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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62022CJ0391

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 16 de novembro de 2023.
    Tüke Busz Közösségi Közlekedési Zrt. contra Nemzeti Adó- és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Pécsi Törvényszék.
    Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 7.o, n.os 2 e 3 — Taxas de tributação diferenciadas em função da utilização do gasóleo para fins comerciais ou não comerciais — Conceito de “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais” — Gasóleo utilizado para o transporte regular de passageiros — Regulamentação nacional que prevê o reembolso dos impostos especiais sobre o consumo com exclusão do gasóleo consumido nos trajetos efetuados para efeitos de manutenção e abastecimento de carburante dos veículos de transporte de passageiros.
    Processo C-391/22.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:892

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

    16 de novembro de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 7.o, n.os 2 e 3 — Taxas de tributação diferenciadas em função da utilização do gasóleo para fins comerciais ou não comerciais — Conceito de “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais” — Gasóleo utilizado para o transporte regular de passageiros — Regulamentação nacional que prevê o reembolso dos impostos especiais sobre o consumo com exclusão do gasóleo consumido nos trajetos efetuados para efeitos de manutenção e abastecimento de carburante dos veículos de transporte de passageiros»

    No processo C‑391/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Pécsi Törvényszék (Tribunal de Pécs, Hungria), por Decisão de 7 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de junho de 2022, no processo

    Tüke Busz Közösségi Közlekedési Zrt.

    contra

    Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

    composto por: presidente de secção, M. Ilešič (relator), exercendo funções de presidente de secção, I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

    advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e A. Tokár, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Tüke Busz Közösségi Közlekedési Zrt. (a seguir «Tüke Busz») à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) (a seguir «Direção de Recursos»), a respeito da recusa desta última de reembolsar à Tüke Busz o montante dos impostos especiais sobre consumo referentes ao gasóleo utilizado nos trajetos realizados para efeitos de reparação, manutenção e abastecimento dos veículos que utiliza para a sua atividade de transporte de passageiros.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2003/96

    3

    Os considerandos 3 a 6, 12, 19 e 20 da Diretiva 2003/96 enunciam:

    «(3)

    O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

    (4)

    A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

    (5)

    A fixação a níveis adequados das taxas mínimas comunitárias pode permitir reduzir as atuais diferenças entre os níveis nacionais de tributação.

    (6)

    Em conformidade com o artigo [11.o TFUE], as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das outras políticas comunitárias.

    […]

    (12)

    Os preços da energia constituem elementos fundamentais das políticas comunitárias nos domínios da energia, dos transportes e do ambiente.

    […]

    (19)

    A tributação do gasóleo utilizado pelos transportadores rodoviários, nomeadamente os que exercem atividades a nível intracomunitário, exige que se preveja a possibilidade de um tratamento especial, incluindo medidas que permitam a introdução de um sistema de taxas de utilização das rodovias, a fim de limitar as distorções de concorrência com que os operadores se poderão ver confrontados.

    (20)

    Os Estados‑Membros poderão ter necessidade de diferenciar o gasóleo utilizado para fins comerciais do utilizado para fins não comerciais, podendo fazer uso de tal possibilidade para reduzir as diferenças de tributação entre o gasóleo consumido para fins não comerciais como carburante e a gasolina.»

    4

    Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

    «Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva.»

    5

    O artigo 4.o da referida diretiva dispõe:

    «1.   Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

    2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “nível da tributação”, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o [imposto sobre o valor acrescentado (IVA)]), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

    6

    O artigo 5.o da mesma diretiva prevê:

    «Desde que respeitem os níveis mínimos de tributação previstos na presente diretiva e sejam compatíveis com o direito comunitário, podem ser aplicadas pelos Estados‑Membros, sob controlo fiscal, taxas de imposto diferenciadas, nos [casos enumerados neste artigo.]»

    7

    O artigo 7.o da Diretiva 2003/96 tem a seguinte redação:

    «1.   A partir de 1 de janeiro de 2004 e de 1 de janeiro de 2010, os níveis mínimos de tributação aplicáveis aos carburantes são os fixados no quadro A do anexo I.

