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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CC0576

    Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 3 de fevereiro de 2022.


    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:75

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NICHOLAS EMILIOU

    apresentadas em 3 de fevereiro de 2022 ( 1 )

    Processo C‑576/20

    CC

    contra

    Pensionsversicherungsanstalt

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria)]

    «Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Coordenação dos sistemas de segurança social — Artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Análise do direito a uma pensão de velhice — Contagem dos períodos de educação de filhos cumpridos noutro Estado‑Membro — Condições — Princípio da equiparação dos factos — Atividade profissional exercida num único Estado‑Membro»

    I. Introdução

    1.

    O Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria) questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social ( 2 ).

    2.

    Este reenvio foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CC (a seguir «recorrente») à Pensionsversicherungsanstalt (a seguir «PVA»), instituição responsável pelo regime legal relativo à pensão de velhice na Áustria, e tem por objeto a recusa da PVA em ter em conta, para efeitos do cálculo da pensão de velhice da recorrente, os períodos de tempo que esta dedicou à educação dos seus filhos na Bélgica e na Hungria.

    3.

    Neste contexto, as questões incidem mais especificamente sobre as condições em que a instituição competente de um Estado‑Membro deve, no caso de uma pessoa ter exercido uma atividade profissional, aplicar a legislação desse Estado‑Membro aos períodos de educação de filhos cumpridos por essa pessoa num ou em muitos outros Estados‑Membros.

    4.

    O Tribunal de Justiça já declarou, no âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 3 ), anterior aos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 e do qual não constava qualquer disposição sobre esta questão específica, que o primeiro Estado‑Membro deve aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos que apresentem um «relação suficiente» com os períodos de atividade por conta de outrem ou de atividade por conta própria anteriormente cumpridos pela mesma pessoa no seu território.

    5.

    O cerne da questão no caso em apreço é saber se esta solução jurisprudencial continua válida, atendendo ao facto de o legislador ter adotado o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 e enumerado expressamente um conjunto de critérios com o objetivo de clarificar essa obrigação. Conforme explicarei adiante, considero que esta disposição substituiu o critério do «relação suficiente».

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    1. Regulamento n.o 883/2004 ( 4 )

    6.

    O título II do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Determinação da legislação aplicável» inclui, nomeadamente, o artigo 11.o, que prevê:

    «1.   As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

    […]

    3.   Sem prejuízo dos artigos 12.° a 16.°:

    a)

    A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

    […]

    e)

    Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.»

    7.

    Por força do artigo 87.o do mesmo regulamento:

    «1.   O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior à data da sua aplicação.

    2.   Qualquer período de seguro, bem como, se for caso disso, qualquer período de emprego, de atividade por conta própria ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes da data de aplicação do presente regulamento num dado Estado‑Membro é tido em consideração para a determinação dos direitos adquiridos ao abrigo do presente regulamento.»

    8.

    Em conformidade com o artigo 91.o do Regulamento n.o 883/2004, este regulamento é aplicável a partir da data de entrada em vigor do seu regulamento de aplicação nomeadamente o Regulamento n.o 987/2009, em 1 de maio de 2010. O presente regulamento revoga o Regulamento n.o 1408/71.

    2. Regulamento n.o 987/2009

    9.

    O Regulamento n.o 987/2009 estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004, em conformidade com o artigo 89.o deste último instrumento.

    10.

    Nos termos do considerando 14 do Regulamento n.o 987/2009:

    «São necessárias certas regras e procedimentos específicos para determinar a legislação aplicável para ter em conta os períodos em que a pessoa segurada se ocupou da educação dos filhos nos vários Estados‑Membros.»

    11.

    O artigo 44.o do mesmo regulamento dispõe:

    «1.   Para efeitos do presente artigo, entende‑se por “período de educação de filhos” qualquer período que seja tomado em consideração ao abrigo da legislação sobre pensões de um Estado‑Membro ou relativamente ao qual um suplemento de pensão seja concedido explicitamente pelo facto de uma pessoa ter educado um filho, independentemente do método utilizado para calcular tal período e de este ser contabilizado durante o tempo da educação do filho ou de ser retroativamente reconhecido.

    2.   Sempre que, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro competente nos termos do título II do [Regulamento n.o 883/2004], não sejam tomados em consideração quaisquer períodos de educação de filhos, a instituição do Estado‑Membro cuja legislação nos termos do título II do [Regulamento n.o 883/2004] era aplicável à pessoa em causa devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria à data em que, ao abrigo da referida legislação, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao descendente em causa, continua a ser responsável pela contagem deste período de educação de filhos, nos termos da sua legislação, como se a educação de filhos tivesse ocorrido no seu próprio território.

    […]»

    12.

    O artigo 93.o do Regulamento n.o 987/2009 tem a seguinte redação:

    «O disposto no artigo 87.o do [Regulamento n.o 883/2004] é aplicável às situações abrangidas pelo regulamento de aplicação.»

    B.   Direito nacional

    13.

    O § 16, n.o 3a, da Allgemeines Pensionsgesetz (Lei Geral de Pensões, a seguir «APG») (BGBl I, 2004/142) prevê, nomeadamente, que os períodos correspondentes à educação de filhos, no sentido dos §§ 227a da Allgemeines Sozialversicherungsgesetz (Lei Geral da Segurança Social, a seguir «ASVG») (BGBl 1955/189) e 116a da Gewerbliches Sozialversicherungsgesetz (Lei Federal sobre a Segurança Social das Pessoas que Exercem uma Atividade Industrial ou Comercial, a seguir «GSVG») (BGBl 1978/560) também são equiparados a meses de seguro para efeitos de cumprimento do período mínimo de seguro, nos termos do § 4, n.o 1, dessa legislação.

    14.

    O § 227a da ASVG dispõe:

    «1)   É considerado período assimilado, relativamente ao período entre 31 de dezembro de 1955 e 1 de janeiro de 2005, no domínio do regime de pensões em que se verificou o último período de contribuição anterior ou, na sua falta, em que se verificou o primeiro período de contribuição subsequente, no caso de uma pessoa segurada que se tenha efetiva e predominantemente dedicado à educação do filho (n.o 2), o período de duração dessa educação no território nacional, que não exceda 48 meses de calendário, a contar do nascimento do filho. No caso de nascimentos múltiplos, esse período é alargado para 60 meses de calendário.

    […]»

    15.

    O § 116a da GSVG corresponde, em substância, ao § 227a da ASVG.

    III. Matéria de facto, tramitação processual nacional e questões prejudiciais

    16.

    Em 11 de outubro de 2017, a recorrente requereu à PVA a atribuição de uma pensão de velhice. Afirmou ter cumprido de 4 de outubro de 1976 a 28 de agosto de 1977 um primeiro período de seguro de 11 meses na base das suas contribuições para o seguro obrigatório enquanto aprendiz na Áustria e de 1 de janeiro de 1982 a 30 de setembro de 1986 um segundo período de seguro de 57 meses em virtude de uma atividade por conta própria nesse mesmo Estado‑Membro.

    17.

    Em outubro de 1986, a recorrente deslocou‑se por motivos de estudo para o Reino Unido onde permaneceu até se mudar para a Bélgica, no início de novembro de 1987. Durante a sua estada na Bélgica, deu à luz dois filhos; o primeiro em dezembro de 1987 e o segundo em fevereiro de 1990. Inicialmente, residiu com os filhos na Bélgica, depois, entre 5 de dezembro de 1991 e 31 de dezembro de 1992, na Hungria, e finalmente, de 1 de janeiro de 1993 a 8 de fevereiro de 1993, no Reino Unido.

    18.

    De 5 de dezembro de 1987 (data em que nasceu o seu primeiro filho) a 8 de fevereiro de 1993 (data em que regressou à Áustria), a recorrente dedicou‑se à educação dos seus filhos. Durante esse período, não teve emprego remunerado.

    19.

    Depois de regressar à Áustria, a recorrente continuou a educar os seus filhos a tempo inteiro. Num momento posterior, cumpriu períodos adicionais de atividade por conta própria até outubro de 2017, altura em que se reformou.

    20.

    A PVA concedeu à recorrente, por Decisão de 29 de dezembro de 2017, uma pensão de velhice que incluía 14 meses de «períodos equiparados» correspondentes ao tempo que esta consagrou à educação dos seus filhos de janeiro de 1993 a fevereiro de 1994 no Reino Unido e na Áustria ( 5 ).

    21.

