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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0677

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de outubro de 2022.
    Industriegewerkschaft Metall (IG Metall) e ver.di - Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft contra SAP SE e SE-Betriebsrat der SAP SE.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht.
    Reenvio prejudicial — Política social — Sociedade europeia — Diretiva 2001/86/CE — Envolvimento dos trabalhadores no processo de decisão da sociedade europeia — Artigo 4.o, n.o 4 — Sociedade europeia constituída por transformação — Conteúdo do acordo negociado — Eleição de representantes dos trabalhadores como membros do conselho de fiscalização — Processo eleitoral que prevê um escrutínio distinto para os representantes dos sindicatos.
    Processo C-677/20.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:800

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    18 de outubro de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Política social — Sociedade europeia — Diretiva 2001/86/CE — Envolvimento dos trabalhadores no processo de decisão da sociedade europeia — Artigo 4.o, n.o 4 — Sociedade europeia constituída por transformação — Conteúdo do acordo negociado — Eleição de representantes dos trabalhadores como membros do conselho de fiscalização — Processo eleitoral que prevê um escrutínio distinto para os representantes dos sindicatos»

    No processo C‑677/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha), por Decisão de 18 de agosto de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de dezembro de 2020, no processo

    Industriegewerkschaft Metall (IG Metall),

    ver.di — Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft

    contra

    SAP SE,

    SE‑Betriebsrat der SAP SE,

    sendo intervenientes:

    Konzernbetriebsrat der SAP SE,

    Deutscher Bankangestellten‑Verband eV,

    Christliche Gewerkschaft Metall (CGM),

    Verband angestellter Akademiker und leitender Angestellter der chemischen Industrie eV,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, presidentes de secção, S. Rodin, F. Biltgen (relator), N. Piçarra, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

    advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

    secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 7 de fevereiro de 2022,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Industriegewerkschaft Metall (IG Metall) e da ver.di — Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft, por S. Birte Carlson, Rechtsanwältin,

    em representação da SAP SE, por K. Häferer‑Duttiné, P. Matzke e A. Schulz, Rechtsanwälte,

    em representação do Konzernbetriebsrat der SAP SE, por H.‑D. Wohlfarth, Rechtsanwalt,

    em representação da Christliche Gewerkschaft Metall (CGM), por G. Gerhardt, Prozessbevollmächtigter,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo luxemburguês, por A. Rodesch, avocat,

    em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de abril de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86/CE do Conselho, de 8 de outubro de 2001, que completa o estatuto da sociedade europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores (JO 2001, L 294, p. 22).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Industriegewerkschaft Metall (IG Metall) e a ver.di — Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft, duas organizações sindicais, à SAP SE, uma sociedade europeia (SE), e ao SE‑Betriebsrat der SAP SE, o conselho de empresa da SAP, a respeito do acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SAP.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 3, 5, 10, 15 e 18 da Diretiva 2001/86 enunciam:

    «(3)

    Para promover os objetivos sociais da Comunidade, é necessário estabelecer disposições específicas, nomeadamente no domínio do envolvimento dos trabalhadores, a fim de garantir que a constituição de uma SE não conduza à abolição ou à redução das práticas de envolvimento dos trabalhadores existentes nas sociedades participantes na constituição de uma SE. Este objetivo deve ser prosseguido através do estabelecimento de um conjunto de regras neste domínio que completem as disposições do [Regulamento (CE) n.o 2157/2001 do Conselho, de 8 de outubro de 2001, relativo ao estatuto da sociedade europeia (SE) (JO 2001, L 294, p. 1)].

    […]

    (5)

    A grande diversidade das regulamentações e práticas existentes nos Estados‑Membros no que se refere ao modo de participação dos representantes dos trabalhadores no processo de decisão das empresas desaconselha a elaboração de um modelo único de envolvimento dos trabalhadores aplicável às SE.

    […]

    (10)

    Nas regras de votação no órgão especial de representação dos trabalhadores nos processos de negociação, em especial aquando da conclusão de acordos que prevejam um nível de participação inferior ao existente em uma ou mais sociedades participantes, devem ser proporcionais ao risco de desaparecimento ou de redução dos sistemas e das práticas de participação existentes. Este risco é maior no caso de uma SE constituída através de transformação ou fusão do que através da criação de uma “holding” ou de uma filial comum.

    […]

    (15)

    A presente diretiva não deve afetar outros direitos de envolvimento existentes nem outras estruturas de representação existentes previstas na legislação e nas práticas nacionais e comunitárias.