    O mais tardar em 1 de janeiro de 2012, o Conselho [da União Europeia], deliberando por unanimidade após consulta ao Parlamento Europeu, decidirá, com base num relatório e numa proposta da Comissão [Europeia], os níveis mínimos da tributação aplicáveis ao gasóleo para um período ulterior que terá início em 1 de janeiro de 2013.

    2.   Os Estados‑Membros podem estabelecer uma diferenciação entre o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e para fins não comerciais, desde que sejam observados os novos níveis mínimos comunitários e que a taxa para a utilização comercial do gasóleo utilizado como carburante não desça abaixo do nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003, não obstante quaisquer derrogações ao disposto na presente diretiva relativamente a esta utilização.

    3.   Entende‑se por “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais”, o gasóleo utilizado como carburante para os seguintes fins:

    a)

    Transporte de mercadorias, por conta própria ou por conta de outrem, por um veículo a motor ou um conjunto de veículos acoplados destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias e com um peso total em carga permitido não inferior a 7,5 toneladas;

    b)

    Transporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3, tal como definidas na Diretiva 70/156/CEE, de 6 de fevereiro de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à homologação dos veículos a motor e seus reboques [(JO 1970, L 42, p. 1)].

    4.   Em derrogação do n.o 2, os Estados‑Membros que adotem um sistema de taxas de utilização das rodovias para os veículos a motor ou conjuntos de veículos acoplados destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias podem aplicar ao gasóleo utilizado por esses veículos uma taxa de imposto reduzida de valor inferior ao nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003, desde que a carga fiscal global permaneça sensivelmente equivalente, sejam observados os níveis mínimos comunitários e o nível nacional de tributação em vigor a 1 de janeiro de 2003 para o gasóleo utilizado como carburante seja pelo menos duplo do nível mínimo de tributação aplicável em 1 de janeiro de 2004.»

    Diretiva 2007/46/CE

    8

    A Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro) (JO 2007, L 263, p. 1), revogou e substituiu a Diretiva 70/156.

    9

    A Diretiva 2007/46, conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 678/2011 da Comissão, de 14 de julho de 2011, que substitui o anexo II e altera os anexos IV, IX e XI da Diretiva 2007/46 (JO 2011, L 185, p. 30), inclui um anexo II, intitulado «Definições gerais, critérios para a classificação de veículos em categorias, modelos de veículos e tipos de carroçaria», cuja parte A, ponto 1, precisa que a categoria M2 de veículos corresponde aos «[v]eículos [a motor concebidos e construídos principalmente para o transporte de pessoas e respetiva bagagem] com mais de oito lugares sentados para além do lugar sentado do condutor e com uma carga máxima não superior a cinco toneladas[; o]s veículos pertencentes à categoria M2 podem ter espaço para passageiros de pé para além dos lugares sentados». A categoria M3 de veículos corresponde aos «[v]eículos [a motor concebidos e construídos principalmente para o transporte de pessoas e respetiva bagagem] com mais de oito lugares sentados para além do lugar sentado do condutor e com uma carga máxima superior a cinco toneladas[; o]s veículos pertencentes à categoria M3 podem ter espaço para passageiros de pé».

    Regulamento (CE) n.o 1370/2007

    10

    O artigo 2.o, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1), tem a seguinte redação:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “transporte público de passageiros”: os serviços de transporte de passageiros de interesse económico geral prestados ao público numa base não discriminatória e regular.»

    Direito húngaro

    Lei de 2003 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo

    11

    O artigo 7.o, ponto 51, da jövedéki adóról és a jövedéki termékek forgalmazásának különös szabályairól szóló 2003. évi CXXVII. törvény (Lei n.o CXXVII de 2003, relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo e às Regras Específicas de Comercialização dos Produtos Sujeitos a Impostos Especiais de Consumo), conforme alterada pela az adó‑ és járuléktörvények, a számviteli törvény és a könyvvizsgálói kamarai törvény, valamint az európai közösségi jogharmonizációs kötelezettségek teljesítését célzó adó‑ és vámjogi tárgyla törvények módotásáról szóló 2010. évi CXXIII. törvény (Lei n.o CXXIII. de 2010, que altera as Leis em matéria de Impostos e Taxas, a Lei da Contabilidade, a Lei da Câmara de Contas, bem como as Leis em matéria Fiscal e Aduaneira, a fim de dar Cumprimento às Obrigações de Harmonização Impostas pela Comunidade Europeia), dispõe que, para efeitos da aplicação desta lei, se entende por:

