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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62022CJ0497

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de novembro de 2023.
EM contra Roompot Service B.V.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Landgericht Düsseldorf.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competências exclusivas — Artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo — Litígios em matéria de arrendamento de imóveis — Contrato relativo à cedência do uso de curta duração de um bungalow num parque de férias celebrado entre um particular e o operador turístico que explora esse parque de férias.
Processo C-497/22.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:873

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de novembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competências exclusivas — Artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo — Litígios em matéria de arrendamento de imóveis — Contrato relativo à cedência do uso de curta duração de um bungalow num parque de férias celebrado entre um particular e o operador turístico que explora esse parque de férias»

No processo C‑497/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf, Alemanha), por Decisão de 8 de julho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de julho de 2022, no processo

EM

contra

Roompot Service BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei (relatora), J.‑C.Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de EM, por V. Gensch, Rechtsanwalt,

em representação da Comissão Europeia, por P. Kienapfel e S. Noë, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe EM, residente na Alemanha, à Roompot Service BV, operadora turística com sede nos Países Baixos, a respeito do reembolso do preço pago por aquele particular, acrescido de juros e de despesas, a título da cedência do uso de curta duração de um bungalow num parque de férias explorado por esse profissional.

Quadro jurídico

3

Os considerandos 15, 16 e 34 do Regulamento n.o 1215/2012 têm a seguinte redação:

«(15)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. […]

(16)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado‑Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. […]

[…]

(34)

Para assegurar a continuidade entre a Convenção [relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32), assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968], o Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1)] e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deverá ser assegurada no que diz respeito à interpretação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, da Convenção de Bruxelas de 1968 e dos regulamentos que a substituem.»

4

Na secção 1 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012, sob a epígrafe «Disposições gerais», o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

5

Na secção 6 deste capítulo II, sob a epígrafe «Competências exclusivas», o artigo 24.o do referido regulamento dispõe:

«Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:

1)

Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado‑Membro onde se situa o imóvel.

Todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado‑Membro onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado‑Membro.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

6

Em 23 de junho de 2020, EM reservou, no sítio Internet da Roompot Service, um bungalow no parque aquático Waterpark Zwartkruis, localizado em Noardburgum (Países Baixos), para o período compreendido entre 31 de dezembro de 2020 e 4 de janeiro de 2021, e para um grupo de nove pessoas provenientes de mais de dois agregados familiares diferentes.

7

A reserva em causa incluía o fornecimento de roupa de cama e a limpeza no final da estadia e tinha um montante total de 1902,80 euros, que foi integralmente pago por EM.

8

Aquele parque aquático contém bungalows que estão situados diretamente nas margens de um lago, tendo cada um desses alojamentos o seu próprio ancoradouro. Mediante o pagamento de um suplemento de preço, era possível alugar barcos e canoas.

9

A Roompot Service confirmou a EM por correio eletrónico, antes da sua chegada e na sequência do seu pedido, que o referido parque aquático estava aberto durante o período da reserva, apesar da pandemia de COVID‑19, mas que, em conformidade com a regulamentação neerlandesa em vigor, só era possível nesse ficar alojado com a sua família e, no máximo, com duas pessoas de outro agregado familiar em cada bungalow. A Roompot Service também propôs a EM que adiasse a sua estadia para uma data posterior.

10

Não tendo EM usufruído da estadia em causa nem tendo alterado a sua reserva, foi reembolsada pela Roompot Service no montante de 300 euros.

11

EM intentou uma ação no Amtsgericht Neuss (Tribunal de Primeira Instância de Neuss, Alemanha) contra a Roompot Service destinada a obter o remanescente, designadamente o montante de 1602,80 euros, acrescido de juros e despesas. Esta última contestou que os órgãos jurisdicionais alemães tenham competência internacional para conhecer de tal pedido.

12

Por Decisão de 1 de outubro de 2021, o Amtsgericht Neuss (Tribunal de Primeira Instância de Neuss) julgou o pedido improcedente.

13

EM recorreu dessa decisão para o Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

14

Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se os órgãos jurisdicionais neerlandeses têm competência internacional exclusiva para conhecer do litígio no processo principal com base no artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012.

