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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013FJ0028

    Acórdão do Tribunal da Função Pública (Segunda Secção) de 30 de Abril de 2014.
    José Manuel López Cejudo contra Comissão Europeia.
    Processo F-28/13.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea da Função Pública

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:F:2014:55

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

    30 de abril de 2014 ( *1 )

    «Função pública — Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) — Subsídio diário — Artigo 10.o do Anexo VII do Estatuto — Reposição do indevido — Descontos feitos sobre a remuneração — Artigo 85.o do Estatuto — Intenção deliberada de induzir a administração em erro — Prazo razoável»

    No processo F‑28/13,

    que tem por objeto um recurso interposto nos termos do artigo 270.o TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.o‑A,

    José Manuel López Cejudo, funcionário da Comissão Europeia, residente em Bruxelas (Bélgica), representado por É. Boigelot, advogado,

    recorrente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por J. Currall e C. Ehrbar, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção),

    composto por: M. I. Rofes i Pujol, presidente, K. Bradley e J. Svenningsen (relator), juízes,

    secretária: X. Lopez Bancalari, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 30 de janeiro de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição que deu entrada no Tribunal da Função Pública em 27 de março de 2013, J. M. López Cejudo interpôs o presente recurso destinado, principalmente, à anulação da nota, de 6 de julho de 2012, através da qual a Autoridade Investida do Poder de Nomeação da Comissão Europeia (a seguir «AIPN») informou o recorrente da sua decisão de recuperar os subsídios diários, acrescidos de juros, que este último tinha recebido em 1997 e em 1998 e à anulação da decisão, de 17 de dezembro de 2012, através da qual a AIPN indeferiu, no que diz respeito a esses subsídios, a reclamação apresentada pelo recorrente (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

    Quadro jurídico

    2

    Nos termos do artigo 20.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), «[o] funcionário é obrigado a residir na localidade da sua afetação ou a uma distância tal que não cause estorvo ao exercício das suas funções».

    3

    O artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII do Estatuto dispõe:

    «O funcionário que, tendo direito ao abono de lar, não se instalar com a sua família no local da sua afetação, receberá apenas metade do subsídio a que teria normalmente direito; a outra metade ser‑lhe‑á paga no momento da instalação da família no local da sua afetação, contanto que esta instalação se faça nos prazos previstos no n.o 3 do artigo 9.o [do anexo VII] […]»

    4

    Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto:

    «As despesas ocasionadas com a mudança do mobiliário pessoal […] são reembolsadas ao membro do pessoal obrigado a mudar a sua residência em cumprimento do disposto no artigo 22.o do presente Estatuto e que não tiver recebido, de outra proveniência, o reembolso das mesmas despesas. Este reembolso é efetuado dentro dos limites de um orçamento previamente aprovado. […]»

    5

    O artigo 10.o do anexo VII do Estatuto, na versão aplicável ao litígio, dispõe:

    «1.   O funcionário que prove ser obrigado a mudar de residência para cumprir o disposto no artigo 20.o do Estatuto tem direito, relativamente ao período determinado no n.o 2 do presente artigo, a um subsídio diário […]

    2.   O período de atribuição do subsídio diário é determinado da seguinte forma:

    […]

    b)

    Para o funcionário que tenha a qualidade de chefe de família: 180 dias […]

    […]

    Em caso algum o subsídio diário pode ser concedido para além da data em que o funcionário tiver efetuado a mudança de residência para cumprir as obrigações do artigo 20.o do Estatuto.»

    6

    O artigo 85.o do Estatuto, na versão aplicável no momento da receção dos subsídios diários controvertidas pelo recorrente, dispunha:

    «Qualquer importância recebida indevidamente dá lugar a reposição se o beneficiário tiver tido conhecimento da irregularidade do pagamento ou se a mesma fosse tão evidente que dela não poderia deixar de ter conhecimento.»

    7

    Na versão aplicável no momento da adoção da nota em 6 de julho de 2012, este artigo 85.o continha um segundo parágrafo que tinha a seguinte redação:

    «O pedido de reposição deve ser apresentado o mais tardar cinco anos a contar da data em que a importância foi paga. Quando a [AIPN] possa provar que o interessado induziu deliberadamente a administração em erro a fim de obter o pagamento da importância em causa, o pedido de reposição permanece válido, mesmo que esse prazo tenha expirado.»

    Factos na origem do litígio

    8

    Entrado ao serviço da Comissão em 1986, o recorrente prosseguiu o exercício das suas funções ao serviço das Comunidades Europeias no Tribunal de Contas no Luxemburgo (Luxemburgo) a partir de 1 de setembro de 1990. Em seguida, em 1 de setembro de 1997, foi transferido para a unidade «Gestão das receitas» da Direção Geral (DG) «Orçamento» da Comissão em Bruxelas (Bélgica). Em seguida, o recorrente foi transferido para a secção «Finanças e contratos» da Delegação da Comissão junto da República Federativa do Brasil em 2002 e, a partir de 2007, exerceu de novo as funções de administrador (AD) de grau AD 13 na DG «Orçamento» em Bruxelas.

    9

    Em 9 de julho de 1997, o recorrente assinou um contrato de arrendamento de um apartamento não mobilado, com cinco quartos em Etterbeek (Bélgica) (a seguir «apartamento de Bruxelas»). Este arrendamento foi acordado por um período de nove anos, produzindo efeitos a partir de 1 de agosto de 1997. Resulta dos termos desse contrato, nomeadamente do artigo 13.o relativo à «finalidade da utilização do bem arrendado» e do artigo 14.o relativo à «escolha do domicílio — estado civil», que o arrendatário, no caso em apreço, o recorrente, declarava arrendar este bem para fins de mera habitação privada enquanto residência principal e que declarava escolher o apartamento arrendado como domicílio durante toda a vigência do contrato de arrendamento.

    10

    Por outro lado, o recorrente arrendou, a partir de 1 de agosto de 1997, a casa de que era proprietário em Schuttrange (Luxemburgo) e que ocupava anteriormente com a sua família (a seguir «casa do Luxemburgo»), concretamente, através de um contrato celebrado em 11 de julho de 1997 com um casal de arrendatários.

    11

    Em 1 de setembro de 1997, o recorrente declarou, no formulário geral relativo à determinação dos seus direitos estatutários, que o seu novo endereço no seu local de afetação era o do seu apartamento de Bruxelas. Neste formulário, tinha também declarado à sua administração que a sua esposa e os seus quatro filhos continuavam a residir no Luxemburgo, isto é, no endereço da sua casa do Luxemburgo.

    12

    No entanto, no formulário relativo ao subsídio de instalação previsto no artigo 5.o do Anexo VII do Estatuto, o qual era, naquela altura, também utilizado pela administração para a determinação do direito aos subsídios diários, o recorrente declarou, em 9 de setembro de 1997, que tinha, com a sua família, fixado o seu domicílio em Bruxelas. Declarou igualmente, neste contexto, ter tomado conhecimento da regulamentação referida, isto é, o artigo 5.o do Anexo VII do Estatuto.

    13

    Em apoio desse pedido, o recorrente apresentou uma cópia do contrato de arrendamento do seu apartamento de Bruxelas, não tendo apresentado um pedido de autorização de residência para os membros da sua família. Assim, a AIPN pagou‑lhe, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, do Estatuto, apenas metade do subsídio de instalação, ou seja, um mês de vencimento.

    14

    Na sequência de um pedido apresentado em 16 de março de 1998, ao qual tinha junto uma cópia do pedido de autorização de residência apresentado na Bélgica para o seu cônjuge e filhos, pedido este que comprovava a instalação da sua família no seu novo local de afetação, foi‑lhe então paga a segunda metade do subsídio de instalação nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, do Estatuto.

    15

    Por outro lado, igualmente em 16 de março de 1998, o recorrente solicitou e obteve o reembolso das despesas relacionadas com a sua mudança ao apresentar uma fatura, emitida em 15 de março de 1998, por uma empresa de mudanças luxemburguesa. Segundo a declaração da empresa luxemburguesa, a mudança do recorrente do Luxemburgo para Bruxelas tinha decorrido em 2 de março de 1998. A este respeito, o recorrente declarou, no formulário destinado ao «[p]agamento das despesas de mudança», que tinha «transferido, com os membros da [s]ua família, o [s]eu domicílio do Luxemburgo para o [s]eu local de afetação […] em 2 de março de 1998».

