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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0389

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de maio de 2023.
    Banco Central Europeu (BCE) contra Crédit lyonnais.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Medida da exposição — Artigo 429.o, n.o 14 — Exclusão das posições em risco que preenchem certas condições — Recusa parcial de autorização — Poder discricionário do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso de anulação — Erro manifesto de apreciação — Fiscalização jurisdicional.
    Processo C-389/21 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:368

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    4 de maio de 2023 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Medida da exposição — Artigo 429.o, n.o 14 — Exclusão das posições em risco que preenchem certas condições — Recusa parcial de autorização — Poder discricionário do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso de anulação — Erro manifesto de apreciação — Fiscalização jurisdicional»

    No processo C‑389/21 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de junho de 2021,

    Banco Central Europeu (BCE), representado por F. Bonnard, M. Ioannidis, R. Ugena e C. Zilioli, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Crédit lyonnais, com sede em Lyon (França), representado por A. Champsaur e A. Delors, avocates,

    recorrente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

    advogado‑geral: N. Emiliou,

    secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 15 de junho de 2022,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de outubro de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, o Banco Central Europeu (BCE) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de abril de 2021, Crédit lyonnais/BCE (T‑504/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:185), que deu provimento ao recurso do Crédit lyonnais que tinha por objeto a anulação da Decisão ECB‑SSM‑2019‑FRCAG‑39 do Banco Central Europeu (BCE), de 3 de maio de 2019 (a seguir «decisão controvertida»), adotada em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/62 da Comissão, de 10 de outubro de 2014 (JO 2015, L 11, p. 37) (a seguir «Regulamento n.o 575/2013»), na medida em que esta decisão recusa autorizar o Crédit lyonnais a excluir certas posições em risco do cálculo do seu rácio de alavancagem.

    Quadro jurídico

    Regulamento n.o 575/2013

    2

    Os considerandos 90, 91 e 94 do Regulamento n.o 575/2013 enunciam:

    «(90)

    Os anos que antecederam a crise financeira caracterizaram‑se por uma excessiva acumulação das posições em risco das instituições relativamente aos seus fundos próprios (alavancagem). Durante a crise financeira, as perdas e a falta de financiamento forçaram as instituições a reduzirem significativamente a sua alavancagem durante um curto período de tempo. O facto aumentou as pressões no sentido da descida dos preços dos ativos, causando mais perdas às instituições o que, por sua vez, levou a novas reduções nos seus fundos próprios. Em última instância, os resultados desta espiral negativa foram a redução da disponibilização de crédito à economia real e uma crise mais profunda e mais prolongada.

    (91)

    Os requisitos de fundos próprios baseados no risco são essenciais para garantir fundos próprios suficientes para cobrir perdas inesperadas. No entanto, a crise deixou bem patente que estes requisitos só por si não são suficientes para evitar que as instituições assumam riscos de alavancagem excessivos e insustentáveis.

    […]

    (94)

    O rácio de alavancagem é um novo instrumento de regulamentação e supervisão da União [Europeia]. Em consonância com diversos acordos internacionais, deverá ser introduzido inicialmente como um elemento adicional que pode ser aplicado às instituições à escolha das autoridades de supervisão. As obrigações que incumbem às instituições em matéria de informação devem permitir um reexame e calibração adequados, tendo em vista a migração para uma medida vinculativa em 2018.»

    3

    O artigo 4.o, n.o 1, pontos 93 e 94, desse regulamento, prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento, aplicam‑se as seguintes definições:

    […]

    93)

    “Alavancagem”: o nível relativo dos ativos, obrigações extrapatrimoniais e obrigações contingentes de pagar, entregar ou prestar garantias, incluindo as obrigações decorrentes de fundos recebidos, compromissos assumidos, derivados ou vendas com acordo de recompra, mas excluindo as obrigações que só possam ser executadas durante o processo de liquidação de uma instituição, em comparação com os fundos próprios dessa instituição;

    94)

    “Risco de alavancagem excessiva”: o risco resultante da vulnerabilidade de uma instituição, devido à alavancagem ou alavancagem contingente que possa requerer medidas corretivas não previstas ao seu plano de atividades, nomeadamente a venda urgente de ativos que possa resultar em perdas ou em ajustamentos da avaliação dos seus ativos remanescentes».

    4

    O artigo 116.o, n.o 4, do referido regulamento dispõe:

    «Em circunstâncias excecionais, as posições em risco sobre entidades do setor público podem ser equiparadas a posições em risco sobre a administração central, a administração regional ou a autoridade local do país em que se encontram estabelecidas, sempre que as autoridades competentes desse país considerem que não existem diferenças no risco desses tipos de posições, devido à existência de uma garantia adequada prestada pela administração central, pela administração regional ou pela autoridade local.»

    5

    O artigo 412.o, n.o 1, do mesmo regulamento, tem a seguinte redação:

    «As instituições dispõem de ativos líquidos cujo valor total cubra as saídas de liquidez deduzidas das entradas de liquidez em condições de esforço, de modo a assegurar que as instituições mantêm reservas prudenciais de liquidez adequadas para fazer face a eventuais desequilíbrios entre as entradas e as saídas de liquidez em condições de esforço agravadas durante um período de trinta dias. […]»

    6

    O artigo 429.o, n.os 2 e 14, do Regulamento n.o 575/2013, prevê:

    «2.   O rácio de alavancagem é calculado dividindo a medida de fundos próprios de uma instituição pela medida da exposição total dessa instituição, sendo expresso em percentagem.

    […]

    […]

    14.   As autoridades competentes podem autorizar uma instituição a excluir da medida da exposição as posições em risco que preencham todas as condições a seguir referidas:

    a)

    São posições em risco perante uma entidade do setor público;

    b)

    São tratadas em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4;

    c)

    Resultam de depósitos que a instituição está obrigada por lei a transferir para a entidade do setor público referida na alínea a), a fim de financiar investimentos de interesse geral.»

    7

    O artigo 429.o‑A, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 575/2013, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (JO 2019, L 150, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 575/2013 alterado»), aplicável a partir de 28 de junho de 2021, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento 2019/876, prevê:

    «1.   Em derrogação ao artigo 429.o, n.o 4, alínea a), a instituição pode excluir da medida da exposição total qualquer uma das seguintes posições em risco:

    […]

    j)

    As posições em risco que reúnam cumulativamente as seguintes condições:

    i)

    são posições em risco sobre uma entidade do setor público;

    ii)

    são tratadas nos termos do artigo 116.o, n.o 4;

    iii)

    resultam de depósitos que a instituição está obrigada por lei a transferir para a entidade do setor público a que se refere a subalínea i), a fim de financiar investimentos de interesse geral».

    Regulamento n.o 1024/2013

    8

    O considerando 55 do Regulamento n.o 1024/2013 enuncia:

    «As atribuições de supervisão conferidas ao BCE implicam uma responsabilidade importante no sentido de salvaguardar a estabilidade financeira na União e de exercer os seus poderes de supervisão da forma mais eficaz e proporcionada. […]»

    9

    O artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, deste regulamento dispõe:

    «1.   Nos termos do artigo 6.o, cabe ao BCE, de acordo com o n.o 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes:

    […]

    d)

    Assegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de requisitos de fundos próprios, titularização, limites aos grandes riscos, liquidez, alavancagem financeira, e divulgação pública de informações sobre essas matérias;

    […]

    3.   Para efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica toda a legislação aplicável da União e, no caso de diretivas, a legislação nacional que as transpõe. […]»

    10

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento:

    «O BCE exerce as suas atribuições no âmbito de um mecanismo único de supervisão composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes. O BCE é responsável pelo funcionamento eficaz e coerente do [mecanismo único de supervisão]».

