Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0134

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de julho de 2022.
IR contra Volkswagen AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht Eisenstadt.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.° 715/2007 — Homologação dos veículos a motor — Artigo 3.°, ponto 10 — Artigo 5.°, n.os 1 e 2 — Dispositivo manipulador — Veículos a motor — Motor diesel — Emissões de poluentes — Sistema de controlo das emissões — Programa informático integrado na calculadora de controlo do motor — Válvula para recirculação dos gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Proibição da utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões — Artigo 5.°, n.° 2, alínea a) — Exceção a esta proibição — Diretiva 1999/44/CE — Venda de bens de consumo e garantias a ela relativas — Artigo 3.°, n.° 2 — Dispositivo instalado no âmbito de uma reparação de um veículo.
Processo C-134/20.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:571

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

14 de julho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Homologação dos veículos a motor — Artigo 3.o, ponto 10 — Artigo 5.o, n.os 1 e 2 — Dispositivo manipulador — Veículos a motor — Motor diesel — Emissões de poluentes — Sistema de controlo das emissões — Programa informático integrado na calculadora de controlo do motor — Válvula para recirculação dos gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Proibição da utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões — Artigo 5.o, n.o 2, alínea a) — Exceção a esta proibição — Diretiva 1999/44/CE — Venda de bens de consumo e garantias a ela relativas — Artigo 3.o, n.o 2 — Dispositivo instalado no âmbito de uma reparação de um veículo»

No processo C‑134/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt, Áustria), por Decisão de 29 de janeiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2020, no processo

IR

contra

Volkswagen AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos e I. Ziemele, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, F. Biltgen, P. G. Xuereb (relator), N. Piçarra e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de IR, por M. Poduschka, Rechtsanwalt,

em representação da Volkswagen AG, por H. Gärtner, F. Gebert, F. Gonsior, C. Harms, N. Hellermann, F. Kroll, M. Lerbinger, S. Lutz‑Bachmann, L.‑K. Mannefeld, K.‑U. Opper, H. Posser, J. Quecke, K. Schramm, W. F. Spieth, J. von Nordheim, K. Vorbeck, B. Wolfers e B. Wollenschläger, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e D. Klebs, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1), bem como do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IR à Volkswagen AG, a propósito do pedido de anulação de um contrato de compra e venda relativo a um veículo a motor equipado com um programa informático que reduz a recirculação dos gases poluentes desse veículo em função da temperatura e da altitude detetadas.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 1999/44

3

A Diretiva 1999/44 foi revogada pela Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE (JO 2019, L 136, p. 28), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022. Tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, a Diretiva 1999/44 continua, no entanto, a ser‑lhe aplicável.

4

O artigo 1.o, n.o 2, alínea f), da Diretiva 1999/44 enunciava:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f)

Reparação: em caso de falta de conformidade, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato de compra e venda.»

5

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direitos do consumidor», previa:

«1.   O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2.   Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.o 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.os 5 e 6.

[…]»

Regulamento n.o 715/2007

6

Nos termos dos considerandos 1 e 6 do Regulamento n.o 715/2007:

«(1)

[…] Os requisitos técnicos para a homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões deverão […] ser harmonizados a fim de evitar que os Estados‑Membros apliquem requisitos divergentes e de assegurar um nível elevado de proteção do ambiente.

[…]

(6)

A fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores-limite de poluição atmosférica, afigura‑se, sobretudo, necessária uma redução considerável das emissões de óxido de azoto dos veículos equipados com motor diesel. […]»

7

O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento estabelece requisitos técnicos comuns para a homologação de veículos a motor (“veículos”) e de peças de substituição, tais como dispositivos de controlo da poluição de substituição, no que respeita às respetivas emissões.»

8

O artigo 3.o, ponto 10, do referido regulamento enuncia:

«Para efeitos do presente regulamento e das respetivas medidas de execução, entende‑se por:

[…]

10)

“Dispositivo manipulador” (defeat device), qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo».

9

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução. Os fabricantes devem igualmente demonstrar que todos os novos dispositivos de controlo da poluição de substituição sujeitos a homologação e que sejam vendidos ou entrem em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e respetivas medidas de execução.

Estas obrigações abrangem a observância dos limites de emissão definidos no anexo I e das medidas de execução referidas no artigo 5.o

2.   Os fabricantes devem garantir que sejam respeitados os procedimentos de homologação destinados a verificar a conformidade da produção, a durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição e a conformidade em circulação.

Além disso, as medidas técnicas adotadas pelos fabricantes deverão ser adequadas para garantir que as emissões do tubo de escape e resultantes da evaporação sejam eficazmente limitadas, nos termos do presente regulamento, ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais. […]

[…]»

10

O artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007 dispõe:

«1.   O fabricante deve equipar os veículos de forma a que os componentes suscetíveis de afetar as emissões sejam concebidos, construídos e montados de modo a permitir que o veículo cumpra, em utilização normal, o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução.

2.   A utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. A proibição não se aplica:

a)

Se se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo.

b)

Se esse dispositivo não funcionar para além do necessário ao arranque do motor;

ou

c)

Se as condições estiverem substancialmente incluídas nos processos de ensaio para verificação das emissões por evaporação e da média das emissões pelo tubo de escape.»