    16

    Além dos dois meses de vencimento a título de subsídio de instalação pago em duas vezes e do reembolso das despesas relacionadas com a sua mudança, o recorrente obteve igualmente subsídios diários nos termos do artigo 10.o, do anexo VII, do Estatuto, durante o período máximo de 180 dias posterior à sua nova entrada em funções na Comissão (a seguir «subsídios diários controvertidos»), ou seja, de 1 de setembro de 1997 até 1 de março de 1998, uma vez que a administração teve em conta, a este respeito, que a sua família só se lhe tinha reunido no seu novo local de afetação em 2 de março de 1998, data que tinha indicado no formulário relativamente ao «[p]agamento das despesas de mudança».

    17

    Em 19 de julho de 2007, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) recebeu, através da DG «Relações Externas», uma carta dirigida a essa Direção Geral por um membro do Parlamento Europeu. A esta carta foram juntas declarações e várias peças apresentadas nomeadamente pela ex‑mulher do recorrente. Por conseguinte, o OLAF deu início a um inquérito relativo, em especial, aos subsídios diários controvertidos e a determinadas despesas médicas que deram origem a um reembolso pelo Regime Comum de Seguro de Doença (a seguir «RCSD»).

    18

    O inquérito do OLAF abrangia também outros elementos de acusação por parte da ex‑mulher do recorrente, mas que não estão em causa no presente processo.

    19

    O recorrente foi informado pelo OLAF da abertura de um inquérito interno e, neste âmbito, foi ouvido por este organismo em 28 de março de 2008 e 6 de maio de 2010, nomeadamente a propósito da data da sua mudança efetiva do Luxemburgo para Bruxelas, da escolarização dos seus filhos em Bruxelas a partir do início do ano letivo de 1997, e da fatura de 15 de março de 1998, relativa à sua mudança. Nesta ocasião, o recorrente declarou, em especial, que a mudança do seu mobiliário, que alegadamente ficou no Luxemburgo, só tinha decorrido em março de 1998 «para poder assim beneficiar de boa‑fé […] dos subsídios diários».

    20

    Em 30 de março, o OLAF notificou o recorrente do encerramento das investigações. Por outro lado, no mesmo dia, este organismo comunicou recomendações e o relatório final do seu inquérito interno (a seguir «relatório do OLAF») à Comissão. Na parte intitulada «Conclusões e recomendações» desse relatório, o OLAF concluía que o recorrente tinha violado as obrigações que lhe incumbiam na sua qualidade de funcionário, na medida em que tinha sido provado que, para receber os subsídios diários previstos no artigo 10.o do anexo VII do Estatuto, o recorrente levou artificialmente a Comissão a crer que a sua mudança de Luxemburgo para Bruxelas, que datava, na verdade, do mês de agosto de 1997, tinha sido efetuada em março de 1998.

    21

    O OLAF indicava, a este respeito, que era também provável que, a fim de tornar mais credível a sua declaração, o recorrente tivesse pedido e obtido uma fatura pós‑datada da sociedade de mudanças. Com esta base, o OLAF recomendava que a AIPN procedesse à recuperação de um montante de 7902 euros correspondente, por um lado, aos subsídios diários indevidamente recebidos entre 1 de setembro de 1997 e 1 de março de 1998, ou seja, na altura, 223080 francos belgas (5530 euros), e, por outro, à recuperação de 2372 euros correspondentes a reembolsos de armações para óculos sem lentes corretoras. Esta recomendação preconizava igualmente a realização de uma auditoria aos pedidos de reembolso das despesas médicas efetuadas pelo recorrente ao longo do período de 2002/2007 quando estava em funções na Delegação da Comissão no Brasil.

    22

    Com a nota de 6 de julho de 2012 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão informou o recorrente de que, tendo em conta a recomendação do OLAF, devia recuperar um montante de 7902 euros. Um primeiro montante de 5530 euros devia ser descontado do seu vencimento relativo ao mês de junho de 2012, bem como 3822,80 euros de juros sobre esse montante, que iam ser deduzidos do vencimento relativo ao mês de julho de 2012, os quais apenas vieram a ser imputados no seu ordenado em outubro seguinte. Um segundo montante de 2372 euros correspondente a reembolsos indevidos de despesas médicas ia ser deduzido do seu vencimento do mês de agosto de 2012, bem como 699,20 euros a título de juros sobre esse montante.

    23

    Em 12 de setembro de 2012, em conformidade com o artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, o recorrente apresentou uma reclamação na qual pedia à AIPN que anulasse a nota de 6 de julho de 2012 e os descontos efetuados no seu vencimento relativos aos meses de junho a setembro de 2012, bem como a nota, de 10 de julho de 2012, do Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) que pedia a dedução de 3071,20 euros no seu vencimento de agosto de 2012 e a nota, de 20 de julho de 2012, do PMO, que previa a dedução de juros no valor de 3822,80 euros no vencimento de outubro de 2012. Em especial, no que diz respeito aos subsídios diários controvertidos, o recorrente alegava que tinha agido de boa‑fé ao pensar que o direito a esses subsídios existia enquanto a mudança do seu mobiliário não fosse efetiva e totalmente realizada. Além disso, segundo o recorrente, «não [lhe] pode ser assacada nenhuma intenção maldosa», tendo em conta que «a regulamentação sobre esta questão — que [lhe] tinha sido exposta de forma que não compreend[ia] — era, na [sua] opinião, bastante técnica e de compreensão complexa». Por outro lado, o recorrente alegava que, na medida em que não tinha induzido deliberadamente a administração em erro, o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 85.o do Estatuto, era oponível à AIPN.

    24

    Por decisão de 17 de dezembro de 2012, a AIPN verificou, no que respeita à parte da reclamação relativa aos reembolsos de despesas médicas, que não estava em condições de provar que o recorrente a tinha induzido deliberadamente em erro para beneficiar do reembolso das armações sem lentes corretoras. Assim, a este respeito, a AIPN decidiu, nos termos do artigo 85.o, segundo parágrafo, primeiro período, do Estatuto, renunciar à reposição do indevido para essas despesas médicas. Em contrapartida, no que diz respeito aos subsídios diários controvertidos, considerou que o recorrente a tinha induzido deliberadamente em erro de forma que, nos termos do segundo período do artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto, não lhe era oponível o prazo de prescrição de cinco anos. Considerando, por outro lado, que o recorrente se tinha mudado para Bruxelas com a sua família desde agosto de 1997 e que já não preenchia, por conseguinte, os requisitos para beneficiar dos referidos subsídios, a AIPN indeferiu a reclamação a este respeito.

    Tramitação processual e pedidos das partes

    25

    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a nota de 6 de julho de 2012;

    anular os descontos efetuados no seu salário de junho de 2012 (5530 euros), agosto de 2012 (1535,60 euros), setembro (1535,60 euros) e outubro de 2012 (3822,80 euros) e, caso necessário, de qualquer outro desconto para a aplicação da decisão impugnada;

    anular a nota de 10 de julho de 2012 do PMO;

    anular a nota de 20 de julho de 2012 do PMO;

    anular parcialmente a decisão de indeferimento na medida em que indefere a reclamação do recorrente à luz dos subsídios diários e dos juros moratórios controvertidos;

    condenar a recorrida no pagamento de juros moratórios a partir de junho de 2012 sobre 5530 euros, de agosto de 2012 sobre um primeiro montante de 1535,60 euros, de setembro de 2012 sobre 1535,60 euros suplementares e de outubro de 2012 sobre 3822,80 euros, até ao momento em que esses montantes lhe sejam restituídos, sendo certo que a partir do reembolso de 3071,20 euros no vencimento de janeiro de 2013, os juros moratórios já não são devidos;

    condenar a Comissão nas despesas.

    26

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar o recorrente nas despesas.