    Antecedentes do litígio

    11

    O Crédit lyonnais é uma sociedade anónima de direito francês autorizada como instituição de crédito. Esta instituição de crédito é uma filial da sociedade Crédit agricole SA e, a este título, está sujeita à supervisão prudencial direta do BCE.

    12

    Em 5 de maio de 2015, a Crédit agricole SA, em seu nome e em nome das entidades que fazem parte do grupo Crédit agricole, entre as quais o Crédit lyonnais, requereu ao BCE autorização para excluir as posições em risco sobre a Caisse des dépôts et consignations (França, a seguir «CDC»), resultantes dos depósitos efetuados nos livrets A [cadernetas A], nos livrets d’épargne populaire [cadernetas de poupança popular] e nos livrets de développement durable et solidaire [cadernetas de desenvolvimento sustentável e solidário], que devem, segundo a regulamentação francesa aplicável, ser obrigatoriamente transferidos para a CDC (a seguir, em conjunto, «poupança regulamentada»), da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem.

    13

    Por Decisão de 24 de agosto de 2016, o BCE recusou conceder à Crédit agricole a autorização requerida. Essa decisão foi anulada pelo Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472).

    14

    Em 26 de julho de 2018, a Crédit agricole SA, em seu nome e em nome das entidades que fazem parte do grupo Crédit agricole, entre as quais o Crédit lyonnais, requereu novamente ao BCE autorização para excluir as posições em risco sobre a CDC, resultantes dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem.

    15

    Após ter comunicado à Crédit agricole SA um projeto de decisão e ter recebido as suas observações a este respeito, o BCE adotou, em 3 de maio de 2019, a decisão controvertida.

    16

    Através dessa decisão, a Crédit agricole SA e as entidades que faziam parte do grupo Crédit agricole, com exceção do Crédit lyonnais, foram autorizadas a excluir a totalidade das suas posições em risco sobre a CDC, resultantes dos depósitos nas cadernetas de poupança regulamentada, da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem. Em contrapartida, o Crédit lyonnais apenas foi autorizado a excluir 66 %.

    17

    Em apoio da referida decisão, o BCE reconheceu que as condições enunciadas no artigo 429.o, n.o 14, alíneas a) a c), do Regulamento n.o 575/2013 estavam preenchidas no caso. Considerando que dispunha de um poder discricionário para conceder uma isenção ao abrigo desta disposição, o BCE aplicou uma metodologia que tinha em conta três elementos, nomeadamente, a qualidade de crédito da administração central francesa, o risco de vendas catastróficas e o nível de concentração das posições em risco sobre a CDC, resultante dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada.

    18

    Em conclusão, o BCE considerou que as posições em risco sobre a CDC das entidades sujeitas à sua supervisão prudencial apresentavam um risco reduzido. No entanto, no que respeita ao Crédit lyonnais, entendeu, com base na avaliação dos três elementos da sua metodologia e, particularmente, no prazo de ajustamento de dez dias entre as posições dessa instituição de crédito e da CDC, na elevada e crescente concentração das posições em risco da referida instituição de crédito sobre a CDC ligadas à poupança regulamentada, bem como no facto de a mesma instituição de crédito não estar abrangida pelo mecanismo de solidariedade existente à escala do grupo Crédit agricole, que um equilíbrio entre o interesse de aplicar um rácio de alavancagem neutro em termos de risco e o interesse de isentar certas posições de risco reduzido justificava que, para efeitos do cálculo desse rácio, apenas lhe fosse concedida uma percentagem de exclusão de 66 % relativamente às suas posições em risco sobre a CDC.

    Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

    19

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de julho de 2019, o Crédit lyonnais interpôs recurso de anulação da decisão controvertida na parte em que esta recusa autorizá‑lo a excluir a totalidade das suas posições em risco sobre a CDC, resultantes dos depósitos nas cadernetas de poupança regulamentada, da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem.

    20

    O Crédit lyonnais invocou três fundamentos de recurso, relativos, em primeiro lugar, à violação do artigo 266.o TFUE, decorrente de uma execução incorreta, pelo BCE, do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), em segundo lugar, à violação do artigo 429.o, n.o 14, e do artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, assim como, em terceiro lugar, a erros manifestos de apreciação cometidos pelo BCE.

    21

    O Tribunal Geral julgou improcedentes o primeiro e segundo fundamentos, embora considerando, no n.o 69 do acórdão recorrido, que se devia examinar o argumento, que figura na terceira parte do primeiro fundamento, relativo à questão de saber se a apreciação efetuada pelo BCE era conforme com o n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), em conjunto com o terceiro fundamento.

    22

    Nos n.os 101 a 123 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao erro manifesto de apreciação cometido pelo BCE, na decisão controvertida, na apreciação do risco de vendas catastróficas.

    23

    No âmbito desse exame, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, nos n.os 107 a 114 do acórdão recorrido, que a poupança regulamentada tem algumas características essenciais, nomeadamente, em primeiro lugar, a qualidade de «valor seguro» dessa poupança em caso de crise bancária, que não era mencionada na decisão controvertida, em segundo lugar, a existência de uma dupla garantia da República Francesa em relação aos depósitos de poupança regulamentada e, em terceiro lugar, o facto de a referida poupança ser pouco suscetível de contribuir para a constituição de uma alavancagem excessiva, uma vez que deve ser transferida para a CDC e não pode assim, ao contrário de outros tipos de depósitos bancários, ser investida em ativos arriscados ou não líquidos.

    24

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 105 e 115 a 117 desse acórdão, que, à luz dos elementos expostos nos n.o 107 a 114 do referido acórdão, a justificação da decisão controvertida quanto ao caráter particularmente líquido da poupança regulamentada não era suficiente, por si só, para apoiar a conclusão a que o BCE chegou relativamente ao Crédit lyonnais e segundo a qual, no caso em apreço, existia um risco de vendas catastróficas, pelo que o mérito desta conclusão dependia do outro elemento em que o BCE se baseou no essencial, nomeadamente, a experiência das crises bancárias recentes.

    25

    A este respeito, o Tribunal Geral considerou, em terceiro lugar, nos n.os 118 a 122 do mesmo acórdão, que o exemplo tido em conta pelo BCE para concluir que a experiência das crises bancárias recentes revelava que tinham sido feitos levantamentos maciços não dizia respeito a depósitos que apresentavam, tendo em conta os elementos recordados no n.o 23 do presente acórdão, características suficientemente próximas dos depósitos efetuados a título da poupança regulamentada.

    26

    O Tribunal Geral concluiu, no n.o 123 do acórdão recorrido, que a primeira parte do terceiro fundamento devia ser julgada procedente, uma vez que o BCE não teve em conta, na apreciação do risco de vendas catastróficas, todas as características da poupança regulamentada, e daí deduziu, no n.o 124 desse acórdão, que o BCE não fez uma «aplicação correta» do n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), pelo que o argumento que figura, a este respeito, na terceira parte do primeiro fundamento devia ser julgado procedente.

