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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0433

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 6 de outubro de 2022.
Agenzia delle Entrate contra Contship Italia SpA.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade direta — Liberdade de estabelecimento — Imposto sobre o rendimento das sociedades — Regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais — Determinação do rendimento tributável com base num rendimento mínimo presumido — Exclusão do âmbito de aplicação desse regime das sociedades e entidades cotadas nos mercados regulamentados nacionais.
Processos apensos C-433/21 e C-434/21.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:760

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

6 de outubro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade direta — Liberdade de estabelecimento — Imposto sobre o rendimento das sociedades — Regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais — Determinação do rendimento tributável com base num rendimento mínimo presumido — Exclusão do âmbito de aplicação desse regime das sociedades e entidades cotadas nos mercados regulamentados nacionais»

Nos processos apensos C‑433/21 e C‑434/21,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisões de 8 de julho de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 16 de julho de 2021, nos processos

Agenzia delle Entrate

contra

Contship Italia SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Jääskinen (relator), presidente de secção, M. Safjan e N. Piçarra, juízes,

advogada‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Contship Italia SpA, por F. d’Ayala Valva, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis, D. G. Pintus e F. Urbani Neri, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e P. Rossi, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 18.o TFUE, lido em conjugação com o princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artigo 49.o TFUE.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios, cujos factos são idênticos à exceção dos exercícios fiscais em causa, a saber o exercício de 2005 no processo C‑433/21 e o exercício de 2004 no processo C‑434/21, que opõem a Contship Italia SpA (a seguir «Contship»), enquanto sociedade incorporante e sucessora da Borgo Supermercati Srl, à Agenzia delle Entrate (Administração Tributária, Itália), a respeito da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais.

Quadro jurídico

3

O artigo 30.o, n.o 1, da legge n.o 724 — Misure di razionalizzazione della finanza pubblica (Lei n.o 724 sobre as Medidas de Racionalização das Finanças Públicas), de 23 de dezembro de 1994 (suplemento ordinário da GURI n.o 304, de 30 de dezembro de 1994), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Lei n.o 724/1994»), enunciava:

«As sociedades por ações, em comandita por ações, de responsabilidade limitada, em nome coletivo ou em comandita simples, bem como as sociedades e as entidades não residentes de qualquer tipo, com um estabelecimento estável no território do Estado, são consideradas, salvo prova em contrário, sociedades não operacionais se o montante total das receitas, dos aumentos dos saldos remanescentes e dos rendimentos, com exceção dos que são extraordinários, que constem do balanço, quando exigido, for inferior à soma dos montantes obtidos por aplicação: a) de 1 % ao valor dos bens referidos no artigo 53.o, n.o 1, alínea c), do decreto del Presidente della Repubblica n.o 917 — Approvazione del testo unico delle imposte sui redditi (Decreto Presidencial n.o 917 que aprova o texto único dos impostos sobre os rendimentos), de 22 de dezembro de 1986 (suplemento ordinário da GURI n.o 302, de 31 de dezembro de 1986), mesmo que constituam imobilizações financeiras, acrescido do valor dos créditos; b) de 4 % ao valor das imobilizações constituídas por bens imóveis e bens referidos no artigo 8.o bis, n.o 1, alínea a), do decreto del Presidente della Repubblica n.o 633 — Istituzione e disciplina dell'imposta sul valore aggiunto (Decreto Presidencial n.o 633 que Cria e Regulamenta o Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 26 de outubro de 1972 (suplemento ordinário da GURI n.o 292, de 11 de novembro de 1972, p. 2), na sua redação alterada, incluindo as locações financeiras; c) de 15 % ao valor das outras imobilizações, incluindo as locações financeiras.

[…]

As disposições acima enunciadas não são aplicáveis: […]

5) às sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos […]»

4

O artigo 1.o, n.o 109, da legge n. 296 — Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2007) [Lei n.o 296 que Estabelece as Disposições para a Elaboração do Orçamento Anual e Plurianual do Estado (Lei de Finanças de 2007)], de27 de dezembro de 2006 (suplemento ordinário da GURI n.o 299, de 27 de dezembro de 2006), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Lei n.o 296/2006»), alargou, com efeitos a partir do exercício fiscal em curso em 4 de julho de 2006, o âmbito de aplicação da exclusão prevista no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, «às sociedades e entidades que controlam sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos e estrangeiros, bem como às próprias sociedades e entidades cotadas e às sociedades por elas controladas, ainda que indiretamente».