15

A este respeito, o referido órgão jurisdicional observa que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a aplicação do artigo 16.o, ponto 1, da Convenção relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968, conforme alterada pelas posteriores convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), atual artigo 16.o, ponto 1, alínea a), da mesma, cujo conteúdo foi, essencialmente, retomado no artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, a saber, da jurisprudência decorrente dos Acórdão de 15 de janeiro de 1985, Rösler (241/83, EU:C:1985:6), de 26 de fevereiro de 1992, Hacker (C‑280/90, EU:C:1992:92) e de 27 de janeiro de 2000, Dansommer (C‑8/98, EU:C:2000:45), que os contratos de arrendamento de um alojamento de férias no estrangeiro estão abrangidos, em princípio, pela competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do lugar em que se situa o imóvel em questão. Existe apenas uma exceção a este princípio quando o contrato em causa for um contrato complexo, ou seja, um contrato que estipula o fornecimento de um conjunto de prestações de serviços em contrapartida de um preço global pago pelo cliente.

16

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que as prestações adicionais a serem consideradas no caso em apreço são a disponibilização, constante da página Internet da recorrida, de diversos bungalows equipados de maneira diferente, a reserva do bungalow efetuada pelo cliente, o acolhimento deste último no local e a entrega das chaves, o fornecimento de roupa de cama e a limpeza no final da estadia. Este órgão jurisdicional considera que, segundo a leitura que faz da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no número anterior do presente acórdão, seria então necessário que essas prestações, consideradas no seu todo, conferissem ao contrato em causa no processo principal uma natureza complexa, na aceção da referida jurisprudência.

17

Segundo a tese defendida por uma parte da doutrina alemã, as prestações acessórias menores como a manutenção do bem em causa ou a sua limpeza, o fornecimento de roupa de cama ou o acolhimento do cliente no local revestem uma «importância menor», pelo que não é certo que prestações como as prestações adicionais em causa no processo principal sejam suficientes para considerar a existência de um contrato complexo, na aceção da referida jurisprudência.

18

O órgão jurisdicional de reenvio também refere que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) fez uma interpretação diferente da mesma jurisprudência. Segundo este último órgão jurisdicional, a qualificação de um contrato à luz do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012 depende da questão de saber se o operador turístico se compromete por si próprio a disponibilizar o uso de um alojamento do qual não é proprietário. Em tal situação, esta disposição não seria aplicável. Em contrapartida, se esse operador turístico intervier apenas como intermediário num arrendamento celebrado com o proprietário desse alojamento, a referida disposição seria aplicável.

19

Nestas circunstâncias, o Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento [n.o 1215/2012] ser interpretado no sentido de que, no caso de um contrato entre um particular e um [locador] profissional de casas de férias relativo à cedência do uso [de] curta duração de um bungalow num parque de férias explorado pelo [locador], que prevê, além da mera cedência do uso do bungalow, prestações adicionais como uma limpeza final e o fornecimento de roupa de cama, têm competência exclusiva os tribunais do lugar onde se situa o bem arrendado, independentemente de o bungalow ser propriedade do [locador] ou de um terceiro?»

Quanto à questão prejudicial

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que está abrangido pelo conceito de «arrendamento de imóveis», na aceção desta disposição, um contrato celebrado entre um particular e um operador turístico através do qual este último disponibiliza um alojamento de férias para uso pessoal de curta duração, situado num parque de férias explorado por esse operador, e que inclui, além da cedência do uso desse alojamento, um conjunto de prestações de serviços que são fornecidas em contrapartida de um preço global.

21

A título preliminar, importa recordar que, na medida em que o Regulamento n.o 1215/2012 revogou e substituiu o Regulamento n.o 44/2001, que por sua vez substituiu a Convenção de Bruxelas, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições de um destes instrumentos jurídicos também é válida para as disposições dos outros, quando essas disposições possam ser qualificadas de equivalentes (Acórdão de 20 de junho de 2022, London Steam‑Ship Owners’ Mutual Insurance Association, C‑700/20, EU:C:2022:488, n.o 42 e jurisprudência referida).

22

É o caso do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012. Com efeito, esta disposição corresponde ao artigo 16.o, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, que passou posteriormente a artigo 16.o, ponto 1, alínea a), desta convenção, bem como ao artigo 22.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 44/2001. Deste modo, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no que se refere a estas últimas disposições também é válida para a interpretação desse artigo 24.o

23

Em conformidade com jurisprudência constante, o sistema de atribuição das competências comuns previstas no capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012 baseia‑se na regra geral, enunciada no seu artigo 4.o, n.o 1, segundo a qual as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro (Acórdão de 25 de março de 2021, Obala i lučice,C‑307/19, EU:C:2021:236, n.o 75 e jurisprudência referida).