    A recorrente impugnou a referida decisão com o fundamento de que tinha direito a uma pensão de velhice de valor mais elevado, porquanto deviam ser igualmente tomados em consideração, como «períodos equiparados», os períodos consagrados à educação dos seus filhos na Bélgica e na Hungria, compreendidos entre 5 de dezembro de 1987 e 31 de dezembro de 1992 (a seguir «períodos de educação de filhos controvertidos»).

    22.

    A PVA contrapôs que, no que respeita a esses períodos, a recorrente não preenchia os critérios enunciados no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009. Em primeiro lugar, não teve um emprego remunerado no momento imediatamente anterior àquele em que os períodos de educação de filhos controvertidos começaram a ser tomados em consideração ao abrigo do direito austríaco. Em segundo lugar, esses períodos cumpriram‑se em Estados‑Membros (nomeadamente, Bélgica e Hungria) cuja legislação já permitia que fosse tomado em consideração o tempo dedicado à educação de filhos.

    23.

    O tribunal de primeira instância, o Arbeits‑ und Sozialgericht Wien (Tribunal do Trabalho e da Segurança Social de Viena, Áustria) julgou o pedido da recorrente improcedente, com o fundamento de que não se encontravam preenchidos os pressupostos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009. O Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) confirmou esta decisão. A recorrente interpôs posteriormente recurso para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça), pedindo que lhe seja dado provimento.

    24.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os Regulamentos n.os 883/2004 e n.o 987/2009 são aplicáveis ratione temporis ao presente processo. Considera ainda que, uma vez que a recorrente não exercia uma atividade por conta de outrem ou por conta própria na Áustria quando se começou a ocupar da educação dos seus filhos, os períodos de educação de filhos controvertidos não cumprem as condições enunciadas no 44.°, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009.

    25.

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que os Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 não visam harmonizar nem mesmo aproximar os sistemas de segurança social dos Estados‑Membros, mas apenas coordená‑los. Os particulares como a recorrente não podem, portanto, esperar que a sua deslocação de um Estado‑Membro para outro não tenha incidência sobre a sua situação em matéria de segurança social e que as autoridades competentes do Estado‑Membro no qual trabalharam considerem sempre os períodos de educação de filhos cumpridos num ou vários Estados‑Membros (neste caso, a Bélgica e a Hungria) como se tivessem sido cumpridos no seu próprio território.

    26.

    Todavia, também considera que as circunstâncias do processo principal são análogas às que deram origem ao Acórdão no processo Reichel‑Albert ( 6 ), no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1408/71 (que foi revogado e substituído pelos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009). Seguindo o raciocínio do Tribunal de Justiça nesse acórdão e noutros acórdãos anteriores (a saber, Elsen ( 7 ) e Kauer ( 8 )), seria suficiente, para que a legislação austríaca se aplique aos períodos de educação de filhos controvertidos, estabelecer a existência de uma «relação suficiente» entre esses períodos e os períodos equiparados de atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria, cumpridos nesse Estado‑Membro.

    27.

    A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que apesar de a recorrente não estar na Áustria quando os seus filhos nasceram, era de facto apenas nesse Estado‑Membro que ela tinha trabalhado e cumprido períodos equiparados de atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria. Também explica que uma vez que o Regulamento n.o 1408/71 ainda estava em vigor à data dos períodos de educação de filhos controvertidos, existem, à luz da jurisprudência mencionada acima do Tribunal de Justiça, razões substanciais a favor da aplicação do critério da «relação suficiente» a esses períodos. Se tal não fosse possível, a recorrente encontrar‑se‑ia numa situação menos favorável aos seus próprios interesses após a entrada em vigor do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 do que anteriormente. Esta alteração da sua situação jurídica ocorreria muito depois de cumprir os períodos de educação controvertidos.

    28.

    Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à questão de saber se a aplicabilidade do direito austríaco aos períodos de educação de filhos controvertidos deve ser resolvida unicamente à luz do 44.°, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009. Questiona‑se se esta disposição é suscetível, no caso em apreço, de interferir com a confiança legítima que a recorrente podia ter retirado da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

    29.

    Neste contexto, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 987/2009] ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro responsável pela concessão de uma pensão de velhice, ao abrigo de cuja legislação a requerente da pensão tenha exercido, durante toda a sua vida laboral, atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria, com exceção dos períodos de educação de filhos, tome em conta esses períodos de educação de filhos passados noutros Estados‑Membros, pelo facto de a requerente da pensão, à data em que, em virtude da legislação desse Estado‑Membro, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao filho em causa, não se encontrar a exercer uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria?

    Em caso de resposta negativa à primeira questão:

    2)

    Deve o artigo 44.o, n.o 2, primeira frase, primeira parte, do Regulamento [n.o 987/2009] ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro competente nos termos do título II do Regulamento [n.o 883/2004] sobre a coordenação dos sistemas de segurança social, não toma em conta os períodos de educação de filhos a título da sua legislação de maneira geral, ou não o faz apenas no caso concreto?»

    30.

    O pedido de decisão prejudicial, datado de 13 de outubro de 2020, deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2020. Foram apresentadas observações escritas pela recorrente, a PVA, os Governos checo, espanhol e austríaco, bem como pela Comissão.

    31.

    Todas as partes e os interessados, com exceção do Governo checo, estiveram representados na audiência de alegações realizada em 11 de novembro de 2021.

    IV. Análise

    32.

    Em conformidade com o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, as autoridades competentes de um Estado‑Membro em que uma pessoa tenha exercido uma atividade por conta de outrem ou por conta própria (a seguir «Estado‑Membro A») devem, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, ter em consideração os períodos de educação de filhos cumpridos por essa pessoa noutro Estado‑Membro (a seguir «Estado‑Membro B»), como se a educação de filhos tivesse ocorrido no seu próprio território ( 9 ), desde que se verifiquem as seguintes condições:

    Não sejam tomados em consideração quaisquer períodos de educação de filhos ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B;

    A legislação do Estado‑Membro A era anteriormente aplicável à pessoa em causa devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria nesse Estado‑Membro; e

    Essa pessoa continuou a estar sujeita à legislação do Estado‑Membro A devido à referida atividade à data em que, ao abrigo da legislação desse mesmo Estado‑Membro, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao descendente em causa ( 10 ).

    33.

    Com as suas questões, que analisarei separadamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça o âmbito de aplicação material desta disposição em dois aspetos.

    34.

    Em primeiro lugar, interroga‑se, em substância, se a solução jurisprudencial adotada pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência anterior (e, mais concretamente, no Acórdão Reichel‑Albert) continua a ser aplicável no contexto do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, de molde que, mesmo que o terceiro requisito acima enumerado não se encontre preenchido, as autoridades competentes do Estado‑Membro A sejam obrigadas, contanto que exista uma «relação suficiente» entre os respetivos períodos de atividade por conta de outrem ou por conta própria cumpridos no seu território e os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B, a aplicar a sua legislação a esses períodos.

    35.

    Mais precisamente, pretende saber se e, sendo caso disso, em que medida o critério da «relação suficiente» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no âmbito da aplicação das regras gerais constantes do Regulamento n.o 1408/71, que não incluía nenhuma disposição específica relativa aos períodos de educação de filhos, continua a ser pertinente numa situação em que o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 incide diretamente sobre a questão de saber qual é a legislação do Estado‑Membro aplicável a esses períodos. Esta questão decorre do facto de, no âmbito do processo principal, os períodos de educação de filhos controvertidos não parecerem cumprir a terceira condição prevista nessa disposição, uma vez que a recorrente não exercia uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria na Áustria à data em que, ao abrigo da legislação austríaca, esses períodos começariam a ser tomados em consideração. Contudo, é provável que esses períodos obedeçam ao critério da «relação suficiente» estabelecido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência anterior.

    36.

    Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer, no que respeita à primeira condição elencada no n.o 32, supra, se o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 é aplicável apenas às situações em que o Estado‑Membro B, não prevê, em princípio, na sua legislação, a contagem dos períodos de educação de filhos, ou se é também aplicável aos casos em que embora tal legislação exista, o tempo despendido na educação dos filhos não é tido em conta in concreto por este último Estado‑Membro. Se se devesse seguir a primeira abordagem, então, no âmbito do processo principal, o direito austríaco não seria, de qualquer modo, aplicável aos períodos de educação de filhos controvertidos se o direito belga ou o direito húngaro contiverem uma disposição que permita, em princípio, que tais períodos sejam tomados em consideração. De acordo com a segunda abordagem, porém, não bastaria verificar se tais disposições legislativas existem, sendo também necessário averiguar se, no caso em apreço, os períodos de educação de filhos controvertidos foram efetivamente tidos em consideração pelas autoridades belgas ou húngaras competentes.