    Questão de direito

    1. Quanto ao objeto do recurso

    27

    A título preliminar, o Tribunal declara que, na medida em que a AIPN deferiu parcialmente a sua reclamação no que diz respeito aos reembolsos de despesas médicas e que o recorrente obteve, em janeiro de 2013, o reembolso dos descontos que tinham sido efetuados no seu vencimento dos meses de agosto e setembro de 2012 em relação a essas despesas médicas, os pedidos do recurso relativos às referidas despesas médicas não têm objeto, como confirmou, aliás, o recorrente na audiência.

    2. Quanto aos pedidos de anulação

    28

    No que diz respeito aos pedidos de anulação, há que salientar que estes têm por objeto, em substância, no que diz respeito aos subsídios diários controvertidos, a nota de 6 de julho de 2012, os descontos nos salários efetuados a este título em junho, agosto, setembro e outubro de 2012, e a decisão de indeferimento da reclamação.

    29

    A este respeito, em conformidade com o princípio da economia processual, o juiz pode decidir que não há que decidir especificamente sobre os pedidos relativos à decisão de indeferimento da reclamação quando concluir que estes não têm conteúdo autónomo e se confundem, na realidade, com os pedidos relativos à decisão contra a qual a reclamação foi apresentada. Pode ser este, nomeadamente, o caso quando concluir que a decisão de indeferimento da reclamação, eventualmente porque se trata de uma decisão tácita, tem carácter meramente confirmativo da decisão objeto da reclamação e que, portanto, a anulação daquela não produziria na situação jurídica da pessoa interessada um efeito distinto do que decorre da anulação desta última (acórdão Adjemian e o./Comissão, T‑325/09 P, EU:T:2011:506, n.o 33 e jurisprudência referida).

    30

    No entanto, no caso em apreço, na medida em que, por um lado, os descontos nos salários foram efetuados em execução da nota de 6 de julho de 2012, e que, por outro, a decisão de indeferimento da reclamação contém uma reapreciação da situação do recorrente em função de elementos de direito novos, há que considerar que os pedidos de anulação têm por objeto a nota de 6 de julho de 2012 e a decisão de indeferimento da reclamação.

    31

    Em apoio dos seus pedidos de anulação, o Tribunal conclui que o recorrente alega, afinal, quatro fundamentos relativos, respetivamente, a uma violação do dever de fundamentação, conforme previsto no artigo 25.o, segundo parágrafo, do Estatuto, a uma violação do artigo 10.o do anexo VII do Estatuto, a uma violação do artigo 85.o do Estatuto e do princípio do prazo razoável na ação de reposição do indevido, bem como à violação dos princípios da confiança legítima e da boa administração.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do dever de fundamentação

    32

    O recorrente acusa a Comissão de não lhe ter comunicado o conteúdo do relatório do OLAF, nem no momento da adoção da nota de 6 de julho de 2012, nem na fase da reclamação. Limitou‑se a remeter para o conteúdo desse relatório na nota de 6 de julho de 2012 e na decisão de indeferimento da reclamação, sem fornecer ao recorrente os elementos de mérito invocados a seu respeito. Assim, tendo em conta que, na sua opinião, não estava em condições de tomar utilmente conhecimento do conteúdo desse relatório, que serviu de base à adoção das decisões de recuperação dos subsídios diários controvertidos, a nota de 6 de julho de 2012 e a decisão de indeferimento da reclamação estão viciadas por falta de fundamentação.

    33

    Embora a Comissão admita que o relatório do OLAF só foi comunicado ao recorrente em 1 de fevereiro de 2013, alega que a nota de 6 de julho de 2012 foi adotada num contexto sobejamente conhecido do recorrente, nomeadamente na sequência das suas duas audições perante o OLAF. Os elementos jurídicos alegados pelo recorrente na sua reclamação, nomeadamente a circunstância de que agiu de boa‑fé e de que lhe era devido o subsídio enquanto a mudança do seu mobiliário não tinha sido total e efetivamente realizada, demonstram a sua correta compreensão dos elementos invocados contra ele pela AIPN. De qualquer modo, a Comissão apresentou uma fundamentação adequada na fase da resposta à reclamação, a qual deveria coincidir com a fundamentação da nota de 6 de julho de 2012 contra a qual esta reclamação foi apresentada.

    34

    A este respeito, o Tribunal recorda que a exigência referida no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, igualmente presente no artigo 25.o, segundo parágrafo do Estatuto, tem por objetivo permitir ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade das decisões lesivas e fornecer aos interessados uma indicação suficiente para saber se essas decisões estão fundamentadas ou se padecem de um vício que permite contestar a respetiva legalidade. Daqui resulta que a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que a decisão lesiva (v. acórdãos Michel/Parlamento, 195/80, EU:C:1981:284, n.o 22; Neirinck/Comissão, C‑17/07 P, EU:C:2008:134, n.o 50, e Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.os 138 à 140).

    35

    O Tribunal constata que a nota de 6 de julho de 2012 fornece poucos elementos de fundamentação, uma vez que remete para as recomendações do OLAF de 30 de março de 2012 para justificar a recuperação dos subsídios diários controvertidos e que, na falta de comunicação prévia ao recorrente do conteúdo do relatório do OLAF, contém uma fundamentação relativamente sucinta.

    36

    No entanto, por um lado, a AIPN apresentou uma fundamentação adequada na decisão de indeferimento da reclamação. Ora, esta decisão confirma a nota de 6 de julho de 2012 ao precisar os motivos que servem de base a esta. Neste caso, a legalidade do ato inicial lesivo deve ser analisada tomando em consideração a fundamentação que consta da decisão de indeferimento da reclamação, uma vez que esta fundamentação deve coincidir com a daquele ato (acórdão Infante Garcia‑Consuegra/Comissão, F‑10/12, EU:F:2013:38, n.o 14 e jurisprudência referida).

    37

    Por outro lado e de qualquer modo, uma decisão é suficientemente fundamentada quando, como no caso em apreço, o ato que é objeto do recurso ocorreu num contexto conhecido do funcionário em causa, como o que resulta das diferentes audições do recorrente perante o OLAF, e lhe permite compreender o alcance da medida adotada a seu respeito (acórdão Hecq/Comissão, C‑116/88 e C‑149/88, EU:C:1990:98, n.o 26; despacho Marcuccio/Comissão, F‑118/11, EU:F:2014:23, n.o 73).

    38

    O Tribunal considera, além disso, que o caráter elaborado da reclamação do recorrente revelava a sua compreensão das razões pelas quais a Comissão decidiu, através da nota de 6 de julho de 2012, proceder à cobrança dos subsídios diários controvertidos. Por conseguinte, não pode pretender que não compreendeu os motivos subjacentes a esta decisão da AIPN. Além disso, o facto de só ter recebido o relatório do OLAF em 1 de fevereiro de 2013 não é suscetível de pôr em causa o facto de que o recorrente tinha compreendido, quando tomou conhecimento da nota de 6 de julho de 2012, as razões pelas quais a sua instituição procedia às recuperações em causa no caso em apreço.

    39

    Assim, há que julgar improcedente o primeiro fundamento relativo a uma violação do dever de fundamentação.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do artigo 10.o do Anexo VII do Estatuto

    40

    Em apoio deste fundamento, o recorrente alega essencialmente que os subsídios diários controvertidos lhe eram devidos enquanto não tivesse procedido à mudança efetiva e definitiva de todos os seus móveis do Luxemburgo para o seu novo local de afetação. Assim, a circunstância de a sua esposa e os seus filhos se terem mudado para o apartamento de Bruxelas, arrendado a partir do mês de agosto de 1997 e o facto de os seus filhos terem frequentado a escola em Bruxelas a partir do início do ano letivo 1997/1998, não bastavam para que perdesse o seu direito aos subsídios diários previstos no artigo 10.o do anexo VII do Estatuto.