    […]

    (18)

    A garantia dos direitos adquiridos dos trabalhadores quanto ao seu envolvimento nas decisões das sociedades é um princípio fundamental e um objetivo declarado da presente diretiva. Os direitos dos trabalhadores anteriores à criação da SE constituem um ponto de partida para a definição dos seus direitos de envolvimento na SE (princípio “do antes e depois”). Esta abordagem é, por conseguinte, aplicável não só à criação de uma SE mas também às mudanças estruturais de uma SE já constituída e às sociedades afetadas pelos processos de alteração estruturais.»

    4

    O artigo 1.o desta diretiva prevê:

    «1.   A presente diretiva regula o envolvimento dos trabalhadores nas atividades das sociedades anónimas europeias […], a que se refere o Regulamento [n.o 2157/2001].

    2.   Para o efeito, é instituído em cada SE um regime de envolvimento dos trabalhadores, de acordo com o procedimento de negociação previsto nos artigos 3.o a 6.o ou, nas circunstâncias definidas no artigo 7.o, de acordo com o anexo.»

    5

    Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    e)

    “Representantes dos trabalhadores”, os representantes dos trabalhadores previstos nas legislações e/ou práticas nacionais;

    f)

    “Órgão de representação”, o órgão de representação dos trabalhadores constituído por força dos acordos referidos no artigo 4.o ou nos termos do anexo, com o objetivo de informar e consultar os trabalhadores da SE e das suas filiais e estabelecimentos situados na Comunidade, bem como, se for caso disso, de exercer direitos de participação relacionados com a SE;

    g)

    “Grupo especial de negociação”, o grupo constituído nos termos do artigo 3.o para negociar com o órgão competente das sociedades participantes a instituição de um regime de envolvimento dos trabalhadores na SE;

    h)

    “Envolvimento dos trabalhadores”, qualquer mecanismo, incluindo a informação, a consulta e a participação, através do qual os representantes dos trabalhadores possam influir nas decisões a tomar no âmbito da sociedade;

    i)

    “Informação”, o facto de o órgão de representação dos trabalhadores e/ou os representantes dos trabalhadores serem informados, pelo órgão competente da SE, sobre questões que dizem respeito à própria SE ou a qualquer das suas filiais ou estabelecimentos situados noutro Estado‑Membro ou sobre questões que excedam os poderes dos órgãos de decisão de um Estado‑Membro, efetuando‑se essa informação num momento, de uma maneira e com um conteúdo tais que permitam aos representantes dos trabalhadores proceder a uma análise aprofundada das suas eventuais incidências e, se for caso disso, preparar consultas com o órgão competente da SE;

    j)

    “Consulta”, o estabelecimento de diálogo e do intercâmbio de opiniões entre o órgão de representação dos trabalhadores e/ou os representantes dos trabalhadores e o órgão competente da SE, num momento, de uma maneira e com um conteúdo tais que permitam aos representantes dos trabalhadores exprimir, com base nas informações facultadas, um parecer sobre as medidas previstas pelo órgão competente, que possa ser tomado em consideração no quadro do processo decisório no âmbito da SE;

    k)

    “Participação”, a influência exercida pelo órgão de representação dos trabalhadores e/ou pelos representantes dos trabalhadores nas atividades de uma sociedade, através:

    do direito de eleger ou designar alguns dos membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade; ou

    do direito de recomendar e/ou rejeitar a designação de alguns ou todos os membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade.»

    6

    O artigo 3.o da mesma diretiva, que figura na secção II desta, sob a epígrafe «Procedimento de negociação», dispõe:

    «1.   Ao estabelecerem o projeto de constituição de uma SE, os órgãos de direção ou de administração das sociedades participantes tomam o mais rapidamente possível, após a publicação do projeto de fusão ou de constituição de uma “holding”, ou após aprovação de um projeto de constituição de uma filial ou de transformação numa SE, as medidas necessárias, incluindo a prestação de informações sobre a identidade das sociedades participantes, e das filiais ou dos estabelecimentos interessados e o número dos seus trabalhadores, para iniciar as negociações com os representantes dos trabalhadores daquelas sociedades sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SE.

    2.   Para o efeito, será constituído um grupo especial de negociação representativo dos trabalhadores das sociedades participantes e das filiais ou dos estabelecimentos interessados, de acordo com as seguintes disposições:

    […]

    b)

    Os Estados‑Membros determinam o modo de eleição ou de designação dos membros do grupo especial de negociação a eleger ou designar no seu território e tomam as medidas necessárias para assegurar que, na medida do possível, entre os membros do grupo se conte pelo menos um representante de cada sociedade participante que tenha trabalhadores no seu território. Essas medidas não devem ter por efeito o aumento do número global de membros.

    Os Estados‑Membros podem prever que entre os membros do grupo se possam igualmente contar representantes dos sindicatos, independentemente de serem ou não trabalhadores de uma sociedade participante ou de uma filial ou estabelecimento interessados.