    A.   Quanto à primeira questão

    37.

    A minha análise da primeira questão será estruturada da seguinte forma. Em primeiro lugar, irei descrever o critério da «relação suficiente» enunciado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa à aplicação do Regulamento n.o 1408/71 (Subtítulo 1). Em seguida, explicarei por que motivo considero que este critério deixou de ser pertinente à luz dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 e, mais especificamente, no âmbito da aplicação do artigo 44.o, n.o 2, deste último regulamento (Subtítulo 2). Concluirei com algumas breves observações sobre as razões pelas quais considero que a recorrente não pode legitimamente esperar que a sua situação seja regulada pela jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça (Subtítulo 3).

    1. Anteriormente: a jurisprudência do Tribunal de Justiça nos Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert e o critério da «relação suficiente»

    38.

    Antes da entrada em vigor dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009, a jurisprudência do Tribunal de Justiça articulava‑se, a meu ver, numa abordagem em duas etapas, com base:

    na aplicabilidade, à luz dos critérios gerais estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, da legislação do Estado‑Membro A aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B, desde que haja «vínculo estreito» ou «relação suficiente» entre esses períodos e os períodos de emprego remunerado cumpridos no Estado‑Membro A (primeira etapa); e

    na obrigação, decorrente do direito primário da União, de tal legislação abordar os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B como se tivessem ocorrido no Estado‑Membro A (ou seja, equiparar esses períodos) (segunda etapa).

    39.

    Esta abordagem em duas etapas foi descrita pela primeira vez no Acórdão Elsen, que dizia respeito à educação de uma criança em França cujo progenitor encarregado da sua educação trabalhava, até à data de nascimento dessa criança bem como após o período de licença de maternidade, como trabalhadora transfronteiriça na Alemanha, onde estava sujeita ao seguro obrigatório. Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que a legislação social alemã era aplicável à situação de U. Elsen, uma vez que um «vínculo estreito» podia ser estabelecido entre os períodos de educação de filhos que cumpriu em França e os períodos que cumpriu na Alemanha devido ao exercício de uma atividade profissional nesse Estado‑Membro (primeira etapa) ( 11 ). O Tribunal de Justiça examinou, em seguida, se a legislação era compatível com o direito da União (e mais especificamente com as disposições pertinentes do Tratado), uma vez que continha uma condição que, em substância, sujeitava o direito a uma pensão de velhice ao requisito de que os filhos fossem educados na Alemanha ou aí pudessem ser considerados educados (segunda etapa) ( 12 ).

    40.

    No âmbito da primeira etapa, o Tribunal de Justiça observou que, em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 1408/71, uma pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria no território de um Estado‑Membro está sujeito à legislação de segurança social desse Estado‑Membro, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ( 13 ). No processo em causa, não se podia considerar que U. Elsen exercera uma «atividade» na Alemanha na aceção desta disposição durante os períodos em que se dedicou à educação dos seus filhos em França. Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que uma vez que havia um «vínculo estreito» entre estes períodos e os períodos de atividade na Alemanha não se podia considerar que U. Elsen tivesse cessado todas as atividades profissionais na Alemanha, estando, por esse motivo, sujeita à legislação do Estado‑Membro em que residia (França). O direito alemão era, portanto, aplicável aos períodos de educação de filhos cumpridos em França ( 14 ).

    41.

    Seguiu‑se uma linha jurisprudencial análoga no Acórdão Kauer. Nesse processo, a demandante era uma nacional austríaca cujos três filhos nasceram na Áustria. Em 1970, deslocara‑se para a Bélgica, onde se ocupara dos seus filhos a tempo inteiro. Recomeçara a trabalhar em setembro de 1975, após o seu regresso à Áustria. O Tribunal de Justiça considerou que decorria do Acórdão Elsen que o facto de uma pessoa, como L. Kauer, ter trabalhado exclusivamente num Estado‑Membro (Áustria) e estado sujeita à legislação desse Estado‑Membro no momento do nascimento dos filhos permitia estabelecer uma «relação suficiente» entre esses períodos de educação e os períodos de seguro cumpridos pelo exercício de uma atividade profissional nesse Estado‑Membro ( 15 ). Assim, no que diz respeito à primeira etapa, descrita no n.o 38, supra, o Tribunal de Justiça declarou que o direito austríaco era aplicável aos períodos de educação de filhos que L. Kauer cumpriu na Bélgica.

    42.

    Considero que, em ambos os processos, o Tribunal de Justiça baseou a sua conclusão na primeira etapa, ou seja, que a legislação aplicável aos períodos de educação de filhos controvertidos era a do Estado‑Membro A (o Estado‑Membro no qual se exerce uma atividade profissional), no facto de a recorrente exercer uma atividade profissional nesse Estado‑Membro ou estar sujeita à legislação deste último, em consequência da sua atividade profissional anterior, no momento do nascimento do filho e no início dos períodos de educação de filhos. Na minha opinião, foi este facto específico que permitiu ao Tribunal de Justiça concluir que existia um«vínculo estreito» (Acórdão Elsen) ou uma «relação suficiente» (Acórdão Kauer) entre os períodos equiparados relevantes cumpridos no Estado‑Membro A e os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B ( 16 ).

    43.

    Um cenário factual diferente surgiu no Acórdão Reichel‑Albert. Nesse processo, a progenitora que educava o filho não estava sujeita à legislação do Estado‑Membro A no momento do nascimento do mesmo (ou até imediatamente antes desse momento) Estado‑Membro. A recorrente no processo principal tinha nacionalidade alemã e, tal como as recorrentes nos Acórdãos Elsen e Kauer, tinha exercido uma atividade profissional exclusivamente num Estado‑Membro (designadamente, a Alemanha) antes de se deslocar para outro Estado‑Membro (Bélgica). No entanto, ao contrário das recorrentes nesses dois processos, residiu durante alguns meses na Bélgica antes do nascimento do seu primeiro filho. Ficou então em casa com os seus filhos na Bélgica por vários anos, durante os quais não trabalhou, antes de regressar à Alemanha onde veio a auferir meios de subsistência ( 17 ).

    44.

    Com base no critério da «relação suficiente» aplicado nos Acórdãos Elsen e Kauer, o Tribunal de Justiça considerou que o direito alemão não era aplicável à situação de D. Reichel‑Albert, apesar de os períodos durante os quais esta tinha estado sujeita a essa legislação em virtude do exercício da sua atividade profissional na Alemanha não precederem imediatamente o momento em que o seu primeiro filho nasceu na Bélgica. Parece‑me que há dois elementos que influíram especialmente na conclusão do Tribunal de Justiça. Em primeiro lugar, D. Reichel‑Albert tinha trabalhado e contribuído exclusivamente num único e mesmo Estado‑Membro (Alemanha), quer anteriormente quer posteriormente à transferência temporária da sua residência para outro Estado‑Membro (Bélgica) no qual nunca trabalhou. ( 18 ). Em segundo lugar, D. Reichel‑Albert mudara‑se para a Bélgica por razões estritamente familiares ( 19 ) e vinda diretamente da Alemanha, onde havia estado empregada até ao mês anterior à sua mudança.

    45.

    Conforme indiquei no n.o 38, supra, os três processos anteriormente referidos desenrolaram‑se no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1408/71. Este regulamento enumerava, no seu artigo 13.o, n.o 2, regras gerais destinadas a resolver questões de conflito de leis no domínio da segurança social, mas não continha nenhuma disposição relativa aos períodos de educação de filhos. Confrontado com esta lacuna legislativa, o Tribunal de Justiça estabeleceu (na primeira etapa, descrita no n.o 38 das presentes conclusões) que os períodos de educação de filhos cumpridos num Estado‑Membro diferentes daqueles em que a pessoa trabalhou continuariam a ser regulados pela lei desse Estado‑Membro desde que haja, em substância, uma «relação suficiente» aos períodos «equiparados» relevantes de atividade profissional cumpridos nesse território.

    46.

    Foi apenas depois de terminada esta apreciação que o Tribunal de Justiça se debruçou sobre as disposições pertinentes do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores e cidadãos e sobre a questão da compatibilidade com o direito primário da União (segunda etapa). Para dar apenas um exemplo, no Acórdão Reichel‑Albert, foi só depois de concluir que existia uma«ligação suficiente» entre os períodos de educação de filhos no estrangeiro controvertidos e os períodos equiparados a título de atividade profissional cumpridos pela recorrente, pelo que a legislação alemã era aplicável a esses períodos de educação de filhos no estrangeiro (primeira etapa), que o Tribunal de Justiça considerou que a mesma legislação era incompatível com o artigo 21.o TFUE (segunda etapa), por entender que D. Reichel‑Albert receberia, apesar de nunca ter exercido uma atividade por conta de outrem ou por conta própria na Bélgica, um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiaria se não tivesse exercido a sua liberdade de circulação por força dos Tratados ( 20 ).