    27

    No n.o 125 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o motivo da decisão controvertida relativo à apreciação do risco de vendas catastróficas estava, por conseguinte, ferido de ilegalidade.

    28

    No n.o 126 desse acórdão, considerou, tendo em conta a metodologia aplicada pelo BCE na decisão controvertida, que os outros motivos desta decisão, relativos à qualidade de crédito da administração central francesa e ao nível de concentração das posições em risco sobre a CDC, admitindo que não estivessem feridos de ilegalidade, não permitiam justificar a recusa do BCE ao Crédit lyonnais. Com efeito, com base nessa metodologia, a consideração apenas desses motivos não teria conduzido, segundo o Tribunal Geral, à recusa de conceder ao recorrente a totalidade do benefício da derrogação prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

    29

    Por conseguinte, sem proceder à análise dos argumentos relativos aos outros motivos da decisão controvertida, o Tribunal Geral anulou essa decisão, uma vez que o BCE não autorizou o Crédit lyonnais a excluir 34 % das suas posições em risco sobre a CDC, resultantes dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem.

    Pedidos das partes

    30

    Com o presente recurso, o BCE pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido e

    condenar o Crédit lyonnais nas despesas.

    31

    O Crédit lyonnais pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente e

    condenar o BCE nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    32

    O BCE invoca quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação, pelo Tribunal Geral, dos limites que se impõem ao exercício da sua fiscalização jurisdicional. Os segundo a quarto fundamentos são relativos, respetivamente, à violação do dever de fundamentação, à desvirtuação dos elementos apresentados no Tribunal Geral e à violação do artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

    Argumentos das partes

    33

    Com o seu primeiro fundamento, o BCE considera que o Tribunal Geral violou os limites que se impõem ao exercício da sua fiscalização jurisdicional.

    34

    A título preliminar, o BCE refere que, quando as instituições ou os órgãos da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente devido às avaliações económicas complexas que devem efetuar, o poder de fiscalização dos órgãos jurisdicionais da União é limitado. Além da falta ou insuficiência de fundamentação, da desvirtuação dos factos, do erro de direito e do desvio de poder, estes apenas podem punir o erro manifesto de apreciação cometido pela instituição ou pelo órgão em causa aquando da adoção da decisão que lhes é submetida, sem, no entanto, substituírem pela sua apreciação a apreciação dessa instituição ou desse órgão.

    35

    Resulta dos termos do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 que as autoridades competentes, referidas nesta disposição, beneficiam de um amplo poder de apreciação, tendo em conta, nomeadamente, a sua competência técnica em matéria de supervisão bancária e as informações confidenciais às quais podem ter acesso a esse título. Com efeito, a referida disposição prevê que, mesmo que as posições em risco em questão preencham as condições que enumera, as autoridades competentes podem conceder ou recusar a exclusão da medida da exposição requerida por uma instituição.

    36

    Ora, a este respeito, o Tribunal Geral não demonstrou que as conclusões do BCE eram claramente improcedentes à luz dos elementos de facto apurados por este. Na realidade, baseou‑se em fundamentos distintos dos que o BCE apresentou em apoio da decisão controvertida. Além de os fundamentos acolhidos pelo Tribunal Geral serem inexatos, a fiscalização que este exerceu no caso em apreço traduz uma transferência a seu favor da realização de avaliações económicas complexas.

    37

    Assim, embora o BCE tenha considerado, na decisão controvertida, que o risco de vendas catastróficas existia, apesar de ser pouco provável, e que, se se materializasse no caso do Crédit lyonnais, poderia causar perdas significativas tendo em conta o nível das posições em risco desta instituição de crédito sobre a CDC, o Tribunal Geral concluiu, com base na sua própria apreciação de certas características das cadernetas de poupança regulamentada, que esse risco não estava demonstrado no caso do Crédit lyonnais. Por conseguinte, o Tribunal Geral substituiu a apreciação realizada pelo BCE pela sua própria apreciação.

    38

    Essa substituição foi efetuada relativamente a vários fundamentos da decisão controvertida.

    39

    Em primeiro lugar, o BCE critica o Tribunal Geral por ter considerado, nos n.os 107 a 110 do acórdão recorrido, que, uma vez que a poupança regulamentada tem a qualidade de «valor seguro», os depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada não eram suscetíveis ou eram pouco suscetíveis de ser objeto de levantamentos maciços pelos depositantes num curto período de tempo. Ora, o próprio BCE não ignorou esta característica de «valor seguro» em caso de crise bancária, mas concluiu que a mesma não permitia, na falta de um dispositivo legal que restringisse a faculdade de os depositantes efetuarem levantamentos, eliminar completamente o risco de levantamentos maciços.

    40

    O BCE considera que, embora o raciocínio que apoiava a decisão controvertida fosse coerente, os elementos de prova em que o Tribunal Geral se baseou no acórdão recorrido não são pertinentes devido à sua antiguidade ou ao seu caráter geral, que esses elementos foram incorretamente interpretados pelo Tribunal Geral e que não são suscetíveis de fundamentar as conclusões que esse Tribunal deles extrai nesse acórdão.

    41

    Em segundo lugar, o BCE alega que, no n.o 113 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, erradamente, que os depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada transferidos para a CDC pelo Crédit lyonnais não eram suscetíveis de gerar um risco de alavancagem excessivo, embora o BCE tivesse considerado, na decisão controvertida, que esse risco, apesar de ser reduzido, não podia ser ignorado.

    42

    A este respeito, o BCE refere que a obrigação de transferência para a CDC de uma parte dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada é uma das condições que as posições em risco devem preencher, em conformidade com o artigo 429.o, n.o 14, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013, para poderem ser excluídas da medida da exposição para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem. Ao considerar que esta condição era suficiente para eliminar qualquer risco de alavancagem excessiva, o Tribunal Geral substituiu a apreciação do BCE pela sua própria apreciação e ignorou a definição desse risco, que figura no artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, desse regulamento, o qual não se refere à liberdade de utilização dos depósitos. O BCE considera que, para determinar se existe um risco de alavancagem excessiva, na aceção desta disposição, há que determinar se a instituição está em condições de cumprir uma obrigação na data em que esta deve ser cumprida e, se não for esse o caso, se deve proceder a vendas catastróficas para poder cumprir essa obrigação. No presente processo, não se podia ter excluído um risco de alavancagem excessiva na falta, por um lado, de certeza de simultaneidade entre os levantamentos dos montantes depositados nas cadernetas de poupança regulamentada efetuados pelos depositantes e o reembolso desses montantes pela CDC e, por outro, de um dispositivo legal que limitasse a faculdade de levantar os referidos montantes.

    43

    Em terceiro lugar, o BCE refere que o Tribunal Geral considerou, no n.o 122 do acórdão recorrido, que, devido à proteção das cadernetas de poupança regulamentada por uma dupla garantia da República Francesa, os depositantes têm a perceção de que o nível de segurança dessas cadernetas é superior ao dos depósitos que apenas beneficiam da proteção do mecanismo de garantia resultante da transposição da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149). O Tribunal Geral considerou que essa dupla garantia contribui para impedir que essa poupança seja objeto de levantamentos maciços num curto período de tempo. Ora, o BCE tinha considerado, na decisão controvertida, que a referida dupla garantia não podia impedir todos os riscos de levantamentos maciços durante esse período de tempo e que, por conseguinte, esse risco devia ser tomado em consideração para efeitos da avaliação de um risco de alavancagem excessiva.