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

5

A Borgo Supermercati era uma sociedade de responsabilidade limitada de direito italiano detida a 100 % pela Eurokai KGaA, cotada em bolsa na Alemanha. Nos exercícios fiscais de 2004 e 2005, a Borgo Supermercati era uma «holding pura», consistindo a sua atividade exclusivamente na gestão da sua participação no capital da Mika Srl, de que era a única acionista.

6

Por dois avisos de liquidação, relativos aos exercícios fiscais de 2004 e 2005, a Administração Tributária considerou, em aplicação do artigo 30.o da Lei n.o 724/1994, que a Borgo Supermercati preenchia os critérios para poder ser considerada uma sociedade não operacional e, em conformidade com este artigo, determinou o rendimento tributável para efeitos de imposto sobre o rendimento das sociedades (IRES) desta sociedade, reconstituindo‑o a partir do valor do único ativo detido pela referida sociedade, a saber, a participação de 100 % no capital da Mika.

7

A Borgo Supermercati interpôs dois recursos desses dois avisos de liquidação na Commissione tributaria provinciale di Genova (Comissão Tributária Provincial de Génova, Itália), que negou provimento a estes dois recursos na totalidade.

8

A Borgo Supermercati interpôs dois recursos das decisões desfavoráveis da Comissão Tributária Provincial de Génova na Commissione tributaria regionale della Liguria (Comissão Tributária Regional da Ligúria, Itália), que deu provimento parcial aos dois recursos.

9

A Commissione tributaria regionale della Liguria (Comissão Tributária Regional da Ligúria), declarou que o facto de a Borgo Supermercati ser detida por uma sociedade cotada em bolsa na Alemanha, durante o exercício fiscal em causa, permitia alargar a esta o motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, cujo âmbito de aplicação estava limitado, à data dos factos em causa nos processos principais, às sociedades diretamente cotadas no mercado regulamentado italiano. Esta interpretação extensiva impunha‑se por força do princípio segundo o qual é razoável e oportuno interpretar o motivo de exclusão relativo à cotação em bolsa em conformidade com o princípio da não discriminação, apesar de o legislador só ter previsto esse alargamento do âmbito de aplicação do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 na sequência da reforma introduzida pela Lei n.o 296/2006.

10

A Administração Tributária e a Contship, que entretanto absorveu a Borgo Supermercati, interpuseram recurso das decisões da Commissione tributaria regionale della Liguria (Comissão Tributária Regional da Ligúria) na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

11

Em apoio dos seus recursos, a Contship alega, em substância, que a sociedade de direito alemão acionista a 100 % da Borgo Supermercati deveria, com base numa interpretação coerente do corpus legislativo, ter sido equiparada às «sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos», mencionadas no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, na sua versão aplicável ratione temporis aos factos em causa nos processos principais, e, portanto, a filial desta sociedade de direito alemão deveria ter escapado ex lege à aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais. Com efeito, segundo a Contship, uma interpretação do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, na redação anterior à Lei n.o 296/2006, que não seguisse a abordagem descrita supra, implicaria uma discriminação em razão da nacionalidade da entidade reguladora e violaria a liberdade de estabelecimento, bem como a liberdade de iniciativa económica e comercial na União.

12

Na opinião da Contship, a sua interpretação é confirmada pela alteração introduzida ao artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, pela Lei n.o 296/2006, que, de certo modo, alinhou a regulamentação nacional em causa com os princípios inerentes à ordem jurídica da União.

13

A título preliminar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o da Lei n.o 724/1994, visa desencorajar o recurso a uma forma jurídica determinada para fins diferentes daqueles que animam a dinâmica normal das entidades coletivas comerciais. Este órgão jurisdicional precisa que esse regime fiscal se aplica unicamente às sociedades comerciais com fins lucrativos, incluindo os estabelecimentos estáveis de sociedades estrangeiras e as sociedades ditas «extraterritoriais».

14

O referido órgão jurisdicional salienta que a identificação das sociedades sujeitas ao referido regime fiscal se efetua através da aplicação de um teste dito de «operacionalidade» que assenta numa avaliação da produtividade dos ativos detidos por essas sociedades em relação a parâmetros de rendimento mínimo predeterminados por lei. Assim, quando uma sociedade declara para o exercício fiscal em causa um rendimento inferior à soma que resultaria da aplicação desses parâmetros de rendimento mínimo, presume‑se que essa sociedade não está operacional e isso conduz à determinação do rendimento tributável com base no rendimento mínimo presumido pela lei.