    47.

    Após uma breve exposição da jurisprudência do Tribunal de Justiça ao abrigo do Regulamento n.o 1408/71, passarei agora a analisar a situação atual e explicar a razão pela qual, na minha opinião, o critério da «relação suficiente» não é relevante para o processo como o que está em causa no processo principal, ao qual se aplica o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009.

    2. A situação atual: artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 e a razão pela qual o critério da «relação suficiente» deixou de ser relevante

    48.

    Tendo em conta a cronologia dos factos em causa no processo principal, conforme referido nos n.os 16 a 20, supra, e a data de entrada em vigor do Regulamento n.o 987/2009, parece‑me evidente que este regulamento é aplicável ratione temporis ao presente processo ( 21 ). Não há controvérsias a este respeito, nem por parte do órgão jurisdicional de reenvio nem das partes no processo principal ou das partes interessadas. Assim, o presente processo distingue‑se dos processos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert, pelo menos na medida em que esses foram completamente excluídos do âmbito temporal do referido regulamento ( 22 ).

    49.

    As partes no processo principal e as partes interessadas estão igualmente de acordo quanto ao facto de, no âmbito do processo principal, a recorrente não poder invocar o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, por não ter exercido uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria na Áustria na data em que, por força do direito austríaco, começariam a ser tomados em conta os períodos de educação de filhos controvertidos. Conforme referido no n.o 32, supra, a terceira condição enunciada no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 é o de se poder considerar que a pessoa ainda «exerce» uma atividade profissional no Estado‑Membro A (Áustria) à data em que, ao abrigo da legislação desse Estado‑Membro, o período de educação de filhos controvertido começaria a ser tomado em conta relativamente ao descendente em causa. Em conformidade com o direito austríaco, essa data seria 1 de janeiro de 1988 ( 23 ). Nessa altura, a recorrente já havia deixado a Áustria há mais de um ano, tendo continuado a estudar no Reino Unido antes de se estabelecer na Bélgica, onde nasceram os seus dois filhos.

    50.

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que os factos do processo principal são semelhantes aos do processo Reichel‑Albert, uma vez que, também nesse processo, o período de tempo durante o qual a recorrente esteve sujeita à legislação do Estado‑Membro A devido ao exercício de uma atividade profissional nesse Estado‑Membro não precedeu imediatamente o nascimento dos seus filhos. Pretende, portanto, saber se a solução jurisprudencial no Acórdão Reichel‑Albert pode ser aplicada ao caso em apreço. Considera que, se aplicável, a recorrente teria direito a que os períodos de educação de filhos que cumpriu na Bélgica e na Hungria fossem tomados em consideração.

    51.

    Observo que, a esse respeito, foram apresentadas duas teses diferentes no Tribunal de Justiça.

    52.

    Por um lado, a recorrente, apoiada neste aspeto pela Comissão e pelo Governo checo, alega que o Tribunal de Justiça está vinculado pela ratio decidendi no Acórdão Reichel‑Albert para que, em casos factualmente semelhantes, os períodos de educação de filhos cumpridos no estrangeiro que não estejam materialmente abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 (ainda que integrem o âmbito temporal do mesmo) sejam ainda assim decididos com base no artigo 21.o TFUE e no critério da «relação suficiente». Caso contrário, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 implicaria que os requerentes de pensão de velhice fossem sujeitos a um tratamento menos favorável do que aquele que teriam antes da entrada em vigor desse regulamento. No âmbito do processo principal, a recorrente encontrar‑se‑ia numa situação financeira mais desfavorável pelo simples facto de ter decidido educar os seus filhos num Estado‑Membro que não a Áustria. Com efeito, se tivesse ficado na Áustria, por força da legislação austríaca, a PVA teria obrigatoriamente de tomar em consideração esses períodos na íntegra.

    53.

    Por outro lado, a PVA e os Governos austríaco e espanhol consideram, em substância, que o critério jurisprudencial constante do Acórdão Reichel‑Albert, que se baseava na existência de um «vínculo estreito» ou de uma «ligação suficiente» entre os períodos de atividade profissional cumpridos no Estado‑Membro A e os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B, foi substituído pelos critérios estabelecidos no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, pelo que o Tribunal de Justiça já não pode aplicar o primeiro.

    54.

    Subscrevo este ponto de vista.

    55.

    Em primeiro lugar, começo por salientar que, no que respeita à contagem dos períodos de educação de filhos no estrangeiro, o que o artigo 21.o TFUE exige, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima exposta, é que o Estado‑Membro cuja legislação é considerada aplicável a uma situação específica em que uma pessoa tenha exercido a sua liberdade de circulação e decidido educar os seus filhos noutro Estado‑Membro, equipare essa situação àquela que se cumpriu no seu território ( 24 ).

    56.

    Na minha opinião, esta regra não sofre alterações nos termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009. Com efeito, as condições enumeradas nessa disposição limitam apenas os tipos de situações em que a legislação do Estado‑Membro A pode ser considerada aplicável a uma determinada situação de educação de filhos no estrangeiro ( 25 ), mas em nada afetam as obrigações que incumbem ao Estado‑Membro A, desde que o direito desse Estado‑Membro seja aplicável a tal situação. Assim, não se deve perder de vista que, embora as duas etapas descritas acima no n.o 38 estejam agora englobadas numa única disposição legislativa, as obrigações que dela derivam continuam a ser duplas: i) o Estado‑Membro A deve aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, e ii) sendo esse o caso e se a legislação do Estado‑Membro A for aplicável, esse Estado‑Membro deve então equiparar tais períodos aos que tiverem sido cumpridos no seu território.

    57.

    Estas observações permitem‑me identificar qual o verdadeiro problema no presente processo. Não se trata de a recorrente ser eventualmente sujeita a um tratamento menos favorável por força da legislação austríaca simplesmente porque residiu em dois outros Estados‑Membros durante os períodos de educação dos seus filhos (evidentemente, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 não prevê essa possibilidade) ( 26 ). Pelo contrário, o que sucede é que as condições que limitam a aplicabilidade da legislação austríaca à sua situação são definidas de forma mais estrita nessa disposição do que no critério jurisprudencial adotado no Acórdão Reichel‑Albert.

    58.

    Em segundo lugar, parece‑me evidente que se o direito da União impusesse aos Estados‑Membros obrigações mais amplas de aplicarem a sua legislação aos períodos de educação de filhos no estrangeiro do que as já impostas pelo artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 então as condições enumeradas nessa disposição corresponderiam apenas a um dos conjuntos de circunstâncias em que o Estado‑Membro A seria obrigado a aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B.

    59.

    Devo admitir que estaria mais inclinado a adotar tal leitura do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 se a redação desta disposição fosse, pelo menos em certa medida, aberta ou ambígua. No entanto, a leitura que faço desta disposição não prevê nem um indício de que o direito da União possa impor, ao Estado‑Membro em que o requerente da pensão de velhice era trabalhador por conta de outrem ou por conta própria, quaisquer outras obrigações. Conforme indiquei no n.o 45, supra, o critério da «relação suficiente» foi formulado pelo Tribunal de Justiça relativamente aos critérios gerais estabelecidos no Regulamento n.o 1408/71, e não no próprio artigo 21.o TFUE (que, nos Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert, serviu de base para a obrigação do Estado‑Membro A, na segunda etapa, equiparar os períodos de educação de filhos no estrangeiro aos períodos cumpridos no seu próprio território) ( 27 ). Uma vez que este Regulamento já foi revogado e substituído pelos Regulamentos n.os 883/2004 e n.o 987/2009, sendo que o artigo 44.o, n.o 2, deste último incide especificamente sobre esta questão, parece lógico concluir que as regras constantes dessa disposição eclipsaram qualquer das tentativas anteriores do Tribunal de Justiça de definir as condições segundo as quais a legislação do Estado‑Membro A pode ser aplicável aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B.

    60.