    41

    Com efeito, por não ter procedido à mudança efetiva do seu mobiliário, o recorrente considera que a AIPN não lhe pode imputar uma vontade prematura de conferir um caráter definitivo à sua instalação no seu apartamento de Bruxelas uma vez que este último constituía, pelo contrário, até 2 de março de 1998, um local de habitação provisória, com conforto precário por apenas dispor de comodidades de primeira necessidade como colchões, mesas e cadeiras e que, durante o período abrangido pelos subsídios diários, aproveitava as idas e voltas ao Luxemburgo, que fazia para resolver problemas relacionados com o arrendamento da sua casa do Luxemburgo, para levar progressivamente algumas caixas no carro para o seu novo local de afetação. Por outro lado, ainda que a jurisprudência desenvolvida no artigo 10.o do anexo VII do Estatuto pareça sujeitar a concessão de subsídios diários à exigência de o beneficiário dever manter provisoriamente duas residências, o recorrente alega que a circunstância de não ter mantido a sua residência anterior no Luxemburgo não obstava à concessão, no seu caso, dos subsídios diários controvertidos. Por último, a AIPN cometeu erros de apreciação manifestos.

    42

    A este respeito, o Tribunal recorda que, nos termos do artigo 71.o do Estatuto, que prevê nomeadamente que o funcionário tem direito ao reembolso das despesas que efetuou por ocasião da sua entrada em funções, da sua mutação ou da cessação das suas funções, o artigo 10.o, n.o 1, do anexo VII, do Estatuto prevê a concessão do subsídio diário em causa ao «funcionário que prove ser obrigado a mudar de residência para cumprir o disposto no artigo 20.o do Estatuto». Este último artigo impõe ao funcionário a obrigação de residir no local da sua afetação ou a uma distância tal que não cause estorvo ao exercício das suas funções (acórdão Benzler/Comissão, T‑63/91, EU:T:1992:88, n.o 19).

    43

    Ora, numa situação como a do recorrente, o subsídio diário visa essencialmente compensar as despesas e os inconvenientes resultantes da necessidade de se deslocar e de se instalar provisoriamente no local da sua nova afetação. Esta finalidade foi realçada de forma constante pela jurisprudência em vigor no momento dos factos (v., nomeadamente, acórdão Mouzourakis/Parlamento, 280/85, EU:C:1987:66, n.o 9; acórdão Benzler/Comissão, EU:T:1992:88, n.o 20; acórdão Baniel‑Kubinova e o./Parlamento, F‑131/07, EU:F:2008:159, n.o 17).

    44

    Assim, a concessão dos subsídios diários está sujeita a dois requisitos, isto é, por um lado, ao requisito de que o interessado tenha mudado de residência para cumprir as obrigações do artigo 20.o do Estatuto e, por outro, ao requisito de que tenha suportado despesas ou inconvenientes resultantes da necessidade de se deslocar ou de se instalar provisoriamente no local da sua afetação. Uma vez que esses dois requisitos são cumulativos, o subsídio diário não pode, em especial, ser concedido ao funcionário que não demonstre ter suportado essas despesas ou esses inconvenientes (v. acórdão Infante Garcia‑Consuegra/Comissão, EU:F:2013:38, n.o 29 e jurisprudência referida).

    45

    Por outro lado, foi também declarado que a concessão dos subsídios diários se destina nomeadamente a permitir aos beneficiários encontrar um alojamento em conformidade com as suas necessidades no local de afetação e a resolver a situação no que diz respeito à sua residência anterior, por exemplo, arrendando‑a ou subarrendando‑a (despacho Collins/Comité das Regiões, T‑132/97, EU:T:1998:193, n.o 43).

    46

    Embora seja certo que o direito ao subsídio diário nasce antes de o interessado ter mudado a sua residência para o seu local ou novo local de afetação (acórdão Baniel‑Kubinova e o./Parlamento, EU:F:2008:159, n.o 24), o artigo 10.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do anexo VII, do Estatuto prevê, contudo, que esse subsídio não é concedido, em caso algum, para além da data na qual o funcionário efetuou a sua mudança para cumprir as obrigações do artigo 20.o do Estatuto.

    47

    Assim, a data da mudança constitui uma data limite que põe automaticamente termo à concessão do subsídio diário. No entanto, este motivo de perda do direito ao subsídio em causa não altera a circunstância de, para dele poder beneficiar, o interessado ter de preencher, pelo menos, os dois requisitos recordados no n.o 44 do presente acórdão. Por outras palavras, embora o legislador tenha considerado que, a partir da data da mudança, o interessado já não tem de suportar as despesas ou inconvenientes resultantes da necessidade de se deslocar ou de se instalar provisoriamente no local de afetação, pode contudo considerar‑se que o segundo requisito, recordado no referido n.o 44, não está preenchido ou já não está preenchido, mesmo na falta de uma mudança efetiva da totalidade do mobiliário do interessado.

    48

    No caso em apreço, o Tribunal verifica que o recorrente arrendou a sua casa do Luxemburgo desde 1 de agosto de 1997 e que não manteve nenhuma outra habitação no Luxemburgo. Além disso, o recorrente também não alega ter continuado a residir nesse Estado‑Membro uma vez que indicou, pelo contrário, nomeadamente na sua petição e na audiência, que se tinha instalado em Bruxelas desde 1 de setembro de 1997 e que não tinha mantido a sua residência anterior. Apenas invoca, como nuance, o facto de, por um lado, não se ter instalado «definitivamente»«por si próprio» nessa data. Invoca também, por outro lado, o facto de ainda ter deixado pertences pessoais e mobiliário na garagem da sua casa de Luxemburgo que transportava progressivamente à medida das suas deslocações ao Luxemburgo para resolver problemas relacionados com o arrendamento dessa casa, como por exemplo, problemas de aquecimento.

    49

    Por outro lado, no que diz respeito aos membros da sua família, reconhece que se instalaram no apartamento de Bruxelas arrendado desde o mês de agosto de 1997 e que os seus filhos frequentaram a escola em Bruxelas no início do ano letivo 1997/1998. Na audiência, o recorrente alega, a este respeito, que havia que distinguir entre o facto de escolher o domicílio ou residir em Bruxelas e o facto de transferir a sua residência para este novo local de afetação. Na realidade, com a sua família, fixou o seu domicílio em Bruxelas desde o mês de agosto de 1997. No entanto, alega que, na falta de mudança efetiva da integralidade do seu mobiliário, devia‑se considerar que ainda não tinha transferido a sua residência.

    50

    A este respeito, o Tribunal considera que, à luz da jurisprudência (acórdão Ineichen/Comissão, T‑293/01, EU:T:2003:55, n.o 64 e jurisprudência referida), todos esses elementos indicam, pelo contrário, que o recorrente tinha, desde 1 de setembro de 1997, deslocado o centro dos seus interesses para o seu novo local de afetação e que tinha pretendido conferir a este um caráter estável e permanente.

    51

    Assim, o recorrente não manteve a sua residência anterior e não declarou outras despesas relacionadas com uma alegada situação precária. Por conseguinte, por esta razão, à luz da redação do artigo 10.o, do anexo VII, do Estatuto na versão aplicável ratione temporis, conforme interpretada pela jurisprudência, não existia justificação para a concessão dos subsídios diários ao recorrente (v. acórdão Lozano Palacios/Comissão, T‑33/95, EU:T:1996:196, n.o 55 e jurisprudência referida).

    52

    O único argumento, invocado pelo recorrente, destinado a demonstrar que a transferência dos seus interesses pessoais e familiares para Bruxelas não tinha sido concluída à data da sua entrada em funções, isto é, em 1 de setembro de 1997, é a circunstância de que, segundo alega, a integralidade do seu mobiliário ainda não tinha sido mudada para este novo local de afetação, não se podendo considerar que tinha transferido a sua residência.

    53

    Ora, a este respeito, o recorrente admite que o apartamento de Bruxelas, com cinco quartos, tinha sido equipado com um mobiliário de primeira necessidade, como mesas, colchões e artigos de cama. Por conseguinte, tinha efetivamente transferido a sua residência para o seu novo local de afetação desde 1 de setembro de 1997. Por outro lado, não indica de modo algum quais os demais equipamentos, que alegadamente tinham ficado no Luxemburgo, dos quais os recorrente e a sua família necessitariam para que se pudesse concluir que a sua instalação no seu novo local de afetação tinha terminado.

