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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62022CO0629

    Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 26 de abril de 2023.
    A.L. contra Migrationsverket.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Förvaltningsrätten i Göteborg, migrationsdomstolen.
    Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Política de imigração — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigo 6.o, n.o 2 — Decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada por um período de três anos — Nacional de país terceiro detentor de um título de residência válido emitido por um Estado‑Membro — Omissão da autoridade policial nacional de permitir que tal nacional se dirija para o território desse outro Estado‑Membro antes de adotar essa decisão de regresso a seu respeito.
    Processo C-629/22.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:365

     DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    26 de abril de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Política de imigração — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigo 6.o, n.o 2 — Decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada por um período de três anos — Nacional de país terceiro detentor de um título de residência válido emitido por um Estado‑Membro — Omissão da autoridade policial nacional de permitir que tal nacional se dirija para o território desse outro Estado‑Membro antes de adotar essa decisão de regresso a seu respeito»

    No processo C‑629/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Förvaltningsrätten i Göteborg, migrationsdomstolen (Tribunal Administrativo de Gotemburgo, decidindo em matéria de imigração, Suécia), por Decisão de 27 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de outubro de 2022, no processo

    A.L.

    contra

    Migrationsverket,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: M. Safjan (relator), presidente de secção, N. Piçarra e N. Jääskinen, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

    profere o presente

    Despacho

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A.L., nacional de país terceiro em situação irregular na Suécia, ao Migrationsverket (Serviço da Migração, Suécia), a respeito da decisão deste último de negar provimento ao recurso administrativo interposto por A.L. da decisão de regresso adotada a seu respeito pela autoridade policial sueca e da proibição de entrada na Suécia que acompanha essa decisão.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 1.o da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

    «A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

    4

    O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 2:

    «Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que:

    a)

    Sejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1)] ou sejam detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro;

    b)

    Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição.»

    5

    O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», estabelece:

    «1.   A presente diretiva não prejudica a aplicação de disposições mais favoráveis constantes de:

    a)

    Acordos bilaterais ou multilaterais entre a Comunidade ou a Comunidade e os seus Estados‑Membros e um ou mais países terceiros;

    b)

    Acordos bilaterais ou multilaterais entre um ou mais Estados‑Membros e um ou mais países terceiros.

    2.   A presente diretiva não prejudica a aplicação de quaisquer disposições mais favoráveis aplicáveis a nacionais de países terceiros, previstas no acervo comunitário em matéria de imigração e asilo.

    3.   A presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na presente diretiva.

    4.   No que diz respeito aos nacionais de países terceiros excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva por força da alínea a) do n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros devem:

    a)

    Assegurar que o seu tratamento e nível de proteção não sejam menos favoráveis do que os previstos nos n.os 4 e 5 do artigo 8.o (restrições à utilização de medidas coercivas), na alínea a) do n.o 2 do artigo 9.o (adiamento do afastamento), nas alíneas b) e d) do n.o 1 do artigo 14.o (cuidados de saúde urgentes e tomada em consideração das necessidades das pessoas vulneráveis) e nos artigos 16.o e 17.o (condições de detenção); e

    b)

    Respeitar o princípio da não repulsão.»

    6

    Nos termos do artigo 6.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Decisão de regresso»:

    «1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

    2.   Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1.

    3.   Os Estados‑Membros podem abster‑se de emitir a decisão de regresso em relação a nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular no seu território e sejam aceites por outros Estados‑Membros ao abrigo de acordos ou convenções bilaterais existentes à data da entrada em vigor da presente diretiva. Nesse caso, os Estados‑Membros que aceitarem os nacionais de países terceiros em causa devem aplicar o n.o 1.

    4.   Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência.

    5.   Sempre que estiver em curso o processo de renovação do título de residência ou de outra autorização que confira um direito de permanência a favor de nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, este deve ponderar a hipótese de não emitir decisões de regresso até à conclusão do referido processo, sem prejuízo do disposto no n.o 6.

    6.   A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso, ordens de afastamento, e/ou proibições de entrada, por decisão ou ato administrativo ou judicial previsto no respetivo direito interno, sem prejuízo das garantias processuais disponíveis ao abrigo do Capítulo III e de outras disposições aplicáveis do direito comunitário e do direito nacional.»