    Claro que isto não é, nem pode ser, o fim da história, pois é também necessário considerar a intenção do legislador subjacente ao artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 e saber se as circunstâncias relativas à sua adoção corroboram esta interpretação. A este respeito, saliento que os trabalhos preparatórios do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 demonstram que este foi introduzido não apenas para refletir os Acórdãos Elsen e Kauer, mas também para definir o seu alcance ( 28 ). Na minha opinião, pode, portanto, presumir‑se facilmente que o legislador da União fez uma escolha consciente de não se referir ao critério do «vínculo estreito» ou da «relação suficiente» formulado pelo Tribunal de Justiça, e optou, em vez disso, pela condição mais específica de a pessoa ainda estar sujeita à legislação do Estado‑Membro A em razão da sua atividade por conta de outrem ou por conta própria nesse Estado‑Membro, à data em que o período de educação de filhos passaria a ser tomado em conta ao abrigo da legislação desse mesmo Estado‑Membro ( 29 ).

    61.

    Acrescento ainda que o legislador da União parece, em várias outras disposições dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009, não só ter refletido, mas também clarificado (e, em alguns casos, talvez mesmo afastado) a jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi desenvolvida no contexto da aplicação do Regulamento n.o 1408/71 ( 30 ). Tal resulta, diria eu, do considerando 3 do Regulamento n.o 883/2004, que confirma a intenção do legislador de modernizar e simplificar as disposições do antigo regulamento, dado que este último se tinha tornado mais complexo e extenso na sequência de numerosas alterações e atualizações, a fim de ter em conta, entre outros, diversos acórdãos do Tribunal de Justiça.

    62.

    Uma vez que o Regulamento n.o 987/2009 é posterior aos Acórdãos Elsen e Kauer (embora não ao Acórdão Reichel‑Albert), o legislador podia ter redigido o artigo 44.o, n.o 2, desse regulamento, se o desejasse, de forma a integrar plena e claramente a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça nos dois primeiros acórdãos. No entanto, optou por não o fazer. Nestas circunstâncias, há que constatar que a inexistência de referência expressa, no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, ao critério da «vínculo estreito» ou da «relação suficiente» indica que o legislador pretendeu restringir deliberadamente a aplicação da ratio decidendi dos Acórdãos Elsen e Kauer e previu apenas a possibilidade de a legislação do Estado‑Membro A se aplicar aos períodos de educação dos filhos cumpridos no Estado‑Membro B por força das condições expressamente enunciadas nessa disposição.

    63.

    Concordo com a Comissão que o legislador não podia, no momento em que adotou o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, prever que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Reichel‑Albert, ampliaria o alcance do critério da «ligação suficiente». Talvez teria formulado os termos desta disposição de forma diferente se o acórdão tivesse sido proferido antes da sua adoção. Todavia, não compete ao Tribunal de Justiça especular sobre esta questão. Uma vez que o legislador abordou expressamente a questão da contagem dos períodos de educação de filhos no estrangeiro no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, qualquer alteração das condições em que o Estado‑Membro A é obrigado a aplicar a sua legislação a esses períodos deve, a meu ver, doravante, ser também adotada por iniciativa do legislador.

    64.

    Em terceiro lugar, um exame mais atento do objeto dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 reforça a minha convicção de que se deve resistir à tentação de completar as obrigações ora constantes do artigo 44.o, n.o 2, deste último regulamento através de um conjunto de regras tácitas baseadas na jurisprudência. Conforme resulta do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, um dos princípios fundamentais do sistema de coordenação dos sistemas nacionais de segurança social é a aplicação da legislação de um único Estado‑Membro ( 31 ). Neste contexto, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 prevê uma exceção às regras de competência do título II do Regulamento n.o 883/2004 que visam sujeitar um Estado‑Membro que já não seja competente ao abrigo dessas regras à obrigação de ter em conta os períodos de educação de filhos cumpridos noutros Estados‑Membros ( 32 ).

    65.

    Considero que os limites de tal exceção devem ser formulados de forma suficientemente clara. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do título II do Regulamento n.o 883/2004 constituem um sistema completo e uniforme de normas de conflito de leis que têm por finalidade, por um lado, impedir que as pessoas abrangidas por esse regulamento sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável, por outro, evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais e as complicações que daí podem resultar ( 33 ). O artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 é uma disposição algo singular porquanto a regra de competência dele constante — que impõe ao Estado‑Membro A a aplicação da sua legislação aos períodos de educação de filhos no estrangeiro — não prejudica o facto de os critérios previstos no título II do Regulamento n.o 883/2004 poderem perfeitamente designar a legislação do Estado‑Membro B como sendo a geralmente aplicável à pessoa em causa. Por conseguinte, é importante que as autoridades competentes do Estado‑Membro A possam compreender plenamente as condições segundo as quais a sua legislação se torna aplicável aos períodos de educação de filhos cumpridos por uma pessoa que, à data dos factos, não exercia atividade «por conta de outrem» nem «por conta própria» nesse Estado‑Membro [artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004], nem era residente no seu território [artigo 11.o, n.o 3, alínea e), desse regulamento]. Se vigorasse alguma dúvida sobre tais obrigações, o efeito útil («effet utile») do artigo 44.o, n.o 2, ficaria necessariamente comprometido.

    66.

    Contrariamente à recorrente e à Comissão, defendo que todas as considerações precedentes vão no sentido de que, no âmbito da aplicação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, um Estado‑Membro não é obrigado a aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos num ou em vários Estados‑Membros pelo simples facto de esses períodos apresentarem um «vínculo estreito» com os períodos equiparados anteriormente cumpridos no seu território. Deverá fazê‑lo apenas quando estiverem preenchidas todas as condições enumeradas nessa disposição, que recordei no n.o 32, supra.

    67.

    A título de observação final, saliento o facto de, a meu ver, as consequências económicas que decorreriam, no âmbito do processo principal, da aplicação do direito austríaco, belga ou húngaro aos períodos de educação de filhos controvertidos não devem ter incidência na resposta a dar à primeira questão. A questão de saber se a recorrente se encontraria numa situação financeira mais desfavorável pelo facto de o direito material do Estado‑Membro B, e não o do Estado‑Membro A, se aplicar à sua situação não pode, parece‑me, influenciar a apreciação do Tribunal de Justiça. A lei designada como aplicável aos períodos consagrados à educação de filhos no estrangeiro pode ser benéfica para a pessoa em causa em alguns casos e prejudicial noutros.

    68.

    A este respeito, recordo que o direito primário da União não garante a um trabalhador que uma deslocação para outro Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem não terá implicações na sua situação em matéria de segurança social, uma vez que essa deslocação pode, consoante os casos e tendo em conta as divergências existentes entre os sistemas de segurança social e a legislação dos Estados‑Membros, ser mais ou menos vantajosa para a pessoa em causa ( 34 ). Neste contexto, os Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 não têm por objetivo harmonizar nem mesmo fazer convergir, mas apenas estabelecer um sistema de coordenação relativo, nomeadamente, à determinação da legislação aplicável aos trabalhadores assalariados que exercem, em diversas circunstâncias, o seu direito à livre circulação ( 35 ). O facto de o exercício da liberdade de circulação ser, em função dos casos, favorável ou desfavorável à pessoa em causa resulta diretamente da decisão de se ter mantido a diferença existente entre as legislações dos Estados‑Membros ( 36 ).

    3. A recorrente não podia legitimamente esperar que a sua situação fosse regida por jurisprudência anterior

    69.

    Tendo apresentado as razões pelas quais não considero que a solução jurisprudencial do Acórdão Reichel‑Albert possa ser aplicada ao presente processo, pretendo abordar, por uma questão de exaustividade, sobre o argumento da recorrente segundo o qual esta esperava legitimamente que o direito austríaco se aplicasse aos períodos de educação de filhos controvertidos uma vez que cumpriu esses períodos muito antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 987/2009 e teria anteriormente preenchido o critério do «vínculo estreito» ou da «relação suficiente» estabelecido nos Acórdãos Elsen e Kauer.

    70.

    Em resposta a este argumento, a PVA e o Governo austríaco alegam que, no âmbito do litígio no processo principal, a recorrente não podia alimentar essa confiança legítima. Em primeiro lugar, no momento em que se deslocou para a Bélgica e a Hungria, a Áustria não era um Estado‑Membro e os Acórdãos Kauer e Elsen ainda não tinham sido proferidos. Em segundo lugar, a recorrente não adquiriu nenhum direito relativamente a esses períodos até requerer, em 2017, a atribuição de uma pensão de velhice.

    71.

    Concordo com a PVA e o Governo austríaco que, no momento em que a recorrente se deslocou para a Bélgica em 1987 e depois para a Hungria em 1991, não podia ter imaginado que estava a exercer o seu direito à livre circulação nos termos do artigo 21.o TFUE e que, em consequência, podia ter direito aos períodos que cumpriu nos outros Estados‑Membros serem equiparados pela PVA aos períodos cumpridos em território austríaco. Por força do artigo 2.o do Ato de Adesão relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia ( 37 ), as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas instituições antes da adesão não se tornaram vinculativos para a Áustria antes de 1 de janeiro de 1995.