    54

    O Tribunal considera que o único elemento destinado a indicar a verosimilhança da mudança de uma parte do mobiliário do recorrente do Luxemburgo para Bruxelas é um atestado de receção em bom estado do mobiliário e dos pertences pessoais e uma fatura, ambos datados de 15 de março de 1998, sendo que o primeiro indicava que tinha sido organizada uma mudança no dia 2 de março de 1998 a partir da casa do Luxemburgo, cujo endereço era precisado, para Bruxelas, sem mencionar endereço específico.

    55

    No entanto, tendo em conta todos os elementos de prova que constam do processo, afigura‑se que, independentemente da questão de saber se uma mudança de determinados móveis, que ficaram alegadamente no Luxemburgo, decorreu efetivamente em 2 de março de 1998, a Comissão pôde validamente declarar que, de qualquer modo, em 1 de setembro de 1997, o recorrente já tinha transferido o centro dos seus interesses de forma duradoura e permanente para o local da sua nova afetação e que aí se tinha instalado de forma definitiva na aceção do artigo 10.o, do Anexo VII, do Estatuto. Por esta razão, já não preenchia o segundo requisito recordado no n.o 44 do presente acórdão.

    56

    Resulta de todas as considerações precedentes que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 85.o do Estatuto

    57

    O terceiro fundamento, à luz dos articulados do recorrente, compõe‑se, em substância, de duas partes relativas, respetivamente, à falta de intenção do recorrente de induzir a administração em erro na aceção do artigo 85.o do Estatuto e a uma violação do conceito de prazo razoável na ação de reposição do indevido.

    Quanto à primeira parte, relativa à falta de intenção do recorrente de induzir a administração em erro na aceção do artigo 85.o do Estatuto

    58

    O recorrente alega que, ao decidir proceder à recuperação dos subsídios diários controvertidos, a AIPN violou o artigo 85.o do Estatuto. Com efeito, alega que não tinha induzido deliberadamente a sua administração em erro nem teve essa intenção. Por conseguinte, nos termos do artigo 85.o, segundo parágrafo, primeiro período, do Estatuto, a AIPN só podia proceder a uma recuperação dos subsídios diários controvertidos durante o período de cinco anos subsequente ao pagamento desses subsídios. Salienta, em especial, que o mero facto de induzir acidentalmente a administração em erro não é suficiente, porque é necessária uma intenção real de a enganar, a qual, no caso em apreço, não existia.

    59

    A Comissão alega, por sua vez, que o recorrente a induziu deliberadamente em erro sobre a data da sua instalação no seu novo local de afetação. Com efeito, ao cindir artificialmente o seu pedido de subsídio de instalação em dois pedidos distintos, o recorrente fez assim crer à Comissão que a sua família ainda não se tinha instalado no apartamento de Bruxelas a fim de receber, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, do Estatuto, metade desse subsídio. Em seguida, ao solicitar, após a alegada mudança do seu mobiliário do Luxemburgo para Bruxelas em 2 de março de 1998, o pagamento da segunda metade desse subsídio, apresentando como prova um pedido de autorização de residência para os membros da sua família, o recorrente indicou que foi apenas a partir dessa data que a sua família se lhe tinha reunido no seu local de afetação, tendo o próprio recorrente contradito esta afirmação. A Comissão salienta, além disso, que o recorrente apresentou a fatura pós‑datada de 15 de março de 1998 a fim de regularizar, na aparência, o pagamento dos subsídios diários durante o período máximo de 180 dias previsto pelo artigo 10.o, do anexo VII, do Estatuto.

    60

    A título preliminar, o Tribunal salienta que o segundo parágrafo do artigo 85.o do Estatuto, introduzido depois da data dos factos, é aplicável no caso em apreço, na medida em que o procedimento por irregularidade em causa foi realizado depois da entrada em vigor desta nova disposição (v., por analogia, no que diz respeito ao procedimento por irregularidades que lesa os interesses financeiros da União, acórdão Josef Vosding Schlacht, Kühl‑und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.os 29 e 34). Aliás, no caso em apreço, a Comissão aplicou esta nova disposição uma vez que renunciou à reposição dos reembolsos indevidos de despesas médicas pelo facto de, contrariamente ao que a disposição exige, não estar em condições de provar que o recorrente a tinha deliberadamente induzido em erro relativamente a essas despesas.

    61

    O Tribunal recorda, em seguida, que, nos termos do artigo 85.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, para que um montante indevidamente concedido seja reposto, é necessário produzir a prova de que o beneficiário tinha um conhecimento efetivo do caráter irregular do pagamento ou de que a irregularidade era tão evidente que o beneficiário não podia deixar de a conhecer (acórdão Berghmans/Comissão, 142/78, EU:C:1979:233, n.o 9; acórdão Ritto/Comissão, F‑18/08, EU:F:2008:110, n.o 29).

    62

    A este respeito, resulta das afirmações precedentes, segundo as quais o recorrente se tinha definitivamente instalado desde 1 de setembro de 1997 no seu novo local de afetação, que, nesta situação, nos termos do artigo 10.o, do anexo VII, do Estatuto, nenhum subsídio diário lhe era devido, circunstância que este não podia desconhecer, uma vez que, segundo a jurisprudência, qualquer funcionário normalmente diligente deve conhecer o Estatuto (acórdão Connolly/Comissão, T‑34/96 e T‑163/96, EU:T:1999:102, n.o 168; acórdão CR/Parlamento, F‑128/12, EU:F:2014:38, n.o 45; v., por outro lado, no que diz respeito a um subsídio de expatriação, acórdão Gouvras/Comissão, T‑180/02 e T‑113/03, EU:T:2004:238, n.o 111).

    63

    No que diz respeito à argumentação do recorrente destinada a demostrar que as disposições do artigo 10.o, do anexo VII, do Estatuto são de uma complexidade «manifesta», que a irregularidade não era evidente uma vez que a administração não se apercebeu desta e que o próprio recorrente não é um especialista do direito estatutário, o Tribunal só pode concluir que, tendo em conta o grupo de funções ao qual pertence, o seu elevado grau, a sua antiguidade e a sua experiência substancial, tanto em matéria orçamental como em matéria de alterações do local de afetação, o recorrente, bem informado nesta matéria, não pode alegar razoavelmente que essa regulamentação lhe parecia complexa e que não estava em condições de proceder às verificações que se impunham. Por outro lado, uma administração encarregada de assegurar o pagamento de milhares de ordenados e de abonos de todo o tipo não pode ser comparada à do funcionário, que tem um interesse pessoal em verificar os pagamentos que lhe são mensalmente feitos (v., neste sentido acórdão F/Comissão, T‑324/04, EU:T:2007:140, n.os 144 e 145 e jurisprudência referida).

    64

    Os requisitos do artigo 85.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, que permitem a reposição do indevido, estavam, por conseguinte, preenchidos no caso vertente.

    65

    Quanto aos requisitos para proceder à reposição do indevido, o artigo 85.o, segundo parágrafo, primeiro período, do Estatuto, dispõe que o pedido de reposição deve, em princípio, ser apresentado, o mais tardar no termo de um prazo de cinco anos a partir da data em que o montante foi pago. Assim, no que diz respeito aos subsídios diários controvertidos pagos mensalmente, a sua recuperação devia, em princípio, ser efetuada nos cinco anos seguintes aos pagamentos em causa. Contudo, resulta do segundo período desse artigo 85.o, segundo parágrafo, que a Comissão invoca no caso em apreço, que este prazo de cinco anos não é oponível à AIPN quando esta está em condições de provar que o interessado a induziu deliberadamente em erro a fim de obter o pagamento dos montantes em causa.

    66

    A este respeito, há que recordar que, de uma forma geral, o objetivo prosseguido pelo artigo 85.o do Estatuto é a proteção dos interesses financeiros da União Europeia no contexto específico das relações entre as instituições da União e os seus agentes, ou seja, pessoas que estão vinculadas a essas instituições pelo dever de lealdade específico, agora formalmente recordado no artigo 11.o do Estatuto, que exige, em especial, que o funcionário paute a sua conduta tendo «unicamente em vista os interesses da União» e que desempenhe as funções que lhe são confiadas «observando o seu dever de lealdade para com a União» (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 61).