    7

    O artigo 11.o da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Proibição de entrada», tem a seguinte redação:

    «1.   As decisões de regresso são acompanhadas de proibições de entrada sempre que:

    a)

    Não tenha sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária; ou

    b)

    A obrigação de regresso não tenha sido cumprida.

    Nos outros casos, as decisões de regresso podem ser acompanhadas da proibição de entrada.

    2.   A duração da proibição de entrada é determinada tendo em devida consideração todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, não devendo em princípio exceder cinco anos. Essa duração pode, contudo, ser superior a cinco anos se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

    […]»

    Direito sueco

    8

    O § 6 a do capítulo 8 da Utlänningslag (2005: 716) [Lei (2005:716) relativa aos Estrangeiros] dispõe:

    «Sempre que surja uma questão relativa ao afastamento, nos termos dos §§ 2, 3 ou 6, de um estrangeiro titular de uma autorização de residência válida ou de qualquer outra forma de autorização que lhe permita residir noutro Estado‑Membro da União Europeia, a autoridade responsável pela decisão deve pedir ao cidadão estrangeiro que regresse voluntariamente ao outro Estado‑Membro da União dentro de um prazo razoável. A autoridade responsável pela decisão só pode tomar uma decisão de afastamento se o estrangeiro não tiver cumprido tal pedido.

    O primeiro parágrafo não é aplicável se:

    […]

    5.

    for provável que o estrangeiro não cumpra o pedido.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    Em 23 de março de 2022, A.L., nacional de um país terceiro, foi objeto de um controlo rodoviário na Suécia. Durante esse controlo, a autoridade policial sueca constatou que A.L. não dispunha de uma autorização de residência nem de trabalho na Suécia. Todavia, este apresentou um título de residência croata válido até 25 de junho de 2022 e alegou que trabalhava para uma agência croata que tinha cedido os seus serviços a uma empresa sueca.

    10

    No mesmo dia, esta autoridade policial adotou uma decisão ordenando a A.L. que abandonasse o território sueco. Esta decisão foi acompanhada de uma proibição de entrada na Suécia por um período de três anos. Resulta da decisão de reenvio que a referida autoridade policial não pediu a A.L. para se dirigir para a Croácia por sua própria iniciativa, com o fundamento de que, em seu entender, era provável que este não desse cumprimento a esse pedido.

    11

    A.L. partiu para Zagreb (Croácia) em 1 de abril de 2022.

    12

    A.L. interpôs recurso administrativo da decisão referida no n.o 10 do presente despacho para o Serviço da Migração. Tendo este último negado provimento ao recurso, A.L. interpôs recurso dessa decisão de indeferimento para o Förvaltningsrätten i Göteborg, migrationsdomstolen (Tribunal Administrativo de Gotemburgo, decidindo em matéria de imigração, Suécia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

    13

    Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o § 6 a do capítulo 8 da Lei (2005:716) relativa aos Estrangeiros, que transpõe o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 para a ordem jurídica sueca, é compatível com esta diretiva.

    14

    É certo que este § 6 a, primeiro parágrafo, dispõe, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva, que a autoridade nacional competente deve permitir a um nacional de um país terceiro que disponha de um direito de residência num Estado‑Membro que tome a iniciativa de se dirigir a este último, antes de decidir sobre o seu eventual regresso. Todavia, o referido § 6 a, segundo parágrafo, ponto 5, prevê uma exceção que não está prevista no artigo 6.o, n.o 2, da referida diretiva, uma vez que, quando for provável que esse nacional de um país terceiro não se dirija para esse Estado‑Membro, pode ser adotada uma decisão de regresso a seu respeito sem que essa autoridade lhe tenha permitido previamente dirigir‑se para o referido Estado‑Membro.

    15

    Nestas condições, o Förvaltningsrätten i Göteborg, migrationsdomstolen (Tribunal Administrativo de Gotemburgo, decidindo em matéria de imigração) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Qual é o sentido do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115? Deve ser interpretado no sentido de que se deve pedir a um nacional de um país terceiro que se [dirija] imediatamente do Estado‑Membro onde se encontra em situação irregular para o Estado‑Membro onde dispõe de uma autorização de residência válida, a menos que a partida imediata do nacional de um país terceiro seja exigida por razões de ordem pública ou de segurança nacional?