11

O anexo I deste regulamento, intitulado «Limites de emissão», prevê, nomeadamente, os valores-limite de emissão de óxido de azoto (NOx).

Regulamento n.o 692/2008

12

O Regulamento (CE) n.o 692/2008 da Comissão, de 18 de julho de 2008, que executa e altera o Regulamento n.o 715/2007 (JO 2008, L 199, p. 1), foi alterado pelo Regulamento (UE) n.o 566/2011 da Comissão, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 158, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 692/2008»). A partir de 1 de janeiro de 2022, o Regulamento n.o 692/2008, foi revogado pelo Regulamento (UE) 2017/1151 da Comissão, de 1 de junho de 2017, que completa o Regulamento n.o 715/2007, que altera a Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o Regulamento n.o 692/2008 e o Regulamento (UE) n.o 1230/2012 da Comissão e revoga o Regulamento n.o 692/2008 (JO 2017, L 175, p. 1). No entanto, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, o Regulamento n.o 692/2008 continua a ser‑lhe aplicável.

13

O artigo 1.o do Regulamento n.o 692/2008 previa:

«O presente regulamento institui medidas de aplicação dos artigos 4.o, 5.o e 8.o do Regulamento (CE) n.o 715/2007.»

14

O artigo 2.o, ponto 18, do Regulamento n.o 692/2008 tinha a seguinte redação:

«Para efeitos do disposto no presente regulamento, entende‑se por:

[…]

18.

“Sistema de controlo das emissões, no contexto do sistema OBD [(sistemas de diagnóstico a bordo)], o sistema eletrónico de controlo responsável pela gestão do motor e qualquer componente do sistema de escape ou do sistema de evaporação relacionado com as emissões que envie ou receba sinais a esse/ou desse sistema de controlo.»

15

O artigo 3.o, n.o 9, deste regulamento dispunha:

«As emissões medidas no ensaio do tipo 6 a baixas temperaturas, conforme descrito no anexo VIII, não são aplicáveis aos veículos a gasóleo.

Todavia, com o pedido de homologação, os fabricantes devem apresentar à entidade homologadora informações comprovativas de que o dispositivo de pós‑tratamento de [óxido de azoto (NOx)] atinge uma temperatura suficientemente elevada para um funcionamento eficaz no espaço de 400 segundos após um arranque a frio a -7 [graus Celsius], conforme descrito no ensaio do tipo 6.

Além disso, o fabricante deve fornecer à entidade homologadora informações sobre a estratégia de funcionamento do sistema de recirculação dos gases de escape (EGR), incluindo o seu funcionamento a baixas temperaturas.

Esta informação deve incluir ainda uma descrição dos eventuais efeitos nas emissões.

A entidade homologadora não deve conceder a homologação se a informação fornecida for insuficiente para demonstrar que o dispositivo de pós‑tratamento atinge realmente uma temperatura suficientemente elevada para um funcionamento eficaz dentro do período determinado.

[…]»

16

O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Dispositivos de controlo da poluição», previa, no seu n.o 1:

«O fabricante deve garantir que os dispositivos de substituição para controlo da poluição destinados a equiparem veículos com homologação CE abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 715/2007 também recebam a homologação CE, enquanto unidades técnicas na aceção do n.o 2 do artigo 10.o da Diretiva 2007/46/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (“Diretiva‑Quadro”) (JO 2007, L 263, p. 1)], nos termos dos artigos 12.o e 13.o e do anexo XIII do presente regulamento.

[…]»

17

O anexo I do mesmo regulamento, intitulado «Disposições administrativas relativas à homologação CE», enunciava, no ponto 3.3, intitulado «Extensões relativas à durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição (ensaio de tipo 5)»:

«3.3.1.

A homologação deve ser objeto de extensão a diferentes modelos de veículos, desde que os parâmetros abaixo enunciados relativos ao veículo, ao motor ou ao sistema de controlo da poluição sejam idênticos ou respeitem as tolerâncias previstas:

3.3.1.1.

Veículo:

[…]

3.3.1.2.

Motor

[…]

3.3.1.3.

Parâmetros relativos ao sistema de controlo da poluição:

[…]

c)

Recirculação dos gases de escape (EGR):

com ou sem

Tipo (arrefecidos ou não, controlo ativo ou passivo, alta pressão ou baixa pressão).

[…]»

Direito austríaco

18

O § 871, n.o 1, do Allgemeines bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Geral), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «ABGB»), prevê:

«Uma parte que incorra em erro sobre o teor de uma declaração por ela emitida ou recebida pela outra parte, em relação ao objeto principal ou a uma característica essencial do mesmo, com base no qual a vontade foi formada e declarada, não fica vinculada, se o erro tiver sido causado pela outra parte ou se, com base nas circunstâncias, o mesmo devesse ser evidente para esta última ou se ainda for atempadamente esclarecido.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

Em 2013, IR, um consumidor, celebrou um contrato de compra e venda relativo a um veículo automóvel da marca Volkswagen, modelo Touran Comfortline BMT TDI, equipado com um motor diesel do tipo EA 189 da geração Euro 5, com uma cilindrada de 1,6 litros e uma potência de 77 kW.