    […]

    3.   O grupo especial de negociação e os órgãos competentes das sociedades participantes definem, por acordo escrito, o regime de envolvimento dos trabalhadores na SE.

    […]»

    7

    O artigo 4.o da Diretiva 2001/86, relativo ao conteúdo do acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SE, dispõe, no seu n.o 2, alínea g), e nos seus n.os 3 e 4:

    «2.   Sem prejuízo da autonomia das partes, e sob reserva do disposto no n.o 4, o acordo referido no n.o 1 entre o órgão competente das sociedades participantes e o grupo especial de negociação estabelece:

    […]

    g)

    Se, no decurso das negociações, as partes decidirem estabelecer um regime de participação, os elementos fundamentais desse regime, incluindo, se for caso disso, o número de membros do órgão de administração ou de fiscalização da SE que os trabalhadores terão o direito de eleger, designar, recomendar ou rejeitar, os procedimentos segundo os quais os referidos membros poderão ser eleitos, designados, recomendados ou rejeitados pelos trabalhadores, e os seus direitos;

    […]

    3.   Salvo disposição em contrário nele prevista, o acordo não está sujeito às disposições supletivas constantes do anexo.

    4.   Sem prejuízo do n.o 3, alínea a), do artigo 12.o, no caso de uma SE constituída por transformação, o acordo deve prever, no mínimo e em relação a todos os elementos relativos ao envolvimento dos trabalhadores, um nível idêntico ao dos elementos já existentes na sociedade a transformar em SE.»

    8

    O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva enuncia:

    «Para assegurar a realização do objetivo referido no artigo 1.o, os Estados‑Membros estabelecem, sem prejuízo do n.o 3, disposições supletivas sobre o envolvimento dos trabalhadores, que devem preencher o disposto no anexo.

    […]»

    9

    Nos termos do artigo 11.o da referida diretiva:

    «Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas, nos termos do direito comunitário, para impedir a utilização abusiva de uma SE com o objetivo de privar os trabalhadores de direitos de envolvimento ou de lhes negar esses direitos.»

    10

    O artigo 13.o, n.o 3, alínea a), da mesma diretiva prevê:

    «A presente diretiva é aplicável sem prejuízo:

    a)

    Dos direitos de envolvimento dos trabalhadores, previstos na legislação e/ou práticas dos Estados‑Membros, de que beneficiem os trabalhadores da SE e das suas filiais e estabelecimentos, com exclusão da participação nos órgãos da SE.»

    11

    O anexo da Diretiva 2001/86 contém as disposições supletivas mencionadas no seu artigo 7.o

    Direito alemão

    MitbestG

    12

    O § 7 da Gesetz über die Mitbestimmung der Arbeitnehmer (Lei sobre a Participação dos Trabalhadores), de 4 de maio de 1976 (BGB1. 1976 I, p. 1153), conforme alterado pela Lei de 24 de abril de 2015 (BGBl. 2015 I, p. 642) (a seguir «MitbestG»), dispõe:

    «(1)   O conselho de fiscalização de uma empresa,

    1.

    que não tenha normalmente mais de 10000 trabalhadores, é constituído por seis representantes dos acionistas e por seis representantes dos trabalhadores;

    2.

    que normalmente tenha mais de 10000 trabalhadores, mas não mais de 20000 trabalhadores, é constituído por oito representantes dos acionistas e por oito representantes dos trabalhadores;

    3.

    que normalmente tenha mais de 20000 trabalhadores, é constituído por dez representantes dos acionistas e por dez representantes dos trabalhadores.

    […]

    (2)   Os representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização têm de incluir:

    1.

    no caso de um conselho de fiscalização com seis representantes dos trabalhadores, quatro trabalhadores da empresa e dois representantes dos sindicatos;

    2.

    no caso de um conselho de fiscalização com oito representantes dos trabalhadores, seis trabalhadores da empresa e dois representantes dos sindicatos;

    3.

    no caso de um conselho de fiscalização com dez representantes dos trabalhadores, sete trabalhadores da empresa e três representantes de sindicatos.

    […]

    (5)   Os sindicatos mencionados n.o 2 devem estar representados na própria empresa ou numa empresa cujos trabalhadores participem na eleição dos membros do conselho de fiscalização da empresa nos termos da presente lei.»