    72.

    No entanto, se se pusesse já termo à análise, estar‑se‑ia a ignorar o facto de que, no que respeita aos processos em matéria de pensões, a data relevante para efeitos de determinação das regras aplicáveis ratione temporis é a data em que a pessoa requer a atribuição de uma pensão de velhice. No caso da recorrente, essa data «chave» é 11 de outubro de 2017. Nessa altura, a Áustria fazia efetivamente parte da União Europeia.

    73.

    Decorre do Acórdão Kauer que, em tais condições, o pagamento do direito a pensão da recorrente, ainda que com base em períodos de seguro cumpridos antes da adesão da Áustria, deve ser efetuado pelas autoridades austríacas em conformidade com o direito da União e, em especial, com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores ou ainda à liberdade reconhecida a qualquer cidadão da União de circular e residir no território dos Estados‑Membros ( 38 ). O litígio no processo principal não diz respeito ao reconhecimento de direitos alegadamente adquiridos ao abrigo do direito da União antes da adesão da Áustria, mas sim à questão de saber se a recusa da PVA de ter em conta, em dezembro de 2017, os períodos de educação de filhos controvertidos ocorreu em violação das regras da União que, nessa data, se tornaram vinculativas para a Áustria ( 39 ).

    74.

    Feita esta precisão, considero que, ao contrário do que a recorrente alega, não podia esperar legitimamente que a questão de saber se a legislação austríaca se aplica a esses períodos seria resolvida no que diz respeito ao critério do «vínculo estreito» ou da «relação suficiente» estabelecido nos Acórdãos Elsen e Kauer (em relação aos critérios contidos no Regulamento n.o 1408/71) e não à luz das regras que constam dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009.

    75.

    A este respeito, verifico que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser alargado a ponto de «impedir, de forma geral, a aplicação de uma regra nova aos efeitos futuros de situações nascidas na vigência da regra antiga» ( 40 ). Todavia, as regras de direito substantivo da União devem ser interpretadas, com vista a garantir o respeito do princípio da confiança legítima, no sentido de que se referem a «situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor na medida em que resulte claramente dos seus próprios termos, da sua finalidade ou da sua economia que tal efeito lhes deve ser atribuído» ( 41 ).

    76.

    No caso em apreço, a data de entrada em vigor dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 (1 de maio de 2010) não significa que, para efeitos da determinação da pensão de velhice da recorrente no processo principal, os períodos de educação de filhos controvertidos devem ser regulados pelo regulamento anteriormente aplicável, a saber, o Regulamento n.o 1408/71. Tal decorre do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, que também se aplica ao Regulamento n.o 987/2009 por força do seu artigo 93.o, e que prevê, em substância, que qualquer período relevante cumprido antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 883/2004 no Estado‑Membro em causa é tido em consideração para a determinação dos direitos adquiridos ao abrigo desse instrumento ( 42 ).

    77.

    Na minha opinião, decorre claramente desta disposição que, no processo principal, a recorrente não podia legitimamente esperar que a sua situação anterior fosse regulada pelo Regulamento n.o 1408/71 e pela jurisprudência adotada a esse respeito. Por conseguinte, embora os períodos de educação de filhos controvertidos tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 987/2009, a questão de saber qual é a legislação do Estado‑Membro aplicável a tais períodos deve ser resolvida apenas à luz do artigo 44.o, n.o 2, deste regulamento.

    4. Conclusão quanto à primeira questão

    78.

    À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão da seguinte forma: numa situação em que o Regulamento n.o 987/2009 é aplicável ratione temporis, o direito da União não exige a um Estado‑Membro em cujo território uma pessoa exerceu atividade por conta de outrem ou por conta própria a tomar em consideração um período de educação de filhos cumprido por essa mesma pessoa noutro Estado‑Membro como se o filho tivesse sido educado no seu próprio território, a menos que se encontrem preenchidas na situação em questão todas as condições previstas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009.

    79.

    Se, contrariamente ao que proponho, o Tribunal de Justiça considerar que a solução jurisprudencial no Acórdão Reichel‑Albert continua a ser aplicável no âmbito do processo principal, pelo que a Áustria deve aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos noutros Estados‑Membros, mesmo nos casos em que não se enquadrem plenamente no âmbito de aplicação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, acrescento que, na minha opinião, tal só é possível se estiverem preenchidos duas condições.

    80.

    Em primeiro lugar, conforme indiquei nas secções anteriores das presentes conclusões, teria de existir uma «relação suficiente» entre os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B e os períodos equiparados cumpridos pela recorrente para uma pensão de velhice no Estado‑Membro A. Conforme a Comissão sugere corretamente, tal relação não pode existir a menos que a recorrente demonstre, no mínimo, que o Estado‑Membro A foi o último Estado‑Membro em que exerceu atividade profissional antes de começar a educar os seus filhos. No entanto, mesmo quando seja o caso, ainda é preciso avaliar se essa relação «suficiente».

    81.

    A este respeito, a PVA observou, na minha opinião com razão, que a situação da recorrente no processo principal e a de D. Reichel‑Albert no processo homónimo são, em certa medida, diferentes. No Acórdão Reichel‑Albert, o Tribunal de Justiça pareceu atribuir um peso significativo ao facto de D. Reichel‑Albert ter, no momento do nascimento do seu primeiro filho, deixado temporariamente de trabalhar e, por razões estritamente familiares, ter estabelecido o seu local de residência na Bélgica ( 43 ). No contexto do processo principal, a saída da recorrente da Áustria em 1987 foi motivada pela perspetiva de prosseguir os estudos no Reino Unido. Indiscutivelmente, esse período transitório de educação complementar torna mais ténue a relação entre o período de seguro na Áustria antes do nascimento dos seus filhos e os períodos de educação de filhos controvertidos cumpridos na Bélgica e na Hungria, do que o que sucede no processo Reichel‑Albert ( 44 ).

    82.

    Em segundo lugar, a requerente de uma pensão de velhice teria também de demonstrar que, se tivesse permanecido no Estado‑Membro A (no caso em apreço, a Áustria), teria sido tomado em consideração o tempo consagrado à educação dos filhos. Por outras palavras, a recorrente teria de provar que, por se ter deslocado e transferido a residência para outro Estado‑Membro, está agora efetivamente numa situação pior do que se tivesse simplesmente ficado no Estado‑Membro A.

    B.   Quanto à segunda questão

    83.

    A segunda questão baseia‑se na resposta que o Tribunal de Justiça irá dar à primeira. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede que o Tribunal de Justiça clarifique se o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 exige que o Estado‑Membro A aplique a sua legislação apenas em situações em que não exista legislação sobre os períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B ou também nos casos em que embora tal legislação exista no Estado‑Membro B, o tempo consagrado à educação dos filhos não seja tomado em consideração in concreto por esse Estado‑Membro. O órgão jurisdicional de reenvio submete esta questão a propósito, nomeadamente, das Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Reichel‑Albert ( 45 ). No referido processo, o advogado‑geral N. Jääskinen defendeu que o artigo 44.o, n.o 2, não se aplica quando o Estado‑Membro B oferece a possibilidade de tomar em consideração esses períodos. Considerou indiferente o facto de, in concreto, a interessada não beneficiar dessa vantagem em razão da sua situação pessoal ( 46 ).

    84.

    Não vislumbro qualquer razão pela qual o Tribunal de Justiça deva chegar a uma conclusão diferente no presente processo. Tal como referido no n.o 56, supra, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 contém uma dupla obrigação. Em primeiro lugar, o Estado‑Membro A deve aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B se estiverem preenchidas as condições enunciadas nessa disposição. Essas condições incluem a exigência de que os períodos de educação de filhos não sejam tidos em conta pela legislação do Estado‑Membro B. Em segundo lugar, se a legislação do Estado‑Membro A for aplicável, esse Estado‑Membro deve então equiparar esses períodos aos cumpridos no seu território.

    85.

    Admito que os termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 são relativamente ambíguos, uma vez que a exigência relativa à contagem dos períodos de educação de filhos controvertidos pelo Estado‑Membro B é formulada da seguinte forma: «[s]empre que, ao abrigo da legislação do [Estado‑Membro B], não sejam tomados em consideração quaisquer períodos de educação de filhos […]». Conforme explica o órgão jurisdicional de reenvio, isto pode significar que tais períodos não são tidos em conta, em princípio, pelo Estado‑Membro B porque este não dispõe de legislação relativa aos períodos de educação de filhos ou in concreto porque, num determinado caso, a pessoa em causa não pôde ter esse período reconhecido ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B.