24

Só por derrogação a esta regra geral é que o capítulo II, secção 6, do Regulamento n.o 1215/2012 prevê um determinado número de regras de competência exclusivas, entre as quais figura a do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, deste regulamento, que atribui aos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa o imóvel em causa competência para se pronunciarem em matéria de arrendamento de imóveis.

25

Há que recordar igualmente que, como declarou o Tribunal de Justiça, tendo em conta o seu caráter derrogatório, as disposições do artigo 24.o, ponto 1, do referido regulamento não devem ser interpretadas em termos mais amplos do que os requeridos pelo seu objetivo (Acórdão de 25 de março de 2021, Obala i lučice, C‑307/19, EU:C:2021:236, n.o 76 e jurisprudência referida).

26

Quanto ao objetivo prosseguido por esta disposição, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que o fundamento essencial da competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa o imóvel é o facto de o tribunal do lugar da situação do imóvel ser o que está em melhores condições, atendendo à sua proximidade, de possuir um bom conhecimento das situações de facto e de aplicar as regras e os usos que, em geral, são os do Estado da situação do imóvel (Acórdão de 25 de março de 2021, Obala i lučice, C‑307/19, EU:C:2021:236, n.o 77 e jurisprudência referida).

27

No que se refere, em especial, ao arrendamento de imóveis, resulta da referida jurisprudência que esta competência exclusiva se justifica pela complexidade da relação entre o proprietário e o arrendatário, que comporta uma série de direitos e obrigações, além da respeitante à renda. Esta relação rege‑se por legislações especiais, algumas de caráter imperativo, do Estado onde se situa o imóvel que é objeto do arrendamento, tais como as que determinam o responsável pela conservação do imóvel e pelo pagamento dos impostos prediais, as que regem os deveres do ocupante do imóvel relativamente aos seus vizinhos, bem como as que controlam ou limitam o direito do proprietário a retomar a posse do imóvel no termo do arrendamento (Acórdão de 25 de março de 2021, Obala i lučice, C‑307/19, EU:C:2021:236, n.o 78 e jurisprudência referida).

28

A competência exclusiva relativa ao «arrendamento de imóveis», na aceção do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012, visa assim as contestações que têm por objeto os requisitos de usufruto de um imóvel (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Obala i lučice, C‑307/19, EU:C:2021:236, n.o 79), a saber, nomeadamente, as contestações entre proprietários e arrendatários relativas à existência ou à interpretação de arrendamento, à reparação dos desgastes causados por um arrendatário ou à evacuação do bem arrendado (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1977, Sanders, 73/77, EU:C:1977:208, n.o 15).

29

Para determinar se um litígio está abrangido por esta competência exclusiva, há que examinar, por um lado, se esse litígio tem por objeto um contrato de arrendamento de imóvel e, por outro, se o objeto do referido litígio está diretamente associado aos direitos e às obrigações decorrentes desse contrato de arrendamento, uma vez que, como resulta da jurisprudência, não basta que o mesmo litígio tenha uma relação com o contrato de arrendamento sobre um imóvel para estar abrangido pela competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que se situa esse imóvel (v., por analogia, Acórdãos de 16 de novembro de 2016, Schmidt, C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 34, e de 10 de fevereiro de 2022, ShareWood Switzerland, C‑595/20, EU:C:2022:86, n.o 31).

30

Nos Acórdãos de 15 de janeiro de 1985, Rösler (241/83, EU:C:1985:6), de 26 de fevereiro de 1992, Hacker (C‑280/90, EU:C:1992:92) e de 27 de janeiro de 2000, Dansommer (C‑8/98, EU:C:2000:45), o Tribunal de Justiça teve a ocasião de se pronunciar sobre a primeira parte dessa apreciação e determinou, nesse âmbito, critérios que permitem distinguir um «contrato de arrendamento» abrangido pela referida competência exclusiva de um contrato complexo que tem por objeto um conjunto de prestações de serviços que não estão abrangidas por esta.