    13

    No que respeita à eleição dos representantes dos sindicatos para o conselho de fiscalização, o § 16 desta lei prevê:

    «(1)   Os delegados elegem os membros do conselho de fiscalização encarregados de representar os sindicatos nos termos do § 7, n.o 2, por escrutínio secreto e em conformidade com os princípios do escrutínio proporcional […]

    (2)   A eleição decorre com base em candidaturas propostas pelos sindicatos representados na própria empresa ou numa empresa cujos trabalhadores participem na eleição dos membros do conselho de fiscalização da empresa nos termos da presente lei. […]»

    SEBG

    14

    O § 2 da Gesetz über die Beteiligung der Arbeitnehmer in einer Europäischen Gesellschaft (Lei Relativa ao Envolvimento dos Trabalhadores numa Sociedade Europeia), de 22 de dezembro de 2004 (BGB1. 2004 I, p. 3675, 3686), na versão em vigor desde 1 de março de 2020 (a seguir «SEBG»), enuncia:

    «[…]

    (8)   Envolvimento dos trabalhadores designa qualquer processo — incluindo a informação, a consulta e a participação —, através do qual os representantes dos trabalhadores podem influir nas decisões a tomar no âmbito da sociedade.

    […]

    (12)   Por participação entende‑se o exercício de influência por parte dos trabalhadores nas decisões de uma sociedade, mediante:

    1.

    o exercício do direito de eleger ou nomear uma parte dos membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade; ou

    2.

    o exercício do direito de propor ou recusar a nomeação de uma parte ou da totalidade dos membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade.»

    15

    O § 21 desta lei dispõe:

    «[…]

    (3)   No caso de as partes celebrarem um acordo de participação o seu conteúdo deve ser regulado. Deve ser especialmente previsto o seguinte:

    1.

    O número de membros do órgão de fiscalização ou de administração da SE que os trabalhadores podem eleger ou nomear ou cuja nomeação podem propor ou recusar;

    2.

    O processo pelo qual os trabalhadores elegem ou nomeiam esses membros ou cuja nomeação podem propor ou recusar e

    3.

    Os direitos desses membros.

    […]

    (6)   Sem prejuízo da articulação entre a presente lei e outras disposições legais sobre a participação dos trabalhadores na empresa, no caso de uma SE constituída por transformação, o acordo deve prever, no mínimo e em relação a todos os elementos relativos ao envolvimento dos trabalhadores, um nível idêntico ao dos elementos já existentes na sociedade a transformar em SE. O mesmo se aplica em caso de mudança da estrutura organizacional dualista da empresa para uma estrutura organizacional monista e vice‑versa.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    16

    Antes de ser transformada em SE, a SAP tinha a forma jurídica de sociedade anónima de direito alemão e tinha, em conformidade com a legislação nacional, um conselho de fiscalização composto por oito membros que representavam os acionistas e oito membros que representavam os trabalhadores, incluindo seis trabalhadores da empresa e dois representantes dos sindicatos. Nos termos do § 16, n.o 2, da MitbestG, os dois representantes dos sindicatos foram propostos pelos sindicatos representados no grupo de sociedades a que pertence a SAP e foram eleitos através de um escrutínio distinto do escrutínio para a eleição dos outros seis membros do conselho de fiscalização que representavam os trabalhadores.

    17

    Desde que, em 2014, foi transformada em SE, a SAP tem um conselho de fiscalização composto por 18 membros. Em conformidade com o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SAP, celebrado entre a SAP e o nela criado grupo especial de negociação (a seguir «acordo de envolvimento»), nove dos membros do conselho de fiscalização são representantes dos trabalhadores. Este acordo de envolvimento prevê, nomeadamente, as modalidades de designação dos representantes dos trabalhadores e indica, a este respeito, que os sindicatos representados no grupo a que pertence a SAP gozam de um direito exclusivo de proposta de candidatos para uma parte dos lugares de representantes dos trabalhadores empregados na Alemanha, sendo a eleição desses candidatos pelos trabalhadores objeto de um escrutínio distinto daquele através do qual são eleitos os outros representantes dos trabalhadores.

    18

    O acordo de envolvimento contém igualmente regras relativas à criação de um conselho de fiscalização reduzido para doze membros (a seguir «conselho de fiscalização reduzido»), dos quais seis são representantes dos trabalhadores. Os representantes dos trabalhadores correspondentes aos quatro primeiros lugares a nomear na República Federal da Alemanha são eleitos pelos trabalhadores empregados na Alemanha. Os sindicatos representados no grupo de sociedades a que pertence a SAP podem propor candidatos para uma parte dos lugares atribuídos à República Federal da Alemanha, mas não está previsto um escrutínio para a eleição desses candidatos distinto daquele através do qual os outros representantes dos trabalhadores são eleitos.