    67

    No que diz respeito ao segundo parágrafo do artigo 85.o do Estatuto, os dois períodos que o compõem distinguem duas situações. Com efeito, o primeiro período visa o caso em que o agente beneficiou indevidamente de um pagamento quando eventualmente apresentou à sua administração elementos que permitiam a esta última detetar o caráter indevido desse pagamento. Numa situação em que a AIPN tenha sido, potencialmente, apenas fortuitamente induzida em erro, o legislador da União considerou que, no termo de um prazo de cinco anos depois do pagamento, a AIPN já não pode reclamar a reposição vantagem indevida. Em contrapartida, o segundo período visa a situação em que o agente, através de uma iniciativa destinada a beneficiar indevidamente de um pagamento, induz deliberadamente em erro a AIPN, nomeadamente, ao não apresentar àquela todas as informações relativas à sua situação pessoal, ou ao não a informar das alterações ocorridas na sua situação pessoal, ou ainda ao usar manobras para tornar mais difícil a deteção, pela AIPN, do caráter indevido do pagamento de que beneficiou, inclusivamente mediante a apresentação de informações erradas ou inexatas.

    68

    É à luz dessas considerações que há que analisar se, no caso em apreço, a Comissão estava em condições de provar que o recorrente a tinha induzido deliberadamente em erro, na aceção do artigo 85.o, segundo parágrafo, segundo período, do Estatuto, a fim de obter os subsídios diários controvertidos.

    69

    A este respeito, há que salientar que o subsídio diário é uma prestação de natureza repetitiva no tempo. Por conseguinte, o interessado deve preencher os requisitos da sua atribuição não apenas no pedido inicial, mas também ao longo do período abrangido por esses subsídios. Assim, cabe‑lhe, nomeadamente por força do dever de lealdade, informar a sua administração de qualquer alteração suscetível de afetar o seu direito à prestação em causa.

    70

    No caso em apreço, depois de arrendar a sua casa do Luxemburgo e de ter arrendado o apartamento de Bruxelas, o recorrente declarou, numa primeira fase, isto é, em 1 de setembro de 1997, no formulário geral relativo à determinação dos seus direitos estatutários, que a sua família ainda não se lhe tinha reunido no seu novo local de afetação quando, posteriormente, incluindo na sua petição e na audiência, confirmou que os seus filhos tinham, na realidade, frequentado a escola em Bruxelas desde o ano letivo 1997/1998 e que, já nesta altura, o recorrente se tinha instalado com a sua esposa e os seus filhos nesse apartamento, ainda que, segundo alega, o mesmo estivesse mobilado de forma austera. O Tribunal salienta, aliás, que, quando completou esse formulário, o recorrente começou por indicar Bruxelas como lugar de residência dos seus filhos, tendo, em seguida, voltado atrás escrevendo no mesmo sítio a menção Luxemburgo.

    71

    É certo que declarou, seguidamente, em 9 de setembro de 1997, no formulário relativo ao subsídio de instalação, igualmente utilizado pela administração para a determinação do direito aos subsídios diários, que tinha fixado, com a sua família, o seu domicílio em Bruxelas. No entanto, o Tribunal salienta que, nesse mesmo formulário, declarou «ter tomado conhecimento da regulamentação que preced[ia]», isto é, o artigo 20.o do Estatuto e o artigo 5.o, do anexo VII, desse Estatuto.

    72

    Ora, o n.o 4 deste artigo 5.o dispõe que «[o] funcionário que, tendo direito ao abono de lar, não se instalar com a sua família no local da sua afetação, receberá apenas metade do subsídio a que teria normalmente direito». Assim, ao proceder a dois pedidos distintos relativos ao subsídio de instalação, o primeiro, em 9 de setembro de 1997, que lhe permitiu obter um mês de vencimento ao apresentar o seu contrato de arrendamento e o segundo, em março de 1998, que lhe permitiu obter o pagamento da segunda metade desse subsídio ao apresentar o pedido de autorização de residência relativamente aos membros da sua família, o recorrente pretendeu fazer crer à sua administração, na continuidade do que tinha inicialmente declarado em 1 de setembro de 1997, que a sua família ainda não se lhe tinha reunido no seu novo local de afetação, informação esta que estava errada, e que apenas se lhe tinha reunido em 2 de março de 1998, informação igualmente errada. Deste modo, induziu deliberadamente a sua administração em erro afirmando que continuava a preencher os requisitos de obtenção dos subsídios diários controvertidos.

    73

    Uma vez que o recorrente confirmou, na sua petição e na audiência, que a sua família se lhe tinha reunido em Bruxelas desde 1 de setembro de 1997, não estava abrangido pela situação referida no artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, do Estatuto. Assim, em princípio, deveria ter apresentado um único pedido para a totalidade do subsídio de instalação, apresentando o seu contrato de arrendamento e um pedido de autorização de residência desde o mês de setembro. Neste caso, a administração ter‑lhe‑ia pago esse subsídio em apenas um pagamento, mas não lhe teria concedido os subsídios diários. Por conseguinte, ao pedir e ao obter apenas metade do subsídio de instalação, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, do Estatuto, para assegurar o pagamento dos subsídios diários controvertidos, o recorrente induziu deliberadamente a sua administração em erro a respeito da data em que a sua família se lhe tinha reunido efetivamente no seu novo local de afetação.

    74

    É certo que, na audiência, o recorrente indicou que tinha declarado à sua administração, concretamente em 9 de setembro de 1997, que a sua família se lhe tinha reunido no seu novo local de afetação, não podendo por conseguinte ser‑lhe censurado que tenha ocultado esse facto. No entanto, chamado à atenção a este respeito, respondeu que não tinha contestado o pagamento pela AIPN, em setembro de 1997, de apenas um mês de vencimento, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do anexo VII, o que confirma que o recorrente teve o cuidado, ao cindir o seu pedido de subsídio de instalação, de dar, relativamente à sua administração, uma aparência de veracidade às suas declarações que comprovavam a instalação da sua família apenas a partir de 2 de março de 1998, isto é, no dia seguinte à data limite de pagamento dos subsídios diários previstos para o seu caso.

    75

    Por outro lado, como salienta corretamente a Comissão, ao declarar em 16 de março de 1998, no formulário de reembolso das despesas da sua mudança, que tinha «transferido, com os membros da [s]ua família o [s]eu domicílio de Luxemburgo para o [s]eu local de afetação […] em 2 de março de 1998», o recorrente deu, de novo a entender à sua administração que a sua família só se lhe tinha reunido a partir dessa data, o que não corresponde à realidade relatada, inclusivamente na audiência. Para «beneficiar de boa‑fé do subsídio diário», apresentou, como aliás o próprio admite, uma fatura relativa a uma mudança alegadamente ocorrida em 2 de março de 1998 e cuja autenticidade foi posta em causa tanto pelo OLAF como pela Comissão.

    76

    Resulta das considerações que precedem que, tanto no âmbito dos seus dois pedidos relativos ao subsídio de instalação como ao do seu pedido de reembolso das despesas de mudança, o recorrente apresentou deliberadamente à sua administração informações erradas quanto à data da instalação da sua família no seu novo local de afetação, tendo procedido de tal forma que esta administração foi induzida em erro pelas iniciativas do recorrente e não pôde assim detetar, por si própria, o caráter indevido dos subsídios diários controvertidos.

    77

    No que diz respeito à alegada boa‑fé do recorrente, que o próprio tinha voluntariamente pretendido consolidar ao proceder à sua mudança efetiva apenas em 2 de março de 1998, ou seja, no dia seguinte ao período abrangido pelos subsídios diários controvertidos de que pretendia beneficiar, segundo ele, de «boa‑fé», há que recordar que, nesta situação, o recorrente devia, de qualquer modo, ter tido dúvidas quanto à legitimidade dos pagamentos em questão. Assim, estava necessariamente obrigado a manifestar‑se junto da sua administração para que esta efetuasse as verificações necessárias (v., acórdão Tsirimiagos/Comité das Regiões, F‑100/07, EU:F:2009:21, n.o 75).

