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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0302

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 24 de novembro de 2022.
Casilda contra Banco Cetelem SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia de Castellón de la Plana.
Reenvio prejudicial — Litígio no processo principal que deixou de ter objeto — Não conhecimento do mérito.
Processo C-302/21.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:919

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

24 de novembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Litígio no processo principal que deixou de ter objeto — Não conhecimento do mérito»

No processo C‑302/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 4 de Castelló de la Plana (Tribunal de Primeira Instância n.o 4 de Castelló de la Plana, Espanha), por Decisão de 7 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2021, no processo

Casilda

contra

Banco Cetelem SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Banco Cetelem SA, por D. Sarmiento Ramírez‑Escudero e C. Vendrell Cervantes, abogados,

em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz, I. Rubene e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos princípios do primado do direito da União e da segurança jurídica, do artigo 120.o TFUE e do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Casilda, uma consumidora, à Banco Cetelem SA a respeito de um contrato de crédito renovável, que lhe foi concedido pela Banco Cetelem, e cuja taxa de juro tem pretensamente carácter usurário.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/13

3

O artigo 4.o da Diretiva 93/13 prevê:

«1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o carácter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.   A avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

4

O artigo 8.o dessa diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

Diretiva 2008/48/CE

5

O artigo 22.o da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66), sob a epígrafe «Harmonização e carácter imperativo da presente diretiva», dispõe:

«1.   Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.

2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que o consumidor não possa renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições da legislação nacional que dão cumprimento ou correspondem à presente diretiva.

3.   Os Estados‑Membros devem assegurar, além disso, que as disposições que venham a aprovar para dar cumprimento à presente diretiva não possam ser contornadas em resultado da redação dos contratos, em especial integrando levantamentos ou contratos de crédito sujeitos ao âmbito de aplicação da presente diretiva em contratos de crédito cujo carácter ou objetivo permitiria evitar a aplicação desta.

[…]»

Direito espanhol

Código civil

6

Segundo o artigo 1255.o do Código civil (Código Civil), «as partes contratantes podem estabelecer as convenções, cláusulas e condições que considerem adequadas, desde que não sejam contrárias às leis, à moral ou à ordem pública».

Lei Relativa à Usura

7

Nos termos do artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Ley sobre nulidad de los contratos de préstamos usurarios (Lei Relativa à Nulidade dos Contratos de Mútuo Usurários), de 23 de julho de 1908 (BOE n.o 206, de 24 de julho de 1908, a seguir «Lei Relativa à Usura»):

«Qualquer contrato de mútuo em que sejam estipulados juros significativamente superiores à taxa de juro normal e manifestamente desproporcionados relativamente às circunstâncias do caso ou em condições tais que tornem essa taxa de juro leonina, havendo razões para considerar que foi aceite pelo mutuário devido à sua situação aflitiva, inexperiência ou faculdades mentais limitadas, será nulo.»

LGDCU

8

O artigo 80.o da Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utentes reformulada, aprovada pelo Real Decreto Legislativo 1/2007, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios (Real Decreto Legislativo Real 1/2007, que Aprova a Reformulação da Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utentes), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, a seguir «LGDCU»), relativo aos «Requisitos aplicáveis às cláusulas não negociadas individualmente», menciona entre esses requisitos, no seu ponto c), a «boa‑fé e [o] justo equilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes, o que, em qualquer dos casos, exclui a utilização de cláusulas abusivas».

9

Nos termos do artigo 82.o, n.o 1, da LGDCU:

«Consideram‑se abusivas todas as cláusulas não negociadas individualmente e todas as práticas não expressamente acordadas e que, contra os ditames da boa‑fé, criem em detrimento do consumidor e do utente um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 8 de abril de 2011, a recorrente no processo principal, uma consumidora, celebrou com a Banco Cetelem um contrato de crédito ao consumo de tipo renovável (revolving), que previa uma taxa anual de encargos efetiva global (a seguir «TAEG») de 23,14 % e ao qual estava associada a disponibilização de um cartão de crédito (a seguir «contrato de crédito em causa»).

11

Essa consumidora intentou no órgão jurisdicional de reenvio, o Juzgado de Primera Instancia n.o 4 de Castelló de la Plana (Tribunal de Primeira Instância n.o 4 de Castelló de la Plana, Espanha), uma ação destinada a obter a declaração de nulidade do contrato de crédito em causa, invocando, a título principal, falta de transparência e de informação no momento da sua celebração por ter fixado uma TAEG de 23,14 % e, a título subsidiário, que essa taxa de juro deve ser qualificada de usurária. Essa ação visa igualmente a condenação da Banco Cetelem no reembolso dos juros já pagos, devendo a recorrente no processo principal ser obrigada apenas ao reembolso do capital mutuado.