    44

    Em quarto lugar, o BCE alega que o Tribunal Geral, no n.o 116 do acórdão recorrido, substituiu a apreciação do BCE pela sua, ao considerar que o caráter líquido dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada contribuía para que essas cadernetas tivessem a qualidade de «valor seguro» em período de crise. Ora, o BCE considerou que devia ser tido em conta o facto de o caráter líquido da poupança regulamentada impedir a exclusão de qualquer risco de levantamentos maciços num curto período de tempo.

    45

    Por outro lado, o Tribunal Geral baseou‑se num excerto do relatório anual do observatório da poupança regulamentada (França), cujo conteúdo não permite fundamentar as conclusões que o Tribunal Geral dele retira.

    46

    O Crédit lyonnais considera que os argumentos do BCE são improcedentes.

    47

    Alega que o Tribunal Geral aplicou corretamente o nível da fiscalização jurisdicional estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça nos domínios em que o autor da decisão cuja anulação é pedida dispõe de poder de apreciação. Esta fiscalização implica, segundo essa jurisprudência, incluindo no domínio da política monetária, a verificação do cumprimento de determinados requisitos processuais, entre os quais a obrigação de apreciar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos da situação em causa.

    48

    O Tribunal Geral, no acórdão recorrido, considerou que o BCE, no âmbito da sua análise das características das cadernetas de poupança regulamentada destinada a apreciar o risco prudencial associado às posições em risco do Crédit lyonnais sobre a CDC, se tinha baseado claramente em elementos que não eram pertinentes a este respeito e não tinha tido em conta, ou tinha afastado voluntariamente, elementos pertinentes, nomeadamente, a qualidade de «valor seguro» dessas cadernetas em período de crise, a falta de liberdade na utilização, pela instituição que os angariou, dos depósitos efetuados nas referidas cadernetas e a dupla garantia da República Francesa.

    49

    O Crédit lyonnais contesta os argumentos que o BCE invoca contra o raciocínio do Tribunal Geral.

    50

    Em primeiro lugar, o Crédit lyonnais alega que o Tribunal Geral identificou uma lacuna no raciocínio do BCE, na medida em que este se baseou exclusivamente na liquidez dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, sem ter em conta o caráter de «valor seguro» dessas cadernetas em período de crise. Esse caráter, que o BCE não contesta, significa que as referidas cadernetas pouco poderiam expor a instituição que angariou essa poupança a um risco de levantamentos maciços em caso de crise.

    51

    O Crédit lyonnais alega, além disso, que o BCE não contestou no Tribunal Geral os elementos de prova que apresentou no seu recurso em primeira instância e que foram considerados na fundamentação do acórdão recorrido.

    52

    Em segundo lugar, no que respeita à apreciação do risco de alavancagem, o Tribunal Geral teve em conta, corretamente, a intenção do legislador, conforme exposta nos n.os 48 a 51 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), e as análises da Autoridade Bancária Europeia (a seguir «ABE»). Além disso, limitou‑se a constatar que os depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada não são deixados à livre disposição das instituições que os angariam.

    53

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou simplesmente, nos n.os 114 e 122 do acórdão recorrido, no que respeita à dupla garantia da República Francesa a favor dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, que o sistema de garantia de depósitos instituído pela Diretiva 2014/49 não tem as mesmas características que esse dispositivo de dupla garantia, nomeadamente em termos de perceção da segurança dos depósitos pelos aforradores. O Tribunal Geral considerou, assim, que o raciocínio do BCE, uma vez que se baseia exclusivamente no sistema instituído por essa diretiva e que não tem em conta a dupla garantia da República Francesa, não era pertinente para apreciar o risco de alavancagem ao qual os montantes que figuram nas cadernetas de poupança regulamentada expunham o Crédit lyonnais.

    54

    Em quarto lugar, o Tribunal Geral, no n.o 115 do acórdão recorrido, teve em conta todos os elementos de prova que lhe foram apresentados no âmbito da apreciação do litígio que lhe foi submetido, sem cometer nenhum erro de direito na sua interpretação. Por sua vez, o BCE não apresentou elementos de prova em apoio do seu argumento de que o caráter líquido dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada cria, por si só, um risco de vendas catastróficas. Assim, o Tribunal Geral teve em conta, no n.o 116 do acórdão recorrido, o facto de esse caráter poder efetivamente favorecer levantamentos pelos aforradores, mas constatou uma lacuna nos fundamentos da decisão controvertida, uma vez que esta se baseia, a este respeito, exclusivamente no referido caráter e ignora os elementos de prova apresentados em sentido contrário.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    55

    Como recordou o Tribunal Geral, em substância, no n.o 98 do acórdão recorrido, na medida em que o BCE dispõe de um amplo poder de apreciação para conceder ou não o benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, a fiscalização jurisdicional que o juiz da União deve exercer sobre o mérito dos fundamentos de uma decisão como a decisão controvertida não o deve levar a substituir a apreciação do BCE pela sua própria apreciação, mas visa verificar que essa decisão não assenta em factos materialmente inexatos e que não está ferida de nenhum erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de janeiro de 1979, Racke, 98/78, EU:C:1979:14, n.o 5; de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 76; de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 46, e de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o., C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 24).

    56

    A este respeito, é jurisprudência constante que o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa, e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas (Acórdãos de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 104, e de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 117).

    57

    Com efeito, quando uma instituição dispõe de um amplo poder de apreciação, reveste uma importância fundamental o respeito das garantias processuais, das quais faz parte a obrigação de esta examinar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos pertinentes da situação em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o., C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 30).

    58

    No caso em apreço, para se pronunciar sobre o mérito da apreciação do BCE relativa à existência de um risco de vendas catastróficas, o Tribunal Geral apreciou, antes de mais, nos n.os 107 a 114 do acórdão recorrido, certos elementos relativos às caraterísticas das cadernetas de poupança regulamentada, apresentados pelo Crédit lyonnais na sua petição em primeira instância, nomeadamente, a sua qualidade de «valor seguro» em caso de crise bancária, a inexistência de liberdade na utilização, pela instituição que os angariou, dos depósitos efetuados nessas cadernetas, bem como a dupla garantia da República Francesa de que beneficiam esses depósitos.

    59

    Para efeitos desta apreciação, o Tribunal Geral procedeu, em particular, a uma comparação entre as caraterísticas dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada e as caraterísticas dos depósitos ordinários. Assim, considerou, nos n.os 111 e 113 desse acórdão, que os segundos podiam ser investidos em ativos suscetíveis de contribuir para a constituição de uma alavancagem excessiva, ao passo que os primeiros eram pouco suscetíveis de contribuir para a constituição dessa alavancagem.

    60

    Em seguida, o Tribunal Geral declarou, no n.o 115 do referido acórdão e à luz da apreciação que efetuou dos elementos referidos nos n.os 107 a 114 do mesmo acórdão, que a justificação relativa ao caráter particularmente líquido dos depósitos efetuados nessas mesmas cadernetas não permitia, por si só, demonstrar o mérito da conclusão do BCE segundo a qual as posições em risco sobre a CDC a título desses depósitos apresentavam um risco de vendas catastróficas.

