores à decisão da Comissão e, nomeadamente, o comportamento adoptado por uma entidade a quem foi aplicada uma sanção em data posterior à decisão que a aplicou (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1995, CB/Comissão, T‑275/94, Colect., p. II‑2169, n.° 64). Considera que os actos que praticou na sequência da decisão impugnada, que levaram à exoneração do seu primeiro vice‑presidente e à demissão de todo o conselho de administração, justificam uma maior redução do montante da coima aplicada. Além disso, o facto de pôr em prática um programa de realinhamento deveria ter sido considerado uma circunstância atenuante (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549).

223   A recorrente considera que as medidas que tomou depois da adopção da decisão impugnada são excepcionais. A demissão de todo o conselho de administração e a exoneração do seu primeiro vice‑presidente são medidas extremas numa sociedade e constituem um meio eficaz de dissuadir outras empresas de cometerem infracções às regras de concorrência. Por outro lado, a execução de um programa de realinhamento da sua organização demonstra claramente a sua vontade de evitar futuras infracções às regras comunitárias.

224   A Comissão considera que as circunstâncias invocadas pela recorrente em nada justificam uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada e que a jurisprudência invocada não é relevante no caso em apreço.

–       Apreciação do Tribunal

225   A título liminar, há que observar que as medidas adoptadas por uma empresa posteriormente à decisão de que é objecto não podem, de qualquer forma, afectar a legalidade da referida decisão, devendo esta ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado.

226   Assim, o pedido da recorrente só pode, quando muito, ser examinado no âmbito da competência de plena jurisdição do Tribunal, nos termos do artigo 229.° CE.

227   Importa notar, antes de mais, que os dois acórdãos invocados pela recorrente não podem ser lidos no sentido de admitirem o princípio segundo o qual a coima aplicada a uma empresa pode ser reduzida por se ter em consideração o seu comportamento depois da adopção da decisão que lhe aplica a referida coima. Por um lado, no acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, n.° 222 supra, o Tribunal de Justiça reduziu o montante da coima com base no atraso imputável à Comissão na adopção da decisão, dado que se tivesse agido mais cedo a infracção teria tido uma menor duração e a coima teria sido inferior, e no facto de os efeitos nocivos do comportamento denunciado terem sido limitados pela circunstância de a recorrente ter executado o disposto na decisão. Por outro lado, no acórdão CB/Comissão, n.° 222 supra, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a recordar o acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, não reduzindo o montante da coima com base num comportamento posterior à decisão o que, aliás, nem foi pedido.

228   Pelo que, contrariamente ao que defende a recorrente, não resulta da jurisprudência que uma coima possa ser reduzida atendendo ao comportamento adoptado posteriormente à decisão que a aplica. Essa redução, mesmo que fosse possível, só poderia, de qualquer modo, ser feita pelo juiz comunitário com grande circunspecção e em circunstâncias efectivamente especiais, já que, nomeadamente, tal prática poderia ser entendida como uma incitação a cometer infracções especulando sobre uma possível redução da coima devido à alteração do comportamento da empresa posteriormente à decisão.

229   Ora, nenhuma das circunstâncias avançadas pela recorrente, no caso em apreço, se afigura susceptível de justificar uma redução do montante da coima.

230   De onde resulta que a argumentação da recorrente desenvolvida no âmbito da segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente e, em consequência, todo o referido fundamento.

 Quanto ao pedido da Comissão destinado ao aumento do montante da coima aplicada à recorrente

231   A Comissão defende que, na réplica, a recorrente contesta certas considerações relativas ao alcance e à natureza da infracção, quando obteve uma redução de 10% do montante da coima por não ter contestado a materialidade dos factos que constam na comunicação de acusações, e pede ao Tribunal que aplique uma sanção a este comportamento faltoso, majorando a coima com base na sua competência de plena jurisdição.

232   Importa recordar a este propósito, antes de mais, que o ponto E, n.° 4, segundo parágrafo, da comunicação sobre a cooperação prevê que «[s]e uma empresa, que tenha beneficiado de uma redução da coima por não ter contestado a materialidade dos factos, a vier a contestar pela primeira vez num recurso de anulação perante o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão solicitará em princípio a este último que aumente o montante da coima aplicada a essa empresa». Por outro lado, nos termos do artigo 14.° do regulamento, «[o Tribunal de Primeira Instância] delibera com competência de plena jurisdição nos termos do artigo [229.° CE] sobre os recursos intentados contra as decisões em que a Comissão fixa uma multa ou uma sanção pecuniária compulsória; […] pode suprimir, reduzir ou aumentar a multa ou a adstrição aplicada». Assim, no seu acórdão Eléctrodos de grafite (n.os 417 e 418), o Tribunal teve em consideração a circunstância de a recorrente ter contestado certos factos que tinha admitido durante o procedimento administrativo para diminuir a redução de que a recorrente beneficiara devido à sua cooperação.

233   Há, pois, que examinar se, como defende a Comissão, as circunstâncias do caso em apreço justificam a supressão da redução de 10% concedida à recorrente pela sua cooperação.