15

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o artigo 30.o da Lei n.o 724/1994 prevê igualmente motivos de exclusão da aplicação do mesmo regime fiscal. Entre esses motivos de exclusão figura o previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 que, na sua versão aplicável ratione temporis aos factos em causa nos processos principais, previa que o regime do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais não se aplicava «às sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos».

16

Este órgão jurisdicional sublinha que o âmbito de aplicação do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 foi alargado pela Lei n.o 296/2006, com efeitos a partir do exercício fiscal em curso em 4 de julho de 2006, «às sociedades e entidades que controlam sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos e estrangeiros, bem como às próprias sociedades e entidades cotadas e às sociedades por elas controladas, ainda que indiretamente». A Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) considera, no entanto, que esta alteração não é aplicável ratione temporis aos factos em causa nos processos principais e que a redação do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, tal como existia anteriormente a esta alteração, não permitia adotar uma interpretação segundo a qual o alargamento do âmbito de aplicação do motivo de exclusão correspondente às filiais das sociedades cotadas, em Itália ou no estrangeiro, já poderia ser aplicável à data desses factos.

17

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, na sua versão aplicável aos factos em causa nos processos principais, com o princípio da não discriminação, lido em conjugação com o princípio da liberdade de estabelecimento, consagrados respetivamente no artigo 18.o e no artigo 49.o TFUE.

18

Com efeito, segundo este órgão jurisdicional, por um lado, o artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 é suscetível de conduzir a uma discriminação em sentido estrito entre as sociedades que emitem títulos negociados em mercados regulamentados italianos e as sociedades cotadas em mercados estrangeiros. Por outro lado, o não alargamento do motivo de exclusão em causa, que é potencialmente portador de um benefício fiscal, às sociedades‑mãe cotadas em mercados regulamentados italianos e estrangeiros, é suscetível de gerar uma restrição à liberdade de estabelecimento, com o efeito dissuasor que daí resulta para as sociedades que, embora não residentes e sem estabelecimentos estáveis, têm, no entanto, a intenção de exercer a liberdade de estabelecimento secundário em Itália, controlando sociedades residentes nesse país.

19

Nestas condições, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, tanto no processo C‑433/21 como no processo C‑434/21, a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 18.o (ex‑artigo 12.o TCE) e 49.o (ex‑artigo 43.o TCE) do TFUE opõem‑se a uma disposição nacional que, como o artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da [Lei n.o 724/1994], na versão aplicável ratione temporis e antes das alterações introduzidas pela [Lei n.o 296/2006], apenas exclui do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais — assente na fixação de níveis mínimos de rendimento e receitas, associados ao valor de determinados ativos da sociedade, cujo incumprimento constitui um indício sério da natureza não‑operacional da sociedade e conduz à determinação do rendimento tributável com base em presunções — as sociedades e entidades cujos [títulos] são negociados em mercados regulamentados italianos e não também as sociedades e entidades cujos valores mobiliários são negociados em mercados regulamentados estrangeiros, bem como as sociedades que controlam ou são controladas, mesmo indiretamente, pelas mesmas sociedades e entidades cotadas em bolsa?»

20

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2021, os presentes processos foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e da decisão do Tribunal de Justiça.

Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

21

O Governo italiano invoca a inadmissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial em razão do caráter hipotético da questão submetida em cada um dos processos apensos.

22

Este Governo alega que o motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, só se aplicava, à data dos factos em causa nos processos principais, às sociedades e entidades cujos títulos eram negociados nos mercados regulamentados italianos e que, por conseguinte, uma vez que a Contship nunca emitiu títulos, nem no mercado italiano nem num mercado estrangeiro, não pode alegar que a regulamentação nacional em causa nos processos principais constituía uma discriminação a seu respeito.

23

Daqui decorre que os órgãos jurisdicionais nacionais, a quem é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de tomar uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões submetidas tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 34 e 35; de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C‑310/17, EU:C:2018:899, n.o 27 e jurisprudência referida, e de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.o 28).

24

Com efeito, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 25; de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C‑310/17, EU:C:2018:899, n.o 28 e jurisprudência referida, e de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.o 29 e jurisprudência referida).

25

Nos casos em apreço, resulta das decisões de reenvio que, embora a Contship nunca tenha emitido títulos no mercado italiano nem num mercado estrangeiro, o caráter discriminatório do motivo de exclusão previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 poderia resultar de uma diferença de tratamento entre as sociedades filiais das sociedades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos e as sociedades filiais das sociedades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados estrangeiros.