12

A Banco Cetelem contesta a falta de transparência e o caráter usurário do contrato de crédito em causa. Para o efeito, invoca, nomeadamente, o Acórdão n.o 149/2020 do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), de 4 de março de 2020 (ES:TS:2020:600), relativo a uma interpretação da Lei Relativa à Usura. Segundo ela, decorre desse acórdão que não se pode considerar que a taxa estipulada no contrato de crédito em causa apresenta um caráter usurário. Com efeito, resulta do referido acórdão que, para determinar se uma taxa de juro reveste esse carácter, há que tomar como referência a taxa de juro média aplicável à categoria a que pertence a operação em questão, conforme publicada nas estatísticas oficiais do Banco nacional de Espanha. No caso em apreço, a TAEG de 23,14 % mencionada no contrato de crédito em causa é inferior à taxa de juro média geralmente aplicada a esta categoria de contratos, isto é, os contratos de crédito renováveis.

13

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade dos Acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) n.o 628/2015, de 25 de novembro de 2015 (ES:TS:2015:4810), e n.o 149/2020, de 4 de março de 2020 (ES:TS:2020:600), com os princípios do primado do direito da União e da segurança jurídica, bem como com as Diretivas 93/13 e 2008/48.

14

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os princípios enunciados nesses acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não só desvirtuam o conceito de «usura», uma vez que eliminam o aspeto subjetivo, a saber, a apreciação de uma situação de vulnerabilidade do consumidor, mas são também incompatíveis com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, na medida em que permitem a fixação ou a fiscalização jurisdicional do preço ou, ainda, do custo do crédito ao consumo, sem fundamento legal e fora do âmbito da declaração de nulidade do contrato devido ao seu carácter usurário. Por conseguinte, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se, em conformidade com o princípio do primado do direito da União, não deve aplicar essa jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no âmbito do litígio que lhe foi submetido.

15

Além disso, uma vez que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu, no Acórdão n.o 149/2020, de 4 de março de 2020 (ES:TS:2020:600), que o juiz só pode examinar o carácter abusivo da cláusula que fixa a taxa de juro quando o consumidor tiver formulado um pedido nesse sentido, essa jurisprudência é igualmente incompatível com a obrigação que incumbe ao juiz, decorrente da Diretiva 93/13, de verificar ex officio o carácter abusivo de uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo.

16

Por último, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) limitou, nesse acórdão, o poder de apreciação do juiz nacional quanto ao carácter eventualmente usurário de um contrato de crédito ao consumo, fixando, para esse efeito, critérios que não são objetivos nem precisos, violando assim o princípio da segurança jurídica, como demonstra a jurisprudência discordante dos órgãos jurisdicionais nacionais. Essa insegurança jurídica é, segundo o mesmo, incompatível com o objetivo de eficácia do funcionamento do mercado interno do crédito ao consumo que a Diretiva 2008/48 e o artigo 120.o TFUE prosseguem.

17

Nestas circunstâncias, o Juzgado de Primera Instancia n.o 4 de Castelló de la Plana (Tribunal de Primeira Instância n.o 4 de Castelló de la Plana) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

De acordo com o princípio do primado do direito da União na esfera da sua competência, nomeadamente no âmbito da regulamentação do crédito ao consumo e dos contratos com os consumidores, deve a apreciação da conformidade com o direito da União à luz da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), enquanto órgão jurisdicional superior, na interpretação e na aplicação da [Lei Relativa à Usura], enquanto disposição nacional, na medida em que esta jurisprudência se aplica não só ao domínio da invalidade do contrato celebrado mas também à definição do «objeto principal» do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de crédito “revolving”, e à adequação da “qualidade/preço” do serviço prestado, ser efetuada oficiosamente pelo órgão jurisdicional nacional ou, pelo contrário, como afirma o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) espanhol, este dever de apreciar a conformidade com o direito da União e as suas diretivas está condicionado ou subordinado ao “petitum” do demandante (princípio do pedido); de modo que, se a nulidade do crédito ao consumo for requerida como ação «única ou principal» devido ao seu “caráter usurário”, como ação derivada de uma disposição nacional, deve entender‑se que o primado do direito da União e o seu alcance harmonizador “não entram em jogo”, embora a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) espanhol, na interpretação e aplicação da referida Lei da Usura, seja aplicada à definição do objeto principal e à adequação da qualidade/preço do crédito ao consumo, objeto do processo que o órgão jurisdicional nacional deve resolver?