20

IR intentou uma ação no Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio, destinado a obter a anulação desse contrato de compra e venda, com fundamento no § 871 do ABGB.

21

Resulta da decisão de reenvio que o veículo em causa está equipado com um dispositivo interno de redução de emissões, a saber, uma válvula para a recirculação dos gases de escape (a seguir «válvula EGR») e que dispõe de um sistema de pós‑tratamento dos gases de escape através de um filtro de partículas, mas não comporta nenhum sistema de tratamento do óxido de azoto (NOx).

22

De acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o veículo em causa dispunha, de origem, de um programa informático integrado na calculadora de controlo do motor que fazia funcionar o sistema de recirculação dos gases de escape segundo dois modos (a seguir «sistema de comutação»), a saber, um modo 0, que se ativava durante a circulação desse veículo em estrada, e um modo 1, que funcionava durante o teste de homologação relativo às emissões de poluentes, denominado «New European Driving Cycle» (NEDC), efetuado em laboratório. Quando se aplicava o modo 0, a taxa de recirculação dos gases de escape diminuía. Em condições de utilização normais, o referido veículo estava quase exclusivamente em modo 0 e não respeitava os valores-limite de emissão de óxido de azoto (NOx) previstos pelo Regulamento n.o 715/2007.

23

Por carta de 8 de outubro de 2015, o importador dos veículos VW na Áustria informou IR de que era necessário proceder a retificações no seu veículo e de que o fabricante suportaria todos os custos das reparações necessárias a esse respeito. Na sequência disto, IR foi convidado a instalar uma atualização do referido programa informático, que desativava o sistema de comutação, o que aceitou.

24

Além disso, esta atualização tinha por efeito parametrizar a válvula EGR a fim de regular a taxa de recirculação dos gases de escape, de tal modo que esta válvula apenas assegura um modo de funcionamento pouco poluente quando a temperatura exterior se situa entre 15 e 33 graus Celsius e a altitude é inferior a 1000 metros (a seguir «janela térmica»), e, fora dessa janela térmica, a referida taxa é reduzida linearmente a 0, o que conduzia a um aumento das emissões de óxido de azoto (NOx) que excediam os valores-limite fixados pelo Regulamento n.o 715/2007.

25

O Kraftfahrt‑Bundesamt (Organismo federal de controlo da circulação de veículos automóveis, Alemanha), autoridade competente em matéria de homologação na Alemanha, concedeu uma autorização para uma modificação técnica, a saber, a atualização do programa informático em causa, e, assim, não revogou a homologação CE. Esta autoridade concluiu, nomeadamente, pela inexistência de um dispositivo manipulador proibido na aceção do Regulamento n.o 715/2007. No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a referida autoridade não dispunha de nenhuma informação relativa ao programa informático utilizado para a atualização, uma vez que não pediu a sua comunicação.

26

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o sistema de comutação, que equipava inicialmente o veículo em causa, não estava em conformidade com os requisitos do Regulamento n.o 715/2007, nomeadamente os previstos no seu artigo 5.o A este respeito, salienta, por um lado, que resultava desse sistema que a válvula EGR estava regulada de tal maneira que, quando esse veículo era utilizado em condições normais, essa utilização não estava em conformidade com as exigências deste regulamento nem com as suas medidas de execução e, por outro, que não se tratava de um dispositivo manipulador lícito na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

27

Esse órgão jurisdicional salienta igualmente que resulta dos factos do litígio que lhe foi submetido que IR pensava ter adquirido um veículo conforme com essas exigências e que não o teria adquirido se tivesse tido conhecimento de que não era esse o caso.

28

No entanto, o referido órgão jurisdicional indica que, segundo o direito austríaco, o cocontratante de uma pessoa cujo consentimento enferma de um erro substancial pode evitar as consequências jurídicas desse erro colocando essa pessoa numa situação idêntica àquela em que se encontraria se esse erro não existisse. A pessoa em causa deixaria então de ter interesse em agir.

29

Ora, a Volkswagen alega que a atualização do programa informático em causa satisfazia o pretendido por IR e, por conseguinte, privou‑o do seu interesse em agir, o que este contesta.

30

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para decidir, tem de determinar se a janela térmica constitui uma solução técnica conforme com as exigências do direito da União, nomeadamente as previstas pelos Regulamentos n.o 715/2007 e n.o 692/2008. Em caso de resposta afirmativa, o contrato de compra e venda celebrado por IR não implica a anulação e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso.

31

Esse órgão jurisdicional observa que, na Áustria, as temperaturas são inferiores a 15 graus Celsius na maior parte do ano. Salienta que não é possível determinar se a janela térmica é necessária para proteger o motor de danos. Também não é possível determinar se, no caso de a atualização ter sido realizada sem que essa janela estivesse prevista, as exigências em matéria de durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição previstas no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 seriam respeitadas.