    19

    As recorrentes no processo principal contestaram sem sucesso, tanto em primeira instância como em sede de recurso, as regras do acordo de envolvimento relativas à designação dos representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido. Posteriormente, interpuseram recurso para o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha), considerando que as referidas regras são contrárias ao § 21, n.o 6, da SEBG e devem, por conseguinte, ser anuladas, uma vez que não preveem que os sindicatos beneficiem de um direito exclusivo de proposta, isto é, garantido por um escrutínio distinto, para um determinado número de representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido.

    20

    Por seu turno, a SAP sustenta que o direito exclusivo dos sindicatos de propor candidatos à eleição dos representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido, previsto no § 7, n.o 2, da MitbestG, conjugado com o seu § 16, n.o 2, não é abrangido pelo § 21, n.o 6, da SEBG.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que, apenas com base no direito nacional, há que julgar procedente o pedido das recorrentes no processo principal de anulação das regras do acordo de envolvimento relativas à designação dos representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido. Com efeito, o § 21, n.o 6, primeiro período, da SEBG obriga as partes no acordo de envolvimento a assegurarem, no momento da constituição de uma SE por transformação, que os elementos de um processo de envolvimento dos trabalhadores, na aceção do § 2, n.o 8, da SEBG, que caracterizam a influência dos trabalhadores na tomada de decisão numa sociedade, subsistam em medida equivalente na SE a criar. Assim, antes de mais, estes elementos devem ser determinados à luz do direito nacional pertinente, em função, em cada caso, dos processos de envolvimento dos trabalhadores já existentes na sociedade anónima a transformar, na aceção do § 2, n.o 8, da SEBG. Em seguida, os elementos que caracterizam a influência dos trabalhadores na tomada de decisão numa sociedade deveriam subsistir em medida equivalente na SE a constituir. É certo que o § 21, n.o 6, primeiro período, da SEBG não impõe a manutenção integral dos processos e do estado do direito existentes na sociedade a transformar, mas os elementos processuais que caracterizam determinantemente a influência dos representantes dos trabalhadores na tomada de decisão na sociedade a transformar devem ser garantidos qualitativamente, em medida equivalente, no acordo de envolvimento dos trabalhadores aplicável à SE. Ora, em conformidade com o direito nacional, a aplicação de um escrutínio distinto à eleição dos candidatos propostos pelos sindicatos como representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido tem precisamente a finalidade de reforçar a influência dos representantes dos trabalhadores na tomada de decisões numa empresa, garantindo que entre esses representantes figurem pessoas que dispõem de um elevado grau de conhecimento das condições e das necessidades da empresa e, simultaneamente, de conhecimentos externos.

    22

    No caso em apreço, as regras do acordo de envolvimento relativas à designação dos representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização reduzido não respeitam as exigências decorrentes do § 21, n.o 6, da SEBG, uma vez que, embora atribuam aos sindicatos representados no grupo de sociedades a que pertence a SAP o direito de propor candidatos às eleições dos membros do referido conselho de fiscalização que representam os trabalhadores, não preveem um escrutínio distinto para a eleição desses membros e não garantem, portanto, a presença efetiva de um representante dos sindicatos entre os representantes dos trabalhadores nesse conselho de fiscalização.

    23

    No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 não prevê um nível de proteção uniforme diferente e menos elevado do que o previsto no direito alemão e que se impõe, se for caso disso, a todos os Estados‑Membros. Em caso afirmativo, é obrigado a interpretar o § 21, n.o 6, da SEBG em conformidade com o direito da União.

    24

    Nestas condições, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O § 21, n.o 6, da [SEBG], nos termos do qual, em caso de constituição, por transformação, de uma [SE] com sede na Alemanha, deve ser garantido um processo eleitoral distinto para um determinado número de representantes dos trabalhadores no conselho de [fiscalização] propostos pelos sindicatos, é compatível com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva [2001/86]?»

    Quanto à questão prejudicial

    Quanto ao objeto da questão prejudicial

    25

    A título preliminar, a SAP considera que há que analisar a validade do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 e responder à questão de saber se, ao impor a adoção, no acordo sobre o envolvimento dos trabalhadores, de regras mais estritas em caso de constituição de uma SE por transformação do que em caso de constituição dessa sociedade por outra das vias referidas no considerando 10 desta diretiva, esta disposição é compatível com o direito primário, nomeadamente com o artigo 49.o, primeiro parágrafo, primeiro período, e com o artigo 54.o, primeiro parágrafo, TFUE, bem como com os artigos 16.o, 17.o e 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    26

    A este respeito, cabe recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais, a quem é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poderem proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe, C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 30 e jurisprudência referida).

    27

    No caso em apreço, e uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não manifestou dúvidas quanto à validade desta disposição, a questão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86.