    61

    O Tribunal Geral acrescentou, no n.o 116 do mesmo acórdão, que resultava dos elementos de prova apresentados pelo Crédit lyonnais que a apreciação do BCE sobre o impacto do caráter particularmente líquido dos referidos depósitos no risco de vendas catastróficas não tinha em consideração o facto de esse caráter também participar da qualidade de «valor seguro» das cadernetas de poupança regulamentada, em caso de crise bancária, à semelhança do seu nível de segurança elevado.

    62

    Por último, o Tribunal Geral considerou, no n.o 120 do acórdão recorrido, que o exemplo em que se baseava a conclusão do BCE, segundo a qual as posições em risco sobre a CDC a título dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada apresentavam um risco de vendas catastróficas, não dizia respeito a depósitos com características suficientemente próximas das características dessas cadernetas para que pudessem ser devidamente tomados em consideração.

    63

    A este respeito, o Tribunal Geral considerou, no n.o 122 desse acórdão, referindo‑se às apreciações feitas nos n.os 107 a 110 e 114 do referido acórdão, que a eventualidade de esses depósitos serem objeto de levantamentos maciços e súbitos em caso de crise era distinta da que afetava os depósitos tomados em consideração a título de exemplo pelo BCE na decisão controvertida.

    64

    O Tribunal Geral concluiu, nos n.os 125 e 126 do acórdão recorrido, que o motivo da decisão controvertida relativo ao nível de risco de vendas catastróficas estava ferido de «ilegalidade» e, por conseguinte, que os dois outros elementos da metodologia também referida no n.o 17 do presente acórdão, ou seja, a qualidade de crédito da administração central francesa e o nível de concentração das posições em risco do Crédit lyonnais sobre a CDC, não podiam ter levado o BCE a recusar, na decisão controvertida, conceder ao Crédit lyonnais o benefício da exclusão prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 para a totalidade das posições em risco desta instituição de crédito sobre a CDC. Por conseguinte, no n.o 127 do acórdão recorrido, anulou essa decisão na medida em que esta recusou excluir do cálculo do rácio de alavancagem do Crédit lyonnais 34 % dessas posições em risco.

    65

    Resulta dos números do acórdão recorrido referidos nos n.os 58 a 64 do presente acórdão que, a fim de fundamentar a anulação parcial da decisão controvertida, o Tribunal Geral, por um lado, procedeu à sua própria apreciação das caraterísticas da poupança regulamentada ao considerar, em particular, que a qualidade de «valor seguro» da poupança regulamentada compensava a liquidez dessa poupança e, por outro, considerou que o BCE baseou a sua justificação relativa à experiência das crises bancárias recentes num exemplo de levantamento de depósitos que apresentava caraterísticas que não eram suficientemente próximas da poupança regulamentada, na medida em que esta se distingue dos depósitos visados por esse exemplo pela falta de liberdade na utilização, pela instituição que os angaria, dos depósitos efetuados nas cadernetas da referida poupança, assim como pela sua qualidade de «valor seguro» em caso de crise bancária associada à dupla garantia da República Francesa de que beneficiam esses depósitos.

    66

    O Tribunal Geral considerou, assim, que o nível de risco de vendas catastróficas que resultava da sua própria apreciação das características da poupança regulamentada e do seu efeito cumulado não era suficientemente elevado para justificar a recusa de excluir a totalidade das posições em risco do Crédit lyonnais sobre a CDC da medida das suas posições em risco para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem.

    67

    Ora, há que assinalar, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral não pôs em causa as constatações efetuadas pelo BCE quanto às características da poupança regulamentada, constatações que o tinham levado a concluir que essas características não permitiam afastar completamente todos os riscos de levantamentos maciços suscetíveis de obrigar o Crédit lyonnais a proceder a vendas catastróficas durante o prazo de ajustamento de dez dias entre as suas próprias posições e da CDC.

    68

    Assim, resulta do n.o 116 do acórdão recorrido que, na apreciação das características da poupança regulamentada, o Tribunal Geral considerou que a grande liquidez dessa poupança e a dupla garantia da República Francesa de que beneficiam os montantes depositados nas cadernetas da referida poupança contribuíam para lhe conferir a qualidade de «valor seguro» em caso de crise bancária. Ora, como alegou no Tribunal de Justiça, o BCE, na decisão controvertida, teve em conta, a fim de apreciar o risco de vendas catastróficas, as caraterísticas que conferem a essa mesma poupança, segundo o Tribunal Geral, a qualidade de «valor seguro».

    69

    A este respeito, importa sublinhar que o Tribunal Geral não pôs em causa as constatações do BCE, que figuram na decisão controvertida, relativas à grande liquidez da poupança regulamentada na falta de um dispositivo legal que limite os levantamentos desta poupança, bem como à obrigação de o Crédit lyonnais reembolsar os depositantes no prazo de ajustamento de dez dias entre as posições deste último e da CDC.

    70

    Por conseguinte, não se pode considerar que o raciocínio com base no qual o Tribunal Geral procedeu à anulação parcial da decisão controvertida põe em causa a exatidão material, a fiabilidade ou a coerência dos elementos tidos em conta nesta decisão ou que demonstra que estes elementos não constituem a totalidade dos dados pertinentes que deviam ser tomados em consideração pelo BCE no caso presente.

    71

    Em segundo lugar, na medida em que o Tribunal Geral conclui, no entanto, que os dados tidos em conta pelo BCE não eram suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem na decisão controvertida, há que constatar que essa conclusão do Tribunal Geral decorre de uma apreciação sua sobre o nível de risco de vendas catastróficas, apreciação que, embora se baseie nos mesmos elementos que foram tidos em conta pelo BCE, se afasta da apreciação realizada por esta instituição sem demonstrar o caráter manifestamente errado desta última.

    72

    Ao raciocinar desse modo, o Tribunal Geral não efetuou a fiscalização do erro manifesto de apreciação que lhe incumbia, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 55 a 57 do presente acórdão, tendo sim substituído a apreciação do BCE pela sua num caso em que, no entanto, esta instituição beneficia de uma ampla margem de apreciação.

    73

    Além disso, no que respeita à apreciação realizada pelo Tribunal Geral, nos n.os 117 a 122 do acórdão recorrido, da justificação do BCE relativa à experiência das crises bancárias recentes, o Tribunal não demonstrou, nesse acórdão, em que medida as considerações, mencionadas no n.o 121 do mesmo, segundo as quais os depósitos de poupança regulamentada não podem ser investidos, ao contrário dos depósitos à ordem referidos no n.o 118 do referido acórdão, em ativos arriscados ou não líquidos é suscetível de demonstrar o caráter manifestamente errado da apreciação realizada pelo BCE do cenário de risco de levantamentos maciços que devia ser tido em conta para analisar o risco de vendas catastróficas a que o Crédit lyonnais estava exposto. Isto vale também para as considerações efetuadas no n.o 122 do mesmo acórdão e baseadas na diferença entre a dupla garantia da República Francesa de que beneficiam as cadernetas de poupança regulamentada e o mecanismo de garantia resultante da Diretiva 2014/49.