32

Nestas condições, o Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 5.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 715/2007] ser interpretado no sentido de que é inadmissível um equipamento de um veículo, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007, graças ao qual a válvula de recirculação dos gases de escape, ou seja, um componente que previsivelmente influencia as emissões, é concebido de modo a que a percentagem de recirculação dos gases de escape, isto é, a percentagem de gases de escape que são reconduzidos, é regulada garantindo um modo pouco poluente apenas entre os 15 e os 33 graus Celsius e abaixo de 1000 m de altitude, e fora deste espetro de temperaturas, num intervalo de 10 graus Celsius, e acima de 1000 m de altitude, na faixa dos seguintes 250 m de altitude, é reduzida linearmente a 0, verificando‑se assim um aumento das emissões [de óxido de azoto NOx] acima dos valores‑limite fixados no Regulamento n.o 715/2007?

2)

Para apreciar a [primeira questão], é relevante que o equipamento do veículo mencionado na [primeira questão] seja necessário para proteger o motor contra avarias?

3)

Além disso, para apreciar a [segunda questão], é relevante que a parte do motor a proteger contra as avarias seja a válvula [EGR]?

4)

Para apreciar a [primeira questão], é relevante que o equipamento do veículo mencionado na [primeira questão] tenha sido instalado aquando da produção do veículo ou que a regulação da válvula [EGR] descrita na [primeira questão] deva ser instalada no veículo como reparação na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da [Diretiva 1999/44]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

33

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Por conseguinte, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação de uma disposição específica do direito da União, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação deste direito que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 15 de julho de 2021, DocMorris, C‑190/20, EU:C:2021:609, n.o 23 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, a primeira questão faz referência ao artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007. No entanto, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se a janela térmica constitui um «dispositivo manipulador» na aceção do artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento, cuja utilização é, em princípio, proibida por força do artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

35

Importa salientar que, nas suas observações escritas, a Volkswagen afirma que o órgão jurisdicional de reenvio apresenta de uma forma errada o funcionamento do programa informático em causa. Com efeito, este programa informático implica uma redução da taxa de recirculação dos gases de escape quando a temperatura do ar de admissão no motor, e não a temperatura ambiente, é inferior a 15 graus Celsius. Ora, é pacífico, no plano técnico, que esta temperatura do ar de admissão no motor é, em média, superior em 5 graus Celsius à temperatura ambiente. Por conseguinte, todos os gases de escape recirculam quando a temperatura ambiente é superior ou igual não a 15 graus Celsius mas a 10 graus Celsius, ou seja, dentro do intervalo da temperatura ambiente anual média na Alemanha, a saber, 10,4 graus Celsius. Além disso, esse órgão jurisdicional não indica que, quando a temperatura ambiente é inferior a 10 graus Celsius, é apenas de forma progressiva que a taxa de recirculação dos gases de escape é reduzida linearmente a 0, e isso até uma temperatura ambiente de -5 graus Celsius.

36

Não obstante, importa recordar que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal, assim como para interpretar e aplicar o direito nacional (Acórdão de 9 de julho de 2020, Raiffeisen Bank e BRD Groupe Société Générale, C‑698/18 e C‑699/18, EU:C:2020:537, n.o 46).

37

Nestas condições, para responder utilmente ao órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que, com a sua primeira questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos no referido regulamento dentro da janela térmica constitui um «dispositivo manipulador» na aceção deste artigo 3.o, ponto 10.

38

O artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 define um «dispositivo manipulador» como «qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo».

39

O Tribunal de Justiça declarou que essa definição de dispositivo manipulador confere um amplo alcance ao conceito de «elemento», que abrange tanto as peças mecânicas como os elementos eletrónicos que comandam a ativação de tais peças, desde que atuem sobre o funcionamento do sistema de controlo das emissões e reduzam a sua eficácia [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 64].

40

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que o conceito de «sistema de controlo das emissões» na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 abrange tanto as tecnologias e a estratégia dita «de pós‑tratamento dos gases de escape», que reduzem as emissões a jusante, ou seja, depois da sua formação, como as que, à semelhança do sistema EGR, reduzem as emissões a montante, ou seja, durante a sua formação [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18. EU:C:2020:1040, n.o 90].

41

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o veículo em causa está equipado com uma válvula EGR e com um programa informático integrado na calculadora de controlo do motor. Esta válvula é uma das tecnologias utilizadas pelos fabricantes de veículos para controlar e reduzir as emissões de óxido de azoto (NOx) geradas pela combustão incompleta do combustível. A eficácia da despoluição está ligada à abertura da válvula EGR, que é comandada pelo programa informático acima referido. Fora da janela térmica estabelecida pela atualização do referido programa informático e referida no n.o 24 do presente acórdão, a taxa de recirculação dos gases de escape é reduzida linearmente a 0, o que conduz a uma ultrapassagem dos valores-limite de emissão fixados para o óxido de azoto (NOx) pelo Regulamento n.o 715/2007.

42

Assim, o programa informático em causa no processo principal, programado segundo a janela térmica, deteta a temperatura do ar, bem como a altitude de circulação, com vista «a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões», na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007.

43

Consequentemente, uma vez que atua sobre o funcionamento do sistema de controlo das emissões e reduz a sua eficácia, esse programa informático constitui um «elemento» na aceção da referida disposição. [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 66].

44

A fim de determinar se o programa informático em causa no processo principal constitui um dispositivo manipulador na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, importa ainda apreciar se esse programa informático reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões «em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo».

45

O Regulamento n.o 715/2007 não define o conceito de «funcionamento e […] utilização normais do veículo» e não remete para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance.