234   Neste caso, importa indicar que a recorrente não contesta directamente, no âmbito do seu recurso, os factos que lhe são imputados na comunicação de acusações e em que se baseia a declaração de uma violação do artigo 81.° CE, na medida em que os seus pedidos se destinam, não à anulação da decisão impugnada que considera provado que a recorrente cometeu uma infracção mas apenas à redução do montante da coima que lhe é aplicada.

235   No entanto, a Comissão defende que a recorrente contesta algumas das suas considerações relativas ao alcance e à natureza da infracção e considera que a recorrente adopta, assim, um comportamento faltoso que deveria implicar um aumento do montante da coima aplicada.

236   Há, então, que examinar se, como defende a Comissão, a recorrente põe em causa a materialidade dos factos em que a primeira baseou as suas acusações e que a recorrente tinha admitido no quadro do procedimento pré‑contencioso.

237   A Comissão indica a este respeito que a recorrente defende, na réplica, que «o acordo celebrado no caso em apreço apenas teve execução parcial na medida em que só afectou as três rotas referidas especificamente pela Comissão (ou seja, Copenhaga‑Estocolmo, Copenhaga‑Veneza e Billund‑Frankfurt)»; que «a intenção das partes foi muito mais limitada do que a Comissão pensa, [na medida em que] só estavam em causa três rotas» e que «a rota Copenhaga‑Oslo nunca foi objecto de partilha de mercado» enquanto a «decisão [impugnada] indic[a] claramente, nos [considerandos] 62 a 64 e no artigo 1.°, que as partes celebraram um acordo geral de repartição de mercados destinado a afectar todo o tráfego aéreo com destino e a partir da Dinamarca, designadamente ao limitar também a potencial concorrência entre a SAS e a Maersk [Air]».

238   Importa observar, a este propósito, que a fim de apreciar se a recorrente reconsidera a aquiescência que lhe valeu uma redução do montante da coima, é necessário comparar a argumentação desenvolvida pela recorrente no Tribunal, não relativamente às declarações contidas na decisão impugnada, mas em relação ao que admitiu no procedimento administrativo.

239   A comunicação de acusações afirma que as partes no acordo celebraram acordos de partilha de mercado em três rotas específicas e um acordo geral de repartição de mercados. Por outro lado, o n.° 74 da comunicação de acusações está redigido como segue:

«Embora o objectivo de restringir a concorrência seja suficiente para que um acordo seja abrangido pelo [n.° ]1 do artigo 81.° [CE], os acordos em causa têm, também, o efeito de restringir consideravelmente a concorrência. Contudo, as repercussões no mercado não são sempre mesmas. A concorrência real foi restringida nas rotas Copenhaga‑Estocolmo e Billund‑Frankfurt; a concorrência potencial foi restringida na rota Copenhaga‑Veneza. O acordo geral de repartição de mercado restringe também a concorrência potencial entre as partes.»

240   Pode, assim, considerar‑se que, na comunicação de acusações, a Comissão, de certo modo, concluiu que o acordo geral não tinha apenas sido celebrado, tendo também sido executado e produzido efeitos no mercado.

241   A argumentação desenvolvida pela recorrente nos seus articulados no Tribunal poderia, de certo modo, ser interpretada como destinando‑se a contestar não somente os efeitos do acordo geral como também a sua execução, ou até mesmo celebração. Resulta, contudo, das respostas às questões escritas do Tribunal e da discussão na audiência que a recorrente confirmou que não contestava ter celebrado um acordo geral de repartição de mercados nem que as partes tivessem tido a intenção de o executar, mas que contestava apenas que o acordo global tivesse tido qualquer impacto no mercado. Ora, é verdade que a recorrente, reconhecendo os factos e infracções descritos na comunicação de acusações já tinha, na sua resposta à referida comunicação, afirmado que as infracções não tinham tido efeitos no mercado.

242   De onde resulta que a argumentação desenvolvida pela recorrente no âmbito do presente recurso não se pode considerar constitutiva de uma retirada de aquiescência susceptível de justificar a supressão da redução de 10% do montante da coima, que lhe foi concedida pela Comissão.

243   O pedido da Comissão neste sentido deve, pois, improceder.

244   Resulta do exposto que os fundamentos e argumentos da recorrente destinados a obter uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada são improcedentes.

245   Nestas circunstâncias, perante a gravidade e a duração das infracções acertadamente dadas por provadas, com razão, na decisão impugnada, perante a plena consciência das partes quanto ao carácter anticoncorrencial do seu comportamento, tendo tentado que a Comissão não conhecesse o alcance exacto dos seus acordos, evitando deixar documentos escritos que constituíssem pistas, embora notificando‑lhe os outros aspectos da sua cooperação, e perante a dimensão da recorrente e a sua posição no mercado, o Tribunal, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, considera que a coima que foi aplicada à recorrente é de montante adequado.

246   De onde resulta que é negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

247   Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Julho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      M. Jaeger


Índice


Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erro de apreciação da gravidade da infracção

Argumentos das partes

–  Quanto à primeira parte, relativa à qualificação das infracções

–  Quanto à segunda parte, relativa ao efeito concreto das infracções

–  Quanto à terceira parte, relativa ao alcance geográfico da infracção

–  Quanto à quarta parte, relativa aos benefícios retirados da infracção

–  Quanto à quinta parte, relativa ao volume de negócios em causa

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas



* Língua do processo: inglês.


1 – Dados confidenciais ocultados.

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