26

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, igualmente, se a regulamentação nacional em causa nos processos principais tem um efeito dissuasor para as sociedades cotadas em mercados regulamentados estrangeiros que, embora não residentes e sem estabelecimentos estáveis, têm, no entanto, a intenção de exercer a sua liberdade de estabelecimento secundário em Itália, controlando sociedades residentes nesse país.

27

Assim, não resulta de forma manifesta que a interpretação solicitada do direito da União não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto dos litígios nos processos principais.

28

Decorre do exposto que os pedidos de decisão prejudicial são admissíveis.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

29

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.o TFUE apenas se destina a ser aplicado autonomamente em situações reguladas pelo direito da União em relação às quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação. Ora, o princípio da não discriminação foi posto em prática, no domínio do direito de estabelecimento, pelo artigo 49.o TFUE (Acórdãos de 29 de fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos, C‑193/94, EU:C:1996:70, n.os 20 e 21, e de 5 de fevereiro de 2014, Hervis Sport‑ és Divatkereskedelmi, C‑385/12, EU:C:2014:47, n.o 25; Despacho de 22 de outubro de 2021, O e o., C‑691/20, não publicado, EU:C:2021:895, n.os 20 e 21).

30

Assim, uma vez que as circunstâncias factuais dos litígios nos processos principais dizem respeito a uma sociedade italiana controlada por uma sociedade estabelecida num outro Estado‑Membro, o artigo 49.o TFUE é a disposição pertinente para apreciar a compatibilidade da regulamentação nacional em causa com o direito da União (v., por analogia, Acórdãos de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 91, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 52).

31

Por conseguinte, não há que proceder a uma interpretação do artigo 18.o TFUE, mas exclusivamente a uma interpretação do artigo 49.o TFUE.

Quanto à liberdade de estabelecimento

32

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.o TFUE se opõe a uma regulamentação, como o artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, na sua versão aplicável aos factos em causa nos processos principais, que limita o benefício do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais exclusivamente às sociedades cujos títulos são negociados nos mercados regulamentados nacionais, afastando do âmbito de aplicação deste motivo de exclusão as outras sociedades, nacionais ou estrangeiras, cujos títulos não são negociados nos mercados regulamentados nacionais, mas que são controladas por sociedades ou entidades cotadas em mercados regulamentados estrangeiros.

33

Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 49.o TFUE impõe a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro. Esta liberdade comporta, de acordo com o artigo 54.o TFUE,para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e cuja sede social, administração central ou principal estabelecimento se situe no interior da União, o direito de exercer a sua atividade noutros Estados‑Membros através de uma filial, sucursal ou agência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN, C‑307/97, EU:C:1999:438, n.o 35, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.o 33 e jurisprudência referida).

34

Segundo jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento visa garantir o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento aos nacionais de outros Estados‑Membros e às sociedades referidas no artigo 54.o TFUE, e proíbe, no que respeita às sociedades, qualquer discriminação baseada no lugar da sede (Acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, EU:C:2006:773, n.o 43, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 59 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, são proibidas não apenas as discriminações ostensivas baseadas no lugar da sede das sociedades, mas também quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, em aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (Acórdãos de 5 de fevereiro de 2014, Hervis Sport‑ és Divatkereskedelmi, C‑385/12, EU:C:2014:47, n.o 30; de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 62, e de 25 de fevereiro de 2021, Novo Banco, C‑712/19, EU:C:2021:137, n.o 31).

36

Uma regulamentação nacional que opera, para efeitos da determinação do rendimento tributável, uma distinção em função do local de negociação dos títulos em causa é suscetível de ser abrangida por essa proibição.

37

Todavia, nos casos em apreço, em conformidade com o artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, na sua versão aplicável ratione temporis aos factos em causa nos processos principais, só beneficiam do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais as «sociedades e entidades cujos títulos são negociados em mercados regulamentados italianos».

38

Por conseguinte, tendo em conta o âmbito de aplicação desta disposição, há que concluir que da regulamentação nacional em causa nos processos principais não resulta nenhuma diferença de tratamento entre uma sociedade detida por uma sociedade‑mãe cotada na Alemanha, como a Contship, e uma sociedade detida por uma sociedade‑mãe cotada em Itália. Com efeito, uma vez que esta regulamentação apenas concede o benefício do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, às sociedades que estão, elas próprias, cotadas no mercado regulamentado italiano, o facto de uma sociedade ser filial de uma sociedade‑mãe cotada em Itália ou no estrangeiro é irrelevante.