31

No que se refere à qualificação de um contrato que tem por objeto a cedência do uso de curta duração de um alojamento de férias, o Tribunal de Justiça declarou que é abrangido pelo conceito de «contrato de arrendamento» um contrato pelo qual o proprietário de uma casa de férias arrendou por um curto período um alojamento situado nessa casa e nos termos do qual o alojamento dos visitantes não era autorizado, os encargos de condomínio para a eletricidade, água e gás deviam ser deduzidos segundo o consumo e a limpeza do final da estadia devia ser paga em acréscimo (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 1985, Rösler, 241/83, EU:C:1985:6, n.os 2, 24 e 25).

32

Em contrapartida, um contrato que tem por objeto a cedência do uso de um alojamento de férias que prevê a reserva de uma passagem marítima para o destino em questão, efetuada por um operador turístico que não era o proprietário desse alojamento por conta do seu cliente, através de uma remuneração adicional, foi qualificado, não como «contrato de arrendamento», mas como um contrato complexo que tem por objeto um conjunto de prestações de serviços fornecidas mediante um preço global, uma vez que, independentemente da sua designação, esse contrato incluía, além da cedência do uso do referido alojamento, outras prestações, como as informações e as sugestões através das quais esse operador turístico propunha ao cliente uma série de opções para as suas férias, a reserva de um alojamento para o período escolhido por esse cliente, a reserva da viagem, o acolhimento no local e um eventual seguro de anulação dessa viagem (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 1992, Hacker, C‑280/90, EU:C:1992:92, n.os 3, 14 e 15).

33

No entanto, um contrato que tenha por objeto a cedência do uso de um alojamento de férias celebrado com um operador turístico que assumia o mero papel de intermediário entre o cliente em causa e o proprietário desse alojamento e cujo preço incluía um prémio de seguro destinado a cobrir as despesas incorridas em caso de rescisão do contrato, garantindo esse operador turístico também o reembolso do preço em caso de insolvência, sem ser obrigado a fornecer outras prestações, foi qualificado de «contrato de arrendamento». O Tribunal de Justiça constatou assim que esse contrato tinha exclusivamente por objeto o arrendamento de um imóvel, sendo as cláusulas relativas ao seguro e à garantia do reembolso do preço apenas disposições acessórias que não eram suscetíveis de alterar a qualificação do referido contrato. A circunstância de o litígio em questão não opor diretamente o proprietário do referido alojamento e o seu arrendatário não leva a uma conclusão diferente, ficando o referido operador turístico sub‑rogado nos direitos desse proprietário e atuando não na qualidade de operador turístico, mas como se fosse o proprietário do respetivo imóvel (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2000, Dansommer, C‑8/98, EU:C:2000:45, n.os 7 a 11 e 33 a 37).

34

Resulta da jurisprudência referida nos n.os 31 a 33 do presente acórdão que a qualificação de um contrato que tem por objeto um conjunto de prestações de serviços, além da cedência do uso de curta duração de um alojamento de férias, exige, como salientou o advogado‑geral no n.o 28 das suas conclusões, que se proceda a uma apreciação da relação contratual em causa no seu conjunto e no seu contexto.

35

No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a qualificação de um contrato celebrado entre um particular e um operador turístico pelo qual este último disponibiliza um bungalow situado num parque aquático, explorado por esse operador, que estipula, além da cedência do uso desse bem, o fornecimento de outras prestações como a disponibilização, na página Internet da recorrida no processo principal, de uma variedade de bungalows, equipados de maneira diferente, a reserva do bungalow escolhido para os clientes, o acolhimento do cliente no local com a entrega das chaves a este último, o fornecimento de roupa de cama e a realização de uma limpeza no final da estadia.

36

Em especial, esse órgão jurisdicional pergunta se essas prestações adicionais são suficientes para qualificar o contrato em causa no processo principal de contrato complexo que tem por objeto um conjunto de prestações de serviços e se a circunstância de o bungalow em causa ser propriedade do operador turístico ou de um terceiro reveste alguma importância para efeitos desta qualificação.

37

A este respeito, importa começar por precisar que caberá ao referido órgão jurisdicional, tendo em conta todas as informações de que dispõe, proceder à qualificação do contrato em causa no processo principal.

38

Para o efeito, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, em primeiro lugar, examinar se as prestações de serviços adicionais em causa, fornecidas além da cedência do uso do alojamento de férias que é o objeto desse contrato, conferem a este último um caráter complexo.