    «gasóleo utilizado para fins comerciais: o gasóleo referido no artigo 52.o, n.o 1, alínea d), utilizado para os seguintes fins:

    a)

    o transporte de mercadorias, por conta de outrem ou por conta própria, realizado por um veículo a motor ou por um conjunto de veículos acoplados (trator rodoviário) destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias e com um peso máximo autorizado igual ou superior a 7,5 toneladas; ou

    b)

    o transporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3, na aceção da közúti jármla vek Mla szaki megvizsgálásáról szóló miniszteri rendelet (Portaria relativa à Inspeção Técnica de Veículos Rodoviários).»

    Lei de 2016 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo

    12

    O artigo 3.o, n.o 2, ponto 21, da jövedéki adóról szóló 2016. évi LXVIII. törvény (Lei n.o LXVIII de 2016, relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo, a seguir «Lei de 2016 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo») prevê que, no que se refere à tributação dos produtos energéticos no âmbito da aplicação desta lei, se entende por:

    «gasóleo utilizado para fins comerciais: o gasóleo utilizado para os seguintes fins:

    a)

    o transporte de mercadorias, por conta de outrem ou por conta própria, realizado por um veículo a motor ou por um conjunto de veículos acoplados (trator rodoviário) destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias e com um peso máximo autorizado igual ou superior a 7,5 toneladas; ou

    b)

    o transporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3, como definidas na Portaria relativa à Inspeção Técnica de Veículos Rodoviários.»

    13

    Nos termos do artigo 113.o, 3 e 5, da referida lei:

    «3.   As pessoas que operam, no tráfego urbano e interurbano, autocarros das categorias M2 e M3, como definidas na Portaria relativa à Inspeção Técnica de Veículos Rodoviários, têm direito ao reembolso do imposto sobre o gás natural utilizado para essa atividade.

    […]

    5.   O detentor ou, no caso de um veículo alugado, o locatário do veículo referido no artigo 3.o, n.o 2, ponto 21, tem direito ao reembolso do gasóleo utilizado para fins comerciais:

    a)

    comprado por meio de um cartão de combustível na estação de serviço, ou

    b)

    comprado num estabelecimento húngaro através de um dispositivo eletrónico de medição a partir de um reservatório de combustível especificamente concebido para o armazenamento de combustível e equipado com um dispositivo de enchimento automático de combustível,

    no montante de 3,5 [forintes húngaros (HUF)] por litro, se for aplicável a taxa de imposto referida no artigo 110.o, n.o 1, alínea c), subalínea ca), e de 13,5 [HUF] por litro, no caso de aplicação da taxa de imposto referida no artigo 110.o, n.o 1, alínea c), subalínea cb).»

    14

    Em conformidade com o seu artigo 149.o, n.o 1, a Lei de 2016 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo entrou em vigor em 1 de novembro de 2016. No entanto, por força do n.o 3 deste artigo, os artigos 3.o e 113.o desta lei entraram em vigor em 1 de julho de 2017.

    Lei relativa aos Serviços de Transporte de Passageiros

    15

    O artigo 2.o, ponto 29, da személyszállítási szolgáltatásokról szóló 2012. évi XLI. törvény (Lei n.o XLI de 2012, relativa aos Serviços de Transporte de Passageiros) define o transporte público de passageiros como os serviços de transporte de passageiros na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1370/2007 prestados ao abrigo de um contrato de serviço público.

    16

    O artigo 2.o, ponto 30, desta lei define os serviços de transporte de passageiros como o transporte de passageiros prestado com um dos veículos especificados na referida lei, ao abrigo de um contrato e mediante pagamento, bem como os correspondentes serviços complementares.

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17

    A Tüke Busz é uma empresa com sede na Hungria que exerce uma atividade de transporte de passageiros por autocarro ao abrigo de um contrato de serviço público.