    74

    Daqui resulta que o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida na parte em que este respeita ao Crédit lyonnais substituindo‑a pela sua própria apreciação do risco de vendas catastróficas a que o Crédit lyonnais estava exposto, sem demonstrar em que medida a apreciação do BCE contida nesta decisão a este respeito estava viciada por um erro manifesto de apreciação. Ao fazê‑lo, excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional recordados no n.o 55 do presente acórdão. Errou igualmente ao considerar que o BCE não cumpriu a sua obrigação, decorrente da jurisprudência recordada no n.o 57 do presente acórdão, de apreciar cuidadosa e imparcialmente todos os elementos pertinentes da situação em causa.

    75

    Resulta do exposto que, sem que seja necessário conhecer dos outros fundamentos do recurso, há que julgar procedente o seu primeiro fundamento e, por conseguinte, anular o acórdão recorrido na parte em que julga procedente a primeira parte do terceiro fundamento e, parcialmente, a terceira parte do primeiro fundamento do recurso em primeira instância e em que anula parcialmente a decisão controvertida.

    Quanto ao recurso em primeira instância

    76

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

    77

    É o que sucede no presente processo, uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para decidir o recurso em primeira instância do Crédit lyonnais.

    78

    Este recurso baseia‑se em três fundamentos, referidos no n.o 20 do presente acórdão.

    79

    Como resulta do n.o 21 do presente acórdão, o primeiro fundamento, com exceção do argumento que figura na sua terceira parte, relativa a uma violação do artigo 266.o TFUE decorrente de uma incorreta execução, pelo BCE, do n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), e o segundo fundamento foram julgados improcedentes pelo Tribunal Geral, sem que o Crédit lyonnais conteste, em sede de recurso subordinado, o mérito das apreciações efetuadas pelo Tribunal Geral relativamente a esses fundamentos. Nestas condições, o acórdão recorrido, no que se refere a essas apreciações, faz caso julgado, não obstante a anulação parcial desse acórdão decorrente da procedência do primeiro fundamento do recurso do BCE (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.os 109 a 111).

    80

    Daqui resulta que o Tribunal de Justiça apenas deve conhecer do terceiro fundamento do recurso em primeira instância e do argumento da terceira parte do primeiro fundamento referido no número anterior.

    Quanto à terceira parte do primeiro fundamento e à primeira parte do terceiro fundamento

    Argumentos das partes

    81

    Com a terceira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do terceiro fundamento, que importa examinar em conjunto, o Crédit lyonnais alega que, na apreciação do risco de vendas catastróficas, o BCE não efetuou uma análise aprofundada das caraterísticas das cadernetas de poupança regulamentada, embora o devesse ter feito em conformidade com a jurisprudência igualmente recordada no n.o 57 do presente acórdão.

    82

    O Crédit lyonnais alega, em primeiro lugar, que vários estudos e relatórios económicos demonstram que essas cadernetas constituem um «valor seguro» em caso de crise bancária, devido à garantia da República Francesa de que beneficiam os depósitos nas referidas cadernetas, o que faz deles um produto de poupança particularmente seguro, de tal modo que a hipótese de um levantamento maciço desses depósitos em período de crise não é crível.

    83

    O Crédit lyonnais contesta, a este respeito, a referência efetuada pelo BCE a um cenário de levantamentos de 10 % a 30 % dos depósitos garantidos em menos de cinco dias, o qual constitui uma hipótese não verificável e desprovida de pertinência.

    84

    Além disso, o BCE não demonstra em que medida o prazo de dez dias entre os levantamentos dos depositantes titulares de cadernetas de poupança regulamentada e o reembolso da CDC ao Crédit lyonnais dos montantes correspondentes a esses levantamentos gera um risco de liquidez no âmbito da apreciação do rácio de alavancagem, quando não o apresenta no âmbito do rácio de liquidez, como o BCE tinha reconhecido.

    85

    O Crédit lyonnais considera, em segundo lugar, que as cadernetas de poupança regulamentada estão abrangidas por um mecanismo estruturalmente equilibrado no plano patrimonial, uma vez que os depósitos efetuados nestas cadernetas, centralizados na CDC, correspondem aos créditos de igual montante detidos pelo Crédit lyonnais sobre a CDC. Os montantes angariados sobre as referidas cadernetas não podem ser investidos em ativos arriscados e estão perfeitamente abrangidos pela obrigação de reembolso dos montantes desses depósitos levantados pelos aforradores que recai sobre a CDC, pelo que uma instituição que, como o Crédit lyonnais, angaria os referidos depósitos não teria de vender ativos com urgência para obter a liquidez necessária para reembolsar os levantamentos.

    86

    O Crédit lyonnais alega, em terceiro lugar, que o volume dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada não depende da estratégia da instituição que os angaria, mas sim de fatores fora do seu controlo. Esta instituição atua como simples veículo de trânsito entre o depositante e a CDC.

    87

    Estas caraterísticas das cadernetas de poupança regulamentada demonstram que esta não expõe as instituições angariadoras a um risco de alavancagem excessiva, o que é confirmado por um relatório da ABE, de 3 de agosto de 2016, relativo às posições em risco que beneficiam dos mecanismos de garantia legal específicos, bem como pelo artigo 429.o‑A, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 575/2013 alterado.

    88

    O BCE considera que esta argumentação deve ser rejeitada.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    89

    Conforme referido nos n.os 55 a 57 do presente acórdão, quando determina se há, ou não, lugar à concessão do benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, o BCE dispõe de um amplo poder de apreciação, pelo que a fiscalização jurisdicional que o juiz da União deve exercer sobre o mérito dos fundamentos de uma decisão como a decisão controvertida não o deve levar a substituir a apreciação do BCE pela sua, antes visa verificar se essa decisão não assenta em factos materialmente inexatos e não está viciada por nenhum erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder.

    90

    No caso em apreço, o BCE considerou que as posições em risco sobre a CDC resultantes dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada representavam um risco prudencial reduzido para as instituições sujeitas à sua supervisão, mas que continuava a existir, no que respeita ao Crédit lyonnais, um risco prudencial que devia ser tido em consideração através da limitação a 66 % da exclusão dessas posições em risco da medida das exposições para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem dessa instituição.

    91

    No âmbito da análise que esteve na base dessa conclusão, o BCE apreciou, tendo em conta as características das cadernetas de poupança regulamentada, incluindo, como resulta expressamente da avaliação das observações n.o 2 e n.o 4 apresentadas pelo Crédit agricole, que figuram em anexo à decisão controvertida, as relativas à existência de uma dupla garantia da República Francesa, se as instituições sujeitas à supervisão do BCE podiam, durante um episódio de crise bancária, ser expostas a levantamentos maciços num curto período de tempo que pudessem exigir a adoção de medidas corretivas não previstas no plano de atividades, incluindo uma venda urgente de ativos, a fim de disporem dos fundos necessários para reembolsarem os pedidos de levantamento, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, do Regulamento n.o 575/2013.

    92

    Daqui resulta que o BCE procedeu a uma análise prudencial de caráter previsional, determinando os efeitos que acontecimentos cuja ocorrência não é certa poderiam ter sobre a capacidade de uma instituição para fazer face a esses acontecimentos.