    78

    Aliás, na dúvida, poderia ter interrogado a sua administração e ter‑lhe apresentado a interpretação que tinha feito de forma autónoma desse texto para assegurar, apesar da jurisprudência no sentido contrário, o pagamento do essencial dos subsídios previstos nos termos do artigo 71.o do Estatuto. No entanto, as iniciativas do recorrente demonstram, pelo contrário, que entendia perfeitamente o significado das disposições que regulam o direito ao subsídio de instalação e que tinha plenamente conhecimento da sua obrigação de indicar e provar a data da instalação da sua família em Bruxelas (v., neste sentido, acórdão Thommes/Comissão, T‑195/03, EU:T:2005:344, n.o 126).

    79

    Por último, também deve ser julgado improcedente o argumento do recorrente segundo o qual, em substância, para invocar o artigo 85.o, segundo parágrafo, segundo período, do Estatuto, a administração devia estar em condições de provar, num prazo de cinco anos após a prática da irregularidade, que tinha sido induzida em erro devido à vontade deliberada do interessado e que, na falta de apresentação desta prova, devia considerar‑se que a prescrição tinha operado. Com efeito, este argumento viola a própria redação dessa disposição e, caso fosse acolhido, privaria esta disposição de qualquer efeito útil.

    80

    Resulta do exposto que a primeira parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

    Quanto à segunda parte, relativa a uma violação do conceito de prazo razoável na ação de reposição do indevido

    81

    O recorrente alega que, ao proceder à recuperação dos subsídios diários controvertidos catorze anos depois da sua atribuição, a Comissão não cumpriu a obrigação de agir num prazo razoável, também em violação do princípio da segurança jurídica. Em especial, critica o OLAF por só ter iniciado o seu inquérito em 2007, ou seja, dez anos depois dos factos censurados.

    ¾ Quanto à admissibilidade

    82

    A Comissão considera que esta parte do argumento devia ser julgada inadmissível. Com efeito, como resulta do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Comissão/Moschonaki (T‑476/11 P, EU:T:2013:557), uma vez que o recorrente não invocou tal argumento na sua reclamação, está privado da possibilidade de o fazer, pela primeira vez, na fase contenciosa.

    83

    O Tribunal considera todavia que esta exceção de inadmissibilidade deve desde já ser julgada improcedente. Com efeito, segundo jurisprudência constante, é certo que, nos recursos de funcionários, os pedidos apresentados perante o juiz da União só podem conter elementos de contestação que assentem na mesma causa de pedir que a causa na qual assentam os elementos de contestação invocados na reclamação. No entanto, esses elementos de contestação podem, perante o juiz da União, ser desenvolvidos mediante a apresentação de fundamentos e argumentos que não constem necessariamente da reclamação, mas que com esta se encontrem estreitamente ligados. Além disso, por um lado, dado que o procedimento pré‑contencioso tem natureza informal e que, em geral, os interessados agem nessa fase sem a colaboração de um advogado, a administração não deve interpretar as reclamações de forma restritiva, devendo, pelo contrário, examiná‑las com espírito de abertura. Por outro lado, o artigo 91.o do Estatuto não tem por objeto delimitar, de forma rigorosa e definitiva, a eventual fase contenciosa, desde que o recurso contencioso não altere a causa nem o objeto da reclamação (acórdão Comissão/Moschonaki, EU:T:2013:557, n.os 73 e 76).

    84

    Ora, no caso em apreço, na sua reclamação, o recorrente invocou a prescrição operada, na sua opinião, por força do artigo 85.o do Estatuto, que se opõe à reposição dos subsídios diários controvertidos, e a data da prática da alegada irregularidade. Assim, a AIPN podia conhecer, de forma suficientemente precisa, a crítica que o recorrente formulou contra a decisão impugnada e segundo a qual esta decisão tinha sido tomada tardiamente e em violação dos prazos de prescrição aplicáveis.

    ¾ Quanto ao mérito

    85

    A título preliminar, o Tribunal declara que, tendo em conta a aplicação ao caso em apreço do artigo 85.o, segundo parágrafo, segundo período, do Estatuto, o prazo de cinco anos previsto pelo primeiro período dessa disposição não era aplicável. Assim, o presente processo é regulado da mesma forma que os processos análogos, regulados ao abrigo do artigo 85.o do Estatuto na versão anterior a 1 de maio de 2004, isto é, nenhum prazo de prescrição previamente definido é aplicável à ação de reposição do indevido instaurada pela AIPN.

    86

    A este propósito, há que recordar que não compete ao juiz da União fixar os prazos, o alcance ou as modalidades de aplicação da prescrição relativamente a um comportamento que constitua infração, quer em termos gerais quer relativamente a um caso particular que lhe seja submetido. Contudo, a inexistência de disposição legal não exclui que a ação da Comissão, num caso concreto, possa ser criticada à luz do princípio da segurança jurídica. Com efeito, na falta de texto que preveja um prazo de prescrição, a exigência fundamental de segurança jurídica opõe‑se a que a Comissão possa atrasar indefinidamente o exercício das suas competências (acórdão Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, EU:T:2005:349, n.o 87 e jurisprudência referida).

    87

    Por conseguinte, o juiz da União, quando aprecia uma queixa baseada na ação tardia da Comissão, não se deve limitar a constatar que não existe qualquer prazo de prescrição, mas deve verificar se a Comissão não agiu de forma excessivamente tardia (acórdão Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, EU:T:2005:349, n.o 88; e, por analogia, acórdão François/Comissão, T‑307/01, EU:T:2004:180, n.o 46).

    88

    De forma geral, quando a duração do processo não é fixada por uma disposição do direito da União, o caráter «razoável» do prazo utilizado pela instituição para adotar o ato em causa deve ser apreciado em função da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença (acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 28 e jurisprudência referida).

    89

    No domínio específico da reposição do indevido prevista no artigo 85.o do Estatuto, o caráter razoável ou não do prazo é apreciado nomeadamente à luz do grau de evidência da irregularidade dos pagamentos controvertidos e do caráter ocasional ou continuado dos pagamentos indevidos. Assim, o tempo apenas constitui um elemento de apreciação da legitimidade do exercício do direito à reposição, atendendo, em especial, por um lado, à evidência da irregularidade praticada pela administração e, por outro, a todas as circunstâncias que podem ser tomadas em consideração, como o montante das importâncias exigidas, o comportamento culposo da administração, a boa‑fé do funcionário e a diligência normal que deste se pode exigir, tendo em conta a sua formação, o seu grau e a sua experiência profissional (v., neste sentido, acórdãos Acton e o./Comissão, 44/74, 46/74 e 49/74, EU:C:1975:42, n.o 29; White/Comissão, T‑107/92, EU:T:1994:17, n.o 47, e Ronsse/Comissão, T‑205/01, EU:T:2002:269, n.o 52).

    90

    No entanto, o caráter alegadamente tardio da ação da Comissão não deve ser apreciado apenas em função do tempo que decorreu entre os factos controvertidos e a instauração da ação. Pelo contrário, a ação da Comissão não pode ser qualificada de excessivamente tardia na falta de um atraso ou de outra negligência imputável à instituição havendo, a este respeito, que ter em conta, nomeadamente, o momento em que a instituição tomou conhecimento da existência dos factos constitutivos da infração e o caráter razoável da duração do procedimento administrativo (acórdão Ronsse/Comissão, EU:T:2002:269, n.o 53, e Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, EU:T:2005:349, n.o 89; e, neste sentido, acórdão Nencini/Parlamento, T‑431/10 e T‑560/10, EU:T:2013:290, n.os 48 a 50, objeto de um recurso pendente no Tribunal de Justiça, processo C‑447/13 P). Em especial, em matéria de abertura de um processo de inquérito, a observância do prazo razoável é apreciada no caso, e a partir do momento, em que a administração tenha tomado conhecimento dos factos e condutas suscetíveis de constituir infrações das obrigações estatutárias de um funcionário (v. acórdão François/Comissão, EU:T:2004:180, n.o 48).