    18

    Em 2017, esta sociedade pediu o reembolso dos impostos especiais sobre o consumo referentes ao gasóleo que utilizou no âmbito dessa atividade.

    19

    Tendo constatado que a Tüke Busz tinha invocado o seu direito ao reembolso dos impostos especiais sobre o consumo referentes não só ao gasóleo consumido no exercício da atividade de transporte propriamente dita, mas também ao consumido em trajetos relacionados com a manutenção e o abastecimento de carburante dos veículos em causa, a Direção de Recursos adotou uma decisão que declarou a ilegalidade do reembolso dos impostos especiais sobre o consumo referentes ao gasóleo utilizado nestes trajetos e, consequentemente, aumentou os referidos impostos sobre os produtos energéticos combustíveis devidos pela Tüke Busz a título dos meses de janeiro a dezembro de 2017.

    20

    No Pécsi Törvényszék (Tribunal de Pécs, Hungria), que é o órgão jurisdicional de reenvio, a Direção de Recursos alega que só podem ser qualificadas de serviços complementares as prestações relacionadas com uma obrigação principal. No que respeita ao transporte de passageiros, é este o caso das prestações de serviços a título oneroso efetuadas pela transportadora aos passageiros como, nomeadamente, o transporte de bagagens, bicicletas ou animais.

    21

    Em contrapartida, uma vez que os passageiros não são os destinatários das prestações de reparação ou de manutenção dos veículos em causa, estas não podem ser abrangidas pelo conceito de «serviço complementar».

    22

    A Direção de Recursos deduz daí que os impostos especiais de consumo referentes ao gasóleo consumido em trajetos efetuados com vista à reparação ou manutenção de veículos destinados ao transporte de passageiros não podem ser objeto de reembolso, uma vez que não se trata de serviços complementares relacionados com o serviço de transporte de passageiros.

    23

    A Tüke Busz alega que, nomeadamente, no que respeita aos autocarros que funcionam a gás natural, o artigo 113.o, n.o 3, da Lei de 2016 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo permite o reembolso destes impostos referentes ao gás utilizado para a «atividade», e não apenas para o transporte de passageiros em sentido estrito, pelo que seria injustificado que uma regra diferente regulasse o reembolso dos impostos especiais sobre o consumo referentes ao gasóleo.

    24

    Neste contexto, o Pécsi Törvényszék (Tribunal de Pécs) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «A decisão adotada no presente processo pela [Direção de Recursos] e a prática seguida por essa autoridade, segundo as quais “o transporte regular de passageiros não inclui a quilometragem necessária para a manutenção dos meios de transporte regular de passageiros nem a quilometragem necessária para o abastecimento de combustível”, são compatíveis com o disposto na Diretiva [2003/96]?»

    Quanto à questão prejudicial

    Quanto à admissibilidade

    25

    Sem invocar formalmente a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, a Comissão alega que certos elementos do contexto factual e jurídico do litígio no processo principal, conforme descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, carecem de precisão. Em particular, a decisão de reenvio não indica a base jurídica em que a Tüke Busz se apoia para invocar o direito ao reembolso dos impostos especiais sobre o consumo referentes ao gasóleo consumido pelos autocarros que explora, bem como a taxa de reembolso dos impostos especiais sobre o consumo pedida por esta sociedade.

    26

    Há que constatar também que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação da Diretiva 2003/96 nem a ligação que estabelece entre esta diretiva e as disposições da Lei n.o XLI de 2012 relativa aos Serviços de Transporte de Passageiros.

    27

    A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (Acórdão de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs, EU:C:2020:767, n.o 40 e jurisprudência referida).

    28

    Segundo jurisprudência também constante, atualmente refletida no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que estas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs, C‑743/18, EU:C:2020:767, n.o 41 e jurisprudência referida).

    29

    Contudo, em virtude do espírito de cooperação que rege as relações entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do processo prejudicial, a falta de certas constatações prévias da parte do órgão jurisdicional de reenvio não leva necessariamente à inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial se, apesar destas deficiências, o Tribunal de Justiça considerar, face aos elementos dos autos, estar em condições de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio (Acórdão de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs, C‑743/18, EU:C:2020:767, n.o 42 e jurisprudência referida).