    93

    Para realizar esta análise, embora o BCE se deva basear, no âmbito da ampla margem de apreciação de que dispõe, em cenários que são plausíveis à luz dos dados disponíveis, não se pode considerar, no entanto, tendo em conta o caráter previsional da referida análise, que é obrigado a provar a existência de acontecimentos passados que apresentam as mesmas caraterísticas que o cenário analisado.

    94

    Ora, no que respeita à referência a um cenário de levantamentos de 10 % a 30 % dos depósitos garantidos em menos de cinco dias, considerado pelo BCE na decisão controvertida, não se afigura que esse cenário, que se baseia num exemplo efetivamente ocorrido numa situação com elementos comparáveis aos das posições em risco sobre a CDC resultante dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, é manifestamente desprovido de plausibilidade.

    95

    A este respeito, é certo que os argumentos e os elementos apresentados pelo Crédit lyonnais quanto à qualidade de «valor seguro» destas cadernetas, relacionada, nomeadamente, com o facto de estas beneficiarem de uma garantia da República Francesa, permitem constatar que, em determinados episódios anteriores de crise bancária, o nível global dos depósitos em algumas cadernetas de poupança regulamentada teve tendência a aumentar.

    96

    No entanto, esta constatação geral não priva de toda a plausibilidade o cenário, considerado pelo BCE no âmbito da sua análise de previsão do risco de vendas catastróficas, de uma probabilidade, mesmo que limitada, de levantamentos maciços da poupança regulamentada depositada no Crédit lyonnais, em caso de crise bancária.

    97

    Com efeito, embora os argumentos e os elementos apresentados pelo Crédit lyonnais que permitem efetuar essa constatação possam explicar, como admitiu o BCE, que, em caso de tensão ou de crise nos mercados financeiros, os aforradores estarão inclinados, regra geral, a optar por essas formas de investimento seguro e líquido em detrimento de outras formas de investimentos mais arriscados ou menos líquidos, esses argumentos e elementos não são, no entanto, suscetíveis de demonstrar que todo o risco de os depositantes procederem a levantamentos instantâneos e maciços desta poupança para, por exemplo, a reinvestirem em instituições mais saudáveis, estaria manifestamente afastado. Por conseguinte, os referidos argumentos devem ser rejeitados.

    98

    Quanto à existência de uma dupla garantia da República Francesa relacionada com a poupança regulamentada, o Crédit lyonnais não demonstra de que modo o BCE, na decisão controvertida, cometeu um erro manifesto de apreciação ao não considerar que a referida característica, tendo em conta a experiência das crises bancárias recentes, era suscetível de proteger essa instituição de crédito contra qualquer risco de levantamentos maciços e, assim, contra qualquer risco de vendas catastróficas.

    99

    Além disso, no que respeita ao argumento do Crédit lyonnais relativo ao facto de a poupança regulamentada se traduzir em operações estruturalmente equilibradas no balanço da instituição angariadora dos depósitos efetuados a esse título, importa observar que o BCE considerou que, num sistema de transferência como o visado pela condição prevista no artigo 429.o, n.o 14, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013, que é preenchida pelas posições em risco sobre a CDC resultantes desses depósitos, os levantamentos maciços não implicam, em si mesmos, uma insuficiência de ativos para a instituição obrigada a responder aos pedidos de levantamento se, na falta de um mecanismo que limite a faculdade de levantamento, essa instituição pudesse exigir e receber imediatamente das entidades do setor público para as quais os referidos depósitos foram transferidos os montantes correspondentes aos montantes levantados. Ora, o BCE concluiu, na decisão controvertida, que isso não sucedia no caso em apreço.

    100

    Com efeito, teve em consideração o facto de os montantes depositados nas cadernetas de poupança regulamentada terem sido transferidos para a CDC a fim de financiar investimentos de interesse público e que existia uma obrigação que recaía sobre a CDC, e que era garantida pela República Francesa, de reembolsar às instituições que angariam esses depósitos os montantes levantados pelos depositantes. No entanto, considerou que o prazo de ajustamento de dez dias entre o levantamento dos montantes depositados e o reembolso pela CDC dos montantes levantados fazia persistir um risco de vendas catastróficas.

    101

    Ora, não se afigura que a opção desta instituição, baseada num cenário de levantamentos que manifestamente não é desprovido de plausibilidade, que consiste em tomar em consideração as consequências que esse prazo de ajustamento de dez dias pode ter na necessidade de a instituição em causa recorrer a medidas corretivas não previstas no plano de atividades, incluindo uma venda urgente de ativos, tenha excedido os limites da ampla margem de apreciação de que o BCE dispunha para avaliar o nível de risco prudencial considerado pertinente para efeitos da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

    102

    Esta consideração não é posta em causa pelo argumento do Crédit lyonnais de que o BCE não demonstra de que modo esse prazo de ajustamento de dez dias é suscetível de dar origem a um risco de liquidez no âmbito da apreciação efetuada para determinar o rácio de alavancagem, quando o mesmo não se verifica no âmbito da apreciação efetuada para determinar a exigência de cobertura das necessidades de liquidez.

    103

    Com efeito, há que salientar que, na decisão controvertida, o BCE justificou a consideração desse prazo de dez dias sublinhando que, no âmbito do cálculo do rácio de alavancagem, não é determinado nenhum horizonte temporal específico adequado, contrariamente ao que sucede para efeitos do cálculo do rácio de liquidez.

    104

    A este respeito, importa salientar que, como o BCE sublinhou no Tribunal Geral, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez, que é regida, nomeadamente, pelo artigo 412.o do Regulamento n.o 575/2013, tem por objetivo que o valor total dos ativos líquidos «cubra as saídas de liquidez deduzidas das entradas de liquidez em condições de esforço», a fim de garantir que as instituições mantenham «reservas prudenciais de liquidez adequadas para fazer face a eventuais desequilíbrios entre as entradas e as saídas de liquidez em condições de esforço agravadas durante um período de trinta dias». O rácio de alavancagem, por sua vez, é regido, nomeadamente, pelo artigo 429.o desse regulamento e visa proteger a instituição do risco de alavancagem excessiva, ou seja, do risco «devido à alavancagem ou alavancagem contingente que possa requerer medidas corretivas não previstas ao seu plano de atividades, nomeadamente a venda urgente de ativos que possa resultar em perdas ou em ajustamentos da avaliação dos seus ativos remanescentes». Assim, ao passo que a exigência de liquidez visa garantir uma cobertura suficiente das saídas de tesouraria num cenário de condições de esforço agravadas num horizonte de 30 dias, o rácio de alavancagem pretende, por sua vez, evitar que uma instituição que se encontra numa situação de falta de liquidez seja obrigada a adotar medidas corretivas como a venda «urgente» de ativos, em condições de depreciação.

    105

    Ora, o BCE referiu que um levantamento de 30 % dos depósitos de poupança regulamentada em menos de cinco dias representaria, para o Crédit lyonnais, um montante de 5,4 mil milhões de euros. Considerou que não se podia excluir a eventualidade de tal montante e rapidez de levantamentos no que respeitava a essa instituição de crédito e que, nessa eventualidade, essa instituição poderia ter de adotar medidas não previstas no plano de atividades, incluindo uma venda urgente de ativos a fim de dispor dos fundos necessários para reembolsar os pedidos de levantamento.