b)

Em conformidade com o referido primado e alcance harmonizador do direito da União Europeia no âmbito da regulamentação do crédito ao consumo e dos contratos com consumidores, considerando que a própria jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) espanhol reiterou, em inúmeros acórdãos, que a “exclusão” prevista no artigo 4.o, n.o 2 da Diretiva [93/13], enquanto norma harmonizada, foi integralmente transposta para a ordem jurídica espanhola, pelo que o juiz nacional não deve efetuar uma fiscalização jurisdicional dos preços, dado que não existe no ordenamento jurídico espanhol uma norma jurídica que permita ou lhe dê base legal, com caráter geral, incluindo a própria [Lei Relativa à Usura], e considerando, além disso, que não foi feita uma avaliação da eventual falta de transparência da cláusula que determina o preço do crédito ao consumo, é contrário ao artigo 4.o, n.o 2 da Diretiva [93/13] que o órgão jurisdicional nacional, em aplicação de uma disposição nacional, a referida Lei da Repressão da Usura de 1908, fora da sua aplicação natural no âmbito da declaração de nulidade do contrato celebrado, efetue, como poder ex nov[o], uma “fiscalização jurisdicional” do objeto principal do contrato que determine, com caráter geral, ou o preço do crédito ao consumo, entendido como referência ao seu juro remuneratório [TAN (taxa de juro anual nominal)], ou o custo do crédito ao consumo, entendido como referência à sua [TAEG]?

c)

[Por último, de acordo com o que precede e considerando o âmbito de regulamentação e de harmonização estabelecido no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em particular no que respeita à competência da União em relação ao funcionamento do mercado interno, deve] a fiscalização exercida pelo órgão jurisdicional nacional com vista à fixação, com caráter geral, do preço ou do custo do crédito ao consumo, sem uma norma nacional prévia que lhe dê expressamente cobertura legal, ser considerada “compatível” com o artigo 120.o TFUE, relativamente a uma economia de mercado aberto e ao princípio da liberdade contratual das partes?

2)

De acordo com o princípio do primado do direito da União Europeia na esfera da harmonização das suas competências, nomeadamente no âmbito das Diretivas relativas à regulamentação do crédito ao consumo e aos contratos com os consumidores, considerando que o princípio da segurança jurídica constitui um pressuposto necessário ao bom e eficaz funcionamento do mercado interno do crédito ao consumo, é contrário ao referido princípio da segurança jurídica, com vista ao bom funcionamento do mercado interno do crédito ao consumo, limitar a TAEG que pode ser imposta, com caráter geral, ao consumidor num contrato de crédito ao consumo a fim de combater a usura, como declarado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) espanhol, com base em parâmetros que não são objetivos e precisos, mas meramente aproximativos, de modo a deixar à discricionariedade de cada órgão jurisdicional nacional a sua determinação concreta para a resolução do litígio que lhe é submetido?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

18

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente processo fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que as questões submetidas têm uma incidência importante no contexto atual do mercado financeiro do crédito ao consumo.

19

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

20

A este respeito, quanto ao facto, antes de mais, de as questões suscitadas no presente processo dizerem potencialmente respeito a um grande número de pessoas e de relações jurídicas, importa recordar que a tramitação acelerada prevista nesta disposição constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2022, Veridos, C‑669/20, EU:C:2022:684, n.o 24 e jurisprudência referida).

21

Ora, o número significativo de pessoas ou de situações jurídicas potencialmente afetadas pela decisão que um órgão jurisdicional de reenvio deve proferir depois de ter chamado o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se a título prejudicial não é suscetível, enquanto tal, de constituir uma circunstância excecional que possa justificar o recurso a tramitação acelerada [Acórdão de 3 de março de 2022, Presidenza del Consiglio dei Ministri e o. (Médicos especialistas em formação), C‑590/20, EU:C:2022:150, n.o 28 e jurisprudência referida].

22

Nestas condições, em 12 de maio de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir este pedido.