    86.

    Há, no entanto, duas razões que me convencem a não seguir essa segunda interpretação.

    87.

    Em primeiro lugar, seria demasiado gravoso e impraticável obrigar as autoridades do Estado‑Membro A a proceder a uma apreciação do mérito do pedido da pessoa ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro (Estado‑Membro B), a fim de determinar se a legislação do Estado‑Membro A é aplicável à situação dessa pessoa. Em segundo lugar, tal interpretação das condições estabelecidas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 poderia dar azo a situações em que uma pessoa poderia i) alegar perante as autoridades do Estado‑Membro B que tem direito a que os períodos de educação de filhos cumpridos nesse Estado‑Membro sejam tomados em consideração por força da legislação desse Estado‑Membro e ii) se tal pedido for indeferido, dirigir‑se às autoridades competentes do Estado‑Membro A e argumentar que, porque o seu pedido às autoridades do Estado‑Membro B não procedeu, o artigo 44.o, n.o 2, desse regulamento significa que a legislação do Estado‑Membro A pode ser aplicável à sua situação.

    88.

    Em minha opinião, esta disposição não foi adotada para que os requerentes de pensões de velhice possam tentar a sua sorte perante as autoridades competentes de dois Estados‑Membros diferentes no que respeita à contagem de um único período de educação de filhos. Conforme indicado no n.o 4, supra, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 prevê uma exceção às regras de competência previstas no título II do Regulamento n.o 883/2004 que visam sujeitar um Estado‑Membro que já não seja competente ao abrigo dessas regras (Estado‑Membro A) à obrigação de ter em conta os períodos de educação de filhos cumpridos noutro Estado‑Membro (Estado‑Membro B). O objetivo desta disposição não é que a legislação tanto do Estado‑Membro A como a do Estado‑Membro B sejam aplicáveis ao mesmo período de educação de filhos, mas sim que, numa situação em que o Estado‑Membro B não disponha de legislação que preveja, de um modo geral, a contagem de períodos de educação de filhos, o Estado‑Membro A possa ser obrigado a aplicar a sua legislação à situação específica em causa.

    89.

    Resulta do que precede que o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 deve, na minha opinião, ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro A não é obrigado a aplicar a sua legislação a um determinado período de educação de filhos quando o Estado‑Membro B (o Estado‑Membro competente por força do título II do Regulamento n.o 883/2004) preveja, em princípio, a contagem desse período. Assim, se a Bélgica e a Hungria dispusessem (em outubro de 2017) de uma regra ou disposição geral que permitia que o período consagrado à educação dos filhos fosse tido em conta — o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar —, então, no âmbito do processo principal, a PVA não teria obrigação de aplicar a legislação austríaca aos períodos de educação de filhos controvertidos.

    V. Conclusão

    90.

    À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria) da seguinte forma:

    Numa situação em que o Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social é aplicável ratione temporis, o direito da União não exige a um Estado‑Membro em cujo território uma pessoa exerceu atividade por conta de outrem ou por conta própria a tomar em consideração um período de educação de filhos cumprido por essa mesma pessoa noutro Estado‑Membro como se filho tivesse sido educado no seu próprio território, a menos que se encontrem preenchidas na situação em questão todas as condições previstas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009.

    O facto de tal período ser tomado em consideração pela lei mas não na prática, à luz da situação em questão, no Estado‑Membro competente ao abrigo do título II do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, não tem incidência, por si só, na interpretação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO 2009, L 284, p. 1).

    ( 3 ) Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98).

    ( 4 ) Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1).

    ( 5 ) A PVA explicou perante o Tribunal de Justiça que, no cálculo dos direitos à pensão da recorrente, tinha incluído o tempo que esta passou no Reino Unido (de 1 de janeiro de 1993 a 8 de fevereiro de 1993), uma vez que a recorrente havia inicialmente afirmado que havia regressado à Áustria em 31 de dezembro de 1992. Esse período foi assim contabilizado juntamente com os outros períodos de educação dos filhos cumpridos em território austríaco e não está incluído nos «períodos de educação de filhos controvertidos» definido no n.o 21 das presentes conclusões.

    ( 6 ) Acórdão de 19 de julho de 2012 (C‑522/10, EU:C:2012:475) (a seguir «Acórdão Reichel‑Albert»).

    ( 7 ) Acórdão de 23 de novembro de 2000 (C‑135/99, EU:C:2000:647) (a seguir «Acórdão Elsen»).

    ( 8 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 2002 (C‑28/00, EU:C:2002:82) (a seguir «Acórdão Kauer»).

    ( 9 ) O artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 reflete o princípio geral da igualdade de tratamento que o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004 visa codificar (v. também, neste sentido, o considerando 5 deste último regulamento).

    ( 10 ) Saliento, de passagem, que o artigo 44.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009 especifica que a obrigação prevista no n.o 2 desse mesmo artigo não se aplica se a pessoa em causa estiver ou passar a estar sujeita à legislação de outro Estado‑Membro devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria.

    ( 11 ) Nos n.os 26 e 27 desse acórdão.

    ( 12 ) No n.o 29 e seguintes.

    ( 13 ) Ibidem, n.o 25.

    ( 14 ) Ibidem, n.o 26.

    ( 15 ) V. Acórdão Kauer, n.o 32 e seguintes.

    ( 16 ) Pode ser interessante observar que, no Acórdão Kauer, a recorrente tinha efetivamente deixado de trabalhar e ficado desempregada na Áustria algum tempo antes de dar à luz os seus filhos. Na minha opinião, o que levou o Tribunal de Justiça a concluir que, apesar de tudo, L. Kauer continuava sujeita à legislação desse Estado‑Membro durante os períodos consagrados à educação dos seus filhos na Bélgica foi o facto de só se ter estabelecido nesse Estado‑Membro após o nascimento do seu filho mais novo.

    ( 17 ) O Acórdão Reichel‑Albert foi proferido após a entrada em vigor do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, mas o Tribunal de Justiça considerou que era o anterior instrumento de coordenação dos sistemas de segurança social, nomeadamente o Regulamento n.o 1408/71, e não os Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009, que se aplicava ratione temporis aos factos em causa.

    ( 18 ) V. Acórdão Reichel‑Albert, n.o 35.

    ( 19 ) Ibidem.

    ( 20 ) Ibid., n.os 40 a 42.

    ( 21 ) Conforme o Tribunal de Justiça recordou no Acórdão Reichel‑Albert (n.os 25 e 26), no artigo 97.o do Regulamento n.o 987/2009, o legislador da União fixou a entrada em vigor deste regulamento em 1 de maio de 2010. No âmbito do processo principal, a decisão impugnada pela recorrente foi proferida pela PVA, em 29 de dezembro de 2017, muito depois da entrada em vigor do Regulamento n.o 987/2009. Este mesmo regulamento já era aplicável quando a recorrente requereu à PVA a atribuição de uma pensão de velhice.

    ( 22 ) V., por exemplo, Acórdão Reichel‑Albert, n.os 27 e 28.

    ( 23 ) A PVA explicou na audiência que, por forçado § 231, n.o 3, da ASVG, os períodos de educação de filhos começam a ser tomados em consideração a partir do primeiro mês civil completo após a data em que as condições previstas nos §§ 227a ou 228a da legislação em questão sejam cumpridas. Resulta dos autos que a recorrente deu à luz o seu primeiro filho em dezembro de 1987.

    ( 24 ) É certo que esta circunstância resulta claramente dos Acórdãos Elsen (n.os 33 a 36), Kauer (n.os 43 a 44) e Reichel‑Albert (n.os 38 a 44).

    ( 25 ) Em comparação com as situações que teriam sido abrangidas pelo critério da «ligação suficiente» no qual o Tribunal de Justiça se baseou no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

    ( 26 ) A este respeito, partilho plenamente a posição da Comissão segundo a qual os Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 foram adotados a fim de estabelecer regras de competência específica para promover a livre circulação dos cidadãos da União e não para a restringir. Isto é certamente verdade e, com efeito, o Tribunal de Justiça tem repetidamente salientado que com vista a garantir a livre circulação dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria na União tomando como princípio a igualdade de tratamento dos mesmos à luz das diferentes legislações nacionais, o Regulamento n.o 1408/71 e, seguidamente, o Regulamento n.o 883/2004 instituíram um sistema de coordenação relativo, designadamente, à determinação da legislação ou das legislações aplicáveis aos trabalhadores [v. Acórdão de 23 de janeiro de 2019, Zyla (C‑272/17, EU:C:2019:49, n.o 37 e jurisprudência referida].