    2)

    A Diretiva 2008/115 ou outra regulamentação da União fornece orientações sobre as consequências decorrentes do facto de uma autoridade nacional não emitir o pedido necessário ao abrigo do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115? A circunstância de não ser apresentado o pedido necessário implica a invalidade da decisão de afastamento e da decisão de proibição de regresso?

    3)

    Se o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 implicar tal pedido e tal consequência, é suficientemente claro e preciso para ter efeito direto?

    4)

    Uma legislação nacional como a norma sueca do § 6 a do capítulo 8 da Lei [(2005:716)], que cria exceções adicionais à eventual obrigação de emitir um [pedido], é compatível com o direito da União?»

    Quanto às questões prejudiciais

    16

    Nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

    17

    Há que aplicar esta disposição no presente caso.

    Quanto à primeira e quarta questões

    18

    Com a sua primeira e quarta questões, que importa examinar em conjunto e em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que as autoridades competentes de um Estado‑Membro são obrigadas a permitir a um nacional de um país terceiro em situação irregular no território desse Estado‑Membro e que disponha de um título de residência válido ou de outra autorização que confira um direito de residência emitidos por outro Estado‑Membro dirigir‑se para este antes de adotar, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, mesmo que essas autoridades considerem provável que esse nacional não cumpra um pedido para se dirigir para este último Estado‑Membro.

    19

    Por força do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência, estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1 desse artigo 6.o Esta última disposição prevê que os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

    20

    Resulta do referido artigo 6.o, n.o 2, que se deve permitir que um nacional de um país terceiro, que se encontra em situação irregular no território de um Estado‑Membro ao mesmo tempo que dispõe de um título de residência válido ou de uma autorização que confere um direito de permanência emitido por outro Estado‑Membro, se dirija para este último Estado em vez de adotar, desde logo, a seu respeito, uma decisão de regresso, a menos que a ordem pública ou a segurança nacional o exijam [v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro), C‑673/19, EU:C:2021:127, n.o 35 e jurisprudência referida].

    21

    Não obstante, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de estabelecer uma exceção ao âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115, que acresceria às enunciadas no artigo 2.o, n.o 2, desta última e que permitiria aos Estados‑Membros não aplicar as normas e procedimentos comuns de regresso a nacionais de países terceiros em situação irregular quando estes recusem reintegrar imediatamente o território do Estado‑Membro que lhes reconhece um direito de residência [Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro), C‑673/19, EU:C:2021:127, n.o 36].

    22

    Pelo contrário, na hipótese de esses nacionais recusarem reintegrar imediatamente esse território, os Estados‑Membros em cujo território os referidos nacionais se encontrem em situação irregular são, em princípio, obrigados a adotar, por força do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o n.o 1 deste artigo, uma decisão de regresso que ordene aos mesmos nacionais que abandonem o território da União [Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro), C‑673/19, EU:C:2021:127, n.o 37 e jurisprudência referida].

    23

    Por outro lado, como resulta tanto da epígrafe como da redação do artigo 1.o da Diretiva 2008/115, esta institui «normas e procedimentos comuns» que devem ser aplicados por cada Estado‑Membro ao regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular. Decorre da supramencionada expressão, mas também da sistemática geral dessa diretiva, que os Estados‑Membros só podem estabelecer derrogações a estas normas e procedimentos, nas condições previstas na referida diretiva, nomeadamente nas condições fixadas no artigo 4.o desta última (Acórdão de 28 de abril de 2011, El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.o 32).

    24

    Este artigo 4.o confere, no seu n.o 3, aos Estados‑Membros a faculdade de aprovar ou manter disposições mais favoráveis aos nacionais de países terceiros em situação irregular do que as da Diretiva 2008/115, desde que sejam compatíveis com esta. No entanto, esta diretiva não permite aos Estados‑Membros aplicar normas mais severas no domínio que rege (Acórdão de 28 de abril de 2011, El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.o 33).

    25

    A este respeito, o Tribunal de Justiça observou também que a Diretiva 2008/115 estabelece com precisão o procedimento a aplicar por cada Estado‑Membro ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território e fixa a ordem de tramitação das várias fases que esse procedimento comporta sucessivamente (Acórdão de 28 de abril de 2011, El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.o 34).