    30

    Ora, no caso em apreço, embora tivesse sido seguramente útil que o órgão jurisdicional de reenvio explicitasse mais os quadros factual e jurídico em que se insere a questão prejudicial, bem como as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação da Diretiva 2003/96, não deixa de ser verdade que, tendo em conta a natureza e o alcance da disposição do direito da União cuja interpretação é solicitada, esta falta de precisão não obsta a uma compreensão suficiente do contexto em que se inscreve esta questão.

    31

    Com efeito, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a Tüke Busz alegou neste órgão jurisdicional, em substância, que o artigo 113.o, n.o 3, da Lei de 2016 relativa aos Impostos Especiais sobre o Consumo deve ser interpretado no sentido de que prevê o reembolso destes impostos referentes ao gasóleo utilizado em trajetos relacionados com a reparação, a manutenção ou o abastecimento de carburante dos veículos afetos a este tipo de transporte. Assim, a resolução do litígio no processo principal depende, nomeadamente, da questão de saber se o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96 se opõe a uma disposição do direito de um Estado‑Membro ou a uma prática das suas autoridades fiscais que preveem tal reembolso. Seria este o caso se o gasóleo assim utilizado não pudesse estar abrangido pelo conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais», na aceção do n.o 3 deste artigo 7.o A este respeito, não obstante as imprecisões acima referidas, as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, relativas ao quadro factual e regulamentar, permitem apreciar o alcance desta questão e fornecer ao referido órgão jurisdicional uma resposta útil para a resolução do litígio no processo principal.

    32

    Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto ao mérito

    33

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que o gasóleo consumido no âmbito dos trajetos efetuados para efeitos de reparação, manutenção ou abastecimento de carburante dos veículos afetos ao transporte de passageiros está abrangido pelo conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» na aceção desta disposição.

    34

    A título preliminar, importa recordar que, para determinar o alcance de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que a mesma se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode também revelar elementos pertinentes para a sua interpretação.

    35

    No que se refere, em primeiro lugar, à redação do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96, há que observar que resulta dos termos «utilizado como carburante para […] fins [do] [t]ransporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3», em conjugação com a parte A, ponto 1, do anexo II da Diretiva 2007/46, conforme alterada pelo Regulamento n.o 678/2011, a qual substituiu a Diretiva 70/156, que, para ser abrangido por esta disposição, o gasóleo deve não só ser utilizado por um veículo que foi concebido e construído para o transporte de passageiros mas também o deve ser para fins do transporte de passageiros.

    36

    Na aceção da referida disposição, o conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» responde assim a um duplo critério que assenta simultaneamente na categoria a que o veículo automóvel utilizado pertence e nos fins para os quais o gasóleo é utilizado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 20).

    37

    Daqui resulta que este conceito abrange o gasóleo consumido por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3 nos trajetos que servem diretamente para a prestação de um serviço de transporte de passageiros (v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla, C‑151/16, EU:C:2017:537, n.o 29). É este o caso, designadamente, do trajeto efetuado entre a estação de autocarros e a primeira plataforma de embarque dos passageiros, bem como o trajeto do regresso à estação após o desembarque dos passageiros.

    38

    Em contrapartida, os trajetos efetuados exclusivamente para efeitos de reparação, manutenção ou abastecimento de carburante dos veículos em causa, na medida em que são, em princípio, «transportes‑fantasma» e também não se destinam ao embarque de passageiros, não podem ser qualificados de «transporte de passageiros», uma vez que não servem diretamente para a prestação de um serviço de transporte de passageiros (v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla, C‑151/16, EU:C:2017:537, n.os 30, 35 e 36).

    39

    Em segundo lugar, esta interpretação é confirmada pelo contexto em que se insere o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96.

    40

    A este respeito, importa salientar que o n.o 1 deste artigo 7.o prevê que os carburantes estão sujeitos a níveis mínimos de tributação. Com efeito, como resulta do considerando 3 e do artigo 4.o desta diretiva, a mesma não visa harmonizar de forma exaustiva as taxas dos impostos especiais sobre o consumo referentes aos produtos energéticos e à eletricidade, mas limita‑se a fixar níveis mínimos de tributação.