    28

    Além disso, segundo jurisprudência assente, o artigo 267.o TFUE não confere uma via de recurso às partes num litígio pendente num órgão jurisdicional nacional, pelo que o Tribunal de Justiça não é obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas por esta questão ter sido invocada perante ele por uma destas partes nas suas observações escritas (Acórdãos de 5 de maio de 2011, MSD Sharp & Dohme, C‑316/09, EU:C:2011:275, n.o 23 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2015, APEX, C‑371/14, EU:C:2015:828, n.o 37).

    29

    Daqui resulta que, no presente caso, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre a validade do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86.

    Quanto à interpretação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86

    30

    Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 deve ser interpretado no sentido de que o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores aplicável a uma SE criada por transformação, conforme previsto nesta disposição, deve prever um escrutínio distinto para eleger, como representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização da SE, uma determinada proporção de candidatos propostos pelos sindicatos, uma vez que o direito aplicável impõe esse escrutínio distinto no que respeita à composição do conselho de fiscalização da sociedade a ser transformada em SE.

    31

    A este respeito, segundo jurisprudência constante, há que ter em conta, na interpretação de uma disposição do direito da União, não só os seus termos mas também o seu contexto, os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte e, se for caso disso, a sua génese (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 38 e jurisprudência referida).

    32

    Em primeiro lugar, quanto à redação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, este dispõe que, sem prejuízo do n.o 3, alínea a), do artigo 13.o desta diretiva, no caso de uma SE constituída por transformação, o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores aplicável a essa SE deve prever, «no mínimo e em relação a todos os elementos relativos ao envolvimento dos trabalhadores, um nível idêntico ao dos elementos já existentes na sociedade a transformar em SE».

    33

    No que respeita à expressão «todos os elementos relativos ao envolvimento dos trabalhadores», que figura nesta disposição, há que salientar que a Diretiva 2001/86 define, no seu artigo 2.o, alínea h), o «envolvimento dos trabalhadores» no sentido de que abrange «qualquer mecanismo, incluindo a informação, a consulta e a participação, através do qual os representantes dos trabalhadores possam influir nas decisões a tomar no âmbito da sociedade». Deve igualmente salientar‑se que o conceito de «participação» está definido no seu artigo 2.o, alínea k), como «a influência exercida pelo órgão de representação dos trabalhadores e/ou pelos representantes dos trabalhadores nas atividades de uma sociedade, através»«do direito de eleger ou designar alguns dos membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade» ou «do direito de recomendar e/ou rejeitar a designação de alguns ou todos os membros do órgão de fiscalização ou de administração da sociedade».

    34

    Assim, por um lado, resulta destas definições que a «participação» constitui, enquanto tal, um mecanismo através do qual os representantes dos trabalhadores podem exercer influência nas decisões a tomar na empresa, exercendo, ou o seu direito de eleger, ou de designar alguns membros dos órgãos de fiscalização ou de administração da sociedade, ou o seu direito de recomendar ou de rejeitar essa designação. Tendo em conta a expressão «todos os elementos», utilizada no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, há, portanto, que considerar que todos os elementos que caracterizam o modo de participação em causa, que permitem ao órgão representativo dos trabalhadores ou aos seus representantes exercer influência nos assuntos da sociedade, como, em especial, as modalidades do exercício dos direitos acima referidos de eleição, de designação, de recomendação ou de rejeição, devem ser tidos em conta no âmbito de um acordo relativo a uma SE criada por transformação.

    35

    Por outro lado, as referidas definições remetem para o conceito de «representantes dos trabalhadores», que, em conformidade com o artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2001/86, visa «os representantes dos trabalhadores previstos nas legislações e/ou práticas nacionais». Por conseguinte, há que concluir que o legislador da União não definiu este conceito, tendo‑se limitado a remeter, a este respeito, para as legislações e/ou práticas nacionais.

    36

    O mesmo se aplica à expressão «[no mínimo um] nível idêntico ao dos elementos já existentes na sociedade a transformar em SE», que figura no artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva.

    37

    Com efeito, na medida em que se referem ao nível de envolvimento existente na sociedade antes da sua transformação em SE, esses termos remetem manifestamente para a legislação e/ou prática nacionais no Estado‑Membro da sede dessa sociedade, a saber, no caso em apreço, a legislação alemã. Daqui resulta que incumbe às partes no acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SE verificar se o nível de envolvimento dos trabalhadores nele previsto é, no mínimo e em relação a todos os elementos desse envolvimento, idêntico ao fixado por essa legislação.