39

Tal será o caso, designadamente, quando esses serviços forem propostos mediante um preço global nas mesmas condições que as conferidas aos clientes de um complexo hoteleiro, escapando assim à aplicação do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012 (v., por analogia, Acórdão de 13 de outubro de 2005, Klein, C‑73/04, EU:C:2005:607, n.o 27). Em contrapartida, qualquer prestação adicional que tenha um caráter acessório a essa cedência do uso não pode necessariamente alterar a qualificação do contrato em causa de contrato de arrendamento, mas deve ser analisada no contexto desse mesmo contrato.

40

Quanto às prestações adicionais mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, nem a limpeza do final de estadia nem a disponibilização da roupa de cama são prestações suficientemente caracterizadas para permitir, por si só, distinguir um contrato de arrendamento de um contrato complexo de organização de estadia. Embora seja verdade que a limpeza incumbe normalmente ao arrendatário no final do arrendamento, não se pode excluir que, devido ao caráter particular dos arrendamentos sazonais das casas de férias, o locador possa assumir tal encargo sem que isso altere a natureza de contrato de arrendamento de imóvel desse contrato. O mesmo se aplica à disponibilização de roupa de cama e à entrega das chaves.

41

Em contrapartida, os serviços de informação e de aconselhamento, de reserva e acolhimento que fazem parte, com a cedência do uso, da oferta proposta por um operador turístico mediante um preço global constituem serviços que são geralmente fornecidos no âmbito de um contrato complexo de organização de estadia.

42

Em segundo lugar, no âmbito da apreciação global das informações de que o órgão jurisdicional de reenvio dispõe, este último deverá igualmente analisar em que qualidade o operador turístico em causa intervém na relação contratual em causa no processo principal.

43

Como resulta da jurisprudência recordada no n.o 33 do presente acórdão, o facto de o operador turístico não ser o proprietário do alojamento, mas estar sub‑rogado nos direitos deste, não é suscetível, por si só, de alterar uma eventual qualificação do contrato em causa de contrato de arrendamento de um imóvel. Em contrapartida, como resulta da jurisprudência referida no n.o 32 do presente acórdão, embora este operador turístico intervenha como profissional do turismo e proponha, no âmbito de uma estadia organizada, a disponibilização de serviços adicionais com base nos quais a oferta é aceite, esta circunstância pode constituir um indício da natureza complexa desse contrato.

44

No presente processo, a disponibilização de um alojamento num parque de férias que inclui estruturas de alojamento padronizadas que formam um todo homogéneo, como o Waterpark Zwartkruis, explorado por um operador turístico, como a Roompot Service, bem como a proposta de um alojamento mediante um preço global que reflete a qualidade e a importância do conjunto das prestações propostas nesse parque de férias, parecem, sob reserva das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, corroborar que se exclua um contrato como o que está em causa no processo principal do âmbito de aplicação do artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012.

45

Esta conclusão responde à exigência da interpretação estrita da regra de competência exclusiva prevista no artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012 e ao objetivo prosseguido por esta disposição que consiste, como recordado no n.o 27 do presente acórdão, em incluir do seu âmbito de aplicação apenas as relações contratuais entre locadores e arrendatários que comportam uma série de direitos e obrigações regulados por legislações especiais sobre o uso da propriedade imobiliária, com caráter geralmente imperativo, do Estado‑Membro em que o imóvel está situado, cujos órgãos jurisdicionais, devido à sua proximidade, estão em melhores condições para conhecer dos litígios em matéria de arrendamento de imóveis.

46

À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que não está abrangido pelo conceito de «arrendamento de imóveis», na aceção desta disposição, um contrato celebrado entre um particular e um operador turístico através do qual este último disponibiliza um alojamento de férias para uso pessoal de curta duração, situado num parque de férias explorado por esse operador, e que inclui, além da cedência do uso desse alojamento, um conjunto de prestações de serviços que são fornecidas em contrapartida de um preço global.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 24.o, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

não está abrangido pelo conceito de «arrendamento de imóveis», na aceção desta disposição, um contrato celebrado entre um particular e um operador turístico através do qual este último disponibiliza um alojamento de férias para uso pessoal de curta duração, situado num parque de férias explorado por esse operador, e que inclui, além da cedência do uso desse alojamento, um conjunto de prestações de serviços que são fornecidas em contrapartida de um preço global.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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