    41

    O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96 dispõe, assim, que a faculdade concedida aos Estados‑Membros de estabelecerem níveis de tributação diferentes consoante a utilização, para fins comerciais ou para fins não comerciais, do gasóleo utilizado como carburante está sujeita à observância dos níveis mínimos de tributação fixados por esta diretiva. Além disso, esta disposição impede os Estados‑Membros de fixarem a taxa de tributação do gasóleo utilizado para fins comerciais abaixo do nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003. Estes elementos indicam que a entrada em vigor da referida diretiva não devia implicar uma diminuição do nível de tributação do gasóleo utilizado para fins comerciais.

    42

    Nestas condições, o conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» não pode ser objeto de interpretação extensiva.

    43

    Esta conclusão é corroborada pelo artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2003/96 que, em derrogação das disposições do n.o 2 deste artigo 7.o, permite aos Estados‑Membros, em determinadas circunstâncias, aplicarem ao gasóleo utilizado por veículos a motor ou por conjuntos de veículos acoplados destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias uma taxa reduzida que pode ser inferior ao nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003. Com efeito, uma interpretação ampla do conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» teria por efeito alargar o alcance desta derrogação, o que seria contrário ao princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2003/96, deve ser objeto de interpretação estrita.

    44

    Em terceiro lugar, a interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96, desenvolvida nos n.os 37 e 38 do presente acórdão, é confirmada pelos objetivos prosseguidos por esta diretiva. Em particular, resulta dos seus considerandos 6, 12 e 20 que a mesma diretiva visa, nomeadamente, implementar exigências de proteção do ambiente, em especial incentivando a redução das diferenças de tributação entre o gasóleo consumido como carburante para fins não comerciais e a gasolina. À luz dos considerandos 3 a 5 e 19 da referida diretiva, esta visa também permitir uma aproximação dos níveis nacionais de tributação do gasóleo, para, nomeadamente, evitar distorções da concorrência e, assim, promover o bom funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 30).

    45

    Ora, uma interpretação restritiva do conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» permite contribuir em simultâneo para a realização do objetivo de política ambiental prosseguido, uma vez que limita as possibilidades de beneficiar de uma taxa reduzida e incentiva assim a diminuição do consumo total de carburante, bem como para a realização do objetivo de promoção do bom funcionamento do mercado interno, assegurando uma maior aproximação dos níveis de tributação do gasóleo.

    46

    Por último, em quarto lugar, a interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96 é corroborada pelos trabalhos preparatórios desta diretiva, dos quais transparece a vontade do legislador da União de regular de forma estrita a possibilidade de prever taxas de tributação diferenciadas para um mesmo produto.

    47

    Embora o artigo 5.o, n.o 1, da proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos (JO 1997, C 139, p. 14), nos termos do qual «[o]s Estados‑Membros podem aplicar taxas de imposto diferenciadas em função da utilização ou da qualidade de um produto, desde que respeitem os níveis mínimos de tributação fixados na presente diretiva e que sejam compatíveis com o direito comunitário», conferisse aos Estados‑Membros uma margem de apreciação relativamente ampla para determinar as taxas de tributação dos produtos energéticos, esta margem foi consideravelmente reduzida no decurso do processo legislativo. Com efeito, o artigo 5.o da Diretiva 2003/96 só autoriza os Estados‑Membros a preverem, desde que respeitem os níveis mínimos de tributação previstos nesta diretiva e sejam compatíveis com o direito da União, taxas de tributação diferenciadas nos casos taxativamente enumerados neste artigo.

    48

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que o gasóleo consumido no âmbito dos trajetos efetuados para efeitos de reparação, manutenção ou abastecimento dos veículos afetos ao transporte de passageiros não está abrangido pelo conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» na aceção desta disposição.

    Quanto às despesas

    49

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

     

    O artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, deve ser interpretado no sentido de que o gasóleo consumido no âmbito dos trajetos efetuados para efeitos de reparação, manutenção ou abastecimento dos veículos afetos ao transporte de passageiros não está abrangido pelo conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» na aceção desta disposição.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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