    ( 27 ) Obviamente, isso não significa que as condições segundo as quais a legislação de um Estado‑Membro se torna aplicável a um determinado caso transfronteiriço em matéria de segurança social possam, por si só, impor restrições indevidas à livre circulação dos cidadãos da União. No entanto, não se deve perder de vista que o artigo 21.o TFUE assenta na lógica de que, conforme o seu n.o 1 esclarece, «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação» (o sublinhado é meu). Embora esta disposição não convide abertamente o legislador a interferir nos princípios básicos desse direito, parece‑me óbvio que, na área da segurança social, o legislador pode muito bem, entre outros, redefinir os critérios jurídicos segundo os quais uma pessoa que exerceu a sua liberdade de circulação tem o direito de pedir que a lei que lhe continue a ser aplicável seja a do seu Estado‑Membro de origem.

    ( 28 ) V. considerandos 12 e 14 do Regulamento n.o 987/2009. V., também, considerando 13 da posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 9 de julho de 2008 tendo em vista a aprovação do regulamento (P6_TC1‑COD(2006)0006).

    ( 29 ) Na proposta inicial da Comissão, o artigo 44.o parecia afastar‑se ainda mais da solução jurisprudencial dos Acórdãos Elsen e Kauer, uma vez que foi redigido nos seguintes termos: «[s]em prejuízo da competência do Estado‑Membro determinada em conformidade com as disposições do título II do Regulamento (CE) n.o 883/2004, a instituição do Estado‑Membro em que o beneficiário da pensão tenha residido durante o período mais longo durante os doze meses seguintes ao nascimento do filho deve ter em conta os períodos de educação de filhos noutro Estado‑Membro, a menos que a legislação de outro Estado‑Membro seja aplicável à pessoa interessada devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria» (o sublinhado é meu) [v. proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (COM(2006) 16 final)].

    ( 30 ) V., por exemplo, a fundamentação adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de abril de 2013, Jeltes e o. (C‑443/11, EU:C:2013:224, n.o 32). Este processo dizia respeito à interpretação do artigo 65.o do Regulamento n.o 883/2004 e à questão de saber se essa disposição visava refletir ou afastar a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a disposição anteriormente aplicável (a saber, o artigo 71.o do Regulamento n.o 1408/71).

    ( 31 ) Para uma explicação geral das regras de conflito de leis constantes dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009, v. Lhernould, J.-P, «New rules on conflicts: regulations 883/2004 and 987/2009», ERA Forum, vol. 12, 2011, pp. 25 a 38.

    ( 32 ) V. Jorens, Y. e Van Overmeiren, F., «General Principles of Coordination in Regulation 883/2004», European Journal of Social Security, vol. 11, 2009, p. 66.

    ( 33 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Prestação de reabilitação) (C‑135/19, EU:C:2020:177, n.o 46). Foi alegado que o sistema de coordenação do título II do Regulamento n.o 883/2004 tem um efeito exclusivo, uma vez que não pode ser aplicável outra legislação que não a aí indicada. A este respeito, v. Jorens, Y. e Van Overmeiren, F., «General Principles of Coordination in Regulation 883/2004», European Journal of Social Security, vol. 11, 2009, p. 72.

    ( 34 ) V. Acórdão de 23 de janeiro de 2019, Zyla (C‑272/17, EU:C:2019:49), n.o 45 e jurisprudência referida.

    ( 35 ) V. considerando 1 do Regulamento n.o 883/2004. O sistema de normas de conflitos nele estabelecido tem apenas como efeito retirar ao legislador de cada Estado‑Membro o poder de determinar, como bem entender, o âmbito e as condições de aplicação da sua legislação nacional quanto às pessoas que a ela estão sujeitas e quanto ao território no qual as disposições nacionais produzem os seus efeitos (v. Acórdão de 23 de janeiro de 2019, Zyla, C‑272/17, EU:C:2019:49, n.o 38 e jurisprudência referida). Em conformidade com o artigo 48.o TFUE, deixa intacta a competência dos Estados‑Membros neste domínio, desde que estes atuem em conformidade com o direito da União e, nomeadamente, com o objetivo desses regulamentos e com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de pessoas.

    ( 36 ) V., de igual modo, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Reichel‑Albert (C‑522/10, EU:C:2012:114, n.os 43, 45 e 46).

    ( 37 ) JO 1994, C 241, p. 21 e JO 1995, L 1, p. 1.

    ( 38 ) V. Kauer, n.o 45. Recordo que, nesse processo, o Tribunal de Justiça concluiu que a legislação nacional em causa introduzia uma diferença de tratamento na medida em que condicionava a relevância dos períodos de educação de filhos cumpridos noutro Estado‑Membro (Bélgica) ao benefício de subsídios pecuniários de maternidade ou de subsídios equivalentes por força da legislação federal austríaca. Como a advogada‑geral E. Sharpston argumentou noutro processo, o Tribunal de Justiça estava implicitamente disposto a considerar que L. Kauer tinha exercido direitos de livre circulação consagrados no direito da União, apesar de a «circulação» em questão ter ocorrido antes da adesão da Áustria à União Europeia [v. Conclusões em Wieland e Rothwangl (C‑465/14, EU:C:2016:77, n.os 50 e 51)].

    ( 39 ) V., por analogia, Acórdão de 30 de novembro de 2000, Österreichischer Gewerkschaftsbund (C‑195/98, EU:C:2000:655, n.os 53 e 54). Nas suas conclusões apresentadas nesse processo (C‑195/98, EU:C:2000:50, n.o 147), o advogado‑geral F. G. Jacobs considerou, a meu ver corretamente, que se se viesse a decidir de maneira diferente, os trabalhadores migrantes que desejassem trabalhar num «novo Estado‑Membro» ou pretendessem deixar esse Estado para trabalhar num «antigo Estado‑Membro» ficariam numa situação de desvantagem ilógica em comparação com os trabalhadores que já circulassem dentro da área constituída pelos «antigos Estados‑Membros».

    ( 40 ) V., por exemplo, Acórdãos de 16 de maio de 1979, Tomadini (84/78, EU:C:1979:129, n.o 21), e de 6 de outubro de 2015, Comissão/Andersen (C‑303/13 P, EU:C:2015:647, n.o 49 e jurisprudência referida).

    ( 41 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Comissão/Andersen (C‑303/13 P, EU:C:2015:647, n.o 50). V., também, a síntese desta jurisprudência realizada pelo advogado‑geral M. Bobek nas suas Conclusões no processo E.B. (C‑258/17, EU:C:2018:663, n.o 47). Refiro, de passagem, que, no n.o 48 das suas conclusões, considerou que a mesma abordagem se reflete igualmente no contexto da adesão de um novo Estado‑Membro à União, no que diz respeito à aplicação no plano nacional de (novas) regras da União: os factos ocorridos no passado (ou seja, anteriores à adesão) podem ser levados em consideração se forem relevantes e se for necessária uma (nova) apreciação dos mesmos no processo de aplicação da(s) nova(s) lei(s) pós‑adesão.

    ( 42 ) Por outro lado, o artigo 87.o, n.o 5, do Regulamento n.o 883/2004 dispõe que «[o]s direitos de uma pessoa a quem tenha sido concedida uma pensão antes da data de aplicação do presente regulamento num Estado‑Membro podem ser revistos a pedido do interessado, tendo em conta o presente regulamento» (o sublinhado é meu).

    ( 43 ) V. Acórdão Reichel‑Albert, n.os 35 e 45, bem como o respetivo dispositivo.

    ( 44 ) Considero este argumento mais convincente do que o defendido pelo Governo espanhol. Segundo este Governo, a distinção entre o processo Reichel‑Albert e o presente processo é que, ao contrário da recorrente no processo principal, D. Reichel‑Albert continuou a receber um subsídio de desemprego depois de ter deixado de trabalhar na Alemanha. Não considero que esse facto por si só deva fazer diferença na forma como as duas situações se relacionam uma com a outra. É certo que, no processo Reichel‑Albert, a recorrente ficou desempregada a partir de 30 de junho de 1980 e beneficiou do subsídio de desemprego da Alemanha até outubro de 1980, — ao passo que se estabeleceu na Bélgica em julho de 1980 (enquanto ainda recebia esse subsídio). No entanto, isso não muda o facto de só ter começado a educar os seus filhos em 25 de maio de 1981, vários meses depois de ter deixado de receber esse subsídio.

    ( 45 ) C‑522/10, EU:C:2012:114.

    ( 46 ) V. n.o 67 das respetivas conclusões.

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