39

Em contrapartida, resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que a Contship nunca tinha emitido títulos no mercado regulamentado italiano e, por essa razão, não beneficiava do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, à semelhança de qualquer outra sociedade italiana não cotada. Por conseguinte, se a Contship, em vez de ser controlada por uma sociedade cotada na Alemanha, tivesse sido controlada por uma sociedade cotada em Itália, também não poderia invocar o motivo de exclusão previsto nessa disposição.

40

Nestas condições, nenhuma diferença de tratamento pode resultar da aplicação do artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 entre uma sociedade detida por uma sociedade‑mãe cotada num mercado estrangeiro e uma sociedade detida por uma sociedade‑mãe cotada no mercado italiano.

41

Em segundo lugar, resulta de jurisprudência constante que o artigo 49.o TFUE se opõe a qualquer medida nacional que, embora indistintamente aplicável quanto à nacionalidade, seja suscetível de perturbar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado FUE, podendo tais efeitos restritivos produzir‑se designadamente quando, em razão de uma regulamentação nacional, uma sociedade puder ser dissuadida de criar entidades subordinadas, como um estabelecimento estável, noutros Estados‑Membros e de exercer a sua atividade por intermédio destas entidades (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vivendi, C‑719/18, EU:C:2020:627, n.o 51, e Despacho de 22 de outubro de 2021, O e o., C‑691/20, não publicado, EU:C:2021:895, n.o 23).

42

A este respeito, há que sublinhar que, por força do princípio da autonomia fiscal dos Estados‑Membros, na falta de medidas de harmonização tomadas a nível da União, cabe a estes últimos determinar o regime fiscal aplicável às sociedades não operacionais presumidas. No entanto, essa competência deve ser exercida no respeito do direito da União e, nomeadamente, das disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento (v., por analogia, Acórdãos de 30 de junho de 2011, Meilicke e o., C‑262/09, EU:C:2011:438, n.os 37 e 38, e de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.o 48 e jurisprudência referida).

43

Nos casos em apreço, contudo, resulta da regulamentação em causa nos processos principais que, quando uma sociedade‑mãe está cotada no mercado regulamentado italiano, a sua filial não pode beneficiar do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, se esta filial não estiver ela própria cotada.

44

Daqui decorre que nenhum tratamento fiscal vantajoso para as filiais está sujeito à condição de as sociedades‑mãe estarem cotadas no mercado bolsista nacional.

45

Assim, uma vez que a regulamentação em causa nos processos principais não favorece as sociedades detidas por sociedades‑mãe cotadas no mercado regulamentado nacional que pretendam beneficiar do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, nenhum efeito dissuasor pode resultar desta regulamentação para as sociedades‑mãe cotadas em mercados estrangeiros.

46

Por outro lado, há que salientar, à semelhança da Comissão Europeia, que o motivo de exclusão previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994 só se aplicava às sociedades não operacionais presumidas cujos títulos eram negociados em mercados regulamentados italianos e excluía assim as sociedades não operacionais cotadas em mercados estrangeiros, incluindo as dos outros Estados‑Membros que não a República Italiana. No entanto, esta última situação não é a que resulta das circunstâncias dos processos principais e, por conseguinte, uma resposta do Tribunal de Justiça à questão de saber se essa diferenciação deve ser considerada uma discriminação no que respeita à liberdade de estabelecimento iria além das questões submetidas e não seria útil ao órgão jurisdicional de reenvio para determinar a solução dos litígios nos processos principais.

47

Por conseguinte, uma limitação do âmbito de aplicação pessoal do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais, previsto no artigo 30.o, n.o 1, ponto 5, da Lei n.o 724/1994, como a que está em causa nos processos principais, não é suscetível de perturbar ou tornar menos atrativo o estabelecimento, no território italiano, de uma sociedade‑mãe cotada num mercado regulamentar estrangeiro.

48

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que limita a aplicação do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais às sociedades cujos títulos são negociados nos mercados regulamentados nacionais, afastando do âmbito de aplicação deste motivo de exclusão as outras sociedades, nacionais ou estrangeiras, cujos títulos não são negociados em mercados regulamentados nacionais, mas que são controladas por sociedades ou entidades cotadas em mercados regulamentados estrangeiros.

Quanto às despesas

49

Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que limita a aplicação do motivo de exclusão da aplicação do regime fiscal do combate à evasão fiscal das sociedades não operacionais às sociedades cujos títulos são negociados nos mercados regulamentados nacionais, afastando do âmbito de aplicação deste motivo de exclusão as outras sociedades, nacionais ou estrangeiras, cujos títulos não são negociados em mercados regulamentados nacionais, mas que são controladas por sociedades ou entidades cotadas em mercados regulamentados estrangeiros.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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