    106

    Daqui resulta que, tendo em conta essas diferenças de horizonte temporal decorrentes do Regulamento n.o 575/2013, não se afigura que a apreciação do BCE relativa à consideração do prazo de dez dias entre os levantamentos dos depositantes e o reembolso da CDC no âmbito da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, desse regulamento esteja viciada por um erro manifesto.

    107

    Além disso, no que respeita ao argumento do Crédit lyonnais relativo ao facto de o volume da poupança regulamentada não depender da estratégia da instituição angariadora desta poupança, mas sim de fatores fora do seu controlo, há que constatar que o Crédit lyonnais se limitou a apresentar elementos suscetíveis de demonstrar que fatores externos à sua ação tinham igualmente influência sobre este volume. Não alegou nem demonstrou que não tinha nenhuma forma de influência sobre o volume dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada.

    108

    Nestas condições, este argumento do Crédit lyonnais deve ser rejeitado.

    109

    De igual modo, há que rejeitar os argumentos do Crédit lyonnais relativos ao artigo 429.o‑A, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 575/2013 alterado e ao relatório da ABE referido no n.o 87 do presente acórdão.

    110

    Com efeito, por um lado, esta disposição entrou em vigor posteriormente à adoção da decisão controvertida e, por conseguinte, não é aplicável ratione temporis no âmbito do presente processo. Além disso, como resulta da sua redação, a referida disposição não tem por objeto excluir de pleno direito determinadas posições em risco, tais como as relacionadas com a poupança regulamentada, da medida da exposição total para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem, mas sim eliminar a obrigação de as instituições em causa obterem autorização das autoridades competentes para efeitos dessa exclusão, transferindo para essas instituições a responsabilidade de apreciarem se essa exclusão é justificável para as posições em risco que preenchem as condições previstas no Regulamento n.o 575/2013.

    111

    Além disso, na medida em que esta alteração legislativa pode significar que o legislador considerou que as posições em risco relacionadas com a poupança regulamentada não criam um risco de alavancagem, esta conclusão não permite considerar que o BCE devia ter apreciado a situação do Crédit lyonnais à luz das indicações que o artigo 429.o‑A, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 575/2013 alterado fornece sobre a intenção do legislador quanto ao regime futuro dessas posições em risco.

    112

    Por outro lado, no que respeita ao relatório da ABE referido no n.o 87 do presente acórdão, importa referir que defendia a aplicação de uma exclusão análoga à resultante do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 para posições em risco distintas das resultantes dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada.

    113

    Em todo o caso, esse relatório, que não vincula o BCE quando este adota uma decisão com base nesse artigo, permite, quando muito, salientar que a ABE considerava que essas outras posições em risco também tinham um perfil de risco reduzido, o que corresponde, como foi salientado no n.o 90 do presente acórdão, à apreciação global adotada na decisão controvertida pelo BCE no que respeita às cadernetas de poupança regulamentada.

    114

    Resulta do exposto que, com os seus argumentos, o Crédit lyonnais não demonstra que a apreciação do BCE relativa ao risco de vendas catastróficas gerado pelas suas posições em risco sobre a CDC resultante dos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada, que contribuiu para justificar a exclusão de apenas 66 % dessas posições em risco da medida das posições em risco para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem, está viciada por um erro manifesto de apreciação.

    115

    Daqui resulta que a primeira parte do terceiro fundamento e a terceira parte do primeiro fundamento devem ser julgadas improcedentes.

    Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

    Argumentos das partes

    116

    O Crédit lyonnais considera que o BCE não apresenta elementos suscetíveis de demonstrar a probabilidade de um incumprimento da República Francesa que permitissem fundamentar uma recusa, mesmo que parcial, de autorizar a exclusão prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

    117

    O BCE considera que esta argumentação deve ser rejeitada.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    118

    No ponto 2.2.1 da decisão controvertida, o BCE teve em consideração a qualidade de crédito da administração central francesa para apreciar se existia um risco, em caso de incumprimento da CDC, de essa administração não estar em condições de reembolsar às entidades sujeitas à supervisão prudencial os montantes transferidos para a CDC e que correspondem aos depósitos efetuados nas cadernetas de poupança regulamentada que seriam levantados pelos aforradores.

    119

    Além disso, resulta desse ponto da decisão controvertida que o BCE considerou que esse risco não suscitava, por si só, «problemas prudenciais» que justificassem que o BCE não autorizasse a exclusão pedida ao abrigo do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

    120

    No entanto, tendo em conta a notação atribuída à República Francesa por organismos externos de avaliação de crédito, entre os quais figura a Standard Poor’s, que não era «a mais elevada possível», e a cotação dos contratos de permuta de risco de crédito a cinco anos, que implicava «uma probabilidade de incumprimento [desse país] que não [é] nula», o BCE considerou que a importância da exposição sobre a CDC das instituições sujeitas à sua supervisão prudencial era um elemento pertinente que devia ser tomado em consideração para avaliar o risco prudencial global representado pela situação destas instituições.

    121

    Daqui decorre que o BCE procedeu à avaliação do risco de incumprimento da República Francesa com base em elementos que permitiam razoavelmente considerar que o risco ligado à qualidade de crédito da administração central francesa não era nulo, sem que o Crédit lyonnais tenha conseguido demonstrar que esta apreciação estava viciada por um erro manifesto de apreciação.

    122

    A este respeito, há que salientar que, no caso em apreço, cabia ao BCE, no âmbito da aplicação da ampla margem de apreciação de que dispunha, determinar se o reduzido risco de incumprimento por parte da República Francesa, que constatou, com base numa apreciação desprovida de erro manifesto, devia ser tido em conta para efeitos da avaliação que lhe incumbia efetuar.

    123

    Daqui resulta que, tendo em conta esta ampla margem de apreciação, não se pode considerar que o nível de risco considerado e a sua incidência na situação das instituições sujeitas à sua supervisão estão viciadas por um erro manifesto de apreciação.

    124

    Assim, a segunda parte do terceiro fundamento e, com ela, esse fundamento na íntegra devem ser julgados improcedentes.

    125

    Tendo em conta todas estas considerações, há que negar provimento ao recurso em primeira instância.

    Quanto às despesas

    126

    Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o presente recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

    127

    O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    128

    No caso em apreço, tendo o Crédit lyonnais sido vencido e tendo o BCE pedido, tanto no Tribunal de Justiça como no Tribunal Geral, a condenação do Crédit lyonnais nas despesas, há que condenar este último a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do BCE relativas ao processo em primeira instância e ao presente recurso.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    É anulado o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de abril de 2021, Crédit lyonnais/BCE (T‑504/19, EU:T:2021:185), na parte em que julga procedente a primeira parte do terceiro fundamento e, parcialmente, a terceira parte do primeiro fundamento invocados em primeira instância e que anula a Decisão ECB‑SSM‑2019‑FRCAG‑39 do Banco Central Europeu (BCE), de 3 de maio de 2019, na medida em que esta decisão recusou excluir do cálculo do rácio de alavancagem do Crédit lyonnais 34 % das suas posições em risco sobre a Caisse des dépôts et consignations.

     

    2)

    É negado provimento ao recurso em primeira instância interposto no processo T‑504/19 pelo Crédit lyonnais.

     

    3)

    O Crédit lyonnais é condenado nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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