    26

    À luz destas considerações, conclui‑se que uma interpretação do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 segundo a qual esta disposição permitiria às autoridades competentes dos Estados‑Membros adotar uma decisão de regresso quando seja «provável» que o nacional de país terceiro em causa não cumpra um pedido para se dirigir imediatamente para o território do Estado‑Membro que lhe emitiu uma autorização de residência válida ou outra autorização que confira um direito de permanência equivaleria a instituir uma derrogação não prevista neste artigo 6.o, n.o 2, e privaria, portanto, esta disposição do seu efeito útil.

    27

    Tendo em conta estes fundamentos, há que responder à primeira e quarta questões que o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que as autoridades competentes de um Estado‑Membro são obrigadas a permitir a um nacional de um país terceiro em situação irregular no território desse Estado‑Membro e que disponha de um título de residência válido ou de outra autorização que confira um direito de residência emitidos por outro Estado‑Membro dirigir-se para este antes de adotar, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, mesmo que essas autoridades considerem provável que esse nacional não cumpra um pedido para se dirigir a esse outro Estado‑Membro.

    Quanto à terceira questão

    28

    Com a sua terceira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, uma vez que exige que os Estados‑Membros permitam aos nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território dirigirem‑se para o Estado‑Membro que lhes emitiu uma autorização de residência válida ou outra autorização que confira um direito de permanência antes de adotarem, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, tem efeito direto e pode, assim, ser invocada pelos particulares nos órgãos jurisdicionais nacionais.

    29

    Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, em todos os casos em que, do ponto de vista do seu conteúdo, as disposições de uma diretiva se afigurem incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá‑las perante o juiz nacional contra o Estado‑Membro em causa, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional nos prazos previstos quer quando tenha feito uma transposição incorreta [Acórdão de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução), C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 49 e jurisprudência referida].

    30

    A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que uma disposição do direito da União é, por um lado, incondicional quando prevê uma obrigação que não está sujeita a nenhuma condição nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à adoção de um ato das instituições da União ou dos Estados‑Membros e, por outro, suficientemente precisa para ser invocada por um particular e aplicada pelo juiz quando prevê uma obrigação em termos inequívocos [Acórdão de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução), C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 50 e jurisprudência referida].

    31

    O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que, ainda que uma diretiva deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação na adoção das modalidades de execução da mesma, pode considerar‑se que uma disposição dessa diretiva tem caráter incondicional e preciso quando impõe aos Estados‑Membros, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa, que não está subordinada a nenhuma condição relativa à aplicação da regra nela contida [Acórdão de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução), C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 51 e jurisprudência referida].

    32

    No caso em apreço, como foi indicado no n.o 25 do presente despacho, a Diretiva 2008/115 estabelece com precisão o procedimento a aplicar por cada Estado‑Membro ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular e fixa a ordem de tramitação das várias fases que esse procedimento comporta sucessivamente.

    33

    A este respeito, decorre da redação do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 que só se o nacional de país terceiro em causa não cumprir a obrigação de se dirigir imediatamente para o território do Estado‑Membro que lhe emitiu um título de residência válido ou outra autorização que confira direito de permanência, ou se a sua partida imediata for exigida por razões de ordem pública ou de segurança nacional, é que o Estado‑Membro, em cujo território esse nacional se encontra em situação irregular, emite uma decisão de regresso, em conformidade com o n.o 1 deste artigo 6.o

    34

    Importa salientar, por um lado, que a obrigação de os Estados‑Membros permitirem que os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território se dirijam para o Estado‑Membro que lhes emitiu um título de residência válido ou outra autorização que confira um direito de residência, tem caráter incondicional, uma vez que o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 não subordina esta obrigação à intervenção de um ato da União nem permite aos Estados‑Membros condicionar ou restringir o alcance da referida obrigação.

    35

    Por outro lado, embora a Diretiva 2008/115 deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quando adotam as modalidades práticas destinadas a aplicar o procedimento previsto no artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva, esta disposição impõe‑lhes, em termos inequívocos, a obrigação de permitir que os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território se dirijam para o Estado‑Membro que lhes emitiu um título de residência válido ou outra autorização que confira um direito de permanência antes de ser adotada uma decisão de regresso a seu respeito.

    36

    Atendendo a estes fundamentos, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, uma vez que exige que os Estados‑Membros permitam que os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território se dirijam para o Estado‑Membro que lhes emitiu uma autorização de residência válida ou outra autorização que confira um direito de permanência antes de adotarem, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, tem efeito direto e pode, assim, ser invocada pelos particulares nos órgãos jurisdicionais nacionais.