    38

    A análise dos termos do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 já revela assim que, no que respeita à definição dos representantes dos trabalhadores e do nível de envolvimento destes que deve ser preservado, no mínimo de modo idêntico, em caso de constituição de uma SE por transformação, o legislador da União remeteu para a legislação e/ou prática nacionais do Estado‑Membro da sede da sociedade que deve ser transformada em SE. Assim, quanto, em especial, à participação, quer a determinação das pessoas habilitadas a representar os trabalhadores quer a dos elementos característicos da participação que permitem aos referidos representantes dos trabalhadores influenciar as decisões a tomar na empresa, graças ao exercício dos direitos referidos no artigo 2.o, alínea k), desta diretiva, necessita de se referir às apreciações efetuadas a este respeito pelo legislador nacional e à prática nacional pertinente. Aliás, como resulta do considerando 5 da Diretiva 2001/86, o legislador da União considerou, precisamente, que a grande diversidade das regulamentações e práticas existentes nos Estados‑Membros no que se refere ao modo de participação dos representantes dos trabalhadores no processo de decisão das empresas desaconselha a elaboração de um modelo único de envolvimento dos trabalhadores aplicável às SE.

    39

    Daqui resulta que, se um elemento processual estabelecido pela legislação nacional, como, no caso em apreço, o escrutínio específico para a eleição dos candidatos propostos por sindicatos para um número definido de lugares no conselho de fiscalização de uma sociedade, como representantes dos trabalhadores nesse conselho, constituir um elemento característico do regime nacional de participação dos representantes dos trabalhadores, introduzido com vista a reforçar a participação dos trabalhadores na empresa e essa legislação lhe atribuir, como no presente caso, um caráter imperativo, este elemento processual deve ser considerado como fazendo parte de «todos os elementos relativos ao envolvimento dos trabalhadores», na aceção do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86. Este elemento processual deve, assim, ser tido em conta para efeitos do acordo sobre o regime de envolvimento a que se refere essa disposição.

    40

    Em segundo lugar, quanto ao contexto em que se insere o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, este confirma a interpretação literal desta disposição, no sentido de que o legislador da União pretendeu dar um tratamento especial às SE constituídas por transformação para que não sejam prejudicados os direitos em matéria de envolvimento de que beneficiam os trabalhadores da sociedade que deve ser transformada em SE em aplicação da legislação e/ou prática nacionais.

    41

    Assim, antes de mais, o n.o 2 do artigo 4.o desta diretiva enumera os diferentes elementos que o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores na SE deve conter, entre os quais, se for caso disso, o número de membros do órgão de administração ou de fiscalização da SE que os trabalhadores terão o direito de eleger, designar, recomendar ou cuja designação poderão rejeitar, os procedimentos a seguir para que os trabalhadores possam eleger, designar ou recomendar esses membros ou rejeitar a sua designação, bem como os seus direitos. Ora, esta disposição prevê que esta se aplica «sob reserva do disposto no n.o 4» do mesmo artigo, de modo que este último número não pode ser analisado como uma disposição derrogatória, que seria de interpretação estrita.

    42

    Em seguida, resulta do considerando 10 da referida diretiva que o legislador da União considerou que, no caso da constituição de uma SE, nomeadamente através de transformação, há um risco acrescido de desaparecimento ou de redução dos sistemas e das práticas de participação existentes.

    43

    A interpretação literal do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, feita no n.o 39 do presente acórdão, é, em terceiro lugar, conforme com o objetivo prosseguido por esta diretiva. Com efeito, nos termos do considerando 18 desta diretiva, «[a] garantia dos direitos adquiridos dos trabalhadores quanto ao seu envolvimento nas decisões das sociedades é um princípio fundamental e um objetivo declarado da [referida] diretiva». Este considerando enuncia ainda que «[o]s direitos dos trabalhadores anteriores à criação da SE constituem um ponto de partida para a definição dos seus direitos de envolvimento na SE (princípio “do antes e depois”)». Assim, resulta da Diretiva 2001/86 que a garantia dos direitos adquiridos pretendida pelo legislador da União implica não apenas a manutenção dos direitos adquiridos dos trabalhadores na sociedade a transformar em SE mas também o alargamento destes direitos a todos trabalhadores da SE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2013, Comissão/Países Baixos, C‑635/11, EU:C:2013:408, n.os 40 e 41).

    44

    Importa acrescentar, como resulta igualmente dos considerandos 10 e 15 da Diretiva 2001/86 e do artigo 11.o desta diretiva, que o legislador da União pretendeu afastar o risco de a constituição de uma SE, nomeadamente por transformação, conduzir à redução, ou mesmo ao desaparecimento, dos direitos de envolvimento de que beneficiavam os trabalhadores da sociedade a transformar em SE por força da legislação e/ou prática nacionais.