Desenvolvimentos ocorridos após a apresentação do pedido de decisão prejudicial

23

Por carta de 1 de agosto de 2022, a Banco Cetelem informou o Tribunal de Justiça, com base em documentos, de que, por um lado, em 29 de abril de 2021, tinha sido apresentado no órgão jurisdicional de reenvio um ato de aquiescência, através do qual a Banco Cetelem aceitou todos os pedidos da recorrente no processo principal. Por outro lado, a Banco Cetelem alega que as partes no processo principal chegaram a um acordo de transação através do qual a recorrente no processo principal renuncia a todos os seus pedidos em troca do pagamento pela Banco Cetelem do montante pedido. Uma cópia do pedido de homologação deste acordo de transação, apresentado ao órgão jurisdicional de reenvio em 10 de maio de 2021, bem como uma cópia da prova de pagamento do montante acordado em 12 de maio de 2021, foram anexadas a essa carta.

24

Nos termos do referido acordo, é posto termo ao contrato de crédito em causa e cada uma das partes declara nada ter a pedir à outra.

25

Questionada pelo Tribunal de Justiça quanto a saber se ainda era necessária uma resposta às questões prejudiciais para efeitos da resolução do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio indicou, na sua resposta de 31 de agosto de 2022, que decidiu, em 7 de maio de 2021, que, não obstante o ato de aquiescência, o pedido de decisão prejudicial devia ser mantido, uma vez que havia um interesse geral manifesto subjacente a esse pedido. Por outro lado, em 11 de maio de 2021, decidiu que não podia ser dado seguimento favorável ao pedido de homologação do acordo de transação durante a suspensão do processo enquanto aguardava a decisão prejudicial do Tribunal de Justiça.

Quanto ao não conhecimento do mérito

26

Nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 43 e jurisprudência referida).

27

Todavia, é igualmente jurisprudência constante que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 44).

28

Além disso, em conformidade com o artigo 100.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, em qualquer momento, declarar que as condições da sua competência deixaram de estar preenchidas.

29

No caso em apreço, por um lado, resulta da carta de 1 de agosto de 2022 enviada ao Tribunal de Justiça pela Banco Cetelem que as partes no processo principal celebraram um acordo de transação, através do qual a recorrente no processo principal, em contrapartida do pagamento de um montante pela Banco Cetelem, renuncia a qualquer pedido contra este com base no contrato de crédito em causa. Como resulta da sua carta de 31 de agosto de 2022 e dos documentos a ela anexos, o órgão jurisdicional de reenvio confirma a existência desse acordo de transação.

30

Por outro lado, não se pode deixar de observar que, na sua carta de 31 de agosto de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio indicou querer manter o seu pedido de decisão prejudicial pelo facto de as suas questões incidirem sobre uma matéria de interesse geral. Em seu entender, as respostas poderiam pôr termo a uma situação de insegurança jurídica, gerada pela jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e poderiam ser pertinentes para a resolução de muitos litígios análogos pendentes, entre outros, perante si.

31

Contudo, é jurisprudência constante que a justificação do reenvio prejudicial não é a formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio. Por conseguinte, se se afigura que a questão submetida não é já manifestamente pertinente para a resolução do litígio, o Tribunal de Justiça não tem de conhecer do mérito [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 70 e jurisprudência referida].

32

Sobretudo, resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.o TFUE que o processo prejudicial pressupõe que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão proferido a título prejudicial, o Tribunal de Justiça deve decidir não conhecer do mérito se o processo principal tiver deixado de ter objeto [v., neste sentido, Acórdão de 12 de março de 1998, Djabali, C‑314/96, EU:C:1998:104, n.os 21 e 22, e o Despacho de 1 de outubro de 2019, YX (Transmissão de uma sentença ao Estado‑Membro de nacionalidade do condenado), C‑495/18, EU:C:2019:808, n.os 19 e 24 a 26].

33

No caso em apreço, apesar de o litígio no processo principal ainda estar formalmente pendente no órgão jurisdicional de reenvio, tendo este último decidido suspender a instância do processo para efeitos do presente reenvio prejudicial, resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que as partes no processo principal celebraram um acordo de transação, que foi cumprido, e que apresentaram, no órgão jurisdicional de reenvio, um pedido de homologação desse acordo que põe termo ao diferendo entre elas. Daqui resulta que uma resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não teria qualquer utilidade para este último decidir esse litígio, o qual deixou de ter objeto.

34

Nestas condições, não há que decidir o presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto às despesas

35

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

Não há que decidir o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 4 de Castelló de la Plana (Tribunal de Primeira Instância n.o 4 de Castelló de la Plana, Espanha), por Decisão de 7 de maio de 2021.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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