    91

    Numa situação em que a irregularidade praticada apresentava ou devia ter apresentado um caráter evidente para o funcionário em causa, já foi declarado que um prazo de aproximadamente de sete anos entre o início dos pagamentos indevidos e a data em que a administração instaurou a ação de reposição do indevido não se afigurava desrazoável (v. acórdão Ronsse/Comissão, EU:T:2002:269, n.o 53; v. igualmente, no que diz respeito a um erro descoberto sete anos depois do pagamento do indevido, acórdão Ritto/Comissão, EU:F:2008:110).

    92

    Por outro lado, como salientou corretamente a Comissão, no caso de um funcionário ter tido um comportamento apenas negligente e que não se traduz, contrariamente ao caso em apreço, numa vontade deliberada de induzir a administração em erro, o Tribunal Geral da União Europeia já declarou que, embora a instauração de uma ação de recuperação de vantagens indevidamente recebidas por um funcionário mais de dez anos depois dos pagamentos controvertidos tivesse ocorrido num prazo muito importante, o mesmo não se afigurava, contudo, desmesurado, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, ao ponto de afetar o próprio exercício do direito à reposição do indevido (v. acórdão White/Comissão, EU:T:1994:17, n.o 48).

    93

    O Tribunal considera que a solução apresentada no n.o 48 do acórdão White/Comissão (EU:T:1994:17) se impõe a fortiori no caso em apreço, tendo em conta as circunstâncias do presente processo, nomeadamente a vontade do recorrente de induzir a sua administração em erro. Assim, ainda que a AIPN tenha instaurado o procedimento de verificação da regularidade dos pagamentos dos subsídios diários controvertidos aproximadamente dez anos depois dos pagamentos e que só tenha estado em condições de provar a irregularidade desses pagamentos e, por conseguinte, exigir o seu reembolso, catorze anos depois da sua verificação, esses prazos, embora muito importantes, não foram desmesurados ao ponto de afetar o próprio exercício do direito à reposição do indevido.

    94

    Com efeito, no caso em apreço, apesar de os subsídios controvertidos lhe terem sido pagos ao longo de um período de 180 dias, compreendido entre 1 de setembro de 1997 e 1 de março de 1998, as investigações para determinar a realidade dos elementos declarados pelo recorrente a fim de obter tanto esses subsídios como outras vantagens pecuniárias foram iniciadas pelo OLAF na sequência de uma denúncia que deu entrada em 19 de julho de 2007. O recorrente foi informado da abertura desse inquérito em 13 de março de 2008 e, depois de ouvir o recorrente por duas vezes, o OLAF recomendou à Comissão, em 30 de março de 2012, que procedesse à recuperação, o que esta fez em 6 de julho seguinte.

    95

    A este respeito, o Tribunal conclui que é apenas graças a uma delação que a administração, no caso concreto através do OLAF, pôde tomar conhecimento da irregularidade em causa no caso em apreço. Ora, assim que teve conhecimento dessa informação, o OLAF transmitiu‑a rapidamente à AIPN e iniciou um procedimento destinado a permitir que esta atuasse contra essa irregularidade, cumprindo assim a exigência recordada no n.o 90 do presente acórdão.

    96

    Em seguida, o Tribunal salienta que, para contornar a aparência de legalidade dos documentos e pedidos apresentados pelo recorrente, a administração precisava necessariamente de tempo para proceder às investigações exigidas. Ora, estas eram particularmente complexas tendo em conta o número elevado de documentos e de acusações levados ao conhecimento da administração pela ex‑mulher do recorrente. O OLAF necessitava igualmente de ouvir várias pessoas e de interrogar vários serviços do PMO envolvidos nos pagamentos efetuados ao recorrente, não apenas em 1997/1998, mas também em datas posteriores.

    97

    Face a essas circunstâncias, a apresentação do relatório do OLAF quatro anos depois do início do inquérito não se afigura desrazoável. Além disso, há que salientar, por um lado, que não pode se pode censurar a AIPN por ter aguardado os resultados do inquérito do OLAF e, por outro, que uma vez concluído e comunicado o relatório desse inquérito, a AIPN exigiu a reposição dos subsídios diários controvertidos nos três meses seguintes.

    98

    Tendo em conta as considerações que precedem, há que julgar improcedente a segunda parte do argumento relativa a uma violação do prazo razoável e, por conseguinte, julgar improcedente o terceiro fundamento.

    Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma violação do princípio da confiança legítima e da boa administração

    99

    No âmbito deste fundamento, o recorrente alega que, ao proceder à recuperação dos subsídios diários controvertidos, a AIPN violou o princípio da confiança legítima dado que, uma vez que apresentou corretamente as informações que lhe tinham sido pedidas na altura, podia razoavelmente esperar que os pagamentos efetuados entre 1997 e 1998 já não lhe pudessem ser reclamados. Pelas mesmas razões, ao atuar assim, de forma tardia e intempestiva, a AIPN violou tanto o princípio da boa administração como o princípio da segurança jurídica.

    100

    A este respeito, o Tribunal recorda que, uma vez que o próprio artigo 85.o do Estatuto é uma manifestação do princípio da confiança legítima, a não violação desse artigo, conforme declarada anteriormente, implica assim a improcedência da acusação relativa a uma violação desse princípio (acórdão F/Comissão, EU:T:2007:140, n.o 167).

    101

    Além disso, há que recordar que o artigo 85.o, segundo parágrafo, segundo período, do Estatuto obriga a administração a recuperar a integralidade dos montantes indevidamente pagos na situação especial em que está em condições de provar que o agente em causa a induziu deliberadamente em erro, em violação do dever específico de lealdade que incumbe a este agente (v. acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 62).

    102

    Quanto aos argumentos invocados pelo recorrente para provar uma violação do princípio da boa administração, estes confundem‑se amplamente com os que o recorrente invoca em apoio de uma violação do princípio da segurança jurídica e que já foram analisados e julgados improcedentes no âmbito da análise do terceiro fundamento.

    103

    No que diz respeito à afirmação do recorrente segundo a qual foi objeto de um tratamento discriminatório, além de a mesma não estar de forma alguma provada, há que salientar que, ainda que assim fosse, o facto de a administração ter eventualmente concedido prestações a outros funcionários de forma irregular não permite ao recorrente obter o benefício de prestações estatutárias cujas condições de atribuição não estejam preenchidas. De igual modo, tendo em conta a sua vontade de induzir em erro, o recorrente não pode censurar a AIPN por violação do seu dever de solicitude, quando foi precisamente o funcionário que violou o seu dever de lealdade, como é agora formalmente recordado no artigo 11.o do Estatuto.

    104

    Por conseguinte, o quarto fundamento deve também ser julgado improcedente.

    3. Quanto aos pedidos de indemnização

    105

    No que diz respeito aos pedidos de indemnização, basta recordar que os pedidos destinados à indemnização de um dano material ou moral devem ser julgados improcedentes quando apresentem, como no caso em apreço, uma estreita ligação com os pedidos de anulação que tenham sido, eles próprios, julgados improcedentes (acórdão A/Comissão, F‑12/09, EU:F:2011:136, n.o 232 e jurisprudência referida).

    106

    Na medida em que todos os fundamentos de anulação foram julgados improcedentes, há que, do mesmo modo, julgar os pedidos de indemnização improcedentes.

    Quanto às despesas

    107

    Nos termos do artigo 87.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, sem prejuízo das outras disposições do capítulo VIII, título II, do referido Regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, quando razões de equidade o exijam, o Tribunal pode decidir que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas.

    108

    Resulta dos motivos enunciados no presente acórdão que o recorrente é a parte vencida. Além disso, nos seus pedidos, a Comissão pediu expressamente que o recorrente fosse condenado nas despesas. Como as circunstâncias do presente caso não justificam a aplicação das disposições do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o recorrente deve suportar as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas pela Comissão.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    J. M. López Cejudo suporta as suas próprias despesas e é condenado nas despesas da Comissão Europeia.

     

    Rofes i Pujol

    Bradley

    Svenningsen

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de abril de 2014.

    O secretário

    W. Hakenberg

    O presidente

    M. I. Rofes i Pujol


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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