46

Por conseguinte, o referido conceito constitui um conceito de direito da União que deve ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta não só os termos das disposições em que figura mas também o contexto dessas disposições e o objetivo por elas prosseguido (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk, C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.o 45).

47

Como resulta da própria redação do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, o conceito de «funcionamento e […] utilização normais» de um veículo remete para a sua utilização em condições normais de condução, ou seja, não apenas, como afirma, em substância, a Volkswagen nas suas observações escritas, para a sua utilização nas condições previstas para o teste de homologação referido no n.o 22 do presente acórdão, aplicável à época dos factos do litígio no processo principal, que é efetuado em laboratório e consiste na repetição de quatro ciclos urbanos, seguidos de um ciclo extraurbano. Assim, este conceito remete para a utilização desse veículo em condições reais de condução, como existem habitualmente no território da União [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.os 96 e 101]. Com efeito, os ciclos de testes para as emissões dos veículos durante o procedimento de homologação não se baseiam nas condições reais de circulação [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 92].

48

Esta interpretação é confirmada pelo contexto em que se inscreve o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007. Com efeito, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, as medidas técnicas adotadas pelos fabricantes deverão ser adequadas para garantir, nomeadamente, que as emissões do tubo de escape sejam eficazmente limitadas ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais. Além disso, o artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que o fabricante deve equipar os veículos de modo que os componentes que afetam as emissões, como o programa informático em causa no processo principal, permitam que o veículo cumpra, em utilização normal, os limites de emissões previstos pelo mesmo regulamento e pelas suas medidas de execução [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 97].

49

Ora, estas disposições não revelam nenhum elemento que permita estabelecer uma distinção entre o funcionamento de um dispositivo como o programa informático em causa no processo principal durante a fase de testes de homologação e durante a condução em condições normais de utilização dos veículos. Pelo contrário, a instalação de um dispositivo que apenas permite assegurar o respeito dos valores- limite de emissão previstos no Regulamento n.o 715/2007 durante a fase de teste de homologação, quando essa fase de teste não permite reproduzir as condições normais de utilização do veículo, seria contrária à obrigação de assegurar uma limitação efetiva das emissões em tais condições normais de utilização [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18,EU:C:2020:1040, n.os 97 e 98]. O mesmo sucede no que respeita à instalação de um dispositivo que apenas permite assegurar esse respeito no âmbito de uma janela térmica que, embora abranja as condições em que ocorre a fase de teste de homologação, não corresponde às condições de condução normais, conforme definidas no n.o 47 do presente acórdão.

50

A interpretação que figura no n.o 47 do presente acórdão, segundo a qual o conceito de «funcionamento e […] utilização normais» de um veículo remete para a sua utilização em condições reais de condução, como existem habitualmente no território da União, é igualmente corroborada pelo objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 715/2007, que consiste, como resulta dos seus considerandos 1 e 6, em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e, mais especificamente, em reduzir consideravelmente as emissões de óxido de azoto (NOx) dos veículos a motor diesel a fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores-limite de poluição atmosférica [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.os 67, 86 e 87].

51

Quanto à questão de saber se um programa informático como o que está em causa no processo principal reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões em condições normais de condução, é pacífico que as temperaturas ambiente inferiores a 15 graus Celsius, bem como a condução em estradas situadas a uma altitude superior a 1000 metros, são habituais no território da União.

52

Além disso, importa salientar que o Regulamento n.o 692/2008, aplicável aos factos no processo principal, que, nos termos do seu artigo 1.o, institui medidas de aplicação dos artigos 4.o, 5.o e 8.o do Regulamento n.o 715/2007, prevê, no seu artigo 3.o, n.o 9, segundo parágrafo, que os fabricantes devem apresentar à entidade homologadora informações comprovativas de que o dispositivo de pós‑tratamento do óxido de azoto (NOx) dos seus veículos atinge uma temperatura suficientemente elevada para um funcionamento eficaz no espaço de 400 segundos após um arranque a frio a -7 graus Celsius. Segundo este artigo 3.o, n.o 9, quinto parágrafo, a entidade homologadora não deve conceder a homologação se a informação fornecida for insuficiente para demonstrar que o dispositivo de pós‑tratamento atinge realmente uma temperatura suficientemente elevada para um funcionamento eficaz dentro do período determinado. Esta última disposição confirma a interpretação segundo a qual os valores-limite de emissão previstos no Regulamento n.o 715/2007 devem ser respeitados quando as temperaturas são claramente inferiores a 15 graus Celsius.

53

Assim, há que considerar que um programa informático como o que está em causa no processo principal reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões «em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo», na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 e que constitui, portanto, um dispositivo manipulador na aceção desta disposição.

54

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos no referido regulamento dentro da janela térmica constitui um «dispositivo manipulador» na aceção deste artigo 3.o, ponto 10.

Quanto à segunda e terceira questões

Quanto à admissibilidade

55

IR alega que a segunda questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre se a circunstância de um dispositivo, como a janela térmica, ser necessário para proteger o motor contra danos tem impacto na licitude desse dispositivo, é hipotética na medida em que esse órgão jurisdicional indicou que não pôde determinar se a janela térmica era necessária para proteger o motor do veículo em causa contra danos.