    45

    Por último, em quarto lugar, a interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, que resulta dos n.os 32 a 44 do presente acórdão, é ainda corroborada pela génese desta diretiva. Com efeito, por um lado, como reconheceram todas as partes que apresentaram observações e como resulta do relatório final do grupo de peritos «Sistemas Europeus de Participação dos Trabalhadores» (relatório Davignon) de maio de 1997 (C4‑0455/97), o regime aplicável às SE por transformação constituía, durante as negociações apara a adoção da referida diretiva, o principal obstáculo. Foram expressas preocupações a este respeito, nomeadamente pelo Governo alemão, quanto ao risco de a criação de uma SE por transformação implicar uma redução do nível de envolvimento dos trabalhadores da sociedade que deve ser transformada. Só com a introdução de uma disposição que regulasse especificamente a hipótese da criação de uma SE por transformação e garantisse que essa criação não implicaria uma redução do nível de envolvimento dos trabalhadores existente na sociedade a transformar, disposição finalmente retomada no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86, foi possível o processo de adoção desta diretiva prosseguir.

    46

    Tendo em conta o que precede, o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 deve ser interpretado no sentido de que o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores aplicável a uma SE criada por transformação deve prever um escrutínio distinto para eleger, como representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização da SE, uma determinada proporção de candidatos propostos pelos sindicatos, uma vez que o direito nacional aplicável impõe esse escrutínio distinto no que respeita à composição do conselho de fiscalização da sociedade a ser transformada em SE.

    47

    Por conseguinte, no caso em apreço, é à luz do direito alemão aplicável à SAP antes de ser transformada em SE, especialmente do § 7, n.o 2, da MitbestG, lido em conjugação com o seu § 16, n.o 2, que há que apreciar se o acordo de envolvimento garante um nível no mínimo idêntico de envolvimento dos trabalhadores na tomada de decisão nessa sociedade após a sua transformação em SE.

    48

    Importa ainda precisar que, como mencionado no n.o 43 do presente acórdão, dado que a garantia dos direitos adquiridos pretendida pelo legislador da União implica não só a manutenção dos direitos adquiridos dos trabalhadores na sociedade a transformar em SE mas também o alargamento desses direitos a todos os trabalhadores da SE, todos os trabalhadores da SE criada por transformação devem beneficiar dos mesmos direitos de que beneficiavam os trabalhadores da sociedade a transformar em SE.

    49

    Daqui resulta que, no caso em apreço, todos os trabalhadores da SAP devem poder beneficiar do processo eleitoral prescrito pela legislação alemã, mesmo na falta de indicação nesse sentido dessa legislação. Como resulta da decisão de reenvio e do n.o 55 das conclusões do advogado‑geral, a fim de preservar plenamente os direitos desses trabalhadores, de promover os objetivos sociais da União, enunciados no considerando 3 da Diretiva 2001/86, e de garantir a existência de procedimentos de informação, de consulta e de participação dos trabalhadores ao nível transnacional, o direito de propor uma determinada proporção dos candidatos às eleições dos representantes dos trabalhadores num conselho de fiscalização de uma SE, criada por transformação, como a SAP, não pode ser reservado aos sindicatos alemães, mas deve ser alargado a todos os sindicatos representados na SE, nas suas filiais e nos seus estabelecimentos, de modo a assegurar a igualdade entre esses sindicatos no que respeita a esse direito.

    50

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86 deve ser interpretado no sentido de que o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores aplicável a uma SE criada por transformação, conforme previsto nesta disposição, deve prever um escrutínio distinto para eleger, como representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização da SE, uma determinada proporção de candidatos propostos pelos sindicatos, quando o direito nacional aplicável impõe esse escrutínio distinto no que respeita à composição do conselho de fiscalização da sociedade a ser transformada em SE, devendo a igualdade de tratamento entre os trabalhadores dessa SE, das suas filiais e dos seus estabelecimentos, bem como entre os sindicatos nela representados, ser respeitada no âmbito desse escrutínio.

    Quanto às despesas

    51

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    O artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2001/86/CE do Conselho, de 8 de outubro de 2001, que completa o estatuto da Sociedade Europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores,

     

    deve ser interpretado no sentido de que:

     

    o acordo sobre o regime de envolvimento dos trabalhadores aplicável a uma sociedade europeia (SE) criada por transformação, conforme previsto nesta disposição, deve prever um escrutínio distinto para eleger, como representantes dos trabalhadores no conselho de fiscalização da SE, uma determinada proporção de candidatos propostos pelos sindicatos, quando o direito nacional aplicável impõe esse escrutínio distinto no que respeita à composição do conselho de fiscalização da sociedade a ser transformada em SE, devendo a igualdade de tratamento entre os trabalhadores dessa SE, das suas filiais e dos seus estabelecimentos, bem como entre os sindicatos nela representados, ser respeitada no âmbito desse escrutínio.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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