    Quanto à segunda questão

    37

    Com a sua segunda questão, que importa examinar em último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, quando, em contradição com esta disposição, um Estado‑Membro não permita a um nacional de país terceiro em situação irregular no seu território dirigir‑se imediatamente para o Estado‑Membro que lhe emitiu um título de residência válido ou outra autorização que confira um direito de permanência antes de adotar uma decisão de regresso a seu respeito, essa decisão de regresso e a proibição de entrada que a acompanha são nulas.

    38

    Por força do princípio do primado do direito da União, no caso de lhe ser impossível proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, qualquer juiz nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito da sua competência tem, enquanto órgão de um Estado‑Membro, a obrigação de não aplicar qualquer disposição nacional contrária a uma disposição desse direito que tenha efeito direto no litígio que é chamado a decidir, como, no caso em apreço, o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn, C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 101 e jurisprudência referida).

    39

    Daqui resulta que, exceto se conseguir interpretar uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal em conformidade com o direito da União, qualquer juiz nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito da sua competência deve recusar aplicar essa legislação no litígio que lhe é submetido (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn, C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 102).

    40

    A este respeito, o juiz nacional deve ter designadamente em conta que isso implica, se for o caso, a obrigação de adotar todas as medidas para facilitar a realização do pleno efeito do direito da União (Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe, C‑239/09, EU:C:2010:778, n.o 53 e jurisprudência referida).

    41

    Com efeito, em virtude do princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os Estados‑Membros são obrigados a eliminar as consequências ilícitas dessa violação do direito da União [Acórdão de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e em Nevele), C‑24/19, EU:C:2020:503, n.o 83]. Daqui resulta que as autoridades nacionais competentes, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de um recurso de um ato de direito interno adotado em violação do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, são obrigados a tomar, no exercício das suas competências, todas as medidas necessárias para sanar o incumprimento, por parte de uma autoridade nacional, das obrigações decorrentes desta última disposição. Tal pode, por exemplo, implicar, nos termos do direito nacional, a nulidade de uma decisão de regresso e, por conseguinte, também de uma decisão que a acompanhe, como uma proibição de entrada nos termos do artigo 11.o desta diretiva.

    42

    Atendendo a estes fundamentos, há que responder à segunda questão que o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, quando, em violação desta disposição, um Estado‑Membro não permite que um nacional de país terceiro em situação irregular no seu território se dirija imediatamente para o Estado‑Membro que lhe emitiu um título de residência válido ou outra autorização que lhe confere um direito de permanência antes de adotar uma decisão de regresso a seu respeito, as autoridades nacionais competentes, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de um recurso dessa decisão de regresso e a proibição de entrada que a acompanha, são obrigadas a tomar todas as medidas necessárias para sanar o incumprimento, por parte de uma autoridade nacional, das obrigações decorrentes da referida disposição.

    Quanto às despesas

    43

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    as autoridades competentes de um Estado‑Membro são obrigadas a permitir a um nacional de um país terceiro em situação irregular no território desse Estado‑Membro e que disponha de um título de residência válido ou de outra autorização que confira um direito de residência emitidos por outro Estado‑Membro dirigir‑se para este antes de adotar, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, mesmo que essas autoridades considerem provável que esse nacional não cumpra um pedido para se dirigir a esse outro Estado‑Membro.

     

    2)

    O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    uma vez que exige que os Estados‑Membros permitam que os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território se dirijam para o Estado‑Membro que lhes emitiu uma autorização de residência válida ou outra autorização que confira um direito de permanência antes de adotarem, se for caso disso, uma decisão de regresso a seu respeito, tem efeito direto e pode, assim, ser invocada pelos particulares nos órgãos jurisdicionais nacionais.

     

    3)

    O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    quando, em violação desta disposição, um Estado‑Membro não permite que um nacional de país terceiro em situação irregular no seu território se dirija imediatamente para o Estado‑Membro que lhe emitiu um título de residência válido ou outra autorização que lhe confere um direito de permanência antes de adotar uma decisão de regresso a seu respeito, as autoridades nacionais competentes, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de um recurso dessa decisão de regresso e a proibição de entrada que a acompanha, são obrigadas a tomar todas as medidas necessárias para sanar o incumprimento, por parte de uma autoridade nacional, das obrigações decorrentes da referida disposição.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: sueco.

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