56

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 25 e jurisprudência referida].

57

Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 26 e jurisprudência referida].

58

No caso em apreço, é verdade que, no pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio indica que não é possível determinar se a janela térmica é necessária para proteger o motor do veículo em causa contra danos.

59

No entanto, resulta igualmente desse pedido que, com a sua segunda e terceira questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o referido órgão jurisdicional exprime dúvidas quanto à interpretação a dar ao artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, que prevê que a proibição da utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões não se aplica «[s]e se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo».

60

Nestas condições, não se afigura manifesto que a interpretação do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento 715/2007, pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que diga respeito a um problema hipotético.

61

Por conseguinte, a segunda e a terceira questões são admissíveis.

Quanto ao mérito

62

Com a sua segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos por este regulamento quando dentro da janela térmica, pode estar abrangido pela exceção à proibição da utilização de tais dispositivos, prevista nesta disposição se esse dispositivo se destinar a proteger a válvula EGR.

63

Na medida em que enuncia uma exceção à proibição de utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.os 111 e 112].

64

No que respeita, antes de mais, ao conceito de «motor», que figura no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, como salientou o advogado‑geral nos n.os 118 e 119 das suas conclusões, o anexo I do Regulamento n.o 692/2008 estabelece uma diferenciação explícita entre o motor e o sistema de controlo da poluição. Com efeito, os requisitos relativos ao «[m]otor» são enunciados no ponto 3.3.1.2 deste anexo, ao passo que os relativos aos «[p]arâmetros do sistema de controlo da poluição» são enunciados no ponto 3.3.1.3 do referido anexo. Este último ponto, alínea c), inclui expressamente a recirculação dos gases de escape. Por conseguinte, a válvula EGR, que permite, quando é aberta, que os gases de escape passem para o coletor de admissão para serem queimados uma segunda vez, é um componente distinto do motor. Com efeito, esta válvula situa‑se à saída do motor, a seguir ao coletor de escape.

65

Em seguida, no que respeita aos conceitos de «acidente» e de «dano», que figuram no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, o Tribunal de Justiça declarou que, para poder ser justificado em conformidade com esta disposição, um dispositivo manipulador que reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões deve permitir proteger o motor de danos súbitos e excecionais [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 109].

66

Por conseguinte, a acumulação de sujidade e o envelhecimento do motor não podem, em todo o caso, ser considerados um «acidente» ou um «dano» na aceção da referida disposição, uma vez que esses eventos são, em princípio, previsíveis e inerentes ao funcionamento normal de um veículo [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 110].

67

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo do Regulamento n.o 715/2007, que consiste, como salientado no n.o 50 do presente acórdão, em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e melhorar a qualidade do ar na União, o que implica uma redução efetiva das emissões de óxido de azoto (NOx) ao longo da vida normal dos veículos. Com efeito, a proibição prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento ficaria esvaziada da sua substância e privada de todo o efeito útil se os fabricantes fossem autorizados a equipar os veículos automóveis com tais dispositivos manipuladores com o único objetivo de proteger o motor contra a acumulação de sujidade e o envelhecimento [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 113].

68

Apenas os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor que geram um perigo concreto durante a condução de um veículo são, assim, suscetíveis de justificar a utilização de um dispositivo manipulador, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

69

A interpretação do termo «dano», dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel) (C‑693/18, EU:C:2020:1040), não é posta em causa pelo argumento do Governo alemão e da Volkswagen segundo o qual resulta das versões deste termo nas línguas inglesa («damage») e alemã («Beschädigung») que o referido termo não abrange apenas acontecimentos súbitos e imprevisíveis.

70

Com efeito, por um lado, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 115 das suas conclusões, embora, diferentemente da definição desse termo na língua francesa, as definições do mesmo nas línguas inglesa e alemã não impliquem necessariamente que o dano seja devido a um acontecimento «súbito», não infirmam a interpretação do termo «dano» adotada pelo Tribunal de Justiça. Por outro lado, importa recordar que a interpretação estrita adotada pelo Tribunal de Justiça se baseia nos motivos recordados nos n.os 63 e 67 do presente acórdão.

71

No entanto, o Governo alemão e a Volkswagen alegam que o dispositivo manipulador em causa é justificado, uma vez que, em caso de temperaturas demasiado baixas ou demasiado elevadas, podem formar‑se depósitos, durante a recirculação dos gases de escape, suscetíveis de conduzir a um mau posicionamento da válvula EGR, a saber, por exemplo, uma válvula que deixa de abrir ou de fechar corretamente, ou mesmo a um bloqueio total dessa válvula. Ora, uma válvula EGR danificada ou mal posicionada pode causar danos ao próprio motor e conduzir, nomeadamente, a perdas de potência do veículo. Além disso, é impossível prever e calcular o momento em que o limiar de falha da válvula EGR é atingido, dado que este limiar pode ser ultrapassado de forma súbita e imprevisível, mesmo que se efetue uma manutenção regular dessa válvula. As perdas de potência do veículo, que ocorram de modo súbito e imprevisível, afetam o seu funcionamento seguro, por exemplo, aumentando consideravelmente o risco de acidente grave da circulação durante uma manobra de ultrapassagem.

72

Além disso, a Volkswagen alega que a acumulação de sujidade nos componentes do sistema de recirculação dos gases de escape, ao provocar um mau funcionamento da válvula EGR que pode conduzir até ao seu bloqueio, é suscetível de causar a combustão do filtro de partículas e o incêndio do motor, ou mesmo, consequentemente, o incêndio de todo o veículo, o que comprometeria o funcionamento seguro do veículo.

73

A este respeito, há que salientar que resulta da própria redação do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 que, para ser abrangida pela exceção prevista nesta disposição, a necessidade de um dispositivo manipulador deve ser justificada não só em termos de proteção do motor contra danos ou acidentes mas também para garantir um funcionamento seguro do veículo. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 106 das suas conclusões, tendo em conta a utilização, na referida disposição, da conjunção «e», esta deve ser interpretada no sentido de que as condições que prevê são cumulativas.

74

Por conseguinte, tendo em conta, conforme sublinhado no n.o 63 do presente acórdão, a interpretação estrita que deve ser dada a esta exceção, um dispositivo manipulador como o que está em causa no processo principal só pode ser justificado ao abrigo da referida exceção caso se demonstre que esse dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento de um componente do sistema de recirculação dos gases de escape, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto na condução do veículo equipado com o referido dispositivo. No entanto, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 126 das suas conclusões, essa verificação está abrangida, no litígio no processo principal, pela apreciação dos factos que incumbe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio.

75

Além disso, embora seja verdade que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 não impõe formalmente outros requisitos para efeitos da aplicação nesta disposição, não é menos verdade que um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido contra danos ou um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado seria manifestamente contrário ao objetivo prosseguido por este regulamento, que a referida disposição apenas permite derrogar em circunstâncias muito específicas, e conduziria a uma violação desproporcionada do próprio princípio da limitação das emissões de óxido de azoto (NOx) pelos veículos.

76

Tendo em conta a interpretação estrita que deve ser dada a este artigo 5.o, n.o 2, alínea a), tal dispositivo manipulador não pode, portanto, ser justificado ao abrigo desta disposição.

77

Admitir que um dispositivo manipulador como o descrito no n.o 75 do presente acórdão possa estar abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 acabaria por tornar esta exceção aplicável durante a maior parte do ano nas condições reais de condução existentes no território da União, de modo que o princípio da proibição desses dispositivos manipuladores, estabelecido neste artigo 5.o, n.o 2, poderia, na prática, ser aplicado menos frequentemente do que a referida exceção.

78

Por outro lado, a Volkswagen e o Governo alemão alegam que o conceito de «necessidade» de um dispositivo manipulador não exige a melhor técnica disponível e que há que ter em conta o estado da técnica à data da homologação CE para apreciar se essa necessidade se justifica em termos de proteção do motor e de funcionamento seguro do veículo na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007. Ora, não é contestado que a utilização de um sistema EGR que funciona segundo uma janela térmica, numa medida diferente consoante a data de homologação, corresponde ao estado da técnica. Além disso, a interpretação do termo «necessidade», que figura nesta disposição, deve ter em conta a necessidade de ponderar os interesses em matéria de ambiente com os interesses económicos dos fabricantes.

79

A este respeito, importa sublinhar, como salientou o advogado‑geral no n.o 129 das suas conclusões, por um lado, que resulta do considerando 7 do Regulamento n.o 715/2007 que o legislador da União, quando determinou os valores-limite da emissão de poluentes, teve em conta os interesses económicos dos fabricantes e, nomeadamente, os custos impostos às empresas pela necessidade de respeitarem esses valores. Assim, incumbe aos fabricantes adaptarem‑se e aplicarem os dispositivos técnicos adequados para respeitar os referidos valores, sendo que este regulamento não impõe o recurso a uma tecnologia específica.

80

Além disso, conforme referido no n.o 67 do presente acórdão, o objetivo visado pelo Regulamento n.o 715/2007, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e melhorar a qualidade do ar na União, implica uma redução efetiva das emissões de óxido de azoto (NOx) ao longo da vida normal dos veículos [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 113]. Ora, autorizar um dispositivo manipulador ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento apenas porque, por exemplo, as despesas de investigação são elevadas, o dispositivo técnico é dispendioso ou as operações de manutenção do veículo são mais frequentes e mais caras para o utilizador poria em causa esse objetivo.

81

Nestas circunstâncias, tendo em conta o facto de que esta disposição deve, conforme recordado nos n.os 63 e 74 do presente acórdão, ser objeto de uma interpretação estrita, há que considerar que a «necessidade» de um dispositivo manipulador, na aceção da referida disposição, só existe quando, no momento da homologação CE desse dispositivo ou do veículo com ele equipado, nenhuma outra solução técnica permite evitar riscos imediatos de danos ou de acidente no motor geradores de um perigo concreto durante a condução do veículo.

82

Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos por este regulamento dentro da janela térmica, não pode ser abrangido pela exceção à proibição da utilização de tais dispositivos prevista nesta disposição, pelo simples facto de esse dispositivo se destinar a proteger a válvula EGR, a menos que se demonstre que o referido dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento desse componente, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o mesmo dispositivo. Em todo o caso, um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido contra danos ou um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado não pode ser abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

Quanto à quarta questão

83

Em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 33 do presente acórdão e tendo em conta as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial, para responder utilmente ao órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que, com a sua quarta questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um dispositivo manipulador, na aceção desta última disposição, ter sido instalado após a entrada em circulação de um veículo, aquando de uma reparação, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44, é pertinente para apreciar se a utilização desse dispositivo é proibida, por força deste artigo 5.o, n.o 2.

Quanto à admissibilidade

84

O Governo alemão considera que a presente questão é inadmissível, dado que a decisão de reenvio não expõe as razões pelas quais a resposta a tal questão é necessária para a resolução do litígio no processo principal.

85

No caso em apreço, não se afigura manifesto que a quarta questão seja abrangida por um dos casos, enumerados no n.o 57 do presente acórdão, em que o Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial.

86

Pelo contrário, resulta do pedido de decisão prejudicial, por um lado, que a instalação do dispositivo manipulador em causa tinha por objetivo sanar a ilicitude do sistema de comutação e dar cumprimento aos requisitos do Regulamento n.o 715/2007 através de uma reparação e, por outro, que o órgão jurisdicional de reenvio considera que há que determinar se a circunstância de o dispositivo manipulador em causa não equipar o veículo no momento da sua entrada em circulação tem incidência na apreciação da conformidade desse dispositivo com este regulamento.

87

Por conseguinte, a quarta questão é admissível.

Quanto ao mérito

88

Não resulta nem da redação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, que prevê que a utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida, sem prejuízo de determinadas exceções, nem da redação do artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento, que define o conceito de «dispositivo manipulador», que há que distinguir consoante esse dispositivo seja instalado na fase de produção de um veículo ou apenas após a sua entrada em circulação, nomeadamente na sequência de uma reparação na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44, para apreciar se a utilização desse dispositivo é proibida.

89

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 137 e 138 das suas conclusões, esta interpretação é corroborada pelo contexto em que se inserem essas disposições do Regulamento n.o 715/2007 e pelo objetivo prosseguido por este último.

90

Com efeito, por um lado, no que respeita ao contexto das referidas disposições, importa salientar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 715/2007, os fabricantes devem demonstrar que todos os novos dispositivos de controlo da poluição de substituição sujeitos a homologação e que sejam vendidos ou entrem em circulação na União estão homologados em conformidade com o disposto neste regulamento e respetivas medidas de execução. Este artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, precisa que esta obrigação abrange a observância dos limites de emissão definidos no anexo I deste regulamento e das medidas de execução referidas no artigo 5.o do mesmo regulamento.

91

Além disso, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 692/2008, «[o] fabricante deve garantir que os dispositivos de substituição para controlo da poluição destinados a equiparem veículos com homologação CE abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento [n.o 715/2007] também recebam a homologação CE, enquanto unidades técnicas na aceção do n.o 2 do artigo 10.o da Diretiva [2007/46], nos termos dos artigos 12.o e 13.o e do anexo XIII do presente regulamento».

92

Decorre destas disposições dos Regulamentos n.o 715/2007 e n.o 692/2008 que os dispositivos de controlo da poluição devem respeitar as obrigações previstas pelo Regulamento n.o 715/2007, quer sejam instalados no início ou após a entrada em circulação de um veículo.

93

Por outro lado, permitir aos fabricantes de veículos instalar, após a entrada em circulação de um veículo, um dispositivo manipulador que não respeite essas obrigações seria contrário ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 715/2007, recordado no n.o 50 do presente acórdão, que consiste em garantir um nível elevado de proteção do ambiente e, mais especificamente, em reduzir consideravelmente as emissões de óxido de azoto (NOx) dos veículos a motor diesel para melhorar a qualidade do ar e respeitar os valores-limite em termos de poluição.

94

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um dispositivo manipulador, na aceção desta última disposição, ter sido instalado após a entrada em circulação de um veículo, aquando de uma reparação na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44, não é pertinente para apreciar se a utilização desse dispositivo é proibida por força deste artigo 5.o, n.o 2.

Quanto às despesas

95

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos no referido regulamento quando a temperatura exterior se situa entre 15 e 33 graus Celsius e a altitude de circulação é inferior a 1000 metros constitui um «dispositivo manipulador» na aceção deste artigo 3.o, ponto 10.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante o respeito dos valores-limite de emissão previstos por este regulamento quando a temperatura exterior se situa entre 15 e 33 graus Celsius e a altitude de circulação é inferior a 1000 metros, não pode ser abrangido pela exceção à proibição da utilização de tais dispositivos prevista nesta disposição, pelo simples facto de esse dispositivo se destinar a proteger a válvula para a recirculação dos gases de escape, a menos que se demonstre que o referido dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento desse componente, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o mesmo dispositivo. Em todo o caso, um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido contra danos ou um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado não pode ser abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

 

3)

O artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um dispositivo manipulador, na aceção desta última disposição, ter sido instalado após a entrada em circulação de um veículo, aquando de uma reparação na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, não é pertinente para apreciar se a utilização desse dispositivo é proibida por força deste artigo 5.o